Continuei a vagar por Ellia, sem rumo definido, apenas ficando mais forte para poder enfrentar Duel. Estava agora descansando da viagem. Apesar de raramente precisar dormir, meu corpo parecia pedir isso às vezes. Seria aquele algum tipo de limite? Grandark apenas resmungava quando eu dizia que estava cansado.

Olhei a fogueira no meio da clareira, abraçando minhas pernas enquanto recostava na árvore. Grilos ecoavam ao longe, nem mesmo as corujas pareciam estar tão despertas. Olhar para aquelas chamas bruxuleantes, me aperta o coração... Holy nunca mais iria ver aquilo, por que eu simplesmente fui incapaz de conseguir salva-la do Pesadelo... No fim, eu era mais fraco...

Escutei passos. Aparentemente, alguém estava querendo se aproximar pisando nas folhas secas. Suspirei, apenas aguardando a aproximação. Respirei fundo, absorvendo o cheiro do ambiente. Sim, realmente, havia um cheiro diferente. Mas, eu conhecia aquele cheiro.

Um par de mãos cobriu minha máscara, transformando tudo o que eu via em pura escuridão. Um riso ecoou logo acima do meu ombro.

- Adivinha quem é? – Ela falou em um tom infantil.

- Lin.

As mãos liberaram meu rosto e minha visão. A sacerdotisa caminhou para o meu lado, sentando-se e passando a fitar a fogueira. Ela portava um estranho sorriso nos lábios.

- Você deveria brincar mais, Zero.

- Eu não tenho tempo para brincadeiras.

Lin se remexeu ao meu lado, colocando as mãos entre as coxas enquanto olhava para as chamas.

- Por que você está aqui?

- Ora... Você não achou que eu iria te deixar sozinho, achou?

- Eu estou muito bem sozinho.

- Não, você não está. – A voz da sacerdotisa repentinamente ficou mais irritada, pude senti-la me olhar de canto. – O que aconteceu com você? Qual é dessa máscara?

- Não é nada que você deva saber.

- É claro que devo saber! – Ela retrucou, aumentando o tom de voz. – Eu sou sua parceira!

- Não, eu não preciso de parceiros. – Eu disse, enquanto a olhava de canto, virando levemente o rosto.

Ela parecia irritada, mas, algo em seus olhos parecia começar a se acumular. Era água?

- Por que você perde seu tempo, garota? – Escutei Grandark falando repentinamente, eu o havia fincado logo ao meu lado, mas estava inclinado o suficiente para poder vê-la.

- Perder meu tempo?! Eu estou preocupada com o Zero!

Preocupada? O que será que aquela palavra significava? Seria um sentimento também? Mas, eu sabia que não era para perguntas agora. Olhei para Grandark, que olhava Lin.

- Preocupada com o Zero ou preocupada que ele não te dá atenção?

- O que você está querendo dizer sua espada?!

- Simples: você acha que ama ele.

Soergui minhas sobrancelhas. “Ama”? Eu lembro... Holy ia me explicar o que era isso antes do encontro com o Pesadelo, mas... Olhei para Lin, que havia se levantado e parecia estar vermelha.

- Imaginei. – Escutei Grandark falando, com um tom de riso. – Mas, você o ama ou você apenas o vê como “vulnerável”?

Lin ficou pasma, sem saber o que falar, olhei para Grandark. Eu não entendia onde ele estava querendo chegar...

- É comum entre algumas mulheres sentirem ciúmes por uma pessoa que nunca se sentiu atraída... Sabe por que, minha cara? É simples, ao verem que uma pessoa parece tentar ganhar a atenção do rapaz em questão, algumas mulheres, mesmo que nem interessadas nesse rapaz, sentem uma repentina vontade de mostrar que pode ficar com ele, e não aquela outra garota. Isso é basicamente a vontade de se mostrar superior.

 - Como se atreve... – Vi Lin caminhar na direção da espada.

Imediatamente me levantei, colocando-me na frente dela. A sacerdotisa parou abruptamente, me olhando surpresa. Ela ainda parecia estar com o rosto levemente vermelho. No entanto ela repentinamente me envolveu com seus braços, encostando a cabeça em meu peito enquanto suspirava, fechando os olhos.

- Zero, por favor...

- O que? – Não retribui aquele abraço, apenas coloquei as mãos nos ombros da sacerdotisa.

- Fique comigo.

Que sentimento é esse..? Não é raiva... Mas, eu sinto como se estivesse olhando para algum tipo de coisa realmente nojenta. Empurrei-a de leve para se afastar, sentindo os braços se soltarem do meu corpo e então ela me fitou. Aquela água começou a se acumular novamente nos olhos dela.

- Não sei nem o que você quer dizer.

Lin me olhava de uma maneira que eu realmente não sei como descrever. Sua boca estava entreaberta, como se quisesse dizer algo, mas não tivesse palavras. Aquela água em seus olhos começou a transbordar, e do nada ela pulou contra mim, envolvendo meu pescoço com seus braços e encaminhando o rosto na direção do meu, para então encaixar os lábios dela aos meus. Eu não sabia o que aquilo significava, mas escutei uma... Risada ecoando dentro da minha cabeça.

Senti meus braços perderem o controle, envolvendo-a sem meu comando. Pressionei meus lábios contra os dela e senti o abraço ao redor do meu pescoço se apertar, senti aquela que escoava dos olhos dela molhando o meu rosto conforme eu sentia o corpo dela pressionando contra o meu.

Finalmente, a sacerdotisa afastou o rosto, soltando um suspiro e abriu um pequeno sorriso, abrindo os olhos para me olhar.

- Ah, Zero... – Mas, ela então pareceu ficar em choque, me olhando. – Ze-Zero!

Senti um sorriso involuntário surgir nos meus lábios, um riso perverso escapou por entre meus lábios conforme meus braços apertavam a cintura da sacerdotisa contra a minha. Tentei controlar meus braços novamente, mas eu simplesmente não conseguia solta-la.

O que estava acontecendo?

- Zero? – A voz que saiu da minha garganta era e não era a minha, parecia distorcida de alguma forma. – Ah, não, minha cara. Zero nem saberia o que fazer em uma situação com essa.

Senti meu corpo doer, uma pressão que parecia me atingir de dentro para fora. Reconheci aquela energia enfim. Grandark estava dominando meu corpo?!

- Me-Me solte! – Lin falou enfim, os braços que antes me envolviam começaram a tentar se afastar de mim.

- Te soltar? Hahaha... – Grandark não permitiu que ela se afastasse, aproximando o rosto novamente. – Mas não era isso que você queria, Lin?

- Eu não queria desse jeito!

- Não, você queria exatamente desse jeito. Você queria que Zero te beijasse, te tomasse, que saciasse seus desejos sujos. No fim, você não é muito diferente de mim, é? – Grandark moveu meu braço direito, tocando o rosto da sacerdotisa com sua mão, agora que notei que minha mão parecia coberta por uma espécie de camada escura. – Você também só quer que ele seja seu bonequinho.

Bonequinho..? O que ele queria dizer com aquilo? Eu sei que o único motivo pelo qual fui criado foi para portar Grandark e destruir a Eclipse, mas... Aquilo era o que me fazia de boneco? Então, se Lin me via como um... Senti meu coração afundar mais ainda dentro do meu peito.

- O Zero não é um boneco! – A sacerdotisa se debateu em meus braços que não cediam. – Me solte agora!

- Não... As coisas só estão começando a ficar divertidas.

Grandark utilizou meu corpo para girar e encostar as costas da Lin contra a árvore, prensando-a ali. A sacerdotisa pareceu empalidecer por um momento. Por algum motivo, ela parecia muito menor agora... Eu queria resistir contra, mas... Eu sou fraco demais. E, sinceramente, eu nem sei dizer se eu me importava sobre o que iria acontecer em seguida. Grandark provavelmente deve saber o que estava fazendo.

Lin tentou mover o braço para pegar seu leque que estava encaixado em um suporte na sua coxa esquerda, no entanto meu corpo foi manipulado para segurar seu pulso e afasta-la do leque, erguendo a mão da sacerdotisa acima da cabeça. O rosto da Lin... Parecia realmente assustado, mas, eu sentia que Grandark estava sorrindo de uma forma verdadeiramente animada.

- Não... Não quero isso.

- Tem certeza que não, Lin?

- Não assim...

- Tsc...

Grandark se afastou do corpo da sacerdotisa, para então joga-la para o lado. Lin perdeu o equilíbrio, mas não chegou a cair.

- Então você não passa de apenas uma mulher iludida com uma falsa versão do Zero. Se quiser ficar com ele... Vai ter que aceitar o “ônus” do “Bônus” também.

Lin me olhava de uma maneira que eu nem sei explicar. Era como se eu fosse... Um monstro.

-x-

Ela foi embora sem dizer mais nada depois daquilo. Quando retomei o controle do meu corpo, eu me senti muito mais cansado e senti que eu precisava realmente descansar.

O dia amanheceu. Mas, eu não acordei sozinho como de habitual.

- Zero!

Grandark me chamava, levantei a cabeça devagar para encara-lo. O olho da espada me olhava diretamente.

- Vamos logo, perdemos tempo demais.

-... Sim...