Stay Alive escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 39
Banho de Sangue


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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A arena para qual tinham sido enviados aguçava os sentidos dos tributos.

O sol esquentava os seus corpos e atrapalhava suas visões. Eles não conseguiam olhar para cima, ou mesmo olhar fixamente para a Cornucópia – que refletia a luz –, e tinham de apertar os olhos para enxergar uns aos outros sem manchas.

O cheiro doce e pungente das frutas e das flores podia ser sentido mesmo há metros de distância, e os barulhos da praia poderiam ser calmantes para um morador da Capital que fosse passar as férias na arena após o encerramento dos Jogos, mas, para os tributos, era apenas mais uma fonte de apreensão.

O que haveria escondido na mata e no mar? Seriam aqueles pássaros, que voavam inocentemente no céu, realmente gaivotas?

Mas eles teriam tempo – ou não – para pensar naquilo mais tarde. A preocupação mais imediata deles, naquele momento, era a contagem regressiva para poderem descer de suas plataformas e começar a matança.

Ela havia começado logo após Claudius Templesmith anunciar a abertura da edição, e os números pareciam ir embora rápido, como a areia dentro de uma ampulheta. Do sessenta para o cinquenta, e para o quarenta...

Alguns tributos forçavam a vista para poder enxergar a Cornucópia, ver onde exatamente onde se encontrava cada item para poder pegá-los mais tarde. Outros olhavam para os outros tributos, talvez para tentar ler as estratégias em suas mentes ou tentar uma intimidação de última hora. Talvez, até, ver se os seus aliados não pretendiam correr para outro lado e abandoná-los de última hora.

Trinta. Vinte.

Todos em Panem estavam assistindo. Homens, mulheres, crianças da Capital e de todos os distritos. As famílias dos tributos, em grande expectativa ou sem esperança alguma. Os Idealizadores, sentados em uma grande e confortável sala, prontos para fazer qualquer intervenção de longe.

Dez, nove, oito... Todos começaram a se por em posição de corrida, não importava o lado para o qual quisessem ir, até a contagem acabar.

E, apesar de todo o treino e todas as instruções que eles tinham tido naquela última semana, naquela hora, as partes racionais deles morreram. Em momentos como aquele, o instinto de sobrevivência prevalecia sobre todas as coisas.

E foi esse instinto que fez muitos dos tributos correrem para a mata, preparados para enfrentar a fome, o calor, a desidratação e o Sol sem nenhum item que pudesse ajudá-los com isso, em troca de não morrerem no Banho de Sangue.

Dessa forma, enquanto a maioria corria para a Cornucópia para lutar ou pegar algo, a primeira coisa que Benjamin Carter fez foi se encontrar com sua aliada Hazel Davis – ambos do Distrito 6 – e lhe dizer:

— Vá para a floresta, eu vou pegar uma mochila e já encontro vo... – E reparou que Carter Trent já estava alcançando a Cornucópia, e que outros tributos o seguiam de perto. Se quisesse se aproximar sem morrer, precisava ir agora.  Ele correu sem terminar a frase, e Hazel foi para o meio das árvores, obedecendo-o.

Os passos rápidos dos tributos levantavam a areia. A Cornucópia ficava estrategicamente mais próxima do que a floresta, de modo que os tributos pudessem ter armas em mãos antes que outros pudessem ter escapado, de forma que, quando Carter conseguiu pegar uma lança e a estendeu acima da cabeça como um ameaçador símbolo de vitória, todos ainda estavam à vista.

Sua aliada Reyna Mackenzie, do Distrito 1, foi a próxima a chegar, e muitos chegaram logo em seguida – sendo eles aliados ou não.

A primeira coisa que todos os Carreiristas pensaram em fazer foi lutar contra todos os outros tributos que estivessem com armas – exceto por Reyna, que viu como prioridade impedir que os que estivessem prestes a fugir alcançassem seu objetivo. Ela agarrou um arco e preparou uma flecha, que voou em direção à nuca de Vexy Kruz, do Distrito 5, que só precisava de mais poucos metros para alcançar as árvores.

E a menina, que se tornou a primeira morta da edição, desabou com o rosto virado para o chão.

No tempo que Reyna levou para sorrir e preparar outra flecha, Hazel, Lyre Crosswell e Bonnie Field se embrenharam na mata. Estavam, por ora, salvas. Reyna procurou com os olhos por alguém em que pudesse mirar, e viu Savannah Rayworth, do Distrito 10. A garota estava parada, prestes a colocar as mãos em uma mochila, e ela atirou.

A flecha teria atingido o coração de Savannah, mas não o fez graças a Hunter Wayne, do Distrito 3, que percebeu e a empurrou. Ela foi para o chão a tempo de não ser morta, mas não foi o suficiente para não ser atingida: a flecha pegou seu braço de raspão, rasgando sua pele e fazendo com que ela desse um grito de dor.

Após isso, Hunter não perdeu tempo. Agarrando a mochila com uma mão e puxando Savannah pela cintura com a outra, saiu correndo dali.

Reyna não podia deixar isso barato. Pegou outra flecha determinada a matar os dois, mas antes que tivesse chance, sentiu algo gelado encostando-se a suas costas.

Não sentiu dor. Na verdade, se não tivesse olhado para baixo e visto a ponta ensanguentada de uma lança saindo por sua barriga, mal saberia que tinha sido atravessada. Perdeu a força nos braços e suas armas caíram ao chão, para depois seus joelhos também fraquejarem e ela cair no chão.

E atrás dela, estava uma sorridente Soyalia Harvester, do Distrito 9. Ela não olhou por muito tempo para a garota morta e nem tentou recuperar sua lança, sendo que seu irmão Cornelio, que estava com as costas encostadas às dela para que ninguém pudesse aparecer de repente e acertar qualquer um deles, passou para ela uma das duas espadas que ele estava segurando.

Os gêmeos pareciam tranquilos com a situação, mas não saíram impunes: Carter Trent se aproximou para matá-los, e os três travaram uma luta. Enquanto isso, os outros cinco Carreiristas corriam, com armas em mãos, atrás dos outros tributos.

Hunter e Savannah conseguiram escapar, não muito tempo depois de Sanderson Cutner, do Distrito 10, que não tinha pegado nenhum equipamento. Benjamin também obteve sucesso pegando sua mochila e indo para a floresta se encontrar com Hazel, e Logan Morgan, do Distrito 8, corria para esse mesmo objetivo, com alguns objetos que conseguira em mãos.

Mas Rebekah VonRison, do Quatro, e Louise Clewater, do Dois, o estavam perseguindo – Louise com uma espada e Rebekah, com um machado. E ambas eram velozes.

Logan corria o mais rápido que podia, sem saber se seria o suficiente. O vento fazia barulho em seus ouvidos e areia entrava em seus olhos, mas ele não podia parar. A mata estava cada vez mais perto, e a única coisa que importava era conseguir chegar lá.

Ele estava tão focado em seu objetivo que não olhava para o chão ou para trás, nem por um segundo. Isso ajudava Logan a não se distrair, a ir mais rápido – mas, também, significou que ele não viu o corpo de Vexy Kruz largado na areia. Significou que ele não pôde desviar ou pular. Apenas chegou lá, tropeçou e caiu de bruços no chão, sem poder acreditar no próprio azar.

Rebekah e Louise o alcançaram antes que ele pudesse levantar, e Logan fechou os olhos. As garotas começaram a golpeá-lo, juntas, como animais selvagens e famintos atacando uma presa.

Elas compartilharam aquele momento glorioso por alguns segundos, mas Louise se enfezou antes que o tivessem matado. Exclamou:

— Eu posso terminar com esse otário sozinha, Rebekah!  

Impaciente, Rebekah a insultou, e elas tiveram uma breve discussão antes dela decidir se embrenhar na floresta e ir atrás de Matthew Quingley, do Distrito 7, que tinha acabado de entrar lá. E deixou os restos de Logan para Louise, que estava decidida a torturá-lo bem antes de enfim matar.

Ryan Ferdinand, do Distrito 1, estava ainda na Cornucópia, e assistiu a parte dessa cena ao longe. Até aquele momento, ele tinha apenas matado Anna Borgin, do Distrito 12, quando esta tentara arranjar um par de meias extras.

Era triste, pensava ele, além de um pouco vergonhoso. Morrer por meias. Uma peça de roupa tão insignificante tinha sido o motivo para Anna estar lá agora, deitada no chão, com sangue escorrendo pelos inúmeros cortes que tinha recebido ao ser esfaqueada.

Ryan pegou o belo camafeu que ela utilizava e o guardou no bolso, mesmo sem ter utilidade para aquilo. Observou-a por mais um segundo, e então olhou em volta para ver o que poderia fazer em seguida.

Encontrou sua aliada Elizzy Viscovt, do Distrito 3, em uma luta contra Bryan Taylor e Desdemona Black, ambos do Distrito 11. Mesmo que os três tivessem armas, Elizzy não parecia estar em desvantagem.

Mesmo assim, ele correu para ajudá-la. Entrou no meio da luta, e Elizzy não reclamou: ficava mais fácil para ela ficar só contra Desdemona, enquanto Ryan cuidava de Bryan.

Já a luta de Carter Trent contra Soyalia e Cornelio Harvester terminou sem vencedores. Os três saíram levemente feridos, mas, após minutos duelando, os gêmeos simplesmente o imobilizaram e correram, e Carter só pôde praguejar antes de se recompor e voltar à ativa.

Durante este tempo, Rebekah continuava no encalço de Matthew. Em meio às árvores, era mais fácil para ele desviar e se esconder, mas sua adversária sempre acabava por encontrá-lo mais adiante, obrigando-o a correr de tal forma que ele logo não sabia mais onde estava. Poderia muito bem estar voltando para Cornucópia, indo para os lados ou para os fundos da floresta.

Matthew saia e voltava da vista de Rebekah. Ela tinha certeza de que estava conseguindo diminuir a distância entre eles quando aconteceu dele sumir e não tornar a aparecer por vários segundos, como se tivesse dado um jeito de despistá-la. Rebekah não gostou disso, e parou de correr.

Olhou em volta, deixando que sua respiração ofegante fosse o único barulho no lugar. Correr às cegas era inútil. Ela precisava de um sinal, qualquer que fosse: um farfalhar de folhas, o som de passos...

Ou um mais óbvio, como um vulto passando por entre as árvores, como o que aconteceu.

— Te peguei – Rebekah murmurou baixo, voltando a correr.

Mas quem achou metros adiante não era Matthew, e sim Kriger Scherbitsky, do Distrito 12.  Não era quem ela estava esperando, mas servia. Kriger não viu a garota se aproximar, então não pôde se afastar rápido o suficiente – e em questão de um segundo, ela estava em cima dele. Decepou a cabeça dele com apenas dois golpes de machado, enquanto ele tentou se desvencilhar.

A roupa de Rebekah ficou inteiramente manchada de sangue, e Matthew conseguiu escapar enquanto ela terminava de cuidar de Kriger.

Perto da Cornucópia, as lutas continuavam. Daryl Dixon, do Distrito 2, e Tobias Lapworth, do Cinco, tinham travado uma batalha quando Tobias tentara nocauteá-lo ao correr para floresta.

Foi um movimento arriscado, porque Daryl tinha uma espada e mais treino do que ele, cuja única vantagem era um facão. Apesar disso, Tobias conseguiu bloquear os primeiros golpes – talvez porque Daryl, diferentemente dos outros Carreiristas, não parecer tão disposto a matar.

Eles duelaram por segundo que pareceram uma eternidade, até Daryl empurrar Tobias contra uma das paredes reluzentes da Cornucópia. O metal, fervendo pela longa exposição ao sol, queimou as partes expostas da pele do garoto, causando uma imediata careta de dor. Ele tentou empurrar Daryl para que este o soltasse, mas ele era mais forte.

— Escuta aqui – disse o Carreirista, sério. – Eu solto você, mas você vai ter de ir...

Tobias desferiu um golpe com o facão nas costelas de Daryl, no breve instante em que ele afrouxou o aperto. Ele recuou, olhando chocado para a faca presa em seu corpo, mas não permitiu que o rival saísse impune: com alguns golpes furiosos com a espada, arrancou a vida que pretendera poupar.

Assim que Tobias caiu morto no chão, Daryl se deixou desabar ao seu lado, esperando a morte.

E Desdemona e Bryan estavam perdendo a luta deles. Já era complicado ter de enfrentar Ryan e Elizzy, mas tudo piorou quando Carter se juntou a eles. Eram dois adolescentes comuns contra três máquinas de matar.

O resultado disso não foi nenhum além do esperado. Em determinado momento do conflito, o braço de Bryan foi arrancado na altura do cotovelo, espirrando sangue em todos os envolvidos. Antes mesmo que ele pudesse gritar, seu rosto ficou doentiamente pálido e ele desmaiou.

Desdemona também parou de lutar, para segurá-lo. Foi um belo ato, mas não foi um de sacrifico: sabendo que continuar lutando era inútil, a preocupação dela foi que eles ao menos passassem os últimos segundos que tinham nos braços um do outro.

Após acabarem com eles, Elizzy passou a mão pela testa, limpando o suor.

— Foi fácil. – Comentou, e Ryan assentiu, enquanto Carter estava concentrado em olhar em volta, procurando outros tributos que eles pudessem matar. Mas àquela altura, todos que restavam na Cornucópia eram eles mesmos e os corpos dos que tinham morrido no Banho de Sangue.

Mesmo assim, ainda houve alguém que chamou a atenção dele, no meio das mochilas, da comida e das armas.

— Ei, aquele lá não é Daryl?

O trio andou até o rapaz, que estava jogado no chão com uma faca presa no coração, mas ainda respirava com dificuldade. Sem poder fazer nada para ajudá-lo, eles pararam em torno dele, apenas observando, e depois Louise e Rebekah se juntaram ao grupo, fechando uma roda ao redor de Daryl.

— Quem fez isso com você? – Perguntou Louise, e seu tom sugeria uma leve empolgação por ver o aliado morrer.

Ele abriu a boca, mas só conseguiu cuspir sangue antes de dar seus últimos suspiros, tornando-se o nono e último morto do Banho de Sangue.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima!