Eram nove horas da manhã e Katniss estava dirigindo seu carro. Ela não deixava de pensar que poderia estar dormindo ao invés de estar atravessando a cidade para chegar até a casa de Peeta Mellark. Ela também estava estranhando que ele morasse numa parte tão afastada da cidade e também afastada da empresa em que ele trabalhava com o pai. E como se seus pensamentos estivessem sendo lidos, seu celular vibrou indicando que havia recebido uma nova mensagem. Ela tirou uma mão do volante e pegou o celular. A mensagem era de Peeta e mostrava um endereço.

– Mas o quê... – antes que ela terminasse a frase o celular tocou. Ela colocou o celular no ombro para apoiá-lo no ouvido e voltou a mão para o volante – O que foi Mellark?

– Eu errei meu endereço, acabei de te mandar o endereço certo, você viu? – ele perguntou. Katniss teve que respirar fundo e contar até dez antes de respondê-lo.

– O endereço que você acabou de me mandar fica totalmente oposto ao endereço que você mandou mais cedo – disse Katniss em tom acusatório.

– O que posso dizer? Sou um pouco distraído – ela seria capaz de apostar a mão direita para afirmar que ele estava sorrido – Venha rápido.

Ela desligou o celular sem responder. Fez o retorno e diminuiu a velocidade, esperando que ele fosse ficar nervoso com a demora, mas ele não era como Gale. Peeta podia ser a paciência em pessoa, até porque ele precisou esperar alguns anos para poder se vingar da garota má que foi sua primeira paixão de escola, mas agora o dia havia finalmente chegado. O que seriam alguns minutos a mais comparados a dois anos?

Quando ela chegou ao endereço certo, precisou de um momento para ter certeza de que era mesmo o endereço e não outra brincadeira, mas concluiu que fazia sentido que fosse mesmo o prédio dele. Era um prédio luxuoso no Upper East Side e ficava perto da empresa dos Mellark.

Katniss desceu do carro para ir falar com o porteiro para saber se ela tinha uma vaga reservada na garagem. Seu carro não podia ficar na rua pela semana toda.

– Com licença – ela chamou. O homem, que estava lendo um jornal, levantou a cabeça para olhá-la – Peeta Mellark está me esperando, eu gostaria de saber se eu tenho uma vaga na garagem para deixar meu carro no tempo em que estarei ficando aqui.

– Peeta Mellark? – ele pensou por um momento – Ah sim, ele mencionou você. É a empregada nova, certo?

Katniss franziu as sobrancelhas.

– Empregada? – ela repetiu – Não, eu não, sou a convidada dele. Meu nome é Katniss. Katniss Everdeen.

– Foi assim que ele disse que se chamava a empregada – disse-lhe o porteiro.

Katniss fechou os olhos e colocou as duas mãos no rosto, tentando se acalmar.

– Certo, não importa. Eu tenho uma vaga? – ela perguntou.

– Sim, sim – ele respondeu e se levantou da cadeira. Ela o seguiu até chegarem a uma área aberta – As vagas lá embaixo estão todas ocupadas. A única livre é a última no canto esquerdo.

Katniss procurou a vaga com o olhar.

– Mas lá bate sol – ela observou.

– Por isso mesmo que essa vaga está livre – retrucou o porteiro – Eu vou abrir o portão para você entrar com o seu carro.

Katniss voltou para o carro ao mesmo tempo em que ele voltava para sua cadeira e abria o portão. Ela se direcionou até a sua vaga temporária e desejou saber qual era o carro de Peeta, assim poderia “acidentalmente” bater seu carro no dele. Ela estacionou e voltou até o porteiro.

– Qual é o apartamento de Peeta? – ela perguntou.

– A cobertura – respondeu enquanto lia seu jornal.

Katniss entrou no elevador sem saber o que esperar, e ela odiava isso. Não gostava de ser pega desprevenida. Não gostava da ideia de passar uma semana toda sem saber o que aconteceria. Digamos que ela nunca foi uma fã de surpresas.

O elevador parou no último andar e ela apertou a campainha do apartamento de Peeta e só soltou o botão quando ele abriu a porta. Estava com seu sorriso sarcástico e despreocupado que Katniss já estava se acostumando a ver.

– Deus, você nunca para de sorrir? – ela resmungou.

Sem esperar resposta ou um convite para entrar, ela o empurrou para que abrisse a passagem e entrou, deixando a mala perto da mesa e jogando a bolsa em cima do sofá.

– Com pressa? – ele perguntou erguendo a sobrancelha – Não se preocupe, temos a semana toda – ele sorriu. De novo. Katniss revirou os olhos.

– Não me lembre – ela murmurou em resposta – Por que diabos está de terno e gravata? – ela observou.

– Porque alguém tem que trabalhar – ele respondeu, ajeitando o cabelo loiro – Diferente de você que está de férias, eu não tenho esse luxo. Divirta-se até que eu volte.

– Você me chamou aqui pra ficar encarando a parede o dia todo? – ela gritou, mas era tarde, ele já tinha saído.

Katniss ficou parada alguns minutos olhando a sua volta e se perguntando o que poderia fazer. Era um apartamento extremamente bonito e confortável, sem dúvida alguma. Ela reparou em uma longa cortina que provavelmente escondia uma sacada. Sentou-se no sofá, tirou os sapatos de salto e ligou a televisão, mas ficou entediada em menos de meia-hora e foi quando ela decidiu que havia coisas mais interessantes para fazer.

Ela andou pelo corredor até encontrar o que claramente era o quarto dele. Primeiramente foi até o banheiro e automaticamente sua boca se abriu levemente. A banheira dele mais parecia uma piscina pequena do que uma banheira grande. Começou a mexer no armário e riu histericamente quando encontrou uma grande quantidade de caixas de curativo com estampas diversificadas. Ou ele se machucava demais ou ele tinha uma séria obsessão por curativos.

Quando ela perdeu o interesse pelo banheiro, voltou para o quarto dele. Começou mexendo em sua cômoda, mas a única coisa estranha que ela achou foi uma faca em sua gaveta de cuecas, o resto eram apenas roupas, então passou a mexer no guarda-roupa. Em uma parte só havia ternos pendurados em cabides. A princípio ela achou que não encontraria nada interessante, até que encontrou o que achou ser um álbum de fotografia, até abrir e encontrar guardanapos ao invés de fotos. Eram guardanapos personalizados, que havia o nome do restaurante neles. Faltava apenas uma página para o álbum ficar completo. Agora Katniss riu menos e questionou mais. Tentou imaginar milhares de motivos, mas não conseguiu chegar numa conclusão do porquê dessas coleções. Guardou o álbum e subiu na cama para poder alcançar a parte de cima. Estava cheia de cobertas e edredons, o que a animou, pois por experiência própria podia dizer que as melhores coisas estavam escondidas. Mas ao tentar tirar os edredons da frente acabou escorregando e caiu.

Todo o peso de seu corpo caiu sobre a perna esquerda. Um gemido de dor escapou de seus lábios enquanto ela tentava se levantar. Sentou-se na cama de Peeta e analisou o joelho que já estava vermelho e logo começaria a arroxear. Estava doendo muito, mas não havia nada que ela pudesse fazer, de forma que fechou todas as portas do guarda-roupa que abriu e foi para a sala mancando, pois a cada passo que dava seu joelho doía.

Deitou-se no sofá e ficou assistindo um desenho animado que estava passando em um canal infantil. Acabou adormecendo e acordou horas depois com Peeta sacudindo seu ombro.

– Achei que eu chegaria e você teria cozinhado algo, mas foi uma decepção completa – ele disse em tom de desaprovação – De qualquer forma, eu pedi pizza. Quando chegar você vai lá embaixo buscar, sim?

– Não – ela murmurou em resposta ainda sonolenta – Não mesmo.

Peeta revirou os olhos.

– Levante-se, ajude a arrumar a mesa então.

Antes de se levantar ela tentou se concentrar em ignorar a dor que com certeza iria sentir no joelho. Levantou-se, mas seu próprio corpo a traiu quando automaticamente seu rosto se contorceu em uma careta de dor, o que não passou despercebido por Peeta.

– O que foi? – ele perguntou desconfiado.

Katniss fingiu um riso e ergueu o polegar, querendo dizer que estava tudo bem.

– Estou apenas expressando a minha dor em ter que levantar do confortável sofá – ela mentiu, o que evidentemente não o enganou. Ele ergueu a sobrancelha então ela suspirou e parou de sorrir – Eu caí – Katniss ergueu a perna esquerda para que ele visse seu joelho, que agora estava bastante roxo, o que a assustou tanto quanto a ele.

– Mas como você caiu? Espera, deondevocê caiu? – perguntou Peeta.

– Da sua cama – ela respondeu desconfortável, sabendo que teria que ser rápida em inventar mentiras para que ele não descobrisse que ela estava mexendo em suas coisas.

– O que fazia na minha cama? – ele perguntou confuso.

– Eu subi na sua cama para pegar uma coberta na parte de cima. Você sabe, eu não sou muito alta, não alcanço esses lugares altos sem subir em algum lugar.

– E onde está a coberta? – ele desviou o olhar do sofá para o chão, procurando alguma coberta.

– Depois que eu caí eu desisti de pegar pra não me machucar ainda mais, não é óbvio?

Ele olhou fixamente para ela por alguns segundos. Ele não havia acreditado completamente, mas foi uma mentira plausível, então resolveu deixar esse assunto para depois. Para a sorte dela, o interfone tocou e Peeta foi atender.

– Certo, Katniss vai descer para pegar – ele disse no interfone e então virou-se para ela – Vai lá.

– Meu joelho! – ela exclamou em protesto.

– Muita gente nem a perna têm e nem por isso eles deixam de ir pegar a pizza na portaria, agora deixa de ser tão preguiçosa e vai lá.

Ela o olhou por um momento para ter certeza de que ele não estava brincando e nem iria mudar de ideia. Quando percebeu que ele se manteve inflexível, calçou os sapatos de salto que estava usando mais cedo, já que ainda não havia tirado os outros sapatos de sua mala, pegou o dinheiro que ele colocou em cima da mesa e se dirigiu a passos lentos até o elevador.

Chegando na portaria, ela pagou o entregador e pegou a pizza. Quando estava prestes a retornar ao elevador, ouviu o porteiro murmurar:

– E ainda diz que não é a empregada.

Ela estreitou os olhos e se curvou sobre o balcão até que ele desfocasse a atenção do jornal para ela.

– Eu não sou a empregada do Mellark – ela disse lenta e pausadamente – Eu estou aqui porque perdi uma aposta. Estou sendo obrigada a ficar aqui.

– Não me culpe se eu duvidar – Katniss ergueu as mãos na direção dele, em gesto de indignação – A porta está bem ali. Não vejo Peeta Mellark por perto e nem uma coleira em você. Se quisesse ir embora, iria, mas não vai porque tem um motivo pra ficar. Dinheiro, não é?

– Eu sou uma mulher de honra, está bem? – ela gritou e voltou para o elevador.

Enquanto o elevador subia, ela tirou os sapatos com uma mão só, segurando a pizza com a outra. Com a mão livre segurou os sapatos, e regressou ao apartamento de Peeta. A mesa já estava arrumada quando chegou, então deixou a pizza em cima dela, colocou os sapatos no chão e se sentou.

Peeta também se sentou e, sem dizer uma palavra, serviu-se com um pedaço de pizza, enquanto Katniss o observava com o rosto apoiado em uma mão e o cotovelo apoiado na mesa.

– Mellark – ela chamou. Ele engoliu o pedaço que estava mastigando e olhou pra ela.

– É falta de educação colocar o cotovelo na mesa – ele lhe disse, batendo seus pulsos levemente no lugar onde estavam apoiados para que ela visse a forma correta.

– Qual é a sua? – irritou-se Katniss – Desde o momento em que Gale e eu perdemos aquela aposta ontem até agora você só foi um idiota comigo. O que você quer afinal? Pra que tudo isso? Achei que você fosse tentar me seduzir ou algo do tipo já que nunca o fez na época em que estudamos juntos.

Peeta começou a rir e tudo o que ela fez foi olhá-lo com incredulidade.

– Katniss querida, eu pensei que você fosse mais esperta – disse Peeta – Eu realmente te quero aqui para fazer o que eu não fiz quando estudamos juntos. Quero fazer o que ninguém nunca fez, que é ter coragem para te enfrentar. Antes eu não tinha, você era linda e toda metida a poderosa, mas agora eu vejo quem você realmente é.

– O que está dizendo?

– Que agora quem está no poder sou eu – ele sorriu – E eu vou me divertir às suas custas durante essa semana. Você me deve isso considerando todo o tempo em quevocêse divertiu àsminhascustas. O mundo gira, nunca te disseram isso?

Ela não respondeu. Pela primeira vez na vida ela estava sentindo o peso de suas ações. Peeta estava certo, era ele quem estava no poder dessa vez. Ela podia simplesmente ir embora, mas isso seria vitória dele, pois ela estaria mostrando o quanto era fraca e o quanto ele estava no poder. O melhor a fazer para o bem de seu orgulho era aguentar essa semana sem ceder.

– Muito bem, Mellark, mas esse jogo é para dois – Katniss lhe respondeu.

– Mas sou eu quem dito as regras, então é você quem está no meu jogo.

– Não se eu torná-lo meu.

Katniss não tinha ideia de como poderia revidar. Ela estava na casa dele, porque devia a ele. Tudo o que ela sabia era que não deixaria que ele a dominasse dessa forma. Uma semana com ele. Uma semana para achar suas fraquezas. Uma semana para atingi-las.

– Onde eu vou dormir? – Katniss perguntou, quando terminaram de comer.

– Na minha cama, é claro – Peeta respondeu e ela fingiu estar tossindo.

– Tem um quarto extra. Eu não preciso dormir com você!

– O quarto extra não é um quarto – ele respondeu – Eu nunca recebo visitas, então pra que ter um quarto de hóspedes se eu não tenho hóspedes? Naquele quarto tem livros e um notebook.

– Você só pode estar brincando – ela choramingou.

– Vamos logo fazer a divisão da cama – ele sorriu maliciosamente.

Katniss o seguiu até o quarto. Ela se alegrou porque pelo menos a cama era grande, mas isso não impediria Peeta de tornar desagradável a situação. Ele enrolou o lençol e o colocou na cama.

– A parte da direta é minha, a parte da esquerda é sua – Peeta lhe disse.

– Mas a minha parte é tão pequena que não dá nem pra eu mexer! – ela protestou. Peeta deu de ombros.

– Então não mexa.

Katniss resmungou e foi pegar sua mala. Ela pegou seu pijama e foi para o banheiro se trocar.

– Não quer tomar banho? – ele lhe perguntou.

– Eu tomei banho de manhã na minha casa – ela respondeu.

–Ew, você toma um só banho por dia? – perguntou Peeta – E o suor do dia-a-dia?

– Cale a boca – ela saiu do banheiro segurando as roupas nas mãos. Peeta levantou as mãos como se estivesse se rendendo, pegou uma toalha e entrou no banheiro, fechando a porta em seguida.

Katniss se deitou em sua parte da cama na intenção de dormir antes que Peeta saísse do banho. E foi o que aconteceu.