O Lamento Da Lua escrita por J S Neto


Capítulo 2
Dois - Mamãe, fugi da escola




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–Vamos, vocês dois! – disse Alice ajudando Matheus a conseguir sair de trás da grade que estava torta em algumas partes por conta dos ataques das garras.

–Como assim?! Você viu a mesma coisa que a gente, né? – perguntou Matheus logo depois que conseguiu se livrar da “prisão” que as grades tinham se transformado. – Era uma mulher medonha! Metade mulher, metade águia! – gritou ele como se ninguém ali tivesse visto.

–Eu sei. Eu sei. – disse Alice agora nos puxando para subir as escadas. – Vocês entenderão tudo, só precisam de paciência.

–Entender o que? – perguntei sem compreender o que Alice estava querendo nos dizer. – Eu não sei se você está realmente entendendo... A mulher, a velha tarada, substituta... Ela era um monstro! Uma mulher águia!

–Uma Harpia, é o nome certo. – disse ela como se estivesse corrigindo um equivoco sobre o nome de um colega de classe novo. – Precisamos falar com Enzo, urgente.

–O que um professor de matemática vai fazer para ajudar a gente de um ataque de uma coisa daquelas?! – disse eu já sem paciência.

–Dava para ser uma mutante dos X-Men ... – sussurrava Matheus logo atrás, sem prestar mais atenção em nada e olhando os braços com aqueles cortes.

Quando chegamos ao corredor da diretoria, Enzo já estava nos procurando e veio em nossa direção.

–Alice! Que bom que estão aqui em cima... – disse ele olhando para todos nós com atenção, como se procurasse algo de errado e franzindo a testa quando viu os ferimentos de Matheus – Senti o cheiro...

–Uma Harpia... – disse Alice – Estava aqui dentro o tempo todo, atacou no momento que pôde pega-los de surpresa.

–E eu já tinha desconfiado mais cedo. Só que o cheiro estava fraco e achei que o monstro poderia estar perambulando pelo bairro, ainda à procura deles. – disse Enzo olhando para Alice.

–E agora? – perguntou ela.

–Vocês terão que sair logo daqui. É uma questão de tempo para mais virem para cá na tentativa de matá-los. – Disse Enzo olhando para o fundo do corredor como se esperasse que algo aparecesse subindo a escada.

***

Nunca filei uma aula de forma tão descaradamente como estava fazendo naquele momento. Alice mandou que adiantássemos os passos e aproveitamos o momento que o porteiro tinha ido atender ao telefone para fugirmos da escola.

“Fugir” é até uma palavra estranha para denominar o que acontecia, já que eu e Matheus não sabíamos nem o que estávamos fazendo direito, e inconformados com a falta de atenção à coisa que tinha nos atacado alguns minutinhos atrás.

–Alice, dá pra nos explicar o que está acontecendo? – perguntou Matheus – Se for para fugir para nossas casas e dizer a nossos pais para dar uma queixa sobre um mutante na cidade para a policia... Eu posso ligar para meu pai e...

–Não!! – gritou ela ao ver ele tirar o celular do bolso, agarrou o objeto e jogou-o no chão.

–Era um Sansung Galaxy S III! – gritou Matheus ao ver a tela do seu celular rachar ao tocar com força no chão. – Eu não quero nem saber, Alice, você vai pagar outro...

–Você deveria me agradecer, na verdade. Isso é um ótimo radar para atrair monstros em sua direção. – disse ela apontando para os restos mortais do objeto – É uma das coisas que alguém como nós deve sempre lembrar. Ainda mais no momento... Devem ter vários tentando encontra-los por aqui.

–O que você quer dizer com isso? – perguntei sem entender o que tinha de tão especial em nós três. – Alguém como nós?

–Vocês são semideuses. Assim como eu, e preciso leva-los em segurança até o acampamento, sem que aconteça algo de ruim.

–Você tá de brincadeira né? – disse Matheus rindo da cara dela, com um tom sarcástico. – Semideuses... Tipo Hércules? Aquiles... Esses caras...?

–Sim. – disse Alice como se aquilo fosse normal. – Na verdade Hércules era um semideus, filho de Zeus, mas Aquiles não foi um semideus, ele era filho de uma ninfa chamada Tétis com um humano chamado Peleu.

–Eu realmente não estou compreendendo... – disse Matheus – Você tá nos dizendo que isso é serio?

–Sabe aquilo lá dentro? – disse ela se referindo ao tal monstro-mulher-águia – Ontem você acreditaria se eu te dissesse que tinha visto um ser vivo com aquelas características?

Paramos um pouco para pensar, e ela estava certa. Por mais estranho que fosse aquela conversa de ser filho de deuses.

–Isso é normal. – disse Alice como se soubesse que daqui a pouco tempo tudo já estaria mais tranquilo. – Todo semideus quando descobre fica em estado de choque ou faz varias perguntas para achar uma prova de ser mentira.

–Você quer dizer então que estamos sendo caçados por monstros por sermos semideuses... – disse olhando para ela.

Ela parou um pouco de falar para olhar uma pessoa que cruzou nosso caminho, provavelmente desconfiando que fosse outro monstro com asas e horrorosamente misturado.

–Os monstros fazem de tudo para matar os semideuses. Eles meio que não gostam muito dos deuses, mesmo que muitos sejam até filhos deles também - disse ela adiantando um pouco os passos, sempre olhando para trás - Existem vários exemplos de monstros filhos de deuses, mas não vale a pena te dizer todos... Não vale a pena dizer todos os semideuses filhos de um único deus, imagina o resto.

–Minha nossa... Estou mais confuso do que você possa imaginar. – disse Matheus olhando para a cara de Alice com os olhos vagos.

–Mas se somos filhos de deuses... Então temos superpoderes? – perguntei recebendo um olhar meio menosprezador vindo de Alice (como se eu que estivesse falando coisas sem sentido ali).

–Não exatamente. Temos habilidades diferentes. Alguns possuem habilidades especiais, mas acontece mais com os filhos dos Três Grandes, Poseidon, deus dos mares, Zeus, deus dos céus, e Hades, deus do submundo. Mas são raríssimos casos, porque eles juraram não fazer filhos por sempre nascerem mais fortes e ameaçadores que os outros semideuses, podendo causar algum desequilíbrio na Terra. Mas eles não cumpriram sempre com esse trato, nascendo alguns que pode se contar com os dedos das duas mãos. Se duvidar, até em uma só.

–E como podemos saber de quem somos filhos? – perguntou Matheus – E a propósito, eu tenho pai e mãe. Significa então...

–Acho melhor deixar que a névoa controle tudo e não arruíne suas famílias. – disse Alice.

***

Atravessamos a sinaleira para irmos ao ponto de ônibus, enquanto Alice nos apresentava a tal Névoa. Com uma habilidade bem necessária, a substancia invisível torna tudo que é considerado irreal ocultas e substituídas por coisas consideradas “de verdade” para uma pessoa comum. Um exemplo: se você por um acaso encontrar um carinha de boa brincando com um pombinho na rua, a partir de agora pense na possibilidade daquele mesmo cara na verdade estar em um momento complicado, lutando contra um dragãozinho de alguns metros estrondosos ou qualquer criatura medonha que se relacione a mitologia grega. E sim, antes era só um pombinho...

–Quanto de quem vocês são filhos... Não podemos saber, até que sejam reclamados. – disse Alice observando se algum ônibus se aproximava do ponto. – Mas não se preocupem, é uma questão de tempo para seu pai ou mãe lhe reclamar. Com exceção de alguns, que demoram... Um pouquinho.

–E para onde estamos indo mesmo? – perguntei, olhando para os lados com medo de algo mais feio que aquela mulher-águia me atacasse por trás. Preocupante. A paranoia de Alice parece ser contagiosa.

–Vamos passar nas casas de cada um de vocês. Precisamos pegar o que será necessário durante nossa ida ao acampamento. – respondeu ela, colocando a mão para pedir ao ônibus que parasse.

Entramos no transporte. Passamos na catraca e fomos nos sentar o mais na frente possível, já que não ia demorar muito para chegar ao ponto perto da minha rua.

–E que acampamento é esse que você tanto fala? – perguntou Matheus, sussurrando, se sentando num banco logo atrás dos nossos.

–Peguem o panfleto que Enzo nos entregou na sala dos professores... – disse Alice. Matheus tirou o seu que estava no bolso, já que o meu deixei na minha mochila que estava nesse momento assistindo aula no meu lugar, sozinha lá na escola.

Quando ela abriu o tal panfleto enjoativo, por um momento nada parecia de explicativo para a pergunta de Matheus, até que as cores e as fotos se misturaram como se fossem tintas de cores diferentes sendo fundidas no mesmo pote, que logo depois revelaram um tipo de mapa. Acima do mapa tinha escrito “Acampamento Meio-Sangue”.

–O que foi isso?! – perguntou Matheus olhando para os lados e sorrindo de forma sem graça quando percebeu que chamou atenção de uma mulher que estava sentada logo atrás dele.

–Pra que isso tudo, querido? – disse Alice com ar de menosprezo. – Se acostume com a obrigação da névoa, ok?

–Foi mal... – disse ele um pouco sem jeito. Matheus tem comportamentos estranhos (além dos roubos impulsivos), e um deles é falar algumas coisas um pouco alto demais. Se tem uma coisa que ele sabe fazer bem, é ser indiscreto (e isso vindo de um ladrão é um pouco complicado...) – Quer dizer então que existe um mapinha maroto para nos levar para o tal acampamento?

–Esse na verdade é para semideuses perdidos... Enzo tem a mania de garantir que os semideuses novatos sob sua responsabilidade sempre tenha um desse em mãos. – disse Alice não dando muita importância ao mapa, logo dobrando ele e entregando a Matheus de volta – O acampamento é uma área segura para treinamento de filhos de Deuses, para torná-los heróis... Ou talvez não. Tem muito semideus insignificante também... Existem vários acampamentos espalhados pelo mundo, agora que o Olimpo descobriu que eles estão zoando pelo planeta todo.

–Zoando?... – perguntou Matheus sem entender o que Alice queria dizer.

Nós apenas o observamos por um momento. Depois percebemos que ele realmente não havia entendido. Deixa ele lá.

–Mas enfim. – disse Alice ignorando o fato da inocência de Matheus – Fazemos de tudo por lá. E se caso formos sortudos, recebemos uma missão para poder realizar.

–Prefiro esperar para ver... – disse sem condições de absorver tanta informação.

***

Quando chegou ao ponto, descemos rapidamente, já que para chegarmos ao meu prédio ainda teríamos de andar alguns muitos metros. Coisa de cinco minutos até chegar lá.

Nada nos interferiu no caminho, o que Alice achou muito estranho. Porém sentíamos a sensação de estarmos sendo observados durante todo ele. O que é mais estranho ainda, e agoniante. Não suporto tomar sustos e algo me diz que essa tal figura que nos persegue quando aparecer vai me pegar despercebido.

Chegamos à frente da porta da minha casa. Toquei a campainha. Ah, ótimo, minha mãe vai adorar saber que eu, como aluno de terceiro-ano, estou neste exato momento correndo pelas ruas da cidade, pois uma garota, de menos de um metro e cinquenta me apresentou um mundo em que deuses gregos existem e velhas viram mulheres com asas.

A porta abriu e lá estava minha mãe. “Vamos mãe, abre que estamos sendo seguidos, pois alguns monstros endiabrados me querem morto por ser filho de um deus da Grécia antiga!” foi o que eu pensei.

–Oi mãe. – foi o que eu falei.

–Rafael? O que está fazendo aqui esse horário? – disse ela olhando para o relógio no pulso e tirando a chave da fechadura da porta para poder ir abrir o portão para podermos entrar. – Foi liberado mais cedo?

–Mãe... Eu não sei por onde começar... Bem... Essa é a...

–Você veio direto da escola me apresentar sua namorada? – perguntou ela me olhando com ar incrédulo.

–Não! Não! Ela é Alice! Namorada do Bruno! – disse esclarecendo logo o momento tão constrangedor que espontaneamente ocorreu.

–Oi, Alice. Tudo bom? – disse ela cumprimentando Alice como se nada tivesse acontecido. – Matheus, você também está aqui! – continuou vendo ele entrar logo atrás de nós. – Como vão seus pais?

Matheus olhou para minha mãe e do nada teve uma crise de choro. Provavelmente pensando que um deles não é realmente parente seu.

–O que houve? – perguntou inocentemente minha mãe, se preocupando com a situação de Matheus – Aconteceu algo?

–É que ficamos sabendo de uma coisa... – disse e logo percebendo que a expressão no rosto dela se transformou em compreensão, como se soubesse o que tínhamos a contar. E, obviamente, ela sabia.

Depois de sentarmos para contar os detalhes do que havia ocorrido, e de eu ter tomado um susto com minha gata achando que seria o tal monstro observador, foi esclarecido tudo a minha mãe, que parecia esperar por esse dia.

Não perguntei nem do que seria do meu “pai”. Prefiro deixar por conta da névoa, como propôs Alice.

–Então é bom que adiantem logo. – disse minha mãe depois de termos terminado a conversa – Venha, filho, dá pra arrumar suas coisas rapidamente se você me ajudar.

Seguimos ela até meu quarto e o de Luana (minha irmã, que vive viajando a qual falei), e Alice, que nunca esteve no local (o que não era o caso de Matheus) ficou chocada com a quantidade de desenhos que eu pendurava em nas paredes.

–Não repare a bagunça... É que eu gosto de desenhar um pouco. – disse abrindo logo o guarda-roupa e as gavetas para começar a pegar o necessário.

–Sei... “Um pouco”... – disse ela observando alguns com mais atenção. Enquanto eu arrumava minha mochila juntamente com minha mãe, Alice franzia a testa ao perceber do que se tratavam alguns dos desenhos – Você, para alguém que não conhecia muito da mitologia greco-romana, possui muitos desenhos relacionados aos deuses e alguns monstros...

–Serio? – perguntei indiferentemente – Juro que não foi intencional. A maioria das vezes nem sei o que estou projetando. Simplesmente rabisco.

–Simplesmente rabisca... – Alice sussurrou observando um rosto de um homem que eu havia desenhado recentemente.


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