Depois de deixar Maressa em casa, Bianca seguiu para a sua própria. Entrou o mais sorrateiramente possível para não alertar seus pais de sua presença, pois sua cabeça já estava cheia o bastante para ainda ter que responder pergunta.

Ao tirar a jaqueta jeans e os tênis cinza com detalhes rosa, se jogou na cama e cobriu o rosto com as mãos. “O que diabos você fez, Bianca Salles? Eu tenho certeza você é hetero, você já teve muitos... Não muitos, você não é uma vadia, mas já teve namorados e gostou de cada um deles. Você simplesmente não pode estar gostando da Maressa. Não pode estar hipnotizada por aqueles lindos olhos de cor desigual e muito menos encantada por aquele sorriso maroto com piercing no lábio, nem morrendo de vontade de acariciar aquele cabelo curto e... O QUE DIABOS EU TO PENSANDO!? Espera, cabelo curto? Cabelo curto, roupas largas e masculinas, piercings! É isso! É óbvio, Bianca, você está se sentindo assim porque ela parece um bad-boy com um lado meigo que só você conhece, assim como nos livros. Mas ela não é um bad-boy! É uma garota e você sabe que é você hetero, Bianca. Tem que parar com isso antes que acabe a deixando se envolver. Mas... Se eu parar de interagir com ela de uma hora pra outra, ela vai sofrer também, você viu que ela queria o meu beijo. Então não vamos parar de interagir com ela, vamos só fingir que nada aconteceu e continuar a amizade exatamente como sempre foi. E se ela não entender essa minha atitude e achar que eu estou brincando com ela? Ela não vai, ela vai entender que você entendeu que foi um erro e tudo vai voltar ao normal.”

Bianca aceitou isso como verdade absoluta e tentou dormir. Mas mesmo que já tivesse se convencido de que não estava de fato gostando da skatista, não conseguia parar de pensar no que havia acontecido. Quase ainda podia sentir a textura macia daqueles lábios não muito finos e nem muito grosso, o gostinho doce de seus sabores favoritos de sorvete se misturando. Foi tão bom. O que ela queria era querer esquecer, mas sinceramente não queria.

Já Maressa estava preocupada. Ao mesmo tempo em que queria deixar a cabeça de Bianca esfriar para conversar com ela, queria fazer isso o mais rápido possível. E mais, queria beijá-la novamente. De todos os beijos por nada em noites de balada, em um horário discreto atrás da quadra, nas ruas quando deu sorte com suas cantadas, aquele foi o mais significativo de todos.

De certo que ela havia tentado negar, evitar, ignorar, mas não havia mais o que fazer sobre isso: estava perdidamente apaixonada pela estagiaria. Agora o que lhe restava era tentar desenrolar essa situação da melhor maneira possível. Primeiramente, deixar a mente de Bianca processar o ocorrido, depois decidir o que fazer, já que Bianca era não só uma estagiária, mas também uma das responsáveis pelo CDT (que também valia nota), então se chegassem a ter algo mais sério, teria que ser com o máximo de cautela possível.

No Dia Seguinte...

Maressa e Bianca queriam agir normal, mas acabaram agindo estranho. Mal conseguiram trocar quatro palavras sem ficar vermelhas e graças aos céus a atleta tinha treino ou as coisas teriam ficado ainda mais estranhas e teria sido péssimo, pois as duas já estavam acostumadas com essa amizade incrivelmente forte que se formou através de simples aulas do CDT.

As coisas melhorando dia após dia até voltarem ao normal mais ou menos três semanas do beijo na sorveteria. Maressa estava ansiosa pelo dia em que as coisas normalizassem, mas também estava nervosa, pois uma hora teriam que conversar sobre o ocorrido.

Bianca: _Faz um tempinho que a gente não vai à sorveteria, né? To louca por um sorvete, tá a fim de tomar um comigo? –a estagiária estava um pouco tensa ao fazer o convite, mas sentia falta da amizade.

Maressa: _Claro. Sorvete hoje, sorvete amanha, sorvete pra sempre.

Bianca: _(risos). Ganhou RT.

Maressa pegou o skate e encaixou entre a mochila e as costas, Bianca ajeitou a alça da bolsa no ombro e foram andando lado a lado, ainda um tanto sem jeito. A atleta não segurou tão firmemente a cintura da estagiária durante o caminho e não falou muito durante as primeiras colheradas em seu sorvete, mas depois de algum tempo não aguentou mais segurar sua pergunta e largou a colher na taça.

Maressa: _Bianca, precisamos conversar.

Bianca: _Conversar sobre o que? –Bianca falou de boca cheia e continuou olhando para o sorvete como se não tivesse a mínima preocupação com o provável assunto, mas seus ombros ficaram automaticamente tensos.

Maressa: _Sobre o que aconteceu da ultima vez que viemos tomar sorvete.

Bianca: _Eu não sei o que aconteceu de mais pra eu lembrar, faz tanto tempo. –a estagiaria ergueu o olhar e encarou as íris desiguais da skatista, quase se perdeu por um segundo, mas se lembrou de que tinha que ser firme em sua decisão. Pelo bem de Maressa.

Maressa semicerrou os olhos e entreabriu os lábios, seu estado era de total perplexidade. Mas o olhar frio e sério de Bianca apenas lhe fez morder o lábio para controlar a magoa e a raiva, então decidiu entrar no jogo. Essas três semanas de simples frieza já foram o suficiente para mostrar a Maressa que ela não gostava mais de viver sem Bianca, fosse como amiga ou como realmente queria.

Maressa: _Hora, foi você que fazia questão e agora esqueceu. –a atleta forçou um sorriso maroto e sacodiu os ombros. –Você ficou de me ver jogar vôlei na hora do intervalo e nunca que foi.

Bianca: _Ixe, é mesmo. Eu acabei esquecendo completamente disso. Com tudo o que tá rolando na facul, tenho sorte de lembrar o nome. (risos). Essa semana e a próxima não vai dar por causa das provas que nós vamos ter que aplicar e corrigir, mas depois disso eu vou, okay?

Maressa: _Tá beleza. Mas não vai esquecer, hein?

Bianca: _Não se preocupa, eu vou colocar um lembrete no meu celular e assim fica mais organizado.

Maressa: _Então okay.

As duas semanas foram se passando arrastadas. Maressa queria sim manter a amizade com Bianca, mas estava tão frustrada, decepcionada e incrédula com a atitude da estagiária depois do ocorrido que simplesmente não conseguia não trata-la com certa frieza e indiferença.

Bianca estava tão triste com o afastamento obvio que tiveram, mas simplesmente não conseguia se afastar, então quando o celular anunciou o evento que já estava cansada de lembrar, ela se encaminhou para trás da quadra da escola bem quando Maressa e seus colegas estavam dividindo os times.

Maressa: _Hey, você veio.

Bianca: _Eu disse que vinha. Finalmente vou descobrir o quão espetacular você realmente é e o quanto é canastrice.

Maressa: _Wou, garota. Prepare-se pra ficar impressionada. As garotas que assistem costumam ficar ali em cima pra não levar bolada. –a aluna apontou para o topo da arquibancada.

Bianca entrou na quadra e subiu a arquibancada, sentou no topo com as pernas para o lado de fora como as outras garotas ao seu lado. E uma entediada Natasha também observava tudo, mas de um lugar bem mais discreto.

De um lado da rede estavam Leonardo, Marcelo e Valeria, do outro estavam Maressa, Julieta e Thalita. Como o tempo estava um pouco quente, Leonardo, Marcelo e Maressa decidiram tirar as camisas para jogar. Leonardo tinha um corpo praticamente perfeito, os gominhos na barriga, os braços fortes na medida certa, o bronzeado suave e isso sem falar no cabelo loiro impecável e os olhos azuis que causariam inveja até no céu. Marcelo não ficava atrás com sua pele marrom bombom, seus músculos bem definidos, suas costas largas, seus cachos negros e olhos cor de mel. Mas nada disso chamou a atenção de Bianca. Quando Maressa tirou a camisa, o movimento pareceu ser feito em câmera lenta aos olhos da estagiária.

Ao contrario do que muitos pensavam, Maressa não tomava hormônios masculinos e por baixo das roupas extremamente largas estava um corpo escultural e totalmente feminino. A pele branquinha da barriga era lisa e sem manchas, seus ossos não ficavam a mostra, mas não havia nenhuma gordurinha fora de lugar, do lado esquerdo de seu corpo havia uma tatuagem de roseira que começava nas costelas e entrava pela calça de uniforme da escola. E aqueles seios fartos cobertos por um top preto um tanto quanto apertado com certeza chamavam atenção.

Bianca não desgrudou os olhos do corpo de Maressa nem por um segundo. Enquanto as garotas gritavam e torciam pra um dos times, a estagiária apenas babava um corpo feminino que aos poucos ia ficando mais e mais suado, o que o fazia reluzir com o sol. Os times iam sendo trocados a cada vez que um alcançava cinco pontos e com Maressa e Julieta no mesmo time, a equipe era imbatível. Cerca de 15min antes de tocar o sinal, a skatista cansou de jogar e foi até a mochila encostada na arquibancada, pegou uma toalha e foi umedecê-la em uma torneira perto do corredor que ligava a quadra ao prédio da escola, em seguida passou a toalha lentamente pelo pescoço, colo e abdômen. Bianca, que ainda observava tudo com os lábios entreabertos, sentiu a mais pura e sincera inveja daquela toalha.

Quando Maressa terminou o processo para amenizar o suor, olhou para Bianca sentada na arquibancada e, sem perceber o estado abalado da estagiária, apenas sorriu com aquela mescla que só ela conseguia ter de meiguice, presunção e gaiatice.

Nesse momento o mundo simplesmente parou de girar e seu peso se concentrou sobre os ombros de Bianca enquanto um único pensamento invadiu em cheio sua mente.

“Fucking Hell. Eu to apaixonada ... POR UMA GAROTA!”