A maldade da Capital era algo que parecia ficar maior a cada edição dos Jogos que se passava, cada criança morta somada na conta, cada vitorioso traumatizado a mais. E isso, no entanto, pareceu ficar pior assim que o horário da habitual entrevista de Caesar Flickerman com o Chefe dos Idealizadores dos Jogos, que passava todos os anos após as colheitas, começou, e quem estava sentada na poltrona do entrevistado não passava de uma menina.

- Boa tarde, Panem! – Caesar exclamou, antes que os telespectadores pudessem começar a tirar suas próprias conclusões sobre a garota de cabelos e olhos escuros, que segurava com força os braços da poltrona e tremia levemente, como se estivesse muito assustada ou perturbada por algo que passou – Espero que já tenham se recuperado das surpresas das colheitas, porque tenho mais uma para vocês! Estou aqui, agora, com Giullia Lepiane, que será a Chefe dos Idealizadores destes Jogos. Giullia, querida, que tal você contar para Panem como conseguiu essa posição?

Ela não olhava para a câmera e nem para Caesar, e sim para o próprio colo. Quase parecer que não ia responder, mas enfim disse, em voz baixa:

- Houve um concurso nas escolas da Capital. Tínhamos de projetar nossas próprias arenas. Não era algo de verdade, mas... os organizadores gostaram muito da minha. Vieram conversar comigo. Disseram que eu era algum tipo de gênio, e concluíram que se seria divertido se eu idealizasse uma edição dos Jogos.

- Mas que proposta encantadora foi essa! Você deve ter se sentido muito sortuda!

Finalmente, Giullia olhou para Caesar. Seus olhos gritaram “Não!”. Sua boca murmurou “claro”.

- Bem, eu não vou ser bem a Idealizadora-Chefe, como você anunciou, na verdade. – Ela admitiu. – Os outros Idealizadores terão bem mais poder do que eu, acho. Creio que só me queiram aqui com esse título para mostrar para os distritos algo como “vejam como até as crianças da Capital podem matar as suas sem problemas”! Há até um Idealizador a mais, este ano, para compensar.

- Não diga isso. – E realmente parecia algo errado de se dizer. Algumas pessoas quase esperaram que pacificadores invadissem o palco e tirassem de lá. – Você vai ser importante, é evidente. Mas... Que interessante a sua maneira de pensar, Giullia. Bem. O que você achou dos tributos deste ano?

- Fantásticos, devo dizer. Vidas que com certeza não mereciam ser desperdiçadas. – Essas palavras também não deveriam ter sido ditas. Mas novamente nada aconteceu.

- Entendo. Por sorte, morrer nos Jogos definitivamente não é um desperdício! – Caesar disfarçou – Agora, estamos todos querendo saber: você poderia nos dar uma ideia de como será a arena?

- Será a que eu criei, com algumas modificações necessárias. Foi uma arena montada bem rápido, pela falta de tempo, e por isso precisou de muito mais equipamentos – Bem sabiam alguns distritos disso – e gerou muito mais empregos. – Como sabiam os moradores da Capital – Mas o resultado foi satisfatório.

- Isso é incrível! Dê uma dica sobre como ela é.

- Bom, isso eu não posso dizer. As arenas são secretas até a abertura dos Jogos, você sabe.

- Nem uma palavra? – Ele insistia, mas isso era, aparentemente, para manter o público sob suspense Ninguém esperava que a garota contasse algo, por ser proibido.

Mas Giullia Lepiane, pela primeira vez desde o começo da entrevista, olhou para a câmera. Suas mãos trêmulas deixaram os braços da poltrona e pousaram em seus joelhos.

- Sim. Uma palavra sim, já que você insiste. Ela será um pesadelo.

Então, ela se levantou e saiu da cena rapidamente, sendo que deveria ficar lá até o final do programa. Seguiu-se um forte estalo e um baque, que deixou todos curiosos para saber o que tinha acabado de acontecer fora das câmeras, mas Caesar mais uma vez não iria deixar que os telespectadores tivessem tempo para pensar nisso:

- Um pesadelo. – Repetiu, como se aquilo fosse algo muito bom. – É bom que os tributos tomem cuidado, então! Certamente, esses Jogos nos trarão ainda muitas surpresas. E amanhã, às seis da tarde, começaremos a transmitir os desfiles ao vivo! Não percam!