Na Linha Da Vida escrita por Humphrey


Capítulo 26
Caras palavras




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Cheguei em casa em torno das 06h00. David e eu tínhamos ido a nenhum lugar em particular, pois ficamos conversando enquanto andávamos por todo o bairro. Debatíamos sobre nossos sonhos e desejos para um futuro próximo, apesar de eu não me esquecer em momento algum que, dali a alguns dias, eu nunca mais poderia ver Brandon Cooper. O Brandon que eu amava, o que eu odiei por tanto tempo, o que sempre fora o meu caro inimigo, mas que, naquele instante, era como se fosse o inimigo que não fazia o seu trabalho corretamente; era um amor paradoxal, mas que, no meu mundo, fazia completamente sentido.

Entrei no meu quarto, tomei um dos remédios e me sentei na cama, exausta. No entanto, eu pude pegar o notebook e ficar sentada, relaxando por conta da fraqueza. E foi então que respondi Martin no Skype, que marcou a data e local para nos encontrarmos. Senti um sorriso se formando em meu rosto; conhecê-lo era a segunda coisa que eu mais queria no momento.

“Sim! :-DDD”, respondi, exagerando na carinha feliz, que, no entanto, refletia apenas um pouco do meu humor.

Dias se passaram. Eu nunca mais soube do Brandon, e garanto que ele também não soube mais nada sobre mim. Estávamos quites, afinal. Contudo, ele tinha ligado para mim, uma vez apenas, mas não atendi. E, bem, ele não insistiu nisso. Depois de um tempo, me xingava mentalmente por não ter atendido, pois devia ser algo importante ou somente um “eu te amo”. Não, ele não era assim. Brandon não era o tipo de garoto que expressava seus sentimentos repentinamente, e eu nem sabia se ele gostava de mim; isso era uma maldição. Tudo o que eu queria naquele momento era correr para os seus braços e dizer o quanto o amava. Porém, havia uma barreira entre o fazer e o não fazer isto, que se denominara orgulho.

No domingo de manhã, acordei um pouco tonta. Talvez muito tonta. Mas eu não poderia ficar assim, então tomei três comprimidos de uma só vez, de um dos remédios. Aproximadamente trinta minutos depois, eu estava bem melhor. Aquele seria um dia perfeito, o dia no qual conheceria Martin, o meu possível futuro namorado, que faria com que eu esquecesse completamente do Brandon.

Desci as escadas, disposta a fazer com que o dia todo fosse ótimo. O céu estava cerrado, mas nada disso me impedia de criar expectativas. Tia Joana estava sentada na poltrona da sala de estar, pensativa, até que pareci interromper seus devaneios.

– Anne! – Ela se levantou, de repente, esboçando um sorriso um tanto exagerado. – Você parece tão feliz, o que houve? – perguntou ela, colocando mechas do meu cabelo sobre os meus ombros.

– Nada de mais – respondi. Então, estranhei a ausência do meu tio. Normalmente ele estaria lendo um jornal em sua poltrona favorita da sala, com a expressão séria de uma pessoa realmente concentrada.

– Ele acordou doente – disse, adivinhando meus pensamentos. – Resfriado, eu acho, por isso está na cama até agora. Mas não se preocupe, seu tio tomou um chá e logo, logo estará bem.

– Certo – respondi, hesitante. – Tia, eu... preciso de um vestido.

– Ora, pra quê? – Ela estava sorrindo.

– Eu vou encontrar um amigo – Enlacei minhas duas mãos e as pus contra o peito, animada.

– Ah, entendi... – afirmou, incerta.

Algumas horas depois, eu estava no provador de uma das lojas do shopping. E, então, tinha escolhido um vestido simples, branco, que ia até ao joelho, junto com um cardigã preto. No entanto, olhando o meu reflexo no espelho, eu me perguntava o que aconteceria depois que o conhecesse. Alguma coisa mudaria? Ele teria a mesma personalidade que tivera na internet? Isso tudo estava flutuando na minha mente.

~~~~ ♣ ~~~~

Parada no batente da porta, de braços cruzados, minha mãe me observava calçar os tênis.

– Vai aonde, todo arrumado deste jeito? – perguntou ela, sorrindo maliciosamente.

– Encontrar uma amiga. A. Mi. Ga – respondi, com o mesmo sorriso no rosto.

– Sei. – E sumiu no corredor.

Na mesma hora, recebi uma ligação do David. Coloquei o celular entre o ouvido e o ombro direito, terminando de amarrar os cadarços.

– E aí? – saudei.

– Brandon, cara, eu estou apaixonado. Apaixonado pela Anne! E não sei como aconteceu, mas tenho esperanças de que ela me corresponda, pois estamos nos aproximando mais. Saímos há dias, sabe? Ela não puxava muito papo, mas respondia às minhas perguntas e às vezes falava alguma coisa – continuou. – E eu disse que você vai embora.

– Legal.

– Legal? Como você pode chamar isso de legal?

Bufei.

– Olha, tenho que ir.

– Beleza. Ah, e quero que amanhã você venha aqui, porque quero te mostrar uns jogos que baixei no computador.

– Tudo bem.

E desliguei. Não queria ser tão rude com o David – ele tinha descoberto o sentimento devastador chamado amor –, mas eu não poderia lhe dar mais esperanças ou conselhos. Não que Anne, em certo momento, não pudesse começar a amá-lo também, mas porque ele sofreria se soubesse que o seu melhor amigo era, de certa forma, seu arqui-inimigo.

Ao sair, perguntei à minha mãe se me emprestaria o carro. Um pouco hesitante, ela concordou, mas um “tome muito cuidado” veio de brinde. Antes de sair de casa, dei um beijo em seu rosto, sem ao menos perceber o que havia feito por conta da animação, e apanhei a chave do carro. Quando saí de casa e olhei através da janela, minha mãe sorria como eu jamais a vira sorrindo.

O estacionei em frente à pequena lanchonete e, do outro lado da rua, sentei em um banco de madeira, que estava sob um poste de luz e uma árvore, impedindo a chuva de chegar até mim.

07h57: Bailey ainda não tinha chegado. Fiquei imaginando se ela desistira ou, de repente, tivesse surgido outro compromisso. Só então me lembrei de que ao menos eu poderia ter entrado no Skype, checando se havia alguma mensagem dela.

07h59: eu estava cogitando sobre ir embora ou não. Poderíamos marcar outro dia e, além disso, a chuva seria uma boa desculpa. Mas eu realmente queria conhecê-la. Foi quando vi uma silhueta dentre a escuridão, abraçando a si mesma, vindo em minha direção em passos acelerados. Então, se aproximando, a luz do poste iluminava cada vez mais, e eu pude reconhecer a tal sombra.

– B... – a palavra não saiu. Franzi o cenho e arrumei a minha postura no banco. – Oi.

Anne ficou me encarando, já sob a árvore.

– Sei que não me deve satisfações, mas o que está fazendo aqui? Tipo, à noite, na chuva... é meio estranho – afirmei.

– E você está em uma parte de Nova Iorque em que, paradoxalmente, está iluminada pelo sol, em uma manhã calma, não é?

– Quê?

Ela rolou os olhos, e então olhou para o lado oposto da rua, de repente concentrada em seus pensamentos.

– Eu tenho motivos para estar aqui – respondi, depois de segundos.

– Você acha que eu estou aqui porque meu hobby é ficar encharcada, cheia de folhas, sentindo cheiro de gordura? Me poupe.

– Me desculpe, TPM.

– Não estou para gracinhas, Brandon.

Impaciente, ela descruzou os braços, batendo as palmas das mãos nas coxas.

– Oh, céus, me deixe em paz! Por que você tem que aparecer sempre quando não quero? – Ela gesticulava. – E ai, meu Deus, cadê aquele garoto? – Virou-se, olhando novamente para o outro lado da rua.

Calmamente, me levantei do banco. Eu poderia estar louco, ou aquilo era uma enorme coincidência. Anne, marcar um encontro, às oito horas da noite, num domingo, em frente à lanchonete Bill’s Burger, seria, de fato, muita simultaneidade.

– Eu vim encontrar uma garota também – disse.

E só então ela me fitou; estávamos a aproximadamente um metro um do outro.

– Por que eu me importaria com isso? – ainda com o cenho franzido, ela indagou, como se não tivesse entendido o que eu quisera dizer.

Pus as mãos dentro dos bolsos da calça.

– Se não entender o que eu disser, não ache que é loucura, mas... Bailey?

Anne respirou fundo e abriu a boca para falar algo, porém desistiu. Colocou três dedos sobre os lábios e desviou o olhar para o chão, como se tivesse sido atingida por algo óbvio, que esclarecia tudo na sua mente. Sem falar algo, ela virou as costas e começou a andar, se afastando de mim e açodando a caminhada. Entretanto, fui até ela, segurei o seu braço e a fiz olhar nos meus olhos, os cabelos grudados na face por conta da chuva.

– Não pode ser. Não... você... ele é tão diferente. – Ela começou a chorar e então soltei seu braço. – Ele não é você. Martin é um garoto diferente. Você não é... Eu o amo...

– Você me ama. – Me aproximei mais, mas ela se distanciou.

– Não. Eu o amo, não você. – Anne começou a tremer, e eu ponderava se era por causa das gotas de chuva ou a situação entre nós. – Martin... Por que você não colocou o seu nome se verdade?

– Eu coloquei. Você é quem não colocou o nome verdadeiro.

– Não, não, não, não... – Colocou as mãos na cabeça, virando-se para o nada novamente. – Seu nome é Brandon. Brandon Cooper!

Martin Brandon Cooper – dei ênfase no primeiro nome.

Me aproximei ainda mais, ficando de frente para ela. Deixei seu rosto entre minhas mãos, forçando-a olhar para mim.

– Não entende? Você me ama e está tentando esconder isso. Não só de mim, mas de você também. Anne, eu te amo do fundo da minha alma. Me deixe provar, e eu serei o garoto mais feliz do mundo.

Ela me empurrou tranquilamente, dizendo:

– Que amor é esse? Você acabou com a minha vida, Brandon... Martin... Ou sei lá quem mais você for. Mostre para mim quem você realmente é. Não esse garoto durão e desobediente que todo mundo pensa que é você, mas o garoto que me beijou no lugar mais estranho onde alguém poderia beijar uma pessoa, o que faria de tudo para me ver bem, o que me socorreu há alguns dias; o que eu amo.

Não esperou uma resposta. Ela deu meia volta e começou a caminhar, em passos curtos.


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Notas finais do capítulo

Me perdoeeeem pela demora da postagem! Obrigada à Mellynnaa pela recomendação ( e a todas as outras pessoas que já recomendaram também )! Fico muito grata!