A História da Grand Chase escrita por Thugles


Capítulo 14
A Grand Chase, de fato...


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora, este foi um capítulo que comecei a escrever várias vezes porque... Bom, digamos que talvez alguém devesse algumas respostas, pois bem, elas aparecem neste capítulo.



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Uma vez que a arma do líder dos oaks foi destruída, a Grand Chase continuou a seguir a estrada para a sua próxima missão. Despediram-se da guarda de Serdin, que voltou para procurar possíveis grupos de bandidos na região e para garantir que não haveria nenhum resquício de Cazeaje no território dos Oaks. Com o líder derrotado e morto, era bem improvável, mas no que se referia à ira de Cazeaje, nenhum cuidado era demais.

Elesis achava muito estranho o fato do líder Oak ter lutado sozinho. Já que aquele era o templo mais sagrado deles, Lire acrescentara, não deviam ter enfrentado um exército deles? A comandante Lothos não fez questão de responder, tinham algo muito mais urgente para tratar.

Tinham vencido, derrotado um perigoso chefe de guerra, e Arme adormecera logo após a batalha, e continuara assim mesmo depois de descansarem e irem embora horas depois. A comandante, que vinha de Serdin e sabia sobre magia, disse que aquilo era normal, que a garota fora esgotada e que o corpo precisaria de repouso. Dentro de dez horas, umas quinze no máximo, teria se recuperado.

Mas Arme não acordou na manhã seguinte, nem no dia seguinte, e nem no dia que se seguiu a este. Mexia-se inquieta desde o segundo dia, e às vezes balbuciava coisas que ninguém conseguia entender, mas às vezes distinguiam o nome do avô em meio aos gemidos. Ela passara a suar e a testa fervia de febre. Tinham que lhe dar água direto na boca, e com muito esforço conseguiram fazer com que ela comesse algumas frutinhas. Tiraram-lhe as roupas e a envolveram com uma toalha branca que tinham mergulhado num rio gelado, e tiveram a impressão de que ela se acalmou um pouco depois disso. Mas continuava adormecida, e a situação não mudou depois de três dias.

Mesmo com a garota nesse estado, entretanto, Lothos insistia em continuar, que nada adiantaria permanecerem paradas. Os Guardas tinham lhes dado algumas mochilas com suprimentos para a viagem, e nelas encontraram cobertores, que usaram para afzer uma maca improvisada junto com galhos de árvore. Elesis levava duas mochilas, a dela e a de Arme, e também a própria Arme, carregada na maca por ela e pela comandante. Lire fora poupada do serviço braçal e caminhava perto delas, o coração pesado.

Desde que saíram do deserto, o caminho se transformara num chão duro e plano, gradativamente ganhando grama e árvores até recuperar o habitual caminho aberto na relva, com árvores em ambos os lados. E depois as árvores começaram a rarear novamente quando a estrada, que até então tinha seguido para o leste, fizera uma curva para o norte, para longe do mar.

Ficava cada vez mais quente, fato que atribuíram à falta de vegetação. Esse fato podia tornar a paisagem um pouco sem graça, mas, sem as árvores, podiam enxergam muito além do que conseguiam antes, e por toda parte se viam morros e colinas baixas, rochedos íngremes e até um grupo de colinas cobertas de grama, tão longe que dois dias de viagem não seriam suficientes para alcançá-los. E a vista mais impressionante estava mais à frente, lá pra esquerda da estrada, na forma de um cume alto de rocha marrom-clara que elevava-se muito mais alto do que qualquer outra da região. Estreito e delgado, ia ficando mais cilíndrico à medida que ficava mais alto, e o topo parecia a extremidade de um grande tubo.

—Isso certamente não é obra da natureza — Lire comentou assombrada.

—É sim, é um vulcão — Elesis explicou — Eles são ocos por dentro, e cospem fogo por uma abertura lá em cima. É o único nessa parte de Vermecia, mas ouvi dizer que ninguém nunca viu ele cuspindo fogo.

—Isso é verdade, e agradeça às deusas por isso — Lothos disse com divertimento — É um vulcão, sim, e o fogo que eles soltam é na verdade magma subterrâneo, pedra derretida que vem das profundezas da terra. Chamamos isso de erupção.

Ela olhou para a montanha.

—Ouvi dizer que eles jogam toneladas de pedra pelos ares e escorrem pelas paredes da montanha. Criam rios de fogo que derretem vilarejos e soltam uma fumaça tão tóxica que ninguém consegue respirar. Dizem que, um dia esse vulcão entrará em erupção também.

—Espero que não seja hoje — falou Lire.

—Esse vulcão está inativo há pelo menos setenta anos — contou a comandante — Conta-se que da última vez que entrou em atividade, espalhou uma nuvem de fumaça tão densa que cobriu o sol por um mês inteiro. É por isso que existem poucos vilarejos nessa parte da região. Além da própria ameaça que é o vulcão, a lava também cria caminhos subterrâneos onde continua quente por baixo da terra, sem endurecer e não deixa que as árvores cresçam.

Isso era verdade - não havia árvores, somente um mato espesso e resistente, cheio de juncos, chegando a pouco mais de um metro nos lugares onde eram mais altos. Em dado momento, Lothos fez com que saíssem da estrada e fossem pelo mato à esquerda. Atravessavam a grama dura que por pouco não arranhavam as pernas. Ficava mais quente a cada passo, até ficar mais calor do que nunca tinham sentido, e Lire chegou a perguntar se era mesmo sensato, com Arme naquela febra. A comandante tranquilizou-a rapidamente. Disse que sabia o que estava fazendo e só mandou que parassem quando chegaram a um pequeno rochedo, como uma pedra caída.

A formação lembrava uma meia-lua curta, e aninhada em sua curva havia um buraco largo como um lago minúsculo, mas em vez de água, o que havia ali era um líquido grosso que brilhava em tons de laranja e vermelho. Uma pouca fumaça fina saía de borbolhas ocasionais.

—Isso é lava — Lothos contou. Depositaram a maca no chão e ela pegou o corpo inerte de Arme, e o colocou perto da lava, a menos de dois metros da beirada.

—É mesmo seguro? — Elesis perguntou, nada confiante.

—Totalmente — Lothos respondeu com displicência.

Ela sentou-se placidamente; Elesis e Lire, nem tanto e olhavam a companheira adormecida com preocupação. Passados alguns minutos, entretanto, os gemidos de Arme se aquietaram. Ela parou de se mexer, permaneceu deitada de barriga para cima, respirando calma e tranquilamente. Suava tanto que a toalha branca ficou encharcada, mas ela ressonava em paz, como que apenas desfrutando de um bom sono.

—Parece um anjinho — Lire comentou maravilhada. Ela tinha se levantado quando Arme começou a parar de se mexer, temendo o pior, mas agora sorria muito aliviada.

—Eu disse — a comandante deu de ombros. Realmente sabia o que estava fazendo.

Aproveitaram bem o descanso, mesmo com o calor, e de qualquer forma o suor era bom para eliminar os maus fluidos, Lothos dissera. Lire aceitou com um sorriso, mas Elesis, que podia-se dizer que era um tanto temperamental, tinha um humor que não melhorava com o calor rachante que fazia. Ela queria reclamar, mas se conteve. Pois vestia roupas curtas e frescas, ao passo que a comandante Lothos, tranquila como se estivesse no palácio da rainha, nem tirara a armadura. Mas acabou por baixar o capacete, deixando os longos cabelos loiros caírem fluidamente pelas costas.

—Sempre me disseram pra manter os cabelos curtos ou presos — Elesis disse enquanto comia uma frutinha, a última que restava das que tinham trazido da Torre Sombria —Me falaram que atrapalha muito na hora da luta.

—Besteira e desculpa de fracote — Lothos bufou — As deusas me deram um cabelo dourado que cresce longo e imaculado, então por que eu iria cortá-lo? Você não pode se julgar uma boa guerreira se não é capaz de lutar com as coisas do seu próprio corpo. Minhas habilidades vêm do treino com a espada, não de como eu corto os cabelos.

A espadachim assentiu, e refletiu por muito tempo sobre essa informação. Ouviu-se um gemido baixo, um "nhhhhhhhhrrrrrrr" de alguém se espreguiçando e Arme se juntou a elas, a passos arrastados e olhos semicerrados de sono.

—Eu dormi — disse. Largou-se no chão, sentada, o corpo envolto pela toalha — Tô com tanta fome...

—Sei o que vai animar você — a comandante sorriu-lhe, e estendeu um monte de coisas de dentro de um pequeno saco. Elesis gemeu ao lembrar-se deles e enfiou dois na boca.

—Esses não são aqueles bombons envenenados? — Lire disse, mas sem muita convicção, pois as três serviam-se à vontade, como se a situação no caminho para o Templo Oak nunca tivesse acontecido.

—Se forem, é tarde demais — Elesis respondeu de boca cheia — Mas não são esses. Só os que tinham o emblema de Serdin é que estavam envenenados.

—Emblema... De Serdin? — agora que ela falava, Lire teve mesmo a sensação de lembrar-se de ter visto alguma coisa entalhada no chocolate que recebera da comandante. Lembrou-se também que ela prometera explicações. Olhou-a, e Lothos engoliu o doce e contou.

Aparentemente, alguém preparara chocolates e desenhara neles o emblema de Serdin, para serem entregues de presente à rainha. Entregaram os chocolates na Finestra Aperta, para que eles os mandassem, mas quando os bandidos atacaram, a estalagem tinha oferecido os chocolates a Lothos como agradecimento, dizendo que poderiam fazer mais, para depois mandar para a rainha.

—Ninguém sabia que havia veneno neles — Lothos contou. Lire parecia abismada.

—Então... Então se aqueles bandidos não tivessem invadido, os chocolates teriam sido levados até Serdin, e a rainha seria enev... envena... — ela fez uma pausa - falava bem o idioma comum, mas aquela era uma palavra complicada para ela — en...ve...nenada? — mas Lothos negou com a cabeça.

—Não é qualquer um que manda presentes pra rainha assim, Lire. Em Serdin, conhecemos os venenos, e há magos especializados em inspecionar tudo o que é enviado para a corte. É mais do que certo que a trama seria descoberta antes mesmo de chegar aos portões do pálacio — ela franziu o cenho, pensativa — Mas é verdade que isso levantaria dúvidas a respeito da Finestra. Teria havido muita discussão e desconfiança, perguntas seriam feitas e pessoas iriam se ofender.

—E se foi a própria Finestra quem arquitetou tudo? — Elesis sugeriu, mas Lothos esperava aquela pergunta.

—Não pode ser porque não faria sentido, se fosse esse o caso, por que teriam entregado o veneno pra mim, pra começar? Talvez, se quisessem acabar com a Grand Chase, por exemplo, mas não pode ser — repetiu — Eu conheço aquele pessoal há bastante tempo, e a rainha também. Confio que não iriam simplesmente trair-nos assim.

—A senhora disse que eles tinham o emblema de Serdin — ajuntou Lire.

Àquilo, a expressão de Lothos azedou.

—Disse... Só pessoas de confiança da corte é que possuem o emblema. Isso só pode significar que são traidores, ou então que o falsificaram de alguma forma — estava claro que aquilo amargava, e muito, a comandante Lothos. A perspectiva de que algum bandido poderia ter uma insígnia nobre como aquela significava uma séria falha na segurança do reino, o que não agradava alguém como a comandante. Talvez desagradasse também a Arme, mas ela babava enquanto comia o primeiro bombom e não parecia muito interessada na conversa.

Lothos disse para deixarem pra lá esse assunto - intrigas do reino eram problema do reino, e a Guarda já estava sendo mobilizada para procurar e punir os responsáveis. Elas deviam esquecer isso e focar na próxima missão, que discutiriam no dia seguinte. Todos os bombons com emblema tinham sido jogados fora e Lire até conseguiu comer alguns, embora o gosto não fosse tão delicioso quanto antes - o calor os deixara moles e melequentos.

Com o tempo, Arme se recuperou por completo e já estava animada como costumava ser. Sentia-se forte, gabava-se, como se sua magia tivesse se fortalecido enquanto dormia, e parecia pronta para continuar. Mas as outras tinham dormido pouco desde a Templo, e ficou combinado que passariam aquela noite ali. Lothos deu a elas o resto do tempo de folga.

—Finalmente! — Elesis falou assim que a comandante dera a notícia — Não acredito que finalmente vou poder ter um tempinho de pausa!

Ilogicamente, contudo, a primeira coisa que ela fez foi atacar um campo de juncos, para treinar e melhorar a técnica. Os cabelos da comandante Lothos tinham passado maus bocados desde a praia Carry, e Arme ofereceu-se para cuidar deles. Depois de algumas horas, e de muita grama cortada, Lothos resolveu ensinar algumas técnicas novas à espadachim, enquanto Arme praticava sua magia.

Lire foi para longe, pois queria conhecer mais a região. Na verdade, queria também fugir daquele lugar quente e voltou à estrada, indo para a direita dela, para oeste. Passou por colinas e não encontrou árvores, mas viu, em um região onde o clima finalmente amenizava e a lava não mais passava por baixo da terra, famílias de coelhos e cervos, que vinham quando ela chamava. Brincou com eles durante um bom tempo e só voltou quando escureceu.

Quando o sol se punha, toda aquela imensa vastidão de mato se transformava. A lava subterrânea tornava tudo mais quente durante o dia, mas à noite era deliciosamente mais fresco, e o calor que vinha do chão balanceava a temperatura. Nem precisavam fazer uma fogueira, o próprio chão brilhava com os muitos buracos por onde se podia ver a lava, dispostos aqui e ali em vários pontos luminosos pela paisagem. Lire cruzou a estrada e, quando chegou ao local de descanso, viu as três sentadas perto da banheira de lava.

—Você chegou! — Arme, de volta aos seus trajes de violeta sobre branco, sorriu para ela — Olha, ainda sobrou um último chocolate, guardamos pra você. Ele quase derreteu, mas eu congelei ele de volta! Olha!

A arqueira riu, e aceitou a ameba dura coberta de lascas de gelo, que estava deliciosa afinal. Sentou-se entre ela e Elesis e ficou olhando as estrelas, enquanto comia. Elesis espreguiçou-se enquanto Arme bombardeou Lire com perguntas, querendo saber onde tinha ido, o que tinha visto, que coisas legais ela tinha achado. Desfrutaram da estranha maravilha que era aquele grande campo aberto, iluminado por poços de lava secretos.

Passava das oito da noite quando Lothos falou:

—Meninas — seu tom era sério e inflexível como sempre — Acho que é hora de discutirmos a próxima missão de vocês... E de eu contar algumas coisas.

—Que coisas? — Arme inclinou-se para perto, curiosa, e a comandante começou a falar.

—Completamos mais uma missão com sucesso, e agora os Oaks não deverão mais ser uma ameaça. Agora que o líder foi derrotado, os demais vão se separar e voltar para suas tribos, e não deverão causar mais problemas. Nossos exércitos vão garantir que o mal não os possua de novo... E eles precisam de todos os comandantes que puderem, eu inclusive. Já é hora de eu retornar e ajudar nas patrulhas por Vermecia.

—Não! — Arme gritou, esganiçada.

—Está dizendo que a Grand Chase acabou? — Elesis estreitou os olhos. Estava confusa.

—Estou dizendo que a Grand Chase começou — a comandante falou de volta — Enquanto eu estava com vocês, vocês três eram o grupo de testes, para verificar se estavam aptas a seguir com a verdadeira missão. Eu as venho observando por todo o caminho, e acredito que estão prontas. Meu trabalho com vocês acabou.

Arme não conseguia compreender.

—Como assim? O que quer dizer?

A comandante soltou um breve suspiro, e contou.

—Pense, Arme, você não foi escolhida pra que as pessoas pensassem as coisas por você. O líder Oak foi uma ameaça difícil, mas fora isso, consegue se lembrar das vezes que lutei ao seu lado?

—Mas... mas...

Arme sacudia a cabeça; confusa, não conseguia entender o que Lothos estava querendo dizer, mas Elesis franziu a testa. Lembrou-se de quando ela e Arme foram enfrentar o Ente Antigo: a comandante Lothos tinha separado-se delas de modo que as duas garotas lutaram sozinhas, e quando tudo parecia perdido, a mulhere aparecera com sua espada. Depois, na Torre Sombria, Lothos desaparecera com a carroça e as três meninas enfrentaram Wendy sozinhas.

E havia mais, quando na praia Carry, Lothos separara-se sob o pretexto de enfrentar a rainha Harpia, enquanto as três lutaram sem sua ajuda. E por fim, quando chegaram à estalagem para descansar, Lothos saíra para entregar uma mensagem, e logo em seguida os bandidos a sequestraram, e outra vez, a comandante não estava lá para lutar ao lado delas.

Lire parecia ter os mesmos pensamentos.

—A senhora... Estava observando de longe o tempo todo, interferindo só em emergências? — perguntou, e quando a comandante assentiu, a cabeça dela girou — Mas... E os bandidos? Então, eles...?

—Eram a guarda de Serdin disfarçada. Sequestraram vocês, porque eu queria saber como vocês reagiriam se uma situação dessas acontecesse. Combinei com Gamui para que ele levasse a Arme, e depois disso você e Elesis conseguiram fugir. E quando cercamos vocês perto da estrada, mantiveram a calma como deveria ser. Eu queria continuar a trama por mais tempo, obrigando vocês a serem nossas prisioneiras e ver se conseguiriam escapar, mas temi que seria muito arriscado. Os Oaks estavam se reunindo, e não podíamos deixar que formassem um exército.

As garotas a olhavam como que atordoadas. Sem nem se mover, Lothos continuou, e disse tudo de uma vez.

—Outros Oaks não ajudaram o líder Oak porque, para eles, o líder é o guerreiro mais poderoso e respeitado das tribos, e quando o desafiamos, tudo que ele viu foram quatro mulheres. Certamente acharia um insulto se chamasse suas tropas para ajudar. Na verdade, fico impressionada por ele não ter feito isso, porque estava possuído por Cazeaje, e ela certamente não correria riscos: teria enviado todos os Oaks em cima de nós, a fim de garantir a vitória. Mas... acho o Oak era forte demais, até mesmo para ela. Conseguiu manter seu orgulho ao ponto de querer lutar sozinho — elas se lembraram do grande Oak quando morrera, dizendo um desajeitado agradecimento antes de deixar a vida — Ele não era mau de verdade. São criaturas de Vermecia, como todas as outras, e não merecem viver aqui menos do que nós. Assim como as harpias — os olhos dela brilhavam — Foi um erro tê-las atacado.

—Se o que a senhora diz de Cazeaje for verdade, então cedo ou tarde ela haveria de querer possuir a rainha harpia — falou Lire — E então teríamos que lutar contra ela de qualquer maneira.

A elfa dizia aquilo mais para consolá-las, pois o ataque à praia Carry ainda pesava ,e muito, no coração das quatro. Lothos assentiu vagarosamente.

—A Wendy também — continuou a dizer — Ela não exigia sacrifícios aos goblins, nem aterrorizava o vilarejo, muito menos foi tocada por Cazeaje. Ela é uma criatura antiga, pura e extremamente leal. Concordou em lutar contra vocês para testar suas habilidades. O pêlo dela regenera-lhe qualquer ferimento, assim como os goblins reconstruíram a Torre Sombria quando vocês pensaram que a tinham destruído.

—Os bombons — Lire mais uma vez tomou a palavra — Aquele veneno...

—Ah — Lothos não sorriu, mas o tom dela mudou um pouquinho — Sim, aquilo também era uma armação minha, embora não estivesse nos meus planos. Toda essa história de testes, eu fui designada para acompanhá-las e deixar que lutassem a maior parte das lutas sozinhas, interferindo somente em casos extremos. Mas eu não sabia que não conseguiria enganar uma elfa. Você estava ficando desconfiada demais, juntando as peças, suspeitando de mim... Tentei explicar certa vez, dizendo que agia desconfiada por medo de vocês terem sido possuídas, mas isso não acabou com suas suspeitas. Eu temia que descobrisse tudo cedo demais. Por isso coloquei ácido e sumo de pimenta no seu bombom, uma desculpa pra você tomar aquele sonífero que lhe dei logo depois. Assim você ficaria um tempo sem poder ter suspeitas, e me deixaria convencer Elesis e Arme a seguir meus planos mais facilmente. Lutei junto com vocês contra o líder Oak porque temia que você talvez não estivesse em condições boas por causa dos efeitos do sonífero, e também porque eu não tinha certeza de que ele ia convocar os demais Oaks para ajudar.

—A senhora envenenou a Lire de propósito — Arme estava assombrada.

—Eu suspeitei mesmo da senhora — a arqueira admitiu — Eu pensei que estivesse contra nós, ou possuída pela Cazeaje. Mas então me ocorreu que a Arme já haveria de ter percebido isso há muito tempo, se fosse esse o caso. Percebi isso quando ela sentiu a magia do Oak. Então pensei que a senhora talvez fosse má, sem Cazeaje ou magia negra, apenas má de verdade. Quando disse que os bandidos tinham o emblema de Serdin, só consegui pensar na senhora, e isso intensificou o que eu pensava — ela sacudiu a cabeça.

—Eu sou membro juramentado da guarda de Serdin, jamais chegaria a tanto — agora Lothos sorria — Você interpretou errado. Não contei toda a verdade a vocês, mas não foi por eu ser má, e sim porque precisava saber se estavam prontas. E quando você, Arme, destruiu o martelo do Oak, eu percebi que estavam.

Arme choramingou, disse que não sabia o que tinha feito, que tinha destruído a arma sem saber bem como. Não sabia como executara tal magia, e nem se poderia usá-la de novo. E tinha ficado desacordada por vários dias por causa disso! Como poderia estar pronta, então?

—Mandei você destruir o martelo do Oak, e você destruiu — Lothos ergueu a mão para que ela se calasse — Usou sua magia e o explodiu em pedaços — estendeu-lhe uma lasca de pedra negra e pontuda, um fragmento do martelo que ela destruíra — Você não sabe o que você fez, pois vou lhe dizer. Você usou magia negra, usou a magia contida dentro da arma contra ela própria. A maioria dos magos de Serdin tem medo de estudar sobre as trevas, mas Serre me contou que certa vez você perguntou a ele por que é que não podíamos usar a magia negra para o bem, ao invés de para o mal. E que então você pesquisou a fundo sobre ela, que leu quase todos os livros de magia negra que havia na biblioteca do diretor. Cazeaje não é chamada de Rainha da Escuridão à toa. Ela usa as trevas, e muito bem, e é preciso alguém que não tenha medo de pesquisar esse poder, para saber como usá-lo e como evitá-lo.

Não era tudo - Lothos acreditava que aquela explosão que Arme causara tinha sido um grandioso exemplo de poder, forte demais para alguém na idade dela, mas não contou isso à garota. Conhecia-a o suficiente para saber que sua maturidade não evoluíra no mesmo nível que sua magia. Arme poderia tornar-se orgulhosa demais, e o orgulho não era um sentimento que um bom mago devia acalentar em excesso. A garota aceitou o fragmento, e os elogios moderados fizeram os olhos dela brilharem.

—Então eu vou continuar a pesquisar. Vou descobrir como usar a magia negra, e vou usá-la nos exércitos de Cazeaje! — mas então sua alegria sumiu — Mas a senhora não vem conosco?

—Eu não entendo, nós juntas podemos destruir os exércitos dela muito mais fácil — concordou Elesis.

—A questão não é essa, Elesis. Os exércitos da Cazeaje estão por toda parte, e na Floresta do Desafio, por exemplo, estou certa de que eles já voltaram a se organizar. Mas possuir alguém do jeito que a Rainha da Escuridão faz é algo que leva tempo, e ela teve cinco anos para fazer isso. Deve haver muitos outros influenciados por ela. A Grand Chase foi convocada para acabar com essas ameaças maiores, seguir o rastro de Cazeaje e encontrar onde ela está escondida, e derrotá-la de uma vez por todas.

—Cazeaje — o rosto de Elesis perdera a cor. Por um momento, não conseguiu falar — Não acredito... Nossa missão é lutar contra Cazeaje?

Lothos não precisou dizer que sim. De repente, Elesis deu por si pensando no pai, e no quanto sonhava com o dia em que sairia para vingá-lo, para encontrá-lo e trazê-lo de volta. Ela pensava em treinar os Cavaleiros Vermelhos até atingir certa idade, e então levá-los como uma segunda leva de Rastreadores de Canaban... E agora tinha a chance que procurava! Lothos estava lhe dando permissão e dizendo que tinha capacidade para isso.

Arme não estava tão ansiosa; Cazeaje era um terror sombrio que ela aprendera a temer desde que descobrira que magia existia, e jamais lhe ocorrera a mais absurda possibilidade de algum dia enfrentá-la. Sempre imaginava que eram os heróis quem faria isso; imaginava que os magos mais velhos de Serdin tingiriam o céu de negro e fariam chover raios sobre a maligna, enquanto as armaduras dos nobres cavaleiros de Canaban refletiam a luz dos relâmpagos, descendo aço prateado nas criaturas e nos monstros. Mas pensou no avô e no quanto queria deixá-lo orgulhoso. E Lothos dizia que ele acreditava nela! Quantos alunos mais velhos ele não teve para escolher, sendo diretor da Academia de Magos Violeta? Em vez de um deles, porém, ali estava ela, pequena em seus catorze anos, recebendo uma missão oficial que nem sonhara em participar.

E por fim, Lire lembrava-se das florestas de Eryuell e de seu gentil ancião, dizendo as últimas palavras antes de ela partir para Vermecia. "Vejo um futuro de glória em seu caminho, Lire, e sua missão é maior do que você imagina". Seria isso que ele queria dizer? Será que sabia o tempo todo que ela acabaria por enfrentar a própria Cazeaje, que afastara os elfos de Vermecia e pudera ambos os reinos em guerra? "Sim", pensou sem conseguir segurar um sorriso. O velho sempre sabia muito mais do que a maioria.

—Não é uma missão obrigatória — Lothos disse depois de um silêncio — Vocês podem recusar, se assim decidirem. Se aceitarem, deverão descobrir por si próprias pra onde ir, pois tudo o que sabemos sobre os monstros de Cazeaje acaba por aqui. Eu checaria lugares remotos, como a Ponta de Vermecia ou o Castelo de Gaikoz... Mas já não serei mais eu a decidir que caminho tomarão.

Uma borbolha de lava estourou na piscina atrás delas.

—Eu vou — Elesis manifestou-se, e logo depois, Arme e Lire também concordaram. De repente, estavam ansiosas por partir. Agora que receberam a missão oficial, era como se houvesse algo novo, diferente, como se tivessem estado o tempo todo num túnel e somente agora encontrado a saída, onde tinham um vasto mundo para percorrer. Lothos assentiu sem surpresa. Não esperava outra resposta, afinal.

—Uma última ajuda — ela lhes disse — Ainda sei de mais um lugar onde vocês vão precisar passar. Seguindo à esquerda na direção do vulcão, chegarão a uma formação de rochas que se abrem pra um túnel no chão, a entrada para o Calabouço de Gorgos. Ele é um dos tenentes mais leais de Cazeaje, e o que eu disse sobre a lava era mentira. É por causa dele que não há pessoas morando nessa parte de Vermecia. Gorgos mantém a lava fluindo mais do que deveria, esquenta a terra e impede as grandes plantações de crescer. Esse lugar não era assim tão desprovido de árvores há dez anos atrás, como é hoje.... É Gorgos agindo. Ele não foi influenciado pela Cazeaje nem possúido, uniu-se a ela de sua própria vontade. De certa forma, isso o torna ainda mais perigoso.

—Vamos acabar com ele, nenhuma criatura de Vermecia pode ser páreo para a Grand Chase — Elesis replicou com um sorriso selvagem.

—Agora conhecemos nossa verdadeira missão — ajuntou Lire — Sabemos que estamos prestas a salvar Vermecia do mal, finalmente. Cumprirei o objetivo como toda minha capacidade.

—Sei que vão... — e Lothos deu um último sorriso — E que talvez precisem de alguma ajuda. Agora que aceitaram a missão, posso oferecer-lhes alguns presentes que venho guardando.

Ela puxou um apito e o soprou. Não ouviram som algum... Mas em poucos minutos veio a carroça dos bandidos, ou melhor, dos guardas de Serdin, conduzida por dois homens. Não havia ninguém na parte de trás, exceto um monte de coisas cobertas por um grande pano.

Elesis, Lire e Arme descobriram a carroça e admiraram seus novos equipamentos.

A Grand Chase para salvar Vermecia tinha, de fato, começado.


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Notas finais do capítulo

Eu tinha planejado colocar o Calabouço de Gorgos ainda neste capítulo, mas ele acabou por já ficar deste tamanho antes mesmo de começar! Então ele ficará no próximo. Pretendo agora seguir com as missões "mais diretas", já que agora "começou" de verdade...