Radiação Arcana: Totem De Arquivo escrita por Lucas SS


Capítulo 39
Capítulo 38: O Zunido


Notas iniciais do capítulo

Finalmente está de volta! Depois de duas semanas pra refrescar a criatividade, Radiação Arcana retorna a ativa. Espero que esteja no nível que vocês querem, pois me esforcei nesse aqui. Bem, me perdoem pela demora, mas agora que estamos no finalzinho, tenho que fazer o melhor que posso, não me importando com o tempo, certo? Divirtam-se e aproveitem esse capítulo que eu fiz com muito carinho. Boa leitura.



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Naquele momento eu não tinha percebido, mas um leve zunido passava por meus tímpanos e confundia minha mente aos poucos, de forma tão sutil que nem parecia acontecer. Talvez foi esse zunido que comandou nossas próximas ações.

— Vamos pela esquerda, não é? — Skarlatte perguntou.

— Mas e se for uma cilada, galera? Vai que lá tem outras dessas aranhas construidoras de homens ou armadilhas piores que a anterior? — Supreme falou.

— Mas nós combinamos de ir sempre pela esquerda, para não nos perdermos, não é? — eu disse.

— Balazar está certo, temos que seguir esse padrão e enfrentar tudo que vier. Vamos ficar mais atentos as armadilhas e estar sempre preparados para matar os inimigos, como uma legião — meu irmão me apoiou.

— Estou falando que isso vai dar merda, se eu morrer serão vocês que pagarão meu caixão e o enterro — o dracônico reclamou.

Em formação de batalha, mas com as armas guardadas, caminhamos pelo túnel da esquerda. Nossos passos faziam tanto som quanto um acidente entre dois caminhões por causa do eco, que se estendia pelo túnel úmido e escuro. Uma ideia de perseguição nasceu na minha mente. Eu podia jurar que algo estava nos seguindo, mesmo sem provas.

— Esse silêncio está me matando por dentro — Supreme falou.

Eu entendia ele muito bem. O garoto não parava de gritar e fazer barulho, como uma verdadeira tempestade, como poderia ficar quieto em um lugar tão assustador como esse. Além do mais, todo esse suspense fazia com que o medo crescesse nos nossos corações rapidamente.

— De onde vieram os nomes dos personagens de vocês? — Jujuba perguntou. — Para começar, eu falarei o meu, está bem?

Todos concordaram com a iniciativa da garota de quebrar o clima tenso do labirinto.

— Me disseram que aqui todos poderiam jogar e ter uma vida nova, pois esse universo era tão bem criado que você questionaria o que é real e o que é virtual. Realmente isso não é mentira. Mas por achar que aqui eu poderia ter uma nova vida, vim testar isso tudo. Por isso Life Taster, testadora de vidas em inglês.

No futuro o inglês ainda existe, pois ela criou tanta força na época de vocês que metade do mundo usava como língua mãe. Porém não era a única, pois a linguagem não é somente um conjunto de palavras e regras, mas uma característica da sociedade que a fala.

— Agora eu entendo, você fala inglês. Você veio de onde? Canadá, Estado Norte, Inglaterra? — Fear perguntou.

— Eu nasci no Estado Norte, mas me mudei para a Suécia quando tinha cinco anos. Meu pai me ensinou inglês.

— E por que te chamam de Jujuba? — Skarlatte indagou.

— É meu apelido fora do jogo e alguns amigos o trouxeram para cá. Por mais que eu não tenha nada de doce, meu nome começa com “ju”, então passaram a me chamar disso. Eu não gostava no início e me meti em muitas brigas com isso, pois odeio apelidos, mas tive de aceitar — ela respondeu com um ar de insatisfação. — Mas e você, Skarlatte, por que esse nome?

— Por causa da cor, escarlate. Meus cabelos são desse tom, além de ser minha cor favorita, então decidi que meu personagem seria chamado disso. Como pode ver, eu gosto muito de cores parecidas com essa, como vermelho — a feral disse mostrando a roupa.

— É, percebi… Minha gatinha se amarra em cores quentes — Limcon disse. — Bem, antes que vocês perguntem, já vou dizendo o porquê do meu nome. Antes do Estado Norte ser o que ele é, fez parte de um grande país, como todos sabem. Nesse país, um presidente muito famoso se chamava Lincoln, mas eu nunca soube escrever isso quando criança. Eu adorava esse presidente, mas não sabia o nome, então escrevia como imaginava que era. Mas esse erro de escrita acabou se tornando parte de mim e, em todos os jogos que me aventurei, meu nome era Limcon! — o atirador falou.

— Interessante… A sua burrice lhe trouxe algo criativo — Fear concluiu.

— É — Limcon respondeu orgulhoso. — Espere, minha burrice? — ele pareceu um pouco irritado e todos riram da cena.

— Minha vez de contar. Como a senhorita Life Taster sabe, Fear significa medo. Eu sempre achei que se você não pode ser sua própria fraqueza, então decidi tornar-me minha pior fraqueza, a que me atormentou durante a guerra, o medo. Acabou funcionando, porque hoje não tenho medo de nada… ou quase nada — o pequeno ladrão disse sombriamente.

— Bem profundo isso, parece até poesia — Supreme disse mostrando o lado levemente culto dele. — Minha vez, posso?

Com a afirmação de todos, o bárbaro começou:

— O que torna um título mais importante do que ele? São adjetivos, não é? O grandioso rei, o magnífico guerreiro, o majestoso leão. Pensando assim, tentei fazer um jogo de palavras. Não importava o que eu fosse no jogo, eu seria o maior de todos. Eu queria ser o bárbaro supremo, mas… — o dracônico pareceu envergonhado.

— Mas… — induzi ele a concluir a frase.

— Mas eu digitei errado o nome e não percebi.

A risada escandalosa de Limcon correu o caminho sombrio do labirinto.

— Cara, como você é burro! Você ganhou o prêmio de burrice — o atirador o irritou.

— Ah, cala boca, Limcon — Supreme pronunciou o nome zombando dele.

Ambos ficaram quietos se encarando enquanto caminhavam. Por um momento pensei que iriam começar a brigar e algo dentro de mim se animou com o pensamento. Contudo, ambos caíram na risada e bateram as mãos em sinal de amizade.

— Brincadeira cara, seu nome é bom e bem original — Limcon falou.

— O seu também, irmão, e é mais fácil de escrever do que o daquele presidente.

Continuei caminhando, levemente desapontado por não ver a briga, mas aliviado que não haveria desentendimentos no grupo por coisas tão pequenas. O zunido continuava em mim cabeça, estava sempre presente, mas eu não dava atenção, pois ele se instalou de forma oculta, se camuflando entre meus pensamentos.

Demorou alguns segundos para eu notar os cinco pares de olhos que me encaravam esperando minha vez de contar a origem do nome. Fazendo-me de bobo, perguntei.

— O que foi?

Virando os olhos, Jujuba disse:

— Sem mais enrolação, conte logo de onde surgiu esse nome feio aí.

Eu adorava ver como os lábios dela se moviam enquanto pronunciava as sílabas. Ela havia uma mania de mordê-los quando terminava as frases ou esperava por algo, o que me hipnotizava ainda mais. Maliciando o meu olhar fixo, ela disse:

— Pare de olhar o que você queimou, seu tarado!

Saindo do transe, comecei:

— Meu irmão brincava com bonecos quando era criança, mas ele tinha dois preferidos. Um era o herói, o Selbit, o outro era o vilão, o Balazar. Daí que eu peguei o nome, por causa desse boneco.

— Não sabia que tu tinha irmão… — Life Taster disse.

— É, eu tinha… — falei com a voz falhando.

— Mas por que não escolheu o herói? — Limcon perguntou.

— Porque eu não…

O chão sob nossos pés se abriu, dando lugar há um fosso e me impedindo de terminar a frase. Sem ter tempo de me agarrar em qualquer coisa, caí, junto com os outros. O buraco era fundo, cerca de uns vinte metros. Contudo, cada um dos meus amigos achou um jeito de se salvar do dano da queda, mas eu não.

Fear caiu e distribuiu a força do impacto com um rolamento bem feito, uma técnica de ladrão muito útil para quedas, Jujuba abriu as asas e voou até o chão em segurança, Supreme se tornou um raio e caiu rapidamente no chão de pedra, Skarlatte cravou as garras na parede e diminuiu a velocidade da queda, Limcon, que pensou rápido, atirou uma corda feita de piche pela sua arma e desceu com isso.

Contudo, eu caí com o peso todo nos meus pés. Por não saber cair direito, torci o calcanhar e gritei de dor. Soltei dezenas de xingamentos enquanto rolava no chão como um jogador de futebol. A dor era aguda e me fazia sentir o gosto de sangue na boca.

— Jujuba, cure o pé dele — Fear falou preocupado.

— Não posso, o fogo angelical não cura demônios… — a preocupação na voz dela era perceptível.

Limcon pegou uma poção de cura na bolsa e levou o bico à minha boca. Eu tomei dois goles do líquido doce e senti um calor percorrer meu corpo. A dor diminuiu rapidamente e meu calcanhar voltou ao normal. Devagar, levantei.

— Obrigado, cara, você pensou rápido.

— De nada, você me ajudou enquanto eu estava envenenado.

Olhei para cima e escutei o barulho do alçapão se fechando. Eu não conseguia ver de onde caímos por causa da névoa negra, mas sabia que estava lá.

— Ainda bem que era uma armadilha fraca, pois estávamos todos distraídos. Acho melhor focarmos mais na missão e deixar um sempre prestando atenção no caminho — Jujuba disse.

— Ela está certa. Não se preocupem, eu irei cuidar do caminho — Fear falou.

Limcon cortou a corda de piche da ponta da arma e disse:

— Ainda bem que eu aprendi a usar isso, senão teria caído também e nós não temos tantas poções de cura para poder ficar gastando com pés quebrados e torcidos toda hora.

— Vamos tomar cuidado para não nos machucarmos de bobeira, algo me diz que vamos precisar dessas poções mais tarde. Mas… para onde nós vamos agora? — perguntei.

— Já que, lá em cima, estávamos indo para esse lado — Skarlatte apontou para uma direção do novo corredor — acho que aqui é o caminho certo.

— Bem, vamos para lá então.

Continuamos a marcha, porém estávamos mais cautelosos. Mesmo com toda a nova tensão no ar, tentávamos relaxar um pouco, para não enlouquecer naquele lugar. Às vezes alguém soltava uma piada, outras vezes Supreme reclamava que não gostava de usar saia. Contudo eu comecei a me irritar com pequenas coisas. O zunido, que ainda estava oculto no meio dos meus pensamentos tensos, me fazia encucar com detalhes, como o tilintar das correntes do bárbaro, o namoro do casal militar, as asas celestiais da Jujuba e até mesmo a falta de barulho que meu irmão fazia por ser um assassino silencioso. Aos poucos, comecei esquentar a cabeça.

Mas consegui aguentar tudo isso por meia hora, ou pelo menos eu acho que foi isso, já que não conseguia contar o tempo naquele lugar sem sol nem lua. Limcon pediu para que todos parássemos, indicando algo à nossa frente.

— Estão vendo aquilo? — ele perguntou.

— O que? — Supreme questionou.

Cerrei os olhos e consegui visualizar uma corda negra e gosmenta logo adiante. Ela era uma hipotenusa que ia da parede até o meio do corredor.

— O que é aquele fio? — indaguei.

— É piche. Para ser mais específico, o piche da minha arma. Eu usei ele quando caí na armadilha. Sabe o que isso significa?

— Que nós estamos no mesmo lugar — Life Taster disse. — Mas como? Nós seguimos reto o tempo inteiro.

— Nós imaginamos que sim, mas talvez… — Limcon foi até a parede, encostou a arma mirando de onde tínhamos vindo e deu um tiro.

O estouro do tiro foi altíssimo e o zunido da bala se escondeu no meio do barulho maior.

— Se minhas hipóteses estiverem certas, a bala acertou a parede e em algum ponto mais alto do que o da minha arma. Alguém poderia ir verificar?

Todos olhamos para o corredor escuro e amedrontador. Não importa nossa idade, em um jogo onde tem monstros, corredores sombrios sempre farão o medo subir nossa espinha e nos tornar covardes novamente. Nem mesmo a bravíssima Jujuba mostrou vontade de ir olhar a bala.

— Qual é, galera, vai dizer que vocês estão com medo? — Limcon falou.

— Se tu acha tão fácil, por que não vai você? — Supreme perguntou.

— Porque eu não sou o bárbaro supremo que enfrenta tudo. Vai lá correndo já que tu gosta tanto de fazer isso. Ou está com medinho?

— Eu não estou com medo — o dracônico rugiu.

— É mesmo? Duvido! — Limcon desafiou o bárbaro.

— Ninguém duvida das minhas capacidades! Vou esfregar na sua cara que eu vou lá!

Supreme disparou em direção a onde a bala viajou. Escutamos as correntes baterem uma contra a outra e vimos pequenos clarões, sinal que ele usava a velocidade da luz para ir de um lado ao outro, procurando a bala. Todos rimos vendo o desespero do garoto procurando a bala para mostrar que conseguia fazer tudo que pedissem.

— Se a bala acertar a parede e mais alto que o nível da arma, quer dizer que nós estamos em uma espiral, segundo meus cálculos. Se for assim, esse fosso nos leva ao andar de baixo e assim nós ficamos andando em círculo. Caso seja isso, nós iremos perder tempo e nunca chegar no fim do labirinto. Contudo eu tenho duas perguntas: o que tem depois do fosso e… será que os monstros sabem desse lugar? — Limcon falou.

— Eu posso ver o que tem lá se você quiser — Jujuba disse.

— Seria ótimo, mas toma cuidado.

Life Taster caminhou até o fosso de dez metros de comprimento se abrir. Em seguida ela voou até o outro lado e continuou o caminho. Segundos depois, ela voltou com a cara pálida, parecendo que viu um fantasma.

— O que tem lá, Life? — perguntei.

— Uma… uma pilha… de cadáveres… de heróis — ela gaguejou.

Eu, Fear e Skarlatte nos olhamos, sabendo o que isso significava. O grito de terror que Supreme deu confirmou nosso medo.

— Socorro!

Como um relâmpago, o bárbaro surgiu ao meu lado, arfando e com os olhos arregalados.

— Ele é… Meu deus… Nunca senti tanto medo… — o lagarto não acabava as frases.

— Acalme-se, cara. O que foi que você viu lá? — Limcon perguntou não entendendo a situação muito bem.

— Uma assombração — Fear respondeu pelo bárbaro puxando as machadinhas. — Ele quer nos encurralar no fim do corredor e…

O zunido chegou ao seu ápice quando um punho negro segurou a cabeça do meu irmão e o levantou do chão. O movimento foi tão rápido e silencioso que nem o mestre em assassinato conseguiu escapar. Inutilmente ele balançou os braços e as pernas tentando acertar o corpo de quem o agarrou, porém o braço do indivíduo era comprido demais.

Olhei paralisado para a assombração. Por um momento, achei que só tivesse a cabeça, porque o corpo negro se camuflava na névoa escura. As pernas eram finas e longas, como os braços, mas o peito era forte. Talvez forte não seja a palavra certa, pois a assombração não era musculosa, mas sim estufada, como se tivessem o enchido com ar. Dos ombros até a cintura fazia quase como que um triângulo, pois ia afunilando aos poucos. As mãos eram do tamanho de uma raquete de tênis, com dedos do tamanho de bananas, que não tinham dificuldade de cobrir a cabeça do pequeno helmen. A mão que não estava ocupada segurando meu irmão apoiava o peso do corpo no chão igual ao que os gorilas fazem. As pernas estavam dobradas e apoiadas nos pés largos e chatos, com os joelhos dobrados contra o peito. Talvez de pé o monstro tivesse quase três metros, porém corcunda como estava ele tinha a minha altura.

Por mais que o corpo fosse estranho, monstruoso e assustador, o rosto o superava em todos os aspectos. A cabeça tinha um formato oval e era branca como a neve. Fios negros colavam os lábios pálidos, impedindo que o monstro falasse. O nariz e as orelhas faltavam, mas os buracos haviam sido cobertos com mais pele branca. Contudo, os olhos eram o que mais me assustava. Sem pálpebras, arregalados, com íris negra e esclera com vasos irritados, os olhos passavam de um lado ao outro, como se estivessem procurando uma coisa. O estranho era que ele não olhava para nós, como se fôssemos algo comum, que ele está acostumado a ver. Ele olhava o lugar como se nunca tivesse estado ali, virando a cabeça várias vezes, até para as costas.

Ouvi um grito abafado vindo da mão do monstro. Era meu irmão reclamando pro ter sido pego pela assombração e não conseguir fugir. Não entendia as palavras, mas imagina que ele devia estar xingando muito por ter seu orgulho ferido, já que ele sempre desviava dos golpes e evitava dano direto.

Acendi uma bola de fogo e atirei contra o pé do horrível inimigo, que não olhou para mim quando desviou facilmente do golpe. Ele parecia saber o que eu estava fazendo mesmo sem cair os olhos sobre mim.

— Maldito! Vou botar fogo nesse seu rabo maldito! — gritei com raiva.

Duas esferas de chama gelada brilharam sobre minhas mãos e por elas disparei vários outras. De forma assustadora, o monstro se contorcia como se não tivesse ossos, sem largar meu irmão e desviando de cada bola de fogo. Seus passos não faziam barulho no chão de pedra e, aos poucos, ele se aproximava, o que nos obrigava a recuar em direção ao fosso.

— Larga… meu… irmão!

Um brilho verde inundou o corredor quando eu arremessei o fogo selvagem no chão atrás da assombração. Eu sabia que o fogo se alastraria e acabaria queimando as pernas dele, assim como poderia queimar meu irmão se eu atirasse diretamente contra o corpo do inimigo.

Surpreso com o calor nas costas, o ser de rosto pálido soltou meu irmão, que caiu no chão e cambaleou até junto da equipe. Um ruído estranho veio do monstro, que batia com suas enormes mãos nas pernas girava, se chocando contra as paredes.

Quando percebi que ele estava a ponto de apagar todo o fogo selvagem que grudou em seu corpo, preparei um segundo tiro. Ao atirar a chama, o monstro demonstrou sua esperteza. Ele sabia que eu iria atacar e, com isso em mente, planejou suas ações. Precipitei-me ao achar que meu golpe havia funcionado, pois não notei que a pele do inimigo não havia queimado nem criado bolhas. Paguei pelo meu erro.

Com um salto surpreendente, a assombração sumiu no alto em silêncio. Não se escutou mais nada além da nossa própria respiração. Aproveitamos a deixa para fazer um círculo de defesa, com as costas coladas para impedir que o monstro entrasse na nossa defesa.

— Nós vamos morrer — Limcon sussurrou.

Olhei para ele e vi suas pernas tremendo levemente, mas a arma não mexia nem um pouco. Realmente o treinamento dele criou um bom soldado, por mais que fosse um soldado medroso.

— Calma, porra, a gente não vai morrer! — Supreme gritou e eu senti o medo na voz dele.

O zunido da assombração era forte e atrapalhava a concentração. As sombras pareciam se tornar miragens, formando o corpo dele, mas sem o rosto. Olhei para cima e tive uma ideia. Preparei mais uma bola de fogo e arremessei para o alto, fazendo ela crescer e emitir luz para uma grande parte da sala, nos dando uma visão melhor.

— Bem pensando, chifrudo — Life Taster gaguejou.

Uma gota de suor gelado escorreu pela minha testa e, antes de cair no chão, o monstro surgiu vinte metros a minha frente, passou pela minha esquerda, agarrou o pé do anjo e começou a arrastá-la.

— Socorro! Ajudem-me Me ajudem! — a paladina gritou e tentou acertar o braço do inimigo com a espada, mas sem ponto de equilíbrio, por estar sendo arrastada, não conseguiu desferir o golpe.

Desfizemos a defesa e corremos atrás deles, sabendo que o monstro passaria da armadilha e levaria ela para o fim do caminho. Porém Skarlatte foi mais esperta. Apontando a sua metralhadora gigante para onde a assombração deveria estar, ela atirou uma rajada de balas rugindo como um leão. Seus instintos primitivos de ajudar a salvar os amigos aflorou como uma selvageria tenebrosa.

Segundos depois do fuzilamento parar, Life voltou voando.

— Ele morreu? — Skarlatte perguntou.

— Não, só me soltou. Na verdade ele fez isso para… — Jujuba não precisou acabar de falar, pois o monstro voltou contra nós.

Intacto, o silencioso terror de braços longos parou na nossa frente, nos desafiando a passar por ele. Realmente nossa única saída seria passar o monstro e pular no fosso, para chegar no andar de baixo rapidamente e fugir. Não sei para onde, mas precisávamos correr e ganhar distância do inimigo. Se fôssemos para trás, possivelmente ele nos alcançaria com sua grande velocidade, assim como se caíssemos pela armadilha. Precisava pensar em como impedir que ele viesse junto com a gente.

— Todos prontos para passar? — perguntei.

— Não — Jujuba falou amedrontada e discordando da opinião do resto do grupo.

— Paladina, não dá uma de covarde agora. Preciso que você me ajude a virar para o topo do fosso enquanto estiver caindo e também a aterrissar sem me quebrar todo. Consegue fazer isso?

O monstro ainda não nos olhava, mas seu corpo estava preparado para nossa investida. A cabeça dele girava de um lado ao outro, procurando algo.

— Sim, consigo — ela gaguejou.

— Avancem, agora! Em frente S-War! — berrei.

Com os punhos em chamas, ataquei o monstro. Ele desviava facilmente dos meus socos, como se estivesse em câmera lenta. Fear tentou cortar as costas do inimigo, mas também não conseguiu tocar no ágil ser que nos enfrentava. Supreme, por mais rápido que fosse, não chegou nem perto de atingir uma correntada sequer.

Mas, por mais que errássemos os golpes, conseguimos passar por ele, já que o monstro se movia de um lado ao outro. As mãos gigantescas tentaram nos pegar para fazer voltar, mas nós já conhecíamos esse truque e nos defendemos tentando atacar a palma da mão.

— Todos para o buraco — Limcon disse.

Jujuba segurou minha mão para que eu não fosse para longe dela durante a queda e ambos corremos para o local da armadilha, que se abriu como esperado. A paladina me abraçou pelas costas e, com um bater de asas, me virou para ver de onde caímos. Acendi uma esfera de fogo gelado e outra de chama selvagem, juntei as duas e atirei contra a beirada da armadilha. Uma camada de gelo se espalhou rapidamente, formando um segundo chão espesso e rígido. A assombração tentava quebrar inutilmente, até entender que por ali ele não tinha passagem. Antes de aterrissar suavemente, sem quebrar o calcanhar, vi o inimigo dar meia volta e começar a fazer o caminho para nos alcançar.

— Ele vai nos achar logo, galera, vamos correr o mais longe possível — avisei.

Sem dizer nada, todos começamos a correr em direção a trifurcação. Eu sentia como se o inimigo estivesse logo atrás, respirando na minha nuca, mas era só o medo me enganando. O zunido, barulho típico das assombrações, havia diminuído consideravelmente, mas ainda estava lá.

Novamente o som dos nossos passos se dividiu entre os quatro caminho: de onde começamos a jornada, onde estávamos agora e os outros dois caminhos que não conhecíamos.

— Por onde? — Supreme perguntou.

— Vamos pelo mais da direita — Skarlatte falou, atirando uma granada no corredor do meio.

Ninguém perguntou nada, pois estávamos ocupado fugindo de um assassino de heróis. Comecei a escutar o zunido mais alto, mas seu crescimento era lento. Usei todas as minhas forças para empurrar meu peso pelo labirinto. A capa com cota de malha era pesada, mas eu tinha força nas pernas. Talvez meu maior problema para correr fosse a minha cauda, que eu sempre mantinha enrolada na minha cintura, pois não conseguia movimentá-la direito.

O caminho serpenteava muito, o que nos atrasou na fuga. Cada vez mais o zunido aumentava e sua velocidade de crescimento era proporcional. Nós não iríamos conseguir fugir. Comecei a escutar um chiado rouco. Possivelmente era a raiva da assombração que não perdia suas vítimas na armadilha. Possivelmente todos os heróis que caiam no fosso acabavam se machucando e não conseguiam fugir assim. Quando chegavam no fosso de novo, o assassino aparecia e os pegava machucados. Não tinha certeza disso, mas talvez fosse essa a tática do horripilante homem negro.

Fear olhou de relance para trás e gritou:

— Ele está nos alcançando. Corram! Mais rápido ou vão todos morrer!

Olhei para trás e vi como o monstro corria desajeitado em seu estilo gorila de rosto deformado. Contudo, ele era mais rápido do que nós. Por um momento pensei em correr como ele, pra ver se eu seria mais veloz também, mas a ideia saiu da minha mente tão rápido quanto veio.

Quando o perseguidor estava realmente próximo de nós, Skarlatte soltou a segunda granada sem o pino. Com uma perfeição no tempo de acionamento, a guerreira fez a bomba explodir exatamente quando o monstro passou por cima. Sugado pela magia espacial, o inimigo teletransportou para onde a primeira granada estava.

O zunido sumiu instantaneamente. Diminuímos o passo até parar, ofegantes. Supreme ainda parecia com energia para correr uma maratona.

— O que foi? Já cansaram? — ele brincou irônico. — Eu poderia ter usado minha velocidade para escapar, mas não podia deixar vocês. Se alguém me deixar para trás quando eu precisar, juro que enfio essa corrente…

— Cala boca, lagartão, tu é treinado para isso — Limcon falou estressado.

— Pra ti correr é diversão, pra gente era a única forma de salvar nosso couro! — Jujuba fazendo um gesto obsceno com os dedos.

— Está bem, mas vocês deviam malhar mais um pouquinho. E agora, seguimos por aqui?

— Sim, não podemos voltar ou seremos mortos. Acho que o inimigo é fraco na luta, mas se nos descuidarmos, ele não perde a chance. Pelo jeito que luta, pude perceber que ele estava só brincando. Certamente podia ter esmagado a cabeça do meu irmão aquela hora, ou ter despedaçado a Life, ou até mesmo nos impedir de passar com simples tapas. Mas vocês tiveram a impressão de…

— De que ele estava com medo? — Fear terminou minha frase. — Sim, mesmo sem expressão, percebi pelos atos. O corpo se preocupava conosco, pois éramos a comida dele, mas a cabeça estava preocupada com outra coisa. O que colocaria medo nele?

— Talvez tenha um monstro maior, um caçador de assombrações, algo do tipo — Life Taster deduziu. — Talvez…

Ficamos em silêncio, todos pensando o que poderia ser. Eu imaginei que um monstro grande e forte poderia assar assombrações no espeto, mas essa ideia parecia improvável. Desisti de tentar adivinhar, pois sabia que era inútil, nós só saberíamos vendo. Sem o que fazer além de descansar, prestei atenção no momento.

O corredor continuava igual a todos os outros, com o mesmo cheiro de mofo, a temperatura era fria, mas não congelante e o silêncio… Não era totalmente silencioso, algo sutilmente se camuflava em meio a monotonia. Era muito baixo, mas estava lá, havia nascido de novo durante a calmaria.

— Estão escutando isso? — falei.

Todos tentaram escutar, concentrados, mas não perceberam o que eu havia descoberto.

— O que foi, demônio? — Limcon perguntou.

— Esse… zunido — falei.

Até mesmo Fear me olhou aterrorizado. Levantamo-nos desesperados.

— Ele está voltando? Ou será outro? Devemos ir para a esquerda ou direita? — Skarlatte vomitou dúvidas.

— Nós sabemos que tem uma assombração se voltarmos, nossa melhor chance é ir para frente, ou ficaremos trancados nesse corredor para sempre — meu irmão tentou passar tranquilidade para a equipe.

— Ele está certo, vamos seguir em frente — Supreme falou.

Começamos com um trote ritmado a avançar pelo labirinto. O zunido aumentava na mesma velocidade que antes, mas nós não sabíamos se era por algo estar se aproximando de nós ou nós estarmos chegando perto de algo. O terror apertava meu coração, eu queria fugir daquele jogo, desistir da minha vida melhor, mas precisava dar isso para meu irmão. Eu tinha certeza que ele fazia isso por mim também, então não podia ser eu o desistente, o covarde.

O zunido começou a crescer como da última vez, quanto mais alto, mais crescia. Apertamos o passo e, em uma curva de noventa graus, chegamos a um corredor longo e claro. Podíamos ver o final dele, onde algo brilhante estava. De longe, não conseguia entender o que era.

— Se nada mais tem a nossa frente, o inimigo é o anterior, ele está voltando para nos pegar — Supreme raciocinou.

— Será que tem armadilhas nesse corredor? — perguntei.

Fear observou cautelosamente cada metro quadrado da área, até responder:

— Não, está limpo.

Mais de cem metros de pedra lisa e cinza nos separavam de algo que nós não sabíamos o que era. Voltamos com o trote, mas o zunido estava chegando a seu ápice. Ainda estávamos no primeiro terço do caminho quando algo cambaleou na curva. Era a assombração de rosto pálido.

Ele corria desesperado atrás de nós. Sua cabeça apontava para trás, observando o caminho de onde veio. O chiado de raiva parecia agora um grito baixo de medo. A ausência de uma boca o impedia de expressar seus sentimentos.

— Corram! — Supreme falou, pegando Jujuba no colo e a levando na velocidade de um relâmpago até o fim do corredor.

Assim que soltou a paladina, o bárbaro voltou e agarrou Skarlatte, dizendo:

— As damas primeiro, depois as crianças.

Eu, Fear e Limcon já estávamos na metade do caminho, mas o monstro estava logo atrás. Novamente Supreme correu, mas levando Fear até o fim do corredor.

— Você primeiro — o meu amigo atirador falou, preparando sua arma.

O lança-foguetes surgiu em suas mãos, pronto para atirar. Quando o garoto relâmpago me agarrou por baixo dos braços, senti como se meu estômago fosse sair de mim, junto com a pele, os pelos e os ossos. A viagem de uma fração de segundo me deixou desorientado, mas consegui prestar atenção no objeto estranho que estava agora perto de mim.

Um espelho de dois metros de altura feito de vidro líquido brilhava com uma aura prateada. A borda que, de alguma forma misteriosa, segurava o líquido era feita de bronze, mas já estava desgastada com o tempo e a umidade do local.

Olhei de relance para trás e vi Limcon ajoelhado, com sua arma apontada para o monstro que o perseguia. O míssil voou pelos ares e explodiu quando se chocou contra a parede, espalhando piche quente e grudento para todos os lados. Parte do líquido acertou o monstro, que não se importou com o ataque.

O assassino alcançou o atirador e levantou os braços, pronto para esmagá-lo. Eu vi a cena em câmera lenta quando os punhos gigantescos desceram como martelos, prontos para transformar o elemental de fogo em uma pasta de sangue e carne.

Um flash brilhou ao meu lado e outro brilhou no lugar de Limcon, que desapareceu exatamente quando os braços do inimigo atingiram onde ele estava. Olhei para a direita e Supreme e Limcon estavam a salvo.

O monstro continuou correndo, vindo em nossa direção.

— O que fazemos? — Limcon perguntou.

— Esse espelho parece ser um portal, entrem! — Fear mandou.

Sem pensar, cada membro do grupo pulou no portal, um de cada vez. Eu fui o quarto a pular e senti o espelho líquido gelar minha pele. A última coisa que eu escutei foi um grito de decepção do monstro. O zunido cessou.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Sei que merece uma nota 7, né? Críticas? Comentários? Quero saber como estou me saindo e onde posso melhorar? Bem, até semana que vem, meus fãs queridos.