A História da Grand Chase escrita por Thugles


Capítulo 10
A Falha da Grand Chase


Notas iniciais do capítulo

Nem só de vitórias são feitos os heróis - e isso também vale para as heroínas. Elesis, Lire, Arme e Lothos têm um plano para derrotar as harpias, mas...
(Isso não quer dizer que elas perderam a batalha. Nem que elas venceram. O título pode referir-se a uma cena que já aconteceu, que acontece no final ou que virá lá no capítulo 54. Mas o que se pode dizer com certeza é que, neste dia, a Grand Chase cometeu um grande erro...)



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No início da tarde, as primeiras harpias começaram a acordar, movendo-se preguiçosamente pela areia, embora a maioria ainda dormisse.

No fim da praia, à direita da colina, havia algumas pequenas ilhas arborizadas, e mais árvores ao longo daquela ponta da praia. Algumas harpias moviam-se por ali, o que indicava que não viviam apenas na praia. Algumas das harpias acordadas foram banhar-se na água. Outras começaram a remexer e empilhar montinhos de areia.

–Tivemos sorte de termos chegado agora - disse a comandante Lothos. Ela já tinha instruído as meninas sobre como as harpias lutavam e atacavam. Por precaução, estavam escondidas em um pequeno conjunto de árvores perto da colina onde estavam antes - É quando as harpias estão se preparando para acordar. Se atacarmos imediatamente, teremos mais chance.

–Mas elas são muitas - declarou Lire - Será que nós quatro conseguimos?

Estavam em desvantagem de mais de cem para um e parecia virtualmente impossível que conseguissem contra tantas. Mas a comandante lhe sorriu:

–A nosso favor tem o fato de que estão dormindo e que terão o sono interrompido. Vão acordar cansadas, até elas se reagruparem, teremos conseguido derrotar um número suficiente. E vocês lidaram com um número grande de Oaks. Apesar das harpias de fogo serem muito mais rápidas, têm a pele muito frágil. Só precisamos ser rápidas antes que elas acordem juntas. Vocês derrotaram o líder Oak muito rapidamente, lembram? As harpias não serão mais difíceis do que eles, só que estão em número muito maior.

Elesis e Lire se entreolharam e Arme abriu a boca para falar, mas calou-se bem a tempo. Na verdade, foi Sieghart quem venceu o chefe dos Oaks, e... Por algum motivo elas não se sentiam muito à vontade pra contar o fato a alguém, até mesmo a Lothos. Pensando que foram as três que venceram o Lorde Oak, Lothos confiava que as harpias não seriam tão difíceis. A arqueira pigarreou.

–Não seria melhor esperarmos anoitecer pra elas dormirem? Afinal, agora elas estão quase acordando e vão estar descansadas, mas à noite é quando elas vão estar com sono.


Lothos sacudiu a cabeça, mas foi Arme quem falou.

–As harpias de fogo têm muita energia, Lire. Elas nunca estão completamente cansadas quando dormem, mas quando finalmente dormem, demoram para se recuperar depois de acordarem. Sempre achei isso estranho, mas é assim que acontece.

–Por isso agora é o melhor momento - acrescentou a comandante, e Lire fez um gesto de cabeça em concordância - Eis o nosso plano. Lire começa disparando flechas e Arme usa tudo o que tem para destruir o maior número de harpias juntas. Mesmo que você consuma muita energia, nosso plano consiste em sermos rápidas, então se você usar tudo o que tem no começo, vamos vencer o mais rápido possível e você poderá descansar. Elesis pode dar cobertura com a espada. Se algo der errado, tentem atraí-las para as àrvores - acrescentou - Elas não vão poder voar tão bem entre elas;

–Mas e você? - Elesis quis saber, e a comandante apontou para as árvores à direita da praia.

–Eu vou abrir caminho por ali e chegar até a rainha. Ela deve ser certamente a mais influenciada pela Cazeaje, e deve estar sob aquela proteção onde as harpias vêm e vão. Quando eu for, as outras vão me seguir e vocês podem usar isso como distração para atacá-las.

Ela olhou atentamente para os rostos que a encaravam.

–Todas entenderam?

–Sim! - confirmaram elas.

–Ótimo. Quando eu acabar com a rainha, ajudo vocês. Ernasis as proteja.

Ela caminhou até a praia, observada pelas três garotas, ansiosas. Coberta pela armadura, com os longos cabelos loiros esvoaçando atrás da cabeça numa capa clara e dourada, ela tinha a espada embainhada e parecia estar simplesmente andando como quem não quer nada, como uma visitante aproveitando o suave frescor da manhã para uma caminhada na praia. Agindo como se pensasse que as harpias de fogo adormecidas não eram mais do que simples plantas, passou inocentemente perto de um grupo delas.

–Atrás de você, atrás de você! - Arme sussurrou baixinho, os olhos arregalados de medo.

Os passos pesados de Lothos eram abafados pela areia, e o tilintar de sua armadura, suave e melodioso, mas três das harpias sentiram o som e acordaram, três vultos cor de fogo crescendo atrás da comandante. Mesmo à distância, Lire, Elesis e Arme podiam notar que o bater de asas e o levantar vôo não parecia um gesto de boas vindas.

À frente, Lothos seguia com os passos ritmados como se não desse atenção às harpias atrás de si. Ouviu-se um sibilar faiscante, como um fogo de artifício muito baixo, e o flanco de uma das mulheres-pássaro explodiu em chamas. A harpia gritou, um som que soava como um ser humano numa imitação realista do grito de um pássaro. Bateu as asas com mais força e voou mais alto, olhando furiosamente para a Lothos.

Lothos virou-se, igualmente surpresa. Na verdade, foi Arme quem, sem aguentar mais o suspense e temendo que a comandante não fosse rápida o bastante para revisar um ataque, atirou uma bola de fogo certeiramente nas harpias acordadas. E elas suspeitaram imediatamente da única intrusa que viam e gritaram em desafio.

Antes que qualquer uma delas pudesse fazer um movimento, a espada saltou da bainha e acertou as costelas da harpia mas próxima, o gume afiado quebrando e lascando ossos e derrubando a harpia. Com a mão livre, agarrou o pé de outra harpia que já estava mais acima no ar, e a reação instintiva da ave foi bater as asas e levantar ainda mais alto.

As harpias eram fortes, mas Lothos era uma mulher alta, de músculos pesados e, é claro, o corpo coberto pela armadura mais a pesada espada. Mesmo assim, a harpia conseguiu levantar vôo por uns dois metros. A que fora atingida pelo fogo grasnava e se sacudia perto dali, ainda ferida e assustada. Lothos a silenciou com um golpe e mudou a espada de direção, recuando-a e subindo-a para atravessar o coração da harpia que a carregava.

Dobrando os joelhos levemente ao cair para suavizar a queda, Lothos disparou numa corrida em direção à extremidade direita da praia, onde as árvores eram mais espessas. Algumas das harpias acordaram com o barulho, mas a grande maioria permanecia adormecida(como se, entre elas, fosse normal que as companheiras gritassem desse jeito em plena manhã). Cinco delas interromperam uma guerra de areia e voaram desajeitamente para interceptá-la.

Ainda escondidas entre algumas árvores, as três garotas viram espantadas enquando sua líder corria com rapidez surpreendente, a lâmina de dois gumes girando e cortando harpias antes mesmo de acordarem, abrindo caminho pela areia entre a floresta de mulheres-pássaro adormecidas. Estranhamente, os gritos das três primeiras harpias não causaram muito interesse - mas a morte silenciosa das demais sim, e como que pressentindo o perigo que era continuar dormindo, finalmente elas começaram a acordar e logo a praia inteira se agitou com o movimento de dezenas de harpias de fogo levantando-se surpresas.

–É a gente agora - disse Elesis - Agora!

Lire assentiu - por um momento, distraíra-se observando a comandante, mas logo se recuperou e sacou uma flecha da aljava nas costas. Prendeu-a no arco e mirou no mesmo instante, instintivamente, em um movimento que a prática tornara tão natural quanto respirar.

A primeira flecha voou sibilando, mais sutilmente que a bola de fogo de Arme, e foi cravar-se nas costas de uma harpia que perseguia Lothos. Doeu como uma ferroada e ela se estatelou no chão gritando, mas a harpia ao seu lado, recebendo uma flecha exatamente atrás do coração, caiu silenciosamente e nem mesmo sentiu a queda. Em seguida, outras flechas vieram, setas mortais ansiosas para encontrar pontos vitais em alguns pássaros.

As harpias eram rápidas e, como qualquer alvo móvel, representavam um desafio a mais, mas a garota estava acostumada. Além disso, de pé e voando, eram bem grandes e acertá-las era fácil. Quando Lire não acertava um ponto como o pescoço ou o coração, acertava a perna ou uma asa, o que fazia a harpia gritar, acordando as demais e aumentando o caos e a confusão. As harpias não tinham exatamente uma líder, sem contar a rainha, cujo esconderijo era alvejado pela comandante que corria, mas assim que uma delas acordava, via uma pessoa vestida para a guerra correndo e matando mais harpias, e imediatamente se juntava às companheiras.

Logo Lothos se aproximou demais de seu destino e ficou fora do alcance das flechas de Lire. A garota baixou o arco e voltou-se, encontrando Elesis dando instruções a Arme.

–...só quando eu gritar. Entendeu? Não se preocupa comigo, só presta atenção.

–Tem... Tem certeza? - Arme não parecia muito confiante - Eu não sei se consigo...

–Consegue, sim - Elesis lhe garantiu - Só você ficar atenta e agir quando eu disser. Fique pronta.

–Espera, Elesis, o que você vai fazer? - Lire indagou ao ver que a pesada espada da menina encontrava-se no chão, mas ela já corria em direção à praia. Virou-se então para Arme e encontrou o olhar sofrido da garota. Colocou as mãos em seus ombros, dizendo:

–Escuta, eu não sei o que a Elesis mandou você fazer, mas ela acredita em você e eu também. Certamente é algo que você é capaz, e eu estou curiosa pra saber o que é. Fique tranquila, eu protejo você enquanto isso.

Arme assentiu, mordendo o lábio, mas parecia confortada. Satisfeita, sorrindo levemente, Lire tornou a pegar o arco e puxou outra flecha.

Ao contrário de Lothos, que corria e lutava sem palavras, Elesis gritava insultos e ameaçava as harpias enquanto se aproximava. E as habitantes da praia Carry eram muito orgulhosas. Acordaram e deram com uma menina de vermelho xingando e agitando os punhos no ar, e não iriam deixar isso barato.

Uma delas lançou-se num mergulho com os pés apontados para Elesis. Era uma forma padrão de ataque: agarravam a presa com as garras, lançavam-se no ar e a largavam para que se espatifasse no chão. Mas a menina estava atenta ao truque. Rolou para o lado e a harpia passou direto por ela. Elesis mal se levantou e desferiu um pesado soco contra o bico de uma harpia, sentindo a cabeça virar e a ave recuar assustada e machucada. Agora cercada, Elesis desviava, batia, chutava, gritava, agitando e enfurecendo as harpias.

Embora Lothos tivesse acordado o lado direito, a praia era muito grande, e as harpias mais à esquerda da praia ainda dormiam tranquilamente sem perceber nada. E era pra lá que se dirigia Elesis, agora fugindo ao invés de perturbar as harpias. Dúzias delas as perseguiam, e a confusão e o barulho eram tantos que logo nenhuma harpia conseguiria mais dormir. Suspirando, Arme ergueu o cetro e começou uma dança ritmada e concentrada, cheia de movimentos dos braços. Um pedaço do céu cobriu-se com nuvens que escureciam rapidamente. Trovões graves se fizeram ouvir, como o aviso antes de uma tempestade.

–ARME! - Elesis gritou.

A maga fechou os olhos com força. Projetou a ponta da língua para fora e em seguida baixou a ponta do cetro e imediatamente a subiu, apontando para o chão e para o céu em seguida, fazendo um pequeno círculo no ar e apontando então para Elesis. As nuvens brilharam em vermelho como fogo, uma mancha rubra no céu azul. E então ela se rasgou em vários pontos quando as pedras cobertas de chamas a atravessaram como meteoros.

Elesis imediatamente virou-se para a esquerda e correu de volta na direção da proteção das árvores. E então viram que Lothos estava certa. As harpias, sonolentas e ainda terminando de despertar, moviam-se mais lentamente e demoravam mais a reagir do que de costume. Elesis tinha atraído um bando de harpias enfurecidas para o lado da praia onde centenas delas ainda dormiam. E Arme jogara ali uma pequena chuva de meteoros.

Executando a magia sozinha, não tinha sido um ataque devastador como o que os magos usaram em Serdin contra os Oaks, mas ainda assim: uma das pedras atingira a grama fora da praia sem causar danos, mas as outras quatro ribombaram na areia e esmagaram várias das harpias. Arme não era poderosa o bastante para que seus meteoros fossem pedras muito duras - ironicamente esse fato fez com que, ao caírem na areia, explodissem em vários fragmentos que espalharam-se e acertaram um número ainda maior de harpias. Pelo menos duas centenas delas haviam sido estraçalhadas naqueles poucos segundos.

–Boa, Arme! - Elesis elogiou com um sorriso feroz, alcançando ilesa as outras duas meninas. A maga sorriu fracamente. Parecia cansada, mas muito orgulhosa.

–Fica aqui - recomendou Lire - Você fez um ótimo trabalho. Vamos cuidar das outras.

Arme sentou-se no chão sem reclamar, ofegando embora se sentisse muito excitada e animada. A magia dos meteoros era poderosa e consumia muita energia, porém menos do que ela esperava, e a sensação de vitória dera-lhe euforia. Mas contentou-se em descansar e deixar as duas amigas terminarem o trabalho.

Elesis disparou sem pensar, atacando as harpias com sua pesada espada de aço prateado, brilhando avermelhada - um brilho que se acentuava mais a cada corte, a cada gota de sangue que ela tirava de uma harpia. Atrás dela, Lire ajudava com flechas, mas Elesis era quem causava os maiores danos. Cortava, serrava, saltava e então descia a lâmina com força, girando para interceptar uma garra e partindo o corpo frágil da harpia em dois. Por duas vezes as garras conseguiram arranhá-la no ombro e nas costas, o que só contribuiu para enfurecê-la e fazer com que desse golpes ainda mais rápidos e violentos.

Vez ou outra Lire olhava para a direita, mas não via sinal de Lothos. Ainda restavam muitas das harpias, e um raio veio paralelo ao chão para torrar completamente uma harpia. Bolas de fogo atingiram uma meia dúzia, e estranhamente, seções da areia começaram a se mover como se uma força invisível as estivesse jogando contra as aves. É que lá atrás, Arme cansara-se de ficar parada. E agora eram as três contra um exército de harpias.

Aparentemente, somente anquele momento uma das harpias levou a sério esse fato.

–São só três intrusas! - uma delas gritou para as demais - Cerquem-nas! Atrás das árvores!

–Matem a maga! - mandou outra.

O lado ruim dos meteoros é que els haviam acordado todas as harpias de fogo da praia Carry, e a luta e a adrenalina já estava restaurando suas energias. E foi quando começaram a surgir as harpias pensantes, que perceberam que dar combate à destruidora menina de vermelho e às flechas da outra não era a melhor opção. Como se finalmente percebendo que estavam em maior número, as harpias voaram mais alto e espalharam-se num círculo ao redor delas.

Lire gritou para que Elesis fosse para as árvores, e não foi tão fácil aquietar o impulso de lutar da garota. Juntaram-se com Arme, mas de repente eram três meninas no meio de cinco árvores, contra um bando de harpias que se aproximava de todos os lados. As árvores talvez lhes conferissem certa proteção, mas não impedia que as inimigas viessem. Arme gritava com as mãos protegendo a cabeça enquanto era atingida por garras, penas e o vento provocado pelas asas das harpias. Elesis esforçava-se ao máximo para protegê-las com a espada. Lire soltara o arco e as defendia com uma faca, mas sabiam que não conseguiriam durar muito tempo.

A defesa caiu quando a arqueira foi atingida violentamente no ombro, por uma garra de pé de harpia que perfurou a carne profundamente. Lire não pensou em evitar recuar violentamente - assim o fez e a garra rasgou-lhe a carne, abrindo um corte de meio palmo de comprimento que fazia uma curva em seu ombro e cobria o lado direito de seu corpo com sangue. Ela fechou bem a boca para não gritar, urrando com sons abafados e protegendo o ombro com a mão, deixando Elesis sozinha para defendê-las.

–Faz alguma coisa! - a espadachim gritou para Arme, que sacudiu a cabeça desesperada.

–Elas estão me atacando! Estão me arranhando!

–Usa magia, fogo, raio, qualquer coisa!

–Não dá! Não dá!

Elesis teve que resistir à vontade de bater nela em vez de nas harpias, mas se controlou. Gritou então para que elas corressem, e as três, lembrando-se do conselho de Lothos, foram para o único lugar onde as árvores eram numerosas próximas o bastante: a ponta da praia onde a comandante tinha ido enfrantar a rainha.

Elesis as tirou dali passando da defesa para o ataque - subiu a espada para cortar duas harpias, abrindo completamente a guarda, mas a surpresa agiu a seu favor e nenhuma harpia foi rápida o bastante. Ela então correu em disparada, liderando o grupo e esperando que as harpias fossema trás dela.

Mas as mulheres-pássaro não eram tolas. Algumas seguiram Elesis, mas um número igualmente grande ficou para atacar Lire e Arme. E sem a espada para mantê-las longe, era apenas uma questão de tempo até que fossem retalhadas. O coração de Lire pulsava como uma bomba agitada de medo, mas ela obrigou-se a mantes o sangue frio e agarrou a menina ao seu lado.

–Arme - chamou, usando o tom mais encorajador e entusiasmado que o momento lhe permitiu - Você precisa nos tirar daqui. Conhece alguma magia de defesa? Talvez uma bolha protetora, algo que as afugente... Qualquer coisa. Só você pode tirar a gente daqui!

Ela tinha lido em algum lugar que a última frase dava certo orgulho a uma pessoa e a encorajava a pensar. Dito e feito, Arme assentiu várias vezes, sacudindo o ombro para evitar um golpe. Parecia tão desesperada que Lire por um momento achou que ela fosse desmaiar com a própria pressão, antes mesmo de algum golpe mortal, mas surpreendeu-se quando a menina ergueu o cetro.

–Espíritos da terra e do ar, por favor, me ajudem!

Houve um brilho fraco do cetro de Arme, um giro veloz e tudo ao redor embaçou como a visão detrás de uma catarata. As harpias voavam e ondulavam, difusas, indiscerníveis. Lire se apavorou, mas nada podia fazer, pois seu corpo era puxado com força, mas era estranho, seus pés nem pareciam tocar o chão...

A vista desembaçou, a força parou e Lire caiu no chão, solta de repente. Tentou se equilibrar e dançou alguns passos, mas um galho de árvore pegou seu pé e ela caiu no chão. Levantou-se de um salto, com Arme ao seu lado. Estavam no meio da floresta - com Elesis a encará-la, surpresa eassustada. Seu olhar, os cabelos ruivos bagunçados cheios de folhas e os arranhões na pele a faziam parecer um animal selvagem encurralado.

–Como... O que você fez?

–Eu não sei, a Arme... - Lire interrompeu-se, segurando a menina por reflexo. A garota de violeta tinha os olhos entreabertos como se estivesse com sono e estava caindo sem equilíbrio. Elesis adiantou-se para ajudar e a ergueu, mas Arme não fez força para permanecer em pé. Elesis tentou gritar, dar-lhe uns tapas no rosto, sacudí-la - mas a menina apenas gemia vagamente e a encarava pelos olhos semiabertos sem expressão alguma.

–O que aconteceu? O que aconteceu?

–Não sei! - Lire gritou desesperada - Vamos manter a calma. Estamos aqui, só precisamos encontrar a Lothos!

Mas as harpias pareciam não desistir nunca. Estavam dentro da floresta agora, mas as aves chegavam sem se importar com o fato. Investiam pesadamente contra as folhas. Batiam, gritavam, grasnavam, sacudindo os galhos. A floresta era um caos de gritos de centenas de harpias enfurecidas e o som delas se chocando contra as árvores. As que se aproximavam eram abatidas por Elesis, mas muitas mais vinham atrás, entrando pelo meio dos ramos e das folhagens. Lire e Elesis, arrastando Arme, correram mais para o interior, seguindo uma trilha aberta anteriormente. Só podia ser Lothos, pensaram.

–Comandante! - Lire gritou e apertou o passo. Saíram do meio das árvores e deram numa clareira aberta, um espaço vazio onde as árvores não cresciam, mas que permanecia cercado por elas e com teto fechado pelas copas das árvores que se cruzavam lá no alto. Ela parou de repente, no entanto, ao notar que a grande mulher que estava aqui não era a comandante Lothos.

Numa borda da clareira, flutuava uma harpia maior e mais majestosa do que as outras. As pernas mais longas eram feitas de penas brancas, enquanto o busto era de penas cor de laranja. As asas lembravam um par de asas brancas de anjo, mas com a adição de um crescimento de penas vermelho-sangue abaixo delas, o que as fazia medir o tamanho da harpia. Trios de penas longas, vermelhas com extreminade amarela, cresciam juntos em alguns pontos da cintura e no começo dos pés, como adornos. Estranhamente, esta parecia ter cabelo, ruivo, liso e longo dividido em duas tiras que caíam pelo corpo. Ela batia as asas violentamente e encarava um lado da clareira, como se houvesse algo ruim ali.

–Ali! Você acha que aquela coisa gorda voando é a rainha harpia? - Elesis indagou baixinho. A rainha, que tinha boa audição, voltou a pequena cabeça para elas. Não era gorda, mas seu orgulho não iria deixar aquilo passar barato.

–Você me chamou [i]do quê?[/i].

–Coisa gorda voando. Com penas ridículas! - Elesis se adiantou, estufando o peito, desafiadora. A harpia mostrou os dentes em pura fúria e lançou-se numa investida.

Lire puxou o arco e preparou uma flecha, o que fez seu ombro ferido explodir em agonia, mas ela não teve tempo de colocar a seta na corda. A pequena distração que Elesis provocara era tudo o que Lothos, entrando rapidamente pela esquerda na clareira, precisava. Ela se aproximou e rebateu a espada no peito da harpia, impedindo-a. Antes que ela pudesse se recuperar, puxou a arma e a subiu num giro rápido por cima da cabeça, cortando o pescoço da rainha de baixo para cima.

A cabeça caiu ao chão e o corpo tombou por cima. Então, várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. Lothos encarou as duas garotas, que perceberam agora que a clareira estava coberta com os corpos destruídos de harpias menores mortas. Mas algumas chegaram, mas foi diferente desta vez. Ao verem a rainha morta, foi como se os gritos tivessem duplicado de frequência e o volume, triplicado de intensidade.

–A rainha!

–Não! A rainha!

–A minha mãe! - berrou uma harpia, incontrolável - Vocês mataram a minha mãe!

Ela se aproximou, Elesis golpeando-a instintivamente, mas a harpia passou longe da espada. Nem pareceu reparar nela. Caiu de joelhos diante da rainha decapitada e pôs as mãos na magnífica cobertura de penas, como que incapaz de absorver o que estava vendo.

–Vocês mataram a minha mãe! - ela repetiu, virando a cabeça subitamente por cima do ombro, como uma coruja, e o rosto feio da careta de dor, escorrida de lágrimas, era uma visão assustadora - Minha mãe! Por quê? [i]Por quê?[/i]

Ela abriu o bico, ofegante de soluços, por fim não aguentou e deixou cair a cabeça. Seu corpo todo tremia. Era uma harpia pequena, uma filhote ainda, que conseguira esgueirar-se mais facilmente por entre a floresta.

Lire gritou quando garras afiadas enterraram-se profundamente em suas costas, abaixo de seu pescoço, entre as omoplatas. Lothos cortou as pernas da harpia no mesmo instante. Sem pensar duas vezes, agarrou Arme pelo colarinho e a jogou no ombro. Disparou então floresta adentro, na direção oposta à praia - para oeste.

Lire e Elesis corriam atrás dela. Eram seguidas por harpias, e a floresta não mais as impediria - aquela era a clareira da rainha, e elas conheciam bem aquelas árvores e sabiam como passar por elas. Mas poucas delas estavam alçançando as garotas. A grande maioria tinha ficado com sua amada rainha e, por fim, apenas umas poucas deram continuidade à perseguição.

Mas essas últimas, as que perseguiam, foram implacáveis. Fizeram as quatro correrem durante horas, sem pausas para descanso, sendo espetadas por galhos, mas sem a menor chance de parar. As meninas sabiam que, se o fizessem, seriam destruídas. Havia muito tinham saído da floresta, mas ainda assim eram perseguidas por uma dúzia de harpias. A adrenalina lhes dava força, era verdade, mas um ser humano tinha seus limites. Lire e Elesis estavam com os pulmões ardendo quando Lothos finalmente largou Arme bruscamente e se voltou, deixando que a primeira harpia fosse de peito ao encontro de sua espada. Com uma série de golpes rápidos, matou as demais harpias ali mesmo, em poucos segundos de luta.

Elesis nem ousou tentar ajudar; cansada e ofegante como estava, tombou no chão sem pensar duas vezes. Lire respirava com dificuldade, e agora o ombro e as costas onde as garras tinham cortado queimavam como fogo. Ironicamente, Arme, a primeira a ficar fora de combate, era quem mais parecia ilesa - sem contar a comandante Lothos, é claro. Elesis se viu perguntando como ela conseguia manter o pique, com todo o peso daquela armadura.

–As outras não devem nos seguir até aqui - disse ela, e as garotas ouviram-na falar em tom cansado pela primeira vez - Elas vão ficar com a rainha. Elesis, ajude a Arme.

Elesis permaneceu no chão, barriga para cima e braços abertos, o peito subindo e descendo por vários minutos antes que a ordem lhe provocasse alguma reação. Quando se levantou, viu que Lire estava sentada curvad para manter a pele esticada, o ferimento nas costas e nos ombros cobertos por ataduras de folhas com algum tipo de musgo verde. Os olhos da menina estavam muito abertos e escuros como jóias, e o esforço pra aguentar a dor em silêncio exigia todas as suas reservas de força, já esgotadas.

A garota ruiva aproximou-se da maga com dificuldade, mas por fim, Arme estava apenas cansada por ter usado os poderes. Por insistência de Lothos, andaram mais algumas centenas de metros até um riacho entre ameixeiras, para que os frutos encobrissem até o cheiro. Pois, se fossem encontradas por um bando grande de harpias, Lothos talvez não conseguisse vencer.

Várias horas depois, Arme estava acordada, embora se sentisse fraca, embora os ferimentos de Lire doessem como no momento em que foram feitos. Mas a arqueira sorria, o que fez Elesis, que conhecia o olhar de dor em um homem(e achou que sabia identificá-lo numa elfa) sentir um respeito admirado por ela. Lire sentia dor, mas mantinha o sorriso e parabenizava Arme.

–Salvou-me a vida - disse ela - Não me esquecerei disso. Uma pena que tenha lhe custado tanta energia.

–É porque foi magia avançada demais - explicou a menina, ainda um pouco zonza - Eu... Tentei nos teleportar, mas não consegui fazer direito. Mas consegui... Consegui fazer a gente se mover mais rápido. Beeeeeeeeem mais rápido, sabe.

–Pelo menos foi uma vitória - declarou Elesis.

–Vitória? - Lire disparou, erguendo-se pela metade, voltando a se sentar obediente a uma dor zangada nos ferimentos - Como....

–Nós matamos a rainha harpia - falou Elesis. Então hesitou - Quer dizer... Ela estava controlada pela Cazeaje...

Ela virou-se para Arme, cujo olhar se perdeu e ela juntou as sobrancelhas, confusa.

–Eu... Também não senti magia negra nela - disse a maga - E ouvi... Gritos, uma garota.... Sobre nós termos matado a mãe dela. Eu ouvi ela chorando - os olhos dela estavam escuros como os de Lire - Ouvi mesmo. Parecia desesperada e eu senti muita pena dela. Mas foi preciso, não é? A rainha era do mal.

–Eu não sei se era - interpelou Elesis - Mas elas nos atacaram... E quase nos mataram, não é? Elas eram más sim - mas não parecia muito convencida do que dizia, então acrescentou: - A Lothos disse.

Lire voltou o olhar para a comandante, encarando as costas metálicas dela. Estava sentada abraçando as pernas, à curta distância das meninas. Parecia perdida em pensamentos, o rosto na direção do sol que já se erguia ao meio-dia no horizonte.

–É, a Lothos disse - a arqueira repetiu devagar.


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Notas finais do capítulo

Só peço desculpas por ter usado a palavra "harpia" 79 vezes em todo o texto. Não consegui um sinônimo digno, então me referi a elas sempre como harpias, exceto algumas poucas vezes como "mulheres-pássaro" ou "aves". Se isso tornou a leitura repetitiva de algum jeito, faz sentido - havia tantas harpias que não é tão ruim que o leitor se sinta bombardeado com esse termo.