– O que vocês estão fazendo, suas lunáticas? – gritou Enny com sua voz estridente ao abrir a porta e nos ver naquela situação.

– Estamos tentando exterminar o gato vampiro, oras! – retrucou Aline sem ao menos pensar. Ela olhou para mim e começamos a gargalhar novamente.

Enny franziu o cenho e balançou a cabeça em reprovação. Poderia jurar que a ouvi resmungar a palavra “hospício”, mas dada a nossa situação, quem não pensaria em nos internar? Pensei em fazer alguma brincadeira com ela, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, um ruído na televisão me fez voltar a realidade.

Mas você pensa que o ruído me assustou? Não senhor, caro leitor. Foi a Enny.

Lá estava eu com meus devaneios de ser uma x-men e ler o pensamento das pessoas e do quanto seria assustador se uma pessoa realmente lesse os meus pensamentos... Imagine você lendo um livro tipo Cinquenta Tons de Cinza e dai vê um cara gato no ônibus e começa a viajar na maionese no seu mundinho dos sonhos. De repente o cara olha pra tua cara e você pensa “tenho que comprar pão” pra mascarar os seus reais pensamentos com medo de que você tenha pensado algo impróprio alto demais e ele tenha ouvido. Se você nunca parou pra pensar sobre isso... Talvez você deva ficar esperto com o que pensa em público. (Risada Maligna do mal das Trevas do Lado Negro da Força)

Mas voltando ao assunto... Imagine uma garota baixinha dando um pulo de meio metro e começar a tremer feito vara verde. Esse ser era a Enny. Seus olhos se arregalaram e ela sussurrou! Sim, ela sussurrou! Foi apavorante! Foi tipo:

– O q-que foi isso? – ela sussurrou E gaguejou. Eu fiquei perplexa e acho que a Aline também, porque ela me olhou com aquele olhar que a gente sabe o que a outra esta pensando, sabe.

– Foi só a tv. Ela é velha, vive fazendo isso. – disse com uma sobrancelha erguida, com suspeitas do modo estranho da nossa monitora.

– Não sei não, Batalha. Acho que foi o gemido de um fantasma. – ela disse piscando pra mim.

– F-fantasma? N-não seja a-absurda! I-isso não existe! – gaguejou Enny mais uma vez.

– Quanto tempo você pretende nos deixar esperando? – surgiu uma garota ao lado de Enny na porta. Ela era alta e absurdamente magra, como uma modelo da Marie Claire. Ficamos esperando uma resposta, mas ela estava petrificada. – Alô! Estou falando com você! – continuou a garota alta sem nenhuma paciência. Não obtendo resposta deu um beliscão na monitora baixinha. Era até engraçado ver as duas lado a lado.

– AI!!! Você esta louca? – Enny voltou ao normal, assim como seus pulmões, pois o grito me fez querer arrancar as orelhas.

– Vai me mostrar onde devo ir, ou vou ter que procurar um guia? – respondeu a garota virando os olhos com o escândalo.

– Meninas! Essa grossa se chama Aria e vai morar com vocês, ela é brasileira também, mas veio de algum fim de mundo onde não existe educação! – apresentou dando uma pequena, ou melhor, gigantesca ênfase na última parte. A garota era morena e tinha longos cabelos escuros. Usava um casaco branco de peles sobre um vestido preto básico, scarpins amarelos e segurava uma bolsa preta Miu Miu. Definitivamente deveria ser uma modelo ou algo do tipo.

– Se chama Eslovênia! – respondeu Aria bufando. – Vocês duas. – Apontou na minha direção e na da Aline – Peguem minhas malas e coloquem-nas no quarto. Acabei de chegar de uma longa viagem e preciso descansar minha mente. Amanhã terei uma audição muito importante! – terminou com um sorrisinho orgulhoso antes de ir até um dos quartos.

– Eu não sou empregada de ninguém ô Pernalongas! – gritou Aline sem obter resposta. – Ela que pense que vou carregar alguma coisa.

– Mas vamos deixar as coisas no corredor? E se alguém pegar? – indaguei preocupada. O grilo falante que vive dentro de mim adora encher meu saco. Maldita Consciência!

– Deixe que peguem, Batalha.

Eu fiquei quieta. Já tinha algo me perturbando ultimamente. A bolsa da Simpática. Eu tinha que dar um jeito de devolver senão iria ter pesadelos de tanto pensar sobre aquilo. Eu admito! Fiz algo errado e pode me chamar de bunda mole por dar pra trás, mas minha consciência está me matando!!! Não queria me preocupar com mais nada.

– Eu vou indo. Tchau. – Enny já tinha saído pela porta, quando voltou e disse: – Acho que já conhecem a Júlia. Ela também vai ficar com vocês. – disse antes de sair e não voltar mais.

Tentei chamar nossa monitora, mas foi em vão. Meu queixo caiu. Não acreditei que a mal humorada com cara de serial killer ia morar com a gente. Aline parecia nem ligar, cumprimentou a garota com um aceno e, vendo que não teria resposta, foi sentar no sofá.

– O-oi Júlia. M-meu nome é Aline e eu...

– Eu lembro de você. – ela me cortou. – Você é a menina que gosta de acordar os outros por causa de fósforos. – Pegou as malas dela e um monte de pôsteres sumindo em uma das portas.

Merda! Aquela menina guardou rancor contra mim! Eu estou morta. Serei a próxima na lista dos assassinatos. Adeus mundo, adeus família, adeus Johnny Depp, adeus chocolate...

– Aline...

– O que?

– Ela vai me matar.

– Ninguém vai te matar, aliada.

– A Júlia vai. Estou na lista negra dela. – choraminguei. O que a fez rir.

– Deixe- a tentar. – ela riu mais ainda quando me viu arregalar os olhos e abrir a boca, pasma. – Não se preocupe Batalha. Ela não pode ser pior do que o gato vampiro,certo?!

Aline estava certa. Talvez eu até seja uma vampira agora que fui mordida pelo gato vampiro.

***

Na manhã seguinte...

– ESTOU ATRASADA! MUITO ATRASADA! DROGA DE CELULAR! – Aria deve ter acordado o prédio inteiro com seu berreiro. – QUE MERDA! INFERNO! – eu levantei e fui até a cozinha ver o que estava acontecendo, totalmente descabelada e com os olhos inchados.

Vi Aria correndo de um lado para o outro com uma toalha enrolada no corpo.

– ONDE ESTÃO MINHAS MALAS?

Vi uma mão apontar para porta e vi que era Aline que deveria ter dormido no sofá.

– QUE RAIVA! ESTOU CERCADA POR UM BANDO DE PALERMAS NUM APARTAMENTO HORROROSO SEM CLASSE ALGUMA! ARG!!!

Eu estava no modo zumbi. Andando mas não raciocinando, e acho que a Aline já tinha apagado de novo. Aria saiu pela porta e trouxe suas malas fechando a porta com força. Um segundo depois vi a Júlia sair do quarto dela segurando uma almofada com a foto de alguém que não deu pra ver direito. Seus cabelos estavam bem piores que os meus, parecia ter saído de um tornado! E usava um moletom muito grande pra ela, parecia um vestido extremamente largo que nem dava pra ver as mãos dela. Estava pálida e andava em nossa direção com um olhar fulminante.

– CALA A BOCA! – gritou apontando para Aria. – CALA A BOCA! CALA A BOCA! CALA A BOCAAAAAAA! – continuou gritando e rasgando a almofada que tinha nas mãos, fazendo seu conteúdo se espalhar ao seu redor.

Aria foi responder, mas antes que pudesse sequer abrir a boca foi interrompida por Júlia que agora tinha assumido uma expressão realmente assassina. Eu fiquei com vontade de fugir pela janela, ao invés disso corri para o sofá perto da minha amiga que roncava.

– OLHA. O. QUE. VOCÊ. ME. FEZ. FAZER. – exclamou pausadamente olhando para o que tinha sido sua almofada favorita.

Ferrou.