People With Problems escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 29
Respirar


Notas iniciais do capítulo

sinto que vou matar vcs com esse cap talvez he



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Eu estou tentando me mostrar animada para Perry, mas o cansaço não deixa. Trabalhamos por cinco horas. Cinco horas montando um painel enorme, com fotos, papeis, desenhos, mais coisas do que eu poderia imaginar. Nem tudo fizemos sozinhos -Rose e Kristin desenharam algumas coisas pra Perry -mas o resto veio de nossas mãos. Nunca cortei tanto papel, nunca usei tanta cola e nunca fiquei em pé por tanto tempo na minha vida. Teve um pouco de glitter envolvido na história também, e meu rosto fica cheio de pequenos pontinhos brilhantes que me incomodam, mas não tenho tempo de tirar. Passamos a cinco horas também falando sobre a sua mãe. Ela morreu de arritmia, ela trabalhava como veterinária, ele a amava, ela gostava de poesia. Seu nome era Molly, ela amava seu pai, mas sempre apoiava Perry nas brigas que tinha. Gostava de amarelo, maçã e pizza, odiava chiclete e coca cola. 

Era a pessoa que Perry mais amava no mundo, e ele a levaria para Paris no seu aniversário, se ela estivesse viva. Ela era canhota, morena, muito parecida com Perry também (sei disso pelas fotos, apesar de ele ter me contado também). Molly começa a ficar mais real para mim. Ela era bem diferente da minha mãe, mas consigo entender porque Perry a admirava tanto. Sinto que começo a admirá-la também, depois de tudo o que ele conta sobre ela, e o tanto de devoção que usa na voz falando sobre as coisas que ela fazia. 

  Quando a gente termina o painel, perdemos o jantar, são nove horas da noite, e eu quero ir dormir. Caio na cama que antes era de Danny, cansada demais até para me sentir triste por ele não estar mais aqui. Os olhos de Perry ficam um pouco mais suaves, encarando da sua própria cama.

-Pode ir, se quiser. -Encaro confusa.

-Espera... você queria ir lá hoje? Botar no barco? Nove da noite? 

-Eu vou lá, com ou sem você. Mas você me ajudou, então seria certo se fosse...

-Mas está escuro.

-Existe lanterna.

-E pode ter algum maluco tentando matar adolescentes. 

-Sei lutar.

-E temos que passar pela praia inteira. 

-Sei nadar, também.

-Mas...

-Emerson, pode ir dormir se quiser. -Ele me corta, sincero. Respiro fundo. Lá no fundo, sinto que de alguma forma eu tenho que fazer isso. Como se eu fosse me sentir culpada depois, amanhã, se não fizesse. Acho que é porque passei cinco horas conhecendo essa mulher, a mãe de Perry, e sinto que é meu dever por mais idiota que isso seja. 

Ou talvez eu só me sinta na obrigação de não decepcionar Perry, e o pensamento me incomoda, então escolho a opção anterior. Inspiro novamente, procurando motivação do além pra me fazer levantar, e consigo sentar na cama.

-Não. Vou com você. 

-Tem certeza? 

-Olha, cale a boca antes que eu mude de ideia. -Tento parecer agressiva, mas parece que eu estou chorando. Vamos acabar logo com isso.

Perry conversa com a senhora Kowki, e convence ela de que nada vai acontecer com a gente, e desde que ela confia muito em Perry, aceita nosso plano, e eu e ele pegamos um barquinho, em direção ao outro lado da praia, levando nosso painel enorme, lanterna, minha sanidade preparada pra fugir, e pilhas, pra prevenir. Qualquer barulho mínimo me assusta, mas estou tentando dar uma de forte, pra Perry não encher a paciência. O caminho para atravessar a praia é silencioso, mas bonito, quando consigo realmente ver e não ser consumida pelo sono.  A lua brilha, lá em cima, e Perry assobia, remando. Não falamos uma palavra para o outro, acho que pra não estragar o clima. Então, chegamos, e ele me ajuda a sair do barco e pisar em terra firme, e depois pegamos o painel. Como é pesado, ele carrega, enquanto passamos pelas copas de árvores.

-Se a gente morrer, eu te mato. -Digo, pra ele. Não é a coisa mais inteligente, nem a ameaça mais amedrontadora, mas é a única coisa que eu consigo pensar. Ele revira os olhos.

-Por que alguém viria pra esse lugar te matar, Emerson? 

-Posso estar falando de cobras. Aranhas. 

-Você está de botas. -E eu estou, mesmo.

-Mas...

-Para com isso. É irritante. O universo não está nem aí pra você agora. Você não vai morrer. Continua andando. -Ele diz, pausadamente, como se eu tivesse cinco anos e não entendesse o que ele está dizendo. Passamos por alguns galhos, arranho meu braço um pouco até eu bater com a cabeça na madeira no barco, e soltar um "ai". Contornamos o barco, até chegarmos na entrada, e ele me ajuda a entrar, depois passa o painel para mim, então entra.

-Perry?

-Quê?

-LIGA A LANTERNA. -Sussurro alto demais. Parece que vindo aqui a noite todas as coisas ruins desse lugar vão vir atrás da gente pra nos matar. E eu sei que minha cabeça deve estar exagerando, mas o medo é o mesmo, independente de isso ser verdade ou não. Começo a respirar mais rápido, com medo, enquanto Perry fica em silêncio, sem ligar a lanterna, ou as luzes de LED que iluminam as paredes internas. -Perry. Isso não é engraçado. Liga a lanterna. -Ouço ele se mexer, mas ele não diz nada. -PERRY. -Finalmente, ele acende as luzes de LED. E elas iluminam melhor que a lanterna, então estou grata. Dou um olhar feio pra ele. 

-Tá, o que a gente faz agora? -O lugar está do mesmo jeito que estava na última vez que viemos. As fotos, cartas, luzes. Está apenas mais escuro, já que é noite, e a luz que entra pela fresta não ilumina tanto. 

-Colocamos isso em algum lugar. -Ele diz. Procuro pelo barco.

-Ali. A gente pode botar do outro lado. -Digo, e aponto para onde estou me referindo. Ele concorda com a cabeça e vamos carregando o painel até lá. Quando conseguimos prender, usando um prego como apoio, ficamos encarando toda aquela informação jogada no painel, por um breve segundo. 

-Isso está meio... confuso.

-É porque tem que ver de longe. -Digo, e empurro ele para trás, comigo. Quarenta centímetros mais longe, as fotos tomam perspectiva e conseguimos ver a coisa como um todo, finalmente. Colocamos algumas luzinhas ao redor do painel, para ficar mais evidente. 

É lindo.

Estou emocionada.

-Isso.. isso ficou incrível. -Não consigo tirar os olhos das fotos, que eu me tornei familiar, mas ainda são novas para mim: Perry rindo com a mãe, ela na frente de um castelo, com orelhas de Mickey, sorrindo sempre. O ar entre nós é triste, mas há um tanto de felicidade em olhar para nossa obra prima, a espreita, esperando para nos atingir, e eu sei disso. Perry permanece em silêncio. -Ela está orgulhosa. Sei disso. -Digo, em sentindo meio otária depois que termino. Perry já deve ter ouvidos isso umas mil vezes, e é a coisa mais clichê que se pode dizer. Ainda assim, é verdade. -Você consegue sentir ela aqui? Tipo, não como um fantasma, mas como se todas as memórias dela estivessem aqui, junto com a gente e de algum modo, ela também. Você sente isso? -Ele não responde de imediato. Depois de um momento, eu percebo que ele voltou a chorar. Sua respiração está abafada e ele solta um soluço involuntário, e eu não sei o que fazer. Duvido que ele deixaria eu abraçá-lo, ou que ele suportaria eu dizer alguma coisa, então eu só fico encarando o painel, como se ele não estivesse ali. 

O amor de Perry pela mãe me faz lembrar meu pai. E do silêncio quieto que se tornou nossa relação. Algo em mim, lá no fundo, diz que amo meu pai como Perry ama a sua mãe, mas apenas não reconheço isso de imediato porque não perdi ele para sempre. Como E. E. Cummings disse, a vida não é um parágrafo e a morte não é um parêntesis. Talvez tenha que ser mais esperta e correr atrás do meu pai antes que ele vá embora, e eu nunca possa conversar realmente com ele. Como aconteceu com Danny. Relações são tão frágeis e delicadas, e elas acabam quando  a gente menos espera. Ninguém pensa que a pessoa que você ama vai sair da sua vida no dia seguinte e ninguém sabe quando isso vai acontecer. E eu poderia viver neurótica até o fim da vida pensando em quando as pessoas que significam muito pra mim vão embora, ou eu podia tomar vergonha na cara e falar com elas, e contar o quanto elas significam pra mim, ou o quanto elas me magoam, antes de tudo acabar. Antes de eu acabar, também. Aí, quando eu morrer, ou quando eles morrerem, pelo menos não escondemos nada, estamos com o coração aberto e leve, e dessa forma acho é um bom jeito de morrer. Sem assuntos irresolvidos. 

-Obrigado. -Perry comenta, subitamente. 

-De nada. 

-Eu sinto ela aqui. Mais agora que nunca. Eu consigo respirar.

-Então respire. -Entendo o que ele quer dizer. 

-Obrigado.

-De nada, Perry. -Então, ele pega minha mão. Aperta seus dedos nos meus, sem olhar para mim. Sei que não devo levar isso para o lado pessoal, e que essa é a reação de Perry com relação as suas emoções que ele não consegue lidar, mas meu coração faz umas coisas esquisitas.

Aperto meus dedos com os dele. Depois encaro seu rosto, de perfil, até ele virar pra mim. Sorrio para ele -verdadeiramente -pela primeira vez desde que conversamos, porque eu estou feliz por ele. E triste também, mas principalmente feliz por ele estar bem e finalmente conseguir respirar, porque só consigo imaginar quão libertador isso deve ser. Ele não sorri de volta. Ele fica completamente sério. E isso me assustaria, se o que ele faz não me assustasse primeiro.

Ele inclina a cabeça e encosta os lábios nos meus. É só um toque. E apesar de todas as reações que eu espero do meu corpo, e do corpo de Perry, não passa disso. Sem línguas ou movimentos bruscos ou agitação (apesar do meu sono ter ido embora), é só a boca dele na minha, e calma. Silêncio confortável. E meus olhos fechados. Então ele se endireita novamente, sem tirar a mão da minha, e eu encosto minha cabeça em seu ombro, enquanto voltamos a observar o painel da sua mãe. 


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Notas finais do capítulo

ok gente daqui a pouco volta pros problemas da emerson ok só que esse cap era preciso e achei fofinho fksdjfhskdj mas vocês sabem que a vida dela n gira em torno dele então ainda vai focar em outras coisas enfim o que vocês acharam