Garota-Gelo escrita por Bia


Capítulo 58
Só Me Ferro Nessa Merda


Notas iniciais do capítulo

~chega de fininho
... Oi...
~leva tijolada
Onigiriiiiiiis, que saudade que eu senti de vocês! o/ Desculpem meeeesmo a demora do capítulo. É que a minha internet está um... Um... Uma monossilaba tônica, se é que vocês me entendem ;) -q HAUSSAAHASHUHUS
Gente, sério, perdão pela demora. E ah, é claro: FELIZ ANO NOVO, AEEE O/ Que em 2014 nós sejamos melhores do que fomos ano passado! Uhm, okay, chega de enrolation. O capítulo tá ENORME, como vocês perceberam. Deu muito trabalho. Muito trabalho. Espero de coração que vocês gostem, porque né. ajgiegue E por falar nisso, já peguem o sanduíche, o achocolatado porque ele tá polêmico! UHASSASHUAHUSHAUSHU
Quero novamente agradecer o carinho que vocês têm por tudo isso aqui! (Bia chata, só aumentando as notas) desculpem ;-; ~chora
Bom, é isso, onigiris!
Espero que vocês gostem,
Boa Leitura! s2
PS: Tá muito grande, chesus. suguiagieehgghir



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Eu não consegui sonhar aquela noite.

Uma pena, pois eu queria sonhar com milk-shakes italianos vestidos com ternos pretos.

A cama não estava tão confortável como quando eu deitei, o que eu achei extremamente estranho.

Mas o que era realmente bizarro era o fato de que eu estava de muitíssimo bom-humor.

Aproveite e me dê um chute no pâncreas. Sei que mereço.

Senti meus olhos pesarem e por fim despertei. Eu estava de bruços, com os braços juntos do meu corpo. Me remexi, desconfortável, e senti um peso sobre as minhas costas. Dei um gemido e virei a cabeça para observar o que tanto me incomodava.

Quando eu vi o que era, tive vontade de matar alguém com um garfo.

Marcela e Jonas estavam praticamente deitados em mim. Não estou brincando. A oxigenada estava com as pernas em cima da minha bunda, parecendo confortável em uma poltrona branca, ao lado da cama. A cabeça dela estava para baixo, e a filha da mãe roncava; ela estava coberta por uma jaqueta cor-de-rosa. Do outro lado da minha cama, Jonas estava no estado ao contrário. A cabeça dele estava nas minhas costas, e ele babava. Suas pernas estavam sobre uma cadeira; um pano branco lhe cobria os pés.

Se eu estivesse de mal com o mundo, me levantaria sorrateiramente e pegaria um balde d’água, o jogando nos dois sem piedade.

Decidi ser amigável.

Do meu jeito de ser amigável, é claro.

Dei um grito histérico enquanto me contorcia.

Os dois levaram um susto tremendo. Marcela levantou a cabeça de repente, os olhos arregalados e uma expressão engraçada no rosto. Os pés dela caíram da cama e a coitada foi para o chão com um baque surdo.

Jonas foi mais engraçado. Ele se sacudiu enquanto se levantada, desesperado. Uma mecha do seu cabelo estava levantada em um tufo, e seu rosto estava pálido. Ele tropeçou na cadeira enquanto tentava correr para não sei onde; no fim, cadeira e Jonas estavam no chão. As pernas do coitado estava para cima.

Dei uma risada maléfica. Me virei e me sentei na cama, empurrando o cobertor com os pés. As minhas pernas estavam pesadas, e todo o meu corpo estava dolorido. Minha cabeça já não martelava tanto assim, e eu sentia que meus olhos iam sair e dar uma voltinha.

Me mover doía. Falar doía. Acho que até pensar doía.

Resumindo: tudo doía.

Nunca mais vou para um acampamento na minha vida. E eu vou cumprir essa promessa.

Enquanto os dois se recuperavam, aparecendo pouco a pouco no meu campo de vista, fingi minha inocência alisando meu cabelo de forma angelical. Olhei para cima, fingindo estar distraída.

Quando os dois se levantaram, super putos da vida, meu disfarce se desfez, porque eu comecei a dar risada. Meu Deus. Dar risada doía.

Eu estava parecendo um porco rindo.

Jonas pegou sua cadeira e a colocou de volta no lugar, enquanto me fuzilava com os olhos.

– Você é louca?! - Ele gritou, franzindo os lábios. - Por que nos acordar desse jeito?

Dei de ombros.

– Sei lá, cara. - Falei, batendo na minha perna. - Achei que era o jeito mais delicado. Eu ia acordar vocês com um balde d’água.

Marcela deu um pulo, revivendo das trevas. Ela se sentou na minha cama, parecendo revoltada. Dei um sorriso.

– O que esperavam? Que eu, justamente eu, acordasse vocês com beijos e flores? Acordem para a vida, queridinhos.

O olhar de Jonas se suavizou quando ele viu minha perna. Se sentou na cadeira de forma preguiçosa, e ficou me olhando. O tufo de cabelo dele estava me irritando.

– Sabe… - Marcela começou, do outro lado. - Ficamos preocupados com você. Quando o Pedro nos avisou que você estava na enfermaria, com a perna toda ruim, corremos para te ver.

Jonas assentiu.

– E chegamos aqui… Você estava dormindo. Queríamos te acordar, mas você estava com uma expressão ótima enquanto dormia. Então nem colou.

Assenti, compreensiva.

– Sei que pareço um anjo enquanto durmo. Eu sou um anjo, então é absolutamente normal.

Jonas jogou uma almofada em mim. Sorri enquanto a bloqueava com os punhos, e vi que ele sorria também.

– No dia em que você parar de ser tão convencida… Talvez eu a chame de “anjo”.

Lhe dei língua, enquanto Marcela tirava seu celular da jaqueta. Olha, eu realmente não sei o que está acontecendo com ela. Está viciada? Nunca saberemos.

Eu e Jonas estávamos conversando sobre a minha perna e minha experiência com pinças. Até que Marcela soltou um grito horrível. Eu e Jonas a olhamos, assustados, e percebemos que ela chorava.

– Eu… - Ela começou, com as lágrimas lhe enchendo o rosto. - Eu… EU CONSEGUI!

Todo o povo da enfermaria olhou-a como se estivesse louca. Me afastei, atônita, enquanto Jonas a fitava com o queixo caído.

– Conseguiu o que, criatura? - Ele perguntou, pasmo.

– O… O… Vestido… Eu convenci o meu pai… Ele… Comprou! - E então ela começou a dar gritinhos e se chacoalhar como se estivesse tendo convulsões.

Eu não estava entendendo é nada. Jonas parecia entendê-la, e me explicou que aquele vestido que valia mais do que a minha casa iria ser o vestido que Marcela usaria no seu aniversário. Uma festa a fantasia. E ela iria de princesa. Me perguntei mentalmente do que o Jonas iria. Perguntei isso à ele.

– Uhm… - Ele pareceu pensar. - Não faço a mínima ideia. Você irá de quê?

– Pirata. - Falei. - E, se eu tiver sorte, o Colin O'Donoghue irá me recrutar como maruja. - Não evitei e soltei uma risadinha.

Marcela ainda chorava, feliz, e quando ouviu esse meu comentário, ela começou a dar risada. Ela enxugou o rosto com as costas da mão, e atirou o celular em cima da cama.

– Ah, a Katrina está louca para embarcar no Jolly Roger, que eu sei. - Ela me deu um olhar malicioso.

Ergui as sobrancelhas de modo sugestivo.

– Pode apostar nisso.

Eles começaram a dar risada, e eu me senti melhor. As minhas costas poderiam estar doendo, meus músculos poderiam estar praticamente mortos e doloridos, meu nariz poderia estar entupido, mas eu - ainda sim - me sentia bem.

Eu estava com uma ótima sensação.

*

Depois de tomar sete quilos de remédio e xarope, tomei banho e senti um alívio no meu sistema respiratório. Eu tinha uma ótima imunidade e um sistema de saúde quase que impecável. Nossa família inteira é assim.

Acho que é porquê nós comemos bastante jiló, feijão no café da manhã e couve flor. Não que eu goste, mas a graça não é gostar do que se come.

A graça é você não morrer.

Saí do banheiro da enfermaria, e observei o conjunto de roupas que os dois deixaram para mim. Já não estava calor, e nuvens invadiam o céu sem cerimônias. O Sol estava escondido atrás de uma grande nuvem branca como algodão. Fechei as cortinas ao redor da cama para me trocar, e espirrei quando tirei a camisa.

Oh, Deus. Gripe é muito ruim. Deveria ser um xingamento: nossa, você é muito gripe!, ou algo assim.

As roupas que os dois deixaram para mim eram as roupas mais ridículas e confortáveis que alguém poderia ter. A camiseta era amarela e solta, com marcas de cândida aqui e ali. O shorts era xadrez, e ele me deixava magra por ser - também - soltinho. Ele era bem curtinho, e eu me sentia incrivelmente bem com aquelas vestimentas. Até o sutiã era confortável. Ele era branco, sem detalhes, com as alças azuis. Era todo feito de algodão, e o feixe era na frente.

Abri novamente as cortinas e peguei algo para prender meu cabelo. O prendi em um coque desleixado, meio que em cima da minha cabeça, deixando vários fios caírem no meu pescoço. Peguei meu tênis que estava embaixo da cama e o calcei, colocando um par de meias roubados da garota que dormia na cama ao lado. Não é como se ela soubesse ou se importasse. São apenas meias.

Eu parecia uma mendiga. Mas não é como se eu me importasse. Eu estava confortável, e era isso que valia. Em pleno domingo eu vou me arrumar toda? Haha, tá bom.

Minha perna continuava dolorida, então eu me arrastei até lá fora. Jonas e Marcela me esperariam no refeitório, para que comêssemos juntos o café da manhã. Eram nove horas. Eu me acostumei a acordar cedo.

Bosta.

Acordei nove horas da manhã em pleno domingo. Ninguém merece.

Caminhei devagar pelo corredor comprido, recebendo o “bom-dia” de pessoas que passavam por mim. Isso foi assustador. O dia estava claro e gostoso. Era um daqueles dias que você tem vontade de fazer alguma coisa, só que não sabe ao certo o quê.

Passei pelo cara da recepção, aquele que Marcela intimidou, e ele se encolheu ao me ver. Sorri para ele.

Abri as portas da entrada devagar, e fechei os olhos quando um raio de Sol me acertou bem no rosto. Pisquei, tentando me acostumar com aquela luz. Conforme meus olhos iam se acostumando à claridade, pude observar melhor o lugar.

Tinha chovido à noite. Eu tinha certeza.

Os campos estavam um pouco enlameados, e alguns alunos jogavam futebol. Muito mal, para ser sincera.

Dei um suspiro e caminhei no meio deles de propósito, estragando uma jogada de um garoto. Ele resmungou alguma coisa, obviamente nervoso. Tentei esconder uma risada e cheguei às mesas de madeira.

Marcela e Jonas estavam sentados na ponta de uma delas. Eles saboreavam um pudim. Me embrenhei no meio das líderes de torcida, que sorriram ao me ver. Eu conhecia algumas delas, e as achava normais. Não tinha nada a ver com aquelas líderes de torcida dos filmes norte americanos: as típicas garotas chatas, petulantes e patricinhas.

Elas eram… Normais. Além de peitudas, atléticas e bonitas. Vários garotos conversavam com elas, e as meninas respondiam com educação. Passei por elas e me sentei ao lado de Marcela, que não poderia estar mais feliz.

Ela cortava o seu pudim, e os pedacinhos saíam em forma de coração. Ela mexia no celular, parecendo conversar com alguém via mensagens. Jonas comia o pudim olhando para os lados, parecendo atento.

Peguei um prato de plástico e espetei um pedaço de bolo de cenoura que estava em outra mesa. O roubei na cara dura, e o pessoal que viu aquela cena deu uma risadinha. Espetei um garfo - também de plástico - no bolo, e enchi um copo - adivinha de quê? - de café. Tudo ali era de plástico.

Aff, gente pobre é fogo.

Eu não sabia que gosto tinha o bolo porque meu nariz estava entupido. O que era uma pena, pois ele estava com uma cara ótima.

Jonas jogou um jornal em cima do meu colo. Olhei para ele.

– Leia essa notícia. - Ele me avisou, rindo.

Peguei o jornal e o estiquei para ler a notícia.

Tinha um homem muito bonito como imagem. Muito bonito.

“Expulso da Arábia Saudita por ser ‘irresistível para as mulheres’¹

Olhei, perplexa para Jonas.

– Que porra é essa?

Ele continuou rindo, mas fez sinal para que eu continuasse lendo. Voltei minha atenção ao jornal, e li mentalmente a notícia.

Omar Borkan Al Gala foi expulso da Arábia Saudita por ser "demasiado bonito" e "irresistível para as mulheres". O fotógrafo e poeta foi expulso juntamente com outros dois modelos, durante o festival cultural Jandriyah.

Meu Deus. O mundo está perdido.

Segundo explicou um dos agentes da polícia à imprensa local, "os membros da Comissão para a Promoção da Virtude e Prevenção de Vícios temia que as visitantes se apaixonasse por eles" e que "tomaram medidas para deportar os três homens para Abu Dhabi.”

O perfil do Facebook de Omar Borkan Al Gala tem sido invadido por mensagens de homens e mulheres de todo o mundo que lhe deixaram elogios e propostas de casamento.

Olhei, perplexa, para Jonas. Ele flexionou as sobrancelhas, de modo sugestivo.

Mordi o lábio, tentando evitar rir. Mas foi impossível. Nós dois começamos a rir escandalosamente. Marcela nem ligava mais, apenas continuava a conversar via mensagem.

– JESUS! - Gritei, gargalhando.

Jonas me acompanhou, e praticamente se jogou do banco, rindo feito louco. A risada dele era muito viciante. Daquelas que você começa a rir junto, sem parar.

O pessoal começou a se virar lentamente, para nos ver entrando em colapso. Marcela começou a nos olhar.

– Pelo amor de Deus. Vocês me deixam com vergonha. - Ela pegou o jornal e passou os olhos na notícia. Marcela bufou e revirou os olhos. - Isso nem tem graça. - Ela chacoalhou o jornal na nossa frente.

Na realidade, eu não sabia o porquê de tanta graça; ver Jonas fazendo aquela cara foi ridículo e engraçado. Em situações normais eu jogaria o jornal na cara dele e voltaria à comer.

Murmúrios se formaram em nossa volta. Eu e Jonas estávamos parecendo cavalos rindo. Relinchos e mais relinchos.

Prendi um pouco minha respiração, tentando parar de rir. Dei um suspiro e tentei imaginar algo brochante. Estávamos saindo do controle e eu não queria aparecer de novo no “Pérolas de Fevereiro”, dessa vez como “a garota da risada de cavalo.

Joguei uma bolinha de papel no Jonas, e ele ficou me encarando, os olhos marejados.

– Para… - Falei, contendo o riso. - O pessoal tá olhando a gente.

Jonas riu mais uma vez e passou os dedos embaixo dos olhos, tirando as lágrimas de ação.

– Ah, desculpe. Mas eu queria um bofe desses. Tão lindo e tão sexy que foi expulso do país por causar desejo nas pessoas!

Mordi a língua para não relinchar de novo.

Antes que eu imaginasse os primeiros minutos de Resgate do soldado Ryan– sangue, tripas de fora, guerra, mais sangue -, algo raspou no meu ombro. Me virei para ver o que era aquilo.

Encarei uma coisa felpuda me olhando com atenção. Os pelos de Duque estavam para cima, como se ele tivesse acabado de acordar. Ele tinha uma cara de sono, e as patinhas apertavam o ombro de Pedro.

Quando olhei para o italiano, percebi que estava vendo um retrato de Duque. Os cabelos de Pedro estavam para cima, rebeldes - como o pelo do gato -; sua cara estava marcada e ele, obviamente, ainda estava com sono. Pedro acariciava Duque na cabeça, com os olhos um pouco fechados. O gato fechou os olhinhos cor de âmbar e apreciou o toque do dono.

O pessoal viu que não estávamos mais rindo feito cavalos, então apenas nos ignoraram e voltaram a comer. Jonas estava bebendo suco de uva, e senti inveja dele. Ah, como gripe é terrível. Não sentir o gosto das coisas é mais horrível ainda.

– Olá, Pedro. - Marcela decidiu o cumprimentar. - Você parece cansado. Não dormiu à noite?

Pedro deu um bocejo preguiçoso e demorado. Ele balançou a cabeça.

– Oi. Eu estou muito bem, obrigado por perguntar. Só estou um pouco cansado. - Sua voz estava incrivelmente rouca. Ele olhou para mim. - E você, megera, como está?

Eu estava mastigando um pedaço de bolo.

– Eu estou bem melhor. Só precisei dormir um pouco. - Olhei para o gato. Ele estava me encarando, como se dissesse: eu vou arrancar esse seu couro e fazer uma roupinha para mim.– Pedro, seu gato quer me matar.

Eu estava profundamente arrependida de tê-lo salvo. Deveria ter deixado ele lá, para que os abutres comessem sua carcaça.

Pedro abriu um sorrisinho e segurou Duque como se ele fosse um bebê. Ele deu tapinhas gentis no gato.

– Não quer, não. Ele é um bom menino.

Jonas inclinou a cabeça para encarar o gato. Ele abriu um sorriso, daqueles que adultos abrem quando vêem que um bebê sorriu para eles. Ou seja: um sorriso panaca.

– Ah, que bonitinho! Posso pegar o gato?

Pedro abriu um sorriso.

– É claro; fique à vontade. Mas cuidado para ele não lhe arranhar na cara.

Jonas se levantou, e com um sorriso matreiro, ele seguiu na direção do Pedro. Eu não acreditei quando ele fez algo absurdo.

Jonas agarrou Pedro por trás. Ele deu um abraço demorado no italiano, que estava com tanto sono que não ligou realmente. Pedro deu tapinhas na mão de Jonas, para que ele o largasse.

Marcela abriu a boca, incrédula.

– Jonas, o que é isto?! Largue o garoto! - Ela atirou um pouco de água nele.

Só água para acalmar esse ser.

Jonas revirou os olhos. Ele largou Pedro e pegou o Duque com certa dificuldade, tentando escapar do rabinho dele, que balançava.

– Ah, gente. Cadê o humor de vocês? Não quero nem ver quando vocês ficarem velhas.

Quando Jonas se sentou, resmungando, eu percebi que Pedro ainda estava de pijama. O pijama dele se resumia em: uma camisa bem folgada e um shorts de algodão. Não muito diferente de mim. Senti meu nariz coçar. Espirrei baixinho, virando a cabeça em direção à manga da minha camisa.

– Saúde. - Pedro falou, pegando a jarra de suco de uva.

– Uhm. - Resmunguei. - Obrigada.

*

Jonas estava morrendo de amores pelo gato. Marcela tinha ido ao banheiro para escovar os dentes e Pedro conversava com o pessoal da mesa de trás. Eu estava quieta, com o nariz ruim. Fiquei observando enquanto a professora de português conversava com a diretora. As duas iam para lá e para cá, papeando. O clima estava bom e agradável. Os alunos conversavam entre si em pura harmonia, sem discussão e…

Alguém atacou alguma coisa no Pedro. Ele se defendeu com as mãos, e eu olhei para trás, assustada. Pedro começou a dar risada junto com alguns de seus colegas.

Foram as líderes de torcida. Já tinha ouvido falar dessa história antes. As meninas odiavam os garotos do time de vôlei. Isso porque sempre que elas treinavam, os garotos invadiam a quadra e as botavam para fora. Pedro estava no meio, eu tinha certeza.

– Opa! - Ele exclamou, divertido. - Vocês ainda estão bravas comigo, meninas? Só por que eu venci vocês? - Ele fez uma careta, como se achasse aquilo ridículo. Mas eu sabia que ele ria por dentro. - Aquilo só foi uma partida bobinha de vôlei. Eu nem levei à sério.

Acho que isso só piorou a situação. As meninas começaram a atacá-lo verbalmente, mas Pedro não pareceu se importar. Ele apenas ria junto com os garotos do time de vôlei.

Eu acabei de comer e me levantei, pronta para escovar os dentes. Minha perna ainda estava dolorida, então foi um sufoco para sair dali. Tive que cutucar Pedro para me mover, já que ele não percebeu que eu ia sair.

Ele olhou para mim.

– Aonde você vai?

– Escovar os dentes. Agora sai daí. - Falei, dando tapinhas em seu ombro.

Pedro se ergueu e deu um passo para o lado. Me rastejei até sair do banco de madeira e verifiquei minha perna.

Aparentemente, não tinha nada de mais. Porém, estava doendo como se abelhas tivessem a picado. Fiz uma careta para a minha perna. Pedro pegou o meu pulso.

– Quer ajuda para ir até lá? Parece dolorido. - Ele se referiu a minha perna.

– Naah. - Falei, movendo minha mão. - Estou bem.

Ele largou a minha mão e assentiu.

– Ah, Pedro, para de ser grudento. - Um garoto que estava sentado grunhiu. Outros dois começaram a dar risada.

Ele franziu o cenho.

– Eu não sou grudento. - Ele se virou para mim. - Sou?

Essa nem eu sabia. Fingi que alguém tinha me chamado, para evitar futuros problemas.

– Eu? - Gritei, me virando para uma voz imaginária. - Já vou!

E fui caminhando que nem um robô para dentro daquela casa enorme. Senti risadinhas atrás de mim. Pedro tinha feito aquela pergunta de propósito, para me deixar sem jeito.

Minhas coisas estavam na enfermaria, já que Marcela e Jonas trouxaram-nas para mim. Escovei rapidamente meus dentes, me importando com o gosto da pasta. É sério; eles tinham uma pasta horrorosa. Era ardida e nem se comparava com aquela Tandy. Eu comia muito aquela pasta.

Mas não espalha, porque eu sei que você comia também.

Saí da enfermaria e cruzei novamente aquele corredor.

E foi aí que algo muito estranho aconteceu.

A professora de português estava correndo de um lado para o outro. Ela tinha em mãos uma zebra de pelúcia com uma pata faltando. Ela parecia desesperada. E ah, é claro: ela estava com uma tiara de rena na cabeça.

Quando ela pousou os olhos em mim, abriu um sorriso de satisfação.

Ih. Ia sobrar para mim.

Desviei o olhar e comecei a assobiar. Ela não caiu. A professora estava vindo na minha direção.

Merda. Bosta. Porcaria. Droga.

Poderiam me raptar agora. Alienígenas poderiam invadir o local e destruir tudo. Poderiam me levar para fazer experiências. Mas não. A professora tinha que segurar o meu braço e me olhar de um jeito estranho, como se estivesse drogada.

– Katrina, ainda bem que te achei! Preciso de ajuda.

– Hum… Eu estou bem ocupada agora, então não dá para eu te ajudar.

Obviamente isso era mentira. Eu ficaria dormindo ou comendo o dia inteiro.

Ela apertou o meu braço.

– É óbvio que isso é mentira, querida. Te conheço há bastante tempo. Venha, venha.

E ela me arrastou para fora dali.

Oh, Jesus. Socorro.

*

Fomos andando - eu fui arrastada - para dentro daquela cidadezinha. Passamos pelo bar gay, por uma escola e por um jardim de infância. Paramos na frente de uma lojinha de costura…

Espera.

Costurando com a Titia Matilda

Costure de tudo comigo!

Aulas práticas de segunda à quinta

“Titia Matilda”.

Me mate, por favor.

A professora tentou me arrastar para dentro. Comecei a gritar por socorro histericamente, me debatendo. Ela foi me empurrando até os fundos da loja, onde havia uma mini aula de costura. Tentei de todo me safar dali, arranhando as paredes e bancando uma de Homem Aranha. Quando vi que seria escravizada de qualquer jeito, desisti e me entreguei.

Eu não encontrei o Colton Haynes lá dentro, o que foi uma decepção. Só encontrei velhinhas com problemas auditivos, rostos enrugados e um ventilador que fazia um barulho chato.

Tac, tac, tac, tac, tac.

As senhorinhas me encararam. Eu encarei as senhorinhas.

– Nossa, que short mais brega. - Uma delas cochichou alto demais.

Uma senhora mais velha do que os dinossauros estava falando que meu short era brega.

Brega.

Provavelmente eu fiquei meio traumatizada.

A professora colocou sua mão no meu ombro.

– Senhoras, essa aqui é a Katrina e…

Elas pareceram ofendidas. Uma delas, que tinha no crachá escrito: Eleonora, se levantou e ergueu as saias, deixando à mostra suas polainas e uma calcinha de algodão vermelha.

– Senhoras? - Ela fez uma careta. - Eu pareço uma “senhora” pra você?

Abafei uma risada enquanto a professora pigarreava, sem jeito.

– Uhm… Moças, essa aqui é a Katrina. Ela se ofereceu para nos ajudar.

Oi?

Eleonora se sentou novamente na sua cadeira de balanço, e começou a resmungar coisas como jovens inúteis.

– Olha, hum… - Comecei, me afastando do toque da professora. - Eu não me ofereci. Você me obrigou a fazer algo que eu nem sabia o que era. E, não querendo ofender, mas já ofendendo, eu não quero passar o meu dia com… Velhas.

Elas ficaram chocadas. A velha do Brega, que, no caso, se chamava Dolores - tudo nome de velha -, abriu a boca para falar alguma coisa, mas pareceu esquecer.

Ao todo, haviam quatro senhoras sentadinhas em cadeiras. Eleonora estava na cadeira da esquerda, me encarando. Ao lado dela havia a Marta, uma mulher com uma tiara de rena. Ao lado dela estava a senhora do Brega; e, por fim, estava Maria, do outro lado da sala, com uma máquina de costura. Todas boquiabertas e com um olhar que dizia: tá ferrada.

Tac, tac, tac, tac, tac, tac, tac.

*

Sobrou para mim.

Só me ferro nessa merda.

As velhas me sentaram em uma cadeira de balanço e me deram um bicho de pelúcia para costurar.

O que foi um pouco estranho, porque eu não sei costurar.

Acho que eu nasci para ser homem.

Marta decidiu me ensinar. Não queriam me perder. É óbvio que não. Se elas têm a minha lindíssima pessoa, é bom aproveitar.

Depois de alguns minutos tentando arduamente, eu consegui fazer um ponto. Sorri, feliz. Marta me deu um tapinha gentil no ombro.

– Ótimo começo. Agora faça o resto sozinha.

Continuei a costurar - completamente obrigada - e uma pergunta me veio à mente.

– Ei. - Falei, olhando para elas. - O que vocês fazem com esses bichos de pelúcia? Vendem?

Eleonora deu um sorriso, sacana. Ela, pelos comentários que fazia, era a zoeira da turma.

– Não. Nós colecionamos e dormimos com eles. Adoro dormir com um macaco ao meu lado.

Um novelo de lã voou em sua direção, e ela resmungou.

– Não ligue para ela. - Falou a professora de português, que estava sentada na minha frente, enchendo um leão de pelúcia. - Elas doam para as crianças carentes.

Isso me surpreendeu de verdade. Para mim, elas eram apenas algumas senhoras chatas e resmungonas, que tinham o hobby de costurar.

Outra pergunta me veio à mente.

– E… Onde vocês arranjam dinheiro?

– Bancamos as prostitutas à noite. - Falou Eleonora, dando risada.

Mais um novelo na cara dela.

– Nós nos sustentamos por doações. - Falou Marta.

Uhm… Talvez elas sejam boas pessoas.

Voltei a costurar.

Pelo o que eu ouvi dizer, a “Titia Matilda” havia saído para comprar mais tecido.

A conversa foi muito prazerosa, eu admito. Acho que é porque todas nós tínhamos o mesmo humor.

As senhoras me contaram histórias sobre quando eram moças, e eu dei muita risada.

Pessoas mais velhas têm muitas histórias boas para contar.

E foi aí que o negócio desandou um pouco. De histórias de infância a conversa foi para os famosos namoradinhos da titia Katrina.

– E aí, Katrina, e os namoradinhos? - Perguntou Dolores.

– Todos enterrados.

Ela juntou as sobrancelhas.

– O quê?

– Matei todos. - Esclareci.

Elas começaram a dar risada.

– Ah, pare de frescura. - Falou a professora. - Tem sim um rapaz, moças.

Semicerrei os olhos.

– Ah, essa até eu quero saber.

A professora deu um suspiro.

– O Pedro, é claro.

Engasguei com a minha própria saliva e comecei a tossir.

Ótimo, ótimo! Agora eu vou discutir sobre meus relacionamentos amorosos com essas velhas que eu acabei de conhecer.

– Uhm… - Eleonora fez um gesto sugestivo. - Pedro, hein? Conte-me mais sobre este rapaz.

A professora de português descreveu o Pedro de uma maneira bem estranha. Se ele fosse realmente tudo o que ela havia dito, ele seria um anjo.

Não estou brincando.

– Ah! - Ela começou, sorrindo. - O Pedro é uma graça! Um ótimo aluno, uma ótima pessoa! Ele tem notas muito boas e é bem esforçado. Ele é simpático e morre de amores por essa coisa. Ele só traz boas influências e ajuda quem está com dificuldade na sala de aula. E, é claro, todo mundo só lê isso aqui por causa dele.

Viu? “Oh, anjo Pedro”. Ou algo assim.

Ah, só para esclarecer uma coisa:

Coisa = eu.

E essa última parte era verdade.

Eleonora se balançou na cadeira.

– Ele parece ser muito legal. Mas e aí, ele é bonito? - Ela perguntou para mim, indo direto ao assunto de seu interesse.

Eu não sabia o que responder. Fiquei muda, encarando-a. Abri a boca para falar asneiras, mas a fechei em seguida.

Um apito soou na direção do bolso da jaqueta de professora. Ela deu um pulo, assustada, e tateou o celular. Seus olhos se arregalaram quase que no mesmo instante.

– Katrina do céu! Estamos atrasadas!

Eu não estou entendendo mais nada nessa merda. Eu preferia ficar dormindo.

– Vamos, vamos, vamos! - Ela jogou o coelho de pelúcia que estava em suas mãos no chão e me agarrou pelo braço, apressada.

Eu praticamente voei.

As senhorinhas nos olharam, um pouco perplexas, e falaram “tchau” baixinho, enquanto nós duas corríamos para fora. Na realidade eu mais voei do que corri, mas tudo bem.

Passamos correndo pela cidade inteira, atraindo olhares curiosos.

Chegamos novamente naquele lugar repleto de mesas de madeira, que agora estavam sem bancos. Os alunos estavam em pé em volta delas, todos usando aventais. As mesas estavam repletas de coisas diferentes. Desde simples pacotes com cenouras até vários fogões de mesa.

Não, não é “Cooktop”, porque Cooktop é nome chique. É fogão de mesa.

Um cara com chapéu de cozinheiro estava do lado, com uma cara séria. Ele me lembrava o Tyler Hoechlin, só que em uma versão cozinheira e menos musculosa.

Pedro estava do lado de Jonas. Ele estava vestindo uma camisa social branca. Os três primeiros botões estavam abertos, e ele havia dobrado as mangas até na altura dos cotovelos.

Todos olharam para mim enquanto eu passava com a professora. Risinhos e murmúrios se soltavam das bocas dos estudantes enquanto viam aquela cena.

Ela me soltou e eu corri na direção da Marcela, que estava na frente de uma das primeiras mesas. Que, no caso, ficava um pouco à frente de onde o Pedro estava.

Ótimo. Isso impedia que meu cérebro virasse um pepino. E impedia que meus neurônios fritassem e eu cortasse a cabeça de alguém fora.

Isso, perfeito. Não cortar a cabeça de alguém é um detalhe importante.

Marcela sorriu na minha direção e jogou um avental para mim. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Então, para socializar, sorri também e amarrei o avental.

“Está no inferno, abraça o diabo”.

Marcela deu um sorriso travesso e se inclinou na minha direção. Ela tinha feito um rabo-de-cavalo alto.

– Você não faz ideia do que está acontecendo, né? - Ela cochichou.

Sorri e me inclinei também.

– Sabe para onde você deveria entrar? - Perguntei, sussurrando.

Não. - Ela fez com os lábios.

– Pro X-Men.

Ela começou a dar risadinhas, e eu me virei para frente. A professora conversava com aquele cozinheiro de maneira desnecessária.

Tinha sacado que ela estava querendo paquerar o coitado. Ela passava a mão de forma estranha no braço esquerdo tatuado dele. A professora deveria ter quantos anos?

Trinta e sete?

Já a ouvira falar sobre isso uma vez, mas, como sempre, eu não estava prestado atenção. Ela era um pouco gordinha e baixinha, além de sua personalidade ser de velha.

Ele abriu um sorriso e cochichou algo na direção dela.

Bati na mesa, impaciente. O relógio de pulso de Marcela avisava que eram onze e quarenta e cinco. Fiquei chocada. O tempo tinha voado.

Eu não deveria ter feito aquilo. Deveria ter sido decente e fazê-los demorar o quanto quiserem. Mas não.

– Oh! - Gritei, batendo palmas. - Vocês querem que eu alugue um quarto?

Os alunos se explodiram em risadinhas. Marcela me deu um tapa discreto no braço, em censura. Sorri para ela, sem me importar.

O cozinheiro pigarreou, obviamente pego de surpresa pela atenção. A professora deu um pulo e correu lá para a frente, afobada.

– Huuum. - Ela começou, limpando a garganta. - Bem, bem… Nós reunimos vocês aqui hoje por um simples motivo: já que é o último dia de vocês aqui, que tal encerrarmos muito bem? Vocês que irão fazer o almoço!

Os alunos gritaram de empolgação enquanto eu gritava de tristeza.

Eu não sei cozinhar um ovo; queimo miojo; não sei cortar coisas e não sei fazer macarrão.

Eu estou frita.

Esse trocadilho não foi proposital.

Marcela se virou para mim e sorriu, extremamente feliz.

– Vou tentar não fazer concreto dessa vez. - Ela olhou de modo sugestivo para mim. - E você, por favor, não perca suas calças.

Comecei a rir, me lembrando daquele episódio desajeitado. Olhei para Marcela.

– Vamos fazer uma coisa só para nós duas. Ficará mais fácil.

Ela sorriu e fez um positivo.

– O.k.!

*

Eu quase morri queimada.

Não estou brincando.

Perguntamos para o “Chefe Bonitão” - Marcela que o apelidou - se ele tinha alguma dica para nos dar no quesito comida. Ele falou para a gente fazer uma lasanha. Eu adoro comer lasanha, mas fazê-la é uma história completamente diferente.

Ele nos entregou a receita, e eu li mentalmente os ingredientes.

100 gramas de presunto

100 gramas de queijo de sua preferência

molho branco pronto de sua preferência

massa para lasanha

Uhm… Não parecia ser tão difícil assim.

Fomos de mesa em mesa pegando todos os ingredientes, e vi que todo mundo fazia o mesmo. Cheguei na mesa onde Pedro estava cortando alguma coisa, e não me impedi de xeretar o que ele estava fazendo. Me ergui nos pés e xeretei a panela que borbulhava ao seu lado.

Pedro estava fazendo macarrão. Espaguete, na realidade. O que foi bem típico, porque era domingo.

Ele me viu me aproximando sorrateiramente, e sorriu para mim. Ele cortava um tomate.

– Oi, megera. O que você irá comer?

Dei um sorrisinho.

– Lasanha. - Fingi não saber o que ele estava fazendo. - E você, o que está fazendo?

– Spaghetti. - Ele falou em italiano.

Eu tinha que admitir: quando ele falava desse jeito, era uma coisa muito bonitinha. O sotaque dele era muito bonitinho.

Sorri.

– Hum… Você come com molho normal, ou enche de bodegas?

Ele pensou por um instante.

– Depende do seu “molho normal”. Eu costumo comer com molho branco e lentinha. - Ele pegou uma fatia de tomate e a comeu.

Eu não acredito que ele tenha feito isso. Argh. Tomate é ruim cru.

Fiz uma careta.

Pedro percebeu minha careta e sorriu para mim.

– Sabe o que eu como na sexta-feira de manhã?

Ih, lá vem nojeira.

– Espero que não seja coisa nojenta.

– Uma batida de tomate com maçã.

Ele está brincando.

– Ah, meu Deus! - Me chacoalhei, já vendo os pedaços de maçã se intercalando com os de tomate. - Que coisa nojenta, Pedro.

Ele deu uma gargalhada.

– É sério! Eu adoro tomate. Sabia que ele é rico em vitamina C e em licopeno? - Ele bateu no bíceps de maneira decidida. - Ele faz muito bem para os ossos.

Hum. Estou vendo o quanto o tomate faz bem para os “ossos”. Tentei não parecer uma idiota encarando o braço dele.

Senti que ia espirrar, então me virei e apertei meu nariz na manga da camisa. Ótimo, uma distração.

Pedro deu um suspiro.

– Você está mal, hein, megera.

Abri os olhos de novo e funguei. Meu nariz tinha ficado entupido novamente.

Merda.

Pedro deu um sorriso presunçoso. Ele pegou o meu nariz vermelho e o apertou.

– E quer saber de outra coisa? A vitamina C ajuda a prevenir gripes, fraqueza muscular e infecções. Não come tomate e está aí, morrendo.

Ele tinha razão. Mas não era como se eu fosse falar isso.

– Bá bom. Abora larga o beu bariz.

Ele deu um sorrisinho e largou o meu “bariz”.

Pedro voltou a mexer no que quer que ele estava fazendo, e eu não conseguia me lembrar do que eu estava procurando.

Ah! Claro, claro, o presunto. Como eu pude me esquecer do presunto?

Peguei o saquinho e fui saltitante até Marcela, que tinha pego a maioria dos ingredientes. A travessa estava em cima da mesa, e Marcela havia beliscado alguma coisa, pois mastigava, contente.

– Katrina. - Ela começou, lavando as mãos.

– Eu. - Falei, pegando uma faca.

Não, não era para matar Marcela. Era para cortar uma cebola.

– Você sabe que isso não se tornará comestível, né?

Dei de ombros.

– Sei, sim. Qualquer coisa eu uso minhas bolas e pego a comida de alguns babacas. Molezinha.

*

Ela previu bem. Aquilo que fizemos se tornou incomestível. A lasanha estava queimada, dura que nem pau e saía uma fumaça esquisita dela. Fiquei observando o queijo borbulhar em cima da massa, e me virei para Marcela.

– Se eu jogar isso na cara de alguém, essa pessoa morrerá intoxicada. Isso aqui é veneno. E dos bons.

Marcela pegou um garfo e cutucou aquilo ali.

– Meu Jesus, Katrina. Superamos Walter White. - Ela se virou para trás, para contemplar o trabalho dos outros. - Temos que roubar alguma coisa. Meu estômago está roncando.

Fiquei observando enquanto Jonas comia um omelete e ria junto com Pedro, que comia uma gororoba. Olhei para Marcela.

– Vai lá e pega do Pedro. - Ela falou, rindo. - Ele não irá negar para você. E outra, é apenas comida.

Juntei as sobrancelhas.

– Não sei se vou gostar.

– Não vai saber se não experimentar. - Ela me empurrou no ombro de leve. - Vai!

Era muito óbvio que ela estava me empurrando para cima dele. Lhe dei um último olhar mortal e caminhei devagarinho até onde ele e o Jonas estavam.

Escorreguei no banco ao lado de Pedro, e ele arqueou as sobrancelhas, me olhando. Observei o conteúdo de seu prato.

O macarrão estava envolto em molho branco, lentinhas e tomate. Sim, tinha uma cara ótima. Tinha um copo de suco de uva ao lado do prato.

– Oi, megera. - Ele juntou as sobrancelhas, como se perguntasse: outra vez aqui?

– Uhm… - Comecei, e depois olhei para o prato dele. - Eu posso experimentar?

Ele ficou surpreso.

– Desculpe? - Pedro apontou com a cabeça para a nossa mesa. - Você não ia comer sua lasanha?

– Hã… Virou veneno. - Expliquei.

Ele começou a dar risada.

– Hum, vejo que suas habilidades culinárias vieram à tona novamente. - Ele pegou um garfo novo e limpo, e o colocou na minha mão. - Pode pegar.

Missão completada com sucesso.

Enrolei o macarrão em volta do garfo e o enfiei na boca. Eu não estava sentindo o gosto de muita coisa, mas eu sabia que estava gostoso. Então eu pensei em alguma coisa.

– Isso dá para nós dois?

Eu sou muito folgada.

Pedro deu de ombros.

– Tem mais na panela.

Jonas o cutucou no ombro, e Pedro se virou enquanto girava o garfo no macarrão. Ele me encarou por cima do ombro do italiano como se dissesse: você está roubando o meu homem.

– Então, Pedro… - Ele começou, olhando Pedro nos olhos e ignorando minha careta para ele. - Onde está o seu gato?

Ele deixou o prato por alguns segundos, se virando para Jonas, e eu fui comendo devagar, enquanto prestava atenção na conversa.

Todo mundo estava nessa harmonia. O pessoal juntou as mesas, e todos ficaram intercalados, conversando entre si. Marcela se sentou na minha frente com um prato de arroz, feijão e camarão, e parecia gostar. Ela começou a conversar com os meninos, e eu fiquei quieta, observando. Roubei o refrigerante de laranja da Marcela e o tomei na cara dura, recebendo um sermão.

O prato já tinha ficado vazio, e eu estava satisfeita. Empurrei o prato na direção do Pedro, que estava com um garfo no vácuo. Ele ficou conversando com o Jonas, distraído, e se virou para mim por alguns instantes e perguntou:

– Mais?

– Não.

Ele deu um sorriso.

– Estava gostoso?

Dei de ombros.

– Provavelmente. É que eu não estou sentindo o gosto das coisas. - Funguei, apontando para o meu nariz.

Pedro se mostrou preocupado. Ele tocou a minha nuca suavemente, e, com um pouco de força, puxou a minha cabeça em sua direção. Nossas testas se encontraram com gentileza, e eu encarei aquelas sobrancelhas juntas.

Meu Deus, pensei, o que raios ele está fazendo? Ainda mais em… Em público?

Será que era hora de fingir um ataque epilético?

Ele deu um sorriso e passou os dedos no comprimento da minha nuca. Ele enfiou um dedo no meu coque e o desmanchou com rapidez.

– Uhm. - Ele falou finalmente, se afastando um pouco. - Você não está com febre. Isso é bom, megera.

Meu Deus. Por que ele fez isso? Era muito mais simples eu colocar um termômetro na axila ou qualquer coisa assim. Mas o Pedro tinha que fazer com que meus neurônios explodissem.

Pigarreei, limpando a garganta. Eu não tinha percebido o quão próximos estavam. Nossas pernas estavam juntas, e eu tive o trabalho de nos separar.

– Acho que isso é bom. - Falei, por fim, dando um tapa na sua mão, que vasculhava o meu cabelo. Pedro coçou a minha cabeça, e vi que algumas pessoas nos olhavam, maliciosas. - Pare com isso! - Murmurei.

Pedro soltou uma risadinha e me roubou o elástico de cabelo. Estralei a língua, sem paciência com suas brincadeiras.

– Desculpe. - Ele falou. Mas o desgraçado não parecia estar arrependido. - É muito bom te irritar. Essa sua cara de má é irresistível.

Ele sabia exatamente como me deixar nervosa e envergonhada. Ele sabia exatamente esses pontos.

Acho que Pedro era masoquista.

Arranquei o elástico de sua mão e prendi meu cabelo em um rabo-de-cavalo. Pedro me olhou de um jeito previsível, e eu sabia exatamente o que ele iria dizer.

– Já disse que você fica muito bonita quando prende o cabelo assim? - Ele perguntou, apontando de modo desleixado para mim.

Dei um sorriso.

– Já.

Jonas se esticou e colocou um pote com sorvete na minha frente.

– Tó. - Ele falou, sorrindo. - Come aí e deixa o Pedro um pouco para mim.

Meus olhos se arregalaram quando eu vi que era de chocolate. Mesmo eu preferindo de flocos, eu comi. Sorvete é uma coisa tão boa que ele deveria receber o prêmio Nobel da Paz.

Acho que o Jonas queria me matar.

Eu estava com gripe mas estava tomando sorvete. Minha mãe me mataria se ela soubesse.

Deixei o pensamento de minha mãe me matando para lá quando vi a professora de português se aproximando, afobada.

Ah, não. Ela iria me obrigar a fazer bichinhos de pelúcia de novo.

Com velhas loucas contadoras de histórias.

Jonas, Marcela e Pedro conversavam sobre orelhas. Orelhas do garoto que estava sentado atrás de mim, no caso. Elas eram cheias de espinhos e brincos coloridos.

Alguma coisa esbarrou na minha perna.

Levei um susto, logo imaginando um rato assassino comendo meus ossos e olhei para baixo, enquanto Marcela dizia que achava aquilo uma gracinha.

Era só o joelho do Pedro. Estreitei os olhos e olhei para cima, raivosa, e percebi que Pedro ria, olhando para Jonas. Ele tinha feito aquilo de propósito.

E foi aí que eu percebi que estávamos bem grudados. De novo. Engoli em seco e me afastei um palmo dele, interrompendo contatos desnecessários.

Pedro percebeu isso, mas não fez cara feia. A professora chegou até onde eu estava e sorriu para mim.

– Olá, Katrina. Pronta?

O pessoal olhou para mim de testa franzida.

– Pronta para o quê? - Perguntaram em uníssono.

Ela deu um risinho enquanto eu me levantava de supetão, pronta para abafar uma futura gafe.

– Pronta para cost-

Tapei a boca dela. Essa foi por pouco. Então, eu disse no lugar:

– Pronta para chutar bundas de curiosos. Cuidem de suas vidas.

Dei um sorriso forçado e levei a professora para longe deles. Marcela me olhava, um pouco assustada enquanto eu me afastava.

Eu ainda estava com a mão na boca da professora quando saímos de vista dos alunos. Olhei para ela com as sobrancelhas juntas.

– Quero algo em troca. Não pense que farei tudo isso e ficarei de mãos vazias.

Eu sei que eu sou uma miserável. Não posso fazer nada. Está no sangue.

Ela me olhou e sorriu com os olhos.

– Tem um coelho de pelúcia do seu tamanho na dispensa.

Fiquei confusa.

– Eu não quero um coelho gigante.

Ela se afastou de mim e pegou a minha mão.

– Posso encher ele de chocolate.

Opa. A coisa estava melhorando.

– Quer dizer… Realmente do meu tamanho? Um metro e sessenta e nove?

Ela assentiu, sorrindo.

– Exato. Posso enchê-lo de chocolate. Bombons, barras de chocolate amargas, meio amargas… Você decide.

Eu podia ouvir a música “Paradise” aos fundos. Dei um sorriso ganancioso.

– Eu topo.

*

Quando chegamos à lojinha de costura da Titia Matilda - eu ainda choro com esse nome -, não havia ninguém ainda. As “garotas” ainda estavam almoçando, então o silêncio dominava o local. Mas ainda tinha o ventilador chato.

Tac, tac, tac, tac, tac.

A professora afastou uma poltrona velha e abriu uma porta de madeira. Ela fez um som estranho quando foi completamente aberta. Espiei por cima do ombro da professora, mas não havia nada além de escuro. Ela se enfiou ali, sem medo, e eu fiquei torcendo para que o coelho seja realmente grande.

Uma figura enorme se ergueu. Tomei um susto e fui para trás. Quando aquilo ali saiu, eu pude ver que o bicho era barra pesada. O coelho era realmente enorme. Era branco, quase encardido, e muito felpudo. Sua barriga era roxa.

Ele me lembrava do Barney. Até podia ouvi-lo cantar em seu subconsciente: “amo você, você me ama, somos uma família feliz. Com um forte abraço e um beijo te direi: meu carinho é pra você!”.

Fiquei imaginando como Camila iria reagir se eu o levasse para casa. A professora deu um sorriso e o jogou no chão, sentado. Ela tateou sua barriga de modo indecente e pegou um zíper. Ela o abriu, e um espaço colossal surgiu dali de dentro. Poderia me esconder ali sem problemas.

– Esse aqui é o Sr. Coelhão, apelidado gentilmente por Eleonora.

Fiz que não com a mão.

– Não, senhora. Ele vai ficar comigo. Seu nome é outro agora. - Ela fez cara de confusa. - Ele se chamará Barney.

Ela enrugou o rosto.

– Barney? Barney do “Barney e Seus Amigos”?

– É. - Assenti, sorrindo. - Ele me lembra do Barney. Bons tempos.

Ela começou a dar risada. Uma risada gostosa.

– Ah, Katrina! Só você, mesmo!

Ela se sentou numa cadeira reclinável, ao lado de uma cesta cheia de bichos murchos e me jogou uma zebra.

Enchi ela de algodão, enquanto a professora colava os olhos de uma girafa, e tentei costurá-la. Você não imagina quantas vezes eu furei o dedo e ameacei rasgar a zebra no meio e atacá-la naquele ventilador infernal, para fazê-lo calar a boca. Ou engrenagem.

Depois de alguns minutos, as moças começaram a chegar. Elas se acomodaram em suas respectivas cadeiras e logo começaram a trabalhar. A sala ficou em silêncio, e somente o que se ouvia era Eleonora resmungar coisas sem sentido.

– Uhmmm. - Ela murmurou, parecendo tristonha e fazendo um bico. - Eu queria ter comido aquele bolo. Ele estava com uma cara tão boa… Me seduzindo.

Marta estralou a língua.

– Você não pode comer chocolate. Você sabe disso. Quer morrer?

Ela começou a gemer, triste. Vez ou outra ela murmurava que não se importaria de morrer por um pedaço de bolo, e começava a choramingar.

Dolores jogou algo que parecia ser linha nela.

– Cale a boca, mulher! - Ela falou, cerrando os dentes. - Não sei se você quer, mas eu quero ir para casa para descansar minhas pernas! Minhas varizes estão me matando! Então acabe com isto logo.

Ser velha deve ser mesmo uma coisa chata. Estar com dor o tempo inteiro, ser frágil e resmungona.

Bom, pelo menos você tem as pessoas fazendo o que você quiser. Como preparar um chá. Ou biscoitos.

Meus pensamentos vagaram de benefícios e malefícios de ser velha a chás, bolos e comida. E depois eles foram parar no Barney. Eu estava tão concentrada nesses pensamentos que eu não liguei quando ouvi uma bombinha estourar na rua, ou quando eu troquei de bicho duas vezes em menos de cinco minutos.

Gritos invadiram a lojinha. Estreitei os olhos, confusa, e decidi voltar à realidade. Eleonora estava na janela, corada, encarando alguma coisa. Ela parecia gostar muito do que via. Fiquei prestando atenção nos gritos, e percebi que eram vozes de rapazes. Fiquei piscando enquanto barulhos surdos invadiam todo o local. Eram bombinhas, rojões e vários lampejos de luzes coloridas

– Hoho. - Exclamou Eleonora, parecendo admirada. - Se eu fosse uns vinte anos mais jovem…

Me levantei, querendo xeretar o que estava acontecendo.

No princípio, fiquei chocada. Depois eu fiquei ainda mais chocada. Minha boca caiu no mesmo instante, e eu fiquei encarando aquilo, estupefata.

A primeira coisa que eu vi foi o Pedro. Ele estava usando a mesma camisa social e o mesmo short jeans verde musgo de antes. Depois percebi que todos os botões de sua camisa estavam quebrados. E, por fim, mas não menos importante, percebi que havia um mar de garotos seminus. Eu não estou brincando. Alguns estavam decentes, usando pelo menos um short. Alguns estavam usando só uma cueca e olhe lá. Eles corriam, jogando rojões e bombas por todos os lados.

O pessoal que saía de casa para ver melhor aquela cena ou estava estupefato ou estava com medo. O meu caso era uma mistura dos dois. Eleonora apreciava a cena, enquanto as outras velhas resmungavam e mandavam ela se sentar.

Fiquei encarando enquanto um menino ao lado do Pedro se preparava para soltar fogos de artifício. O garoto pegou uma vassoura e a apontou para cima, fechando os olhos e se encolhendo. Pedro semicerrou os olhos e se afastou, andando de costas.

Mesmo sabendo que o estouro seria alto, eu me assustei. Um lampejo de luz azul invadiu o céu nublado, fazendo várias pessoas pararem para admirar. Mesmo estando de dia, dava para ver perfeitamente.

O que eles estavam fazendo?

Minha curiosidade era maior do que minha discrição, então decidi chamar o Pedro para que ele me explicasse. Quando o chamei, ele se virou, procurando quem o chamara. Acenei, enquanto Eleonora ficava confusa.

Esse é o Pedro? - Ela murmurou perto do meu ouvido.

– Esse mesmo. - Respondi, acenando.

Ela murmurou algo que eu não entendi e passou uma mecha de seu cabelo louro tingido para trás da orelha. Pedro veio andando na nossa direção, tentando fechar a camisa.

Ele parecia surpreso.

– Oi, megera. - Ele me cumprimentou, dando um sorriso. Depois ele olhou para Eleonora. - Olá.

Ela deu um sorriso discreto, para parecer tímida.

– Oi.

Pedro se apoiou na janela, bem de frente para mim.

– Marcela e Jonas estão te procurando feito doidos. É melhor você dar um toque para eles. Não acha?

Dei de ombros.

– Não, realmente. - Fui direto ao ponto. - O que está acontecendo aqui?

Ele deu de ombros.

– Nem eu sei, ruiva. Os meninos do primeiro ano simplesmente invadiram a sala com os fogos de artifício, completamente nus, e começaram a soltá-los por aí. - Ele fez uma careta. - Não é lá uma das coisas mais bonitas que já vi.

Comecei a rir, e nem me liguei quando Eleonora foi buscar um copo d’água, pois estava passando mal. Pedro ficou olhando enquanto as ruas eram tomadas por estudantes. Depois de um tempo, ele virou a cabeça e ficou me observando com os olhos atentos. Ele desceu o olhar e percebeu a agulha na minha mão.

Ah, lá vem as perguntas.

Merda.

– Ei, o que é-

Jogaram uma bola de ping-pong na cabeça dele. Pedro fez uma expressão de dor e se virou com a mão na cabeça.

Um garoto estava com uma raquete na mão e uma expressão de diversão no rosto.

– Vem aqui, seu filho da puta. - O garoto chamou, rindo. - Pare de flertar com a Katrina e vai logo jogar antes que eu enfie essa raquete no seu nariz.

Será que todo mundo me conhece nessa merda?

Fiz essa mesma pergunta para Pedro, e, depois de ele pegar a bolinha que estava caída no chão e jogá-la na puta que pariu, Pedro se virou, rindo para mim.

– Todo mundo sabe quem você é, megera. Sua reputação é espalhada rapidamente pelas redes sociais.

Ah.

O garoto ficou de cara feia. Deduzi que ele estava com ciúme. Ciúme do italiano, é claro. Pedro fez um tchauzinho para mim e me mandou um beijo antes de dar um “chega pra lá” no garoto, fazendo com que ele ameaçasse jogar a raquete na cabeça do Pedro. Dei de volta o aceno e girei os calcanhares para encarar as velhas novamente.

Todas elas me encaravam com as sobrancelhas erguidas, de modo extremamente sugestivo. Estreitei os olhos.

– Eu sei o que vocês estão pensando, suas pervertidas. Nós dois não temos nada… - Falei, jogando minhas mãos para a cintura. A agulha me espetou, fazendo com que uma gota de sangue surgisse no meu polegar. - Droga! Maldita seja essas agulhas! Que a pessoa que ousou as inventar morra espetado por três vidas consecutivas!

Eu sou ótima em jogar macumbas.

Marta deu um sorrisinho.

– Aaah, essa juventude!

Eleonora olhou para mim enquanto voltava para sua cadeira.

– Querida, o Pedro tem quantos anos?

– Dezessete. - Murmurei enquanto chupava meu dedo ensanguentado.

Ah, o sangue tem um gosto tão bom.

Ela enrugou a cara, obviamente desapontada.

– O que é isto, Nora? - Perguntou Maria, franzindo o cenho.

Ela deu um suspiro, costurando um tufo de cabelo na cabeça de uma zebra.

– Posso ser presa por pedofilia… Uma pena, uma pena.

Todo mundo parou o que estava fazendo e encarou ela. Eleonora ergueu as mãos, inocente.

– Estou brincando! - Ela exclamou, parecendo surpresa com a nossa reação. - Vocês são muito chatas! Suas velhas bregas! Depois que essa cidade fica conhecida por causa de uma árvore vocês reclamam. Uma árvore!

E ela começou a resmungar.

Dei uma gargalhada escandalosa, relinchando com vontade. Eleonora era a senhora mais legal que eu já tinha conhecido. Sentiria saudades dela quando eu voltaria para casa.

Sem pensar, pedi o telefone do local. Elas me olharam, surpresas.

– Pra você nos passar trote fingindo que é o Kassab? Não, obrigada. - Opinou Nora, ainda mal-humorada.

Dolores deu um tapa no braço dela.

– Pare com isso! Querida, você tem papel?

Depois que eu anotei tudo aquilo e guardei o papelzinho no sutiã, me sentei e voltei a costurar.

Isso parecia patético.

De vilã de novela das nove eu passei para moça brega com o shorts xadrez que costura animais de pelúcia vesgos.

Isso não era muito bom.

Mas mesmo assim eu gostava da sensação. Estava ficando um pouco tarde quando elas ficaram cansadas. Conversávamos sobre chá e roupas velhas quando Maria pegou o telefone.

Ela conversou mais ou menos assim:

– Chá de camomila, bolinhos, guardanapo e colher. Um beijo, tchau.

Obviamente eu fiquei boiando, entendendo nada.

Eleonora pareceu feliz.

– Ah, bolinhos! - Ela deu uma piscadela. - De graça!

Maria bateu palmas.

– Uma das vantagens de ser aposentada!

E começaram a rir.

Olhei de relance para o Barney, e minha boca se encheu de água quase que imediatamente. Fiquei babando, imaginando barras e barras de chocolate saindo dali de dentro. Imaginei Barney só de sunga e óculos de sol, bronzeado em uma praia. Ele piscava de uma maneira sexy para mim. Me aproximei correndo dele e minhas pernas se fincaram em sua cintura. Mordi-o na orelha direita, fazendo-a virar chocolate.

Oooooh, yeaaah!

Me deram um tapa na perna machucada, me tirando de uma fantasia absolutamente normal da pior maneira. Dei um grito, morrendo de dor, e fiquei agoniada, imaginando uma pinça assassina entrando na minha pele de novo.

Eleonora estava de pé, um pouco inclinada na minha direção. Ela me encarava de maneira engraçada, com uma sobrancelha arqueada.

– Qual é, garota? - Ela apontou para mim. - Só ia avisar que os bolinhos estão na mesa. E… Pare de chupar a orelha desse coelho.

Eu não percebi que estava mastigando a orelha do coelho que eu costurava. Tirei a orelha dele na mesma hora, pasma, e cuspi alguns pelinhos que estavam na minha língua.

Acho que meu trabalho tinha acabado. Me levantei e joguei o coelho na cadeira ao lado.

– Bom, povo! - Anunciei. - Sei que é difícil, mas eu tenho que partir. Meu trabalho por aqui está terminado.

As garotas pararam de tomar chá e comer bolinhos e me encararam.

– Receio que não. - Falou a professora, colocando a xícara no pires. - Nosso trabalho só acaba às seis. Sente sua bunda aí, se reabasteça e volte ao trabalho. - Ela semicerrou os olhos. - Ou você não quer o “Barney”?

Na minha mente eu pegava o pires e enfiava na garganta dela. Joguei minhas mãos para cintura.

– É bom que esses chocolates sejam de qualidade. Se eles forem de isopor eu acabo com a raça de vocês.

Tac, tac, tac, tac, tac.

*

O que essas velhas desgraçadas fizeram comigo foi uma tortura sem fim.

Já eram cinco e meia e a professora foi pegar os chocolates. Eu nem perguntei como ela iria pegar. Isso não importa. O que importa é que o chocolate chegue em minhas mãos. Ou em meu intestino. Bom, a ordem dos fatores não altera o resultado.

Enquanto meus dedos ficavam calejados e eu estava me segurando para não lançar um hadouken em tudo aquilo e sair voando, as senhoras começaram a pegar no sono lentamente e dormir.

Eu gritei algumas vezes, para acordá-las, mas é meio difícil. Se você ainda tem uma avó, sabe muito bem do que eu estou falando.

No fim todas elas estavam roncando, com as cabeças baixas, praticamente mortas. Suspirei, cansada daquilo tudo e joguei uma girafa na cesta de “bichos prontos”. Me afundei na poltrona e fiquei encarando o nada.

O clima estava ficando frio novamente. Meu nariz não deu sinal de filha da putagem, então eu sentia cheiro normalmente. E aquele cômodo estava com cheiro de coisas velhas. Literalmente.

Os roncos delas me faziam querer dormir. Na realidade tudo me fazia querer dormir. Menos comida, é claro.

Eu me lembrei de uma coisa que eu tinha lido outro dia. Ruivos são mais sensíveis no quesito dor. Isso explica o fato de eu ir ao dentista duas vezes menos do que você aí, que tem cabelo marrom ou loiro.

Às vezes penso que ser ruivo é uma droga. Dizem que somos sem alma. E minha espécie irá desaparecer daqui alguns anos.

Me sinto como um animal em extinção. Um panda, para ser específica.

Isso. Eu me sinto como se eu fosse um panda.

Parei de ter pensamentos e reflexões muito importantes sobre a minha vida quando a porta da lojinha se abriu devagar.

Pisquei, voltando à realidade, e meus olhos se focaram em Pedro. Ele estava todo suado, como se tivesse corrido uma maratona. Sua camiseta ainda estava arreganhada, mostrando seu peito nu. Me ajustei na poltrona e fitei-o.

Ele deu um sorriso tímido, olhando para as senhorinhas que dormiam.

– Oi… - Ele sussurrou, entrando no cômodo devagar.

– Oi… - Sussurrei de volta, me levantando.

Pedro inclinou a cabeça, como se estivesse me vendo de um ângulo melhor.

– Então é aqui que você estava escondida? O que estava fazendo?

Limpei a garganta.

– Uhm… Eu estava tentando ganhar o Barney. - Falei simplesmente.

Ele pareceu confuso.

– Barney? “Somos uma família feliz”? Esse Barney? - Ele perguntou, cantando o trecho da música dele.

Dei risada, assentindo.

– Esse mesmo. - Apontei para o coelho do outro lado do cômodo. - Olha ele ali.

Pedro me encarava como se eu estivesse dançando ragatanga com macacos.

– Mas… - Ele começou, juntando as sobrancelhas. - Aquilo é um coelho. - Então ele chacoalhou a cabeça, provavelmente desistindo. - Ah, megera, desisto de tentar te entender. Você é muito complicada.

Eu tentei retrucar, mas não tinha argumentos contra aquilo. Não eu me entendia às vezes.

– O que faz aqui? - Perguntei, olhando para ele.

Pedro pareceu se lembrar de alguma coisa. Tateou o bolso de trás da calça e tirou de lá alguns botões.

– Vim aqui por causa da minha camisa. Não é como se eu gostasse de andar por aí parecendo um ator de novela mexicana. - Ele fez uma cara engraçada, como se estivesse imaginando a cena.

Abafei uma risada para não acordar as velhas.

– Vem aqui. - O chamei. - Eu acho que consigo costurá-los para você.

Pedro abriu um sorriso.

– Olha só! Essa é uma ótima notícia.

Ele foi tirar a camisa, mas eu o impedi, segurando seu pulso.

O que eu não preciso - e o que eu não quero e tenho que evitar - é que Pedro tire sua camisa, ficando seminu enquanto estamos praticamente sozinhos.

Isso não seria uma boa coisa.

– Hã, hum… - Comecei, tentando explicar esse meu ataque repentino. - Se você ficar com a camisa, eu tenho mais chances de te espetar.

Pedro deu um sorrisinho, assentindo.

– O.k., o.k. Mas não se empolgue, pelo amor de Deus.

– Isso não vai acontecer. - Falei, segura.

Eu já tinha visto a Marta costurando botões nos bichos, por isso eu aprendi.

Prendi a linha na agulha com aquela porcaria do passador de linha e dei um pequeno nó.

Peguei o primeiro botão e passei a agulha por trás dele. Posicionei o botão no local onde eu iria costurá-lo, e comecei a pregá-lo. Comecei por uma linha na vertical. Passei a agulha por um furo, depois por outro. E fiquei nessa até que eu senti que ficou bem preso.

Furei o Pedro sem querer. Ele deu um grunhido, obviamente com dor.

– Ai, megera! - Ele exclamou, enfiando um dedo sob a peça e massageando o local.

Dei um riso.

– Foi sem querer. Se fosse por querer iria doer mais. Aguenta aí.

Dei uma folga para o botão, para que ele pudesse abotoar. E comecei a fazer uma linha na horizontal. Tive um cuidado extra para não furar o italiano, porque vi que o furinho que fiz estava sangrando.

Dois botões mais tarde Pedro já estava ameaçando me jogar no lago. Eu o furei completamente. Algumas vezes eu furei de propósito, admito. Eu estava me contendo para não soltar uma gargalhada das expressões dele por causa das moças atrás de nós.

E teve uma hora que aconteceu uma coisa um tanto quanto estranha. Eu furei Pedro bem na altura dos meus olhos, e aquela furada deve ter doído, porque ele apoiou seu queixo na minha cabeça e murmurou coisas como: se eu sair vivo daqui eu te arrasto lá para fora e nós dois daremos um mergulho, megera.

Se formou uma bolinha de sangue. Uma bem grande, no caso. Aproximei meu dedo indicador até aquela parte e apertei o machucadinho, sentindo minha pele ficar úmida ali. Afastei meu dedo do local e o observei. Estava todo vermelho, inclusive minha unha. Enfiei meu dedo na minha boca, para limpar.

Não me culpe. Eu adoro o gosto de sangue.

Pedro sentiu isso. Ele ficou parado, a boca pressionada na minha cabeça. Ele não se movia. Era como se ele tivesse virado uma estátua.

Ele ficou assim o tempo inteiro. Costurei todos os botões e senti orgulho de mim mesma. Enrolei a linha na agulha, ouvindo os roncos exagerados de Eleonora. Me afastei de Pedro e joguei a agulha em cima da mesinha.

Me virei para ele novamente, e lhe dei um tapinha gentil no ombro.

– Pronto. - Sussurrei. - Agora dê meia volta e vá embora antes que elas acordem e te obriguem a ficar aqui. - Fiz um sinal com a mão, para que ele fosse embora. - Vai, vai!

Pedro ficou me encarando, inexpressivo. Não gosto quando ele fica assim.

Então, do nada, Pedro abriu um sorriso. Mas não era um sorriso normal, daqueles que a gente sempre dá.

Era um sorriso diferente. Um sorriso que fez com que minhas pernas fugissem para algum lugar.

O que não faz o menor sentido, porque sorrisos não decepam pernas.

Eu acho.

Pedro se aproximou de mim com passos lentos. Ele pressionou seu polegar na minha boca, me encarando nos olhos de um jeito estranho. Não consegui desviar ou empurrá-lo, porque era como se eu estivesse hipnotizada. E eu não queria fazer isso também.

Ele se aproximou de mim, como se quisesse me beijar, então eu apertei os olhos, receosa.

Mas isso não aconteceu. Pedro encostou sua testa na minha novamente, como se quisesse medir minha temperatura. Abri os olhos e o encarei, franzindo os lábios.

– Katrina. - Ele começou, pegando as minhas mãos. - Eu estava te procurando mais cedo… Você quer dar uma volta comigo?

Estávamos muito próximos. Isso fazia com que eu me lembrasse do episódio do beijo, da árvore e do gato. Que me levou a pensar no abraço na casa da árvore. Meu cérebro pifou.

Pepino entrando em ação.

– Uhm… - Falei. Mas eu não estava conseguindo pensar em nada. Fiquei tentando lembrar do meu nome.

Catarina.

Katherine.

Catarine.

Carina.

Karolina.

Cassandra.

– Katrina. - Pedro me chamou, me chacoalhando. - Ei, mundo real chamando.

Ah, sim. Katrina. É só lembrar do furacão que minha mente clareia.

Pisquei, tentando voltar à realidade. Mandei minhas pernas voltarem. Pedro ainda estava aguardando uma resposta. Suas sobrancelhas estavam juntas e ele apertou minhas mãos de um jeito que não tinha escapatória.

Pensei por um instante.

Uhm… Talvez não fosse tão ruim. Bom, pelo menos seria melhor do que ficar aqui. Junto com velhas adormecidas roncando como porcos.

– Tá. - Falei, olhando-o. - Mas se você tentar alguma coisa eu arranco suas orelhas com meus dentes.

Pedro deu uma risadinha e me largou, jogando as mãos para cima e fazendo uma cara de inocente.

– Não tento nada. Juro.

Ele disse aquilo alto demais. Levei meu dedo aos lábios.

– Shh. - Censurei-o.

Ele se encolheu.

– O.k., o.k. Desculpe.

Dei uma olhada ao meu redor. Estava ficando cada vez mais escuro e silencioso. Era realmente o meu último dia aqui. Mas eu não sentia melancolia nem nada do gênero. Estava louca para ir para casa.

– Ei. Vocês vão aonde? - Uma voz feminina familiar falou atrás de nós, acendendo a luz.

Levei um susto e olhei para a porta. A professora sorria, simpática para nós. Seus braços estavam cheios de sacolas coloridas - o que eu deduzi que eram os meus chocolates.

Dei uma risada forçada.

– Então, hum, já é tarde. Já está na hora de eu vazar, não acha?

Ela assentiu, caminhando apressadamente até o boneco.

– Sim, sim. Já são seis horas. Você pode ir. - Ela chacoalhou as sacolas. - Mas eu deduzi que você queira levar isto com você, não?

Fiz um positivo para ela.

– Mete chocolate no Barney!

Ela deu um sorriso.

Minutos mais tarde eu estava agarrada ao coelho. Ele era macio e fofinho, e estava cheio de caixas de bombons e barras de chocolate.

Eu amava mais do que tudo aquele coelho.

Mas eu não ia levá-lo.

Olhei para Pedro. Ele olhou para mim e arqueou as sobrancelhas, entendendo minha mensagem com os olhos. Ele encarou o boneco.

– Eu não vou levar isso aí, Katrina. - Ele apontou para a minha cara de cachorro sem dono. - E pode parar com esse bico. - Ele virou a cara para encarar a professora, parecendo desesperado. - Ela está me chantageando com esse rosto! Fala para ela parar, porque eu não levarei o Barney.

*

Aquela cena estava muito engraçada.

Pedro já estava com a camisa abotoada quando saímos de lá. Me despedi das senhoras, que me obrigaram à ligar para elas um dia desses, porque “eu deixarei saudade”. Menos Eleonora. Ela me mandou para aquele lugar.

Ela não tem decência.

Como se eu tivesse alguma para falar dos outros. Mas tudo bem.

E lá estávamos nós dois… Três: eu na frente, marchando; Pedro atrás de mim, com dificuldade e dor nas costas, e Barney. Barney estava jogado e seguro nas costas de Pedro. Os chocolates na barriga dele faziam um som engraçado quando chacoalhado.

Pedro resmungava coisas em italiano, hora dizendo o meu nome.

Quando chegamos ao acampamento, eu parei e me virei para ele, com as mãos na cintura.

– Aonde nós vamos, soldado?

Pedro abriu um sorrisinho.

– Vamos até o lago. O pessoal irá fazer uma queima de fogos. Se é que já não fizeram. Jonas e Marcela estão na barraca deles, assistindo os garotos.

Isso não me surpreendia.

– Uhm. - Assenti. - Ótimo. Vamos, então.

Dei meia volta e estava pronta para ir quando percebi que Pedro não se movia. Me virei para encará-lo.

– Katrina… - Ele começou. - Esse seu coelho é extremamente pesado. Eu não sei quantos tijolos de chocolate tem aqui, mas eu não vou levá-lo junto com a gente. Porque eu sou capaz de lidar com nós dois. - Ele semicerrou os olhos. - nós dois.

Não gostei do jeito que ele disse essas coisas. Me dei um abraço e dei alguns pulinhos por conta do frio.

– Ah, Pedro. Para de frescura. Você é forte… Aposto que aguenta esse e mais três juntos. Vamos, vamos!

Pedro revirou os olhos, resignado, e deu um suspiro.

– Aaah, Katrina… Eu realmente quero te jogar naquele lago.

Dei risada, começando a andar.

– Pare de dizer abobrinhas. Estou com gripe. Você não pode fazer isso.

Ele deu risada.

– Ah, é claro que eu posso. E devo, porque você está merecendo.

Eu deveria ter me sentido ofendida e magoada, mas eu sei que é verdade. Cruel, mas verdade.

Decidi desacelerar o passo e andar lado a lado com o Pedro, que estava com cara de que ia matar alguém. Eu estava me sentindo parcialmente culpada.

O cutuquei no braço com o cotovelo. Ele se virou para mim.

– Ei… - Comecei. - Posso te dar um chocolate… Se você quiser.

Eu não costumo me importar se a pessoa está ou não nervosa comigo. Porque, afinal, quase todo mundo me odeia. Mas eu tenho algumas exceções.

Engraçado. Eu nunca tive exceções.

Pedro deu um sorriso.

– Não, obrigado. Quero ver esses chocolates e esse coelho bem afastados de mim, para que eu não os ataque no inferno.

Comecei a dar risada.

– Você ainda me atacará na água?

– Vou. - Ele falou, rindo.

*

Chegamos perto do lago - ainda assim longe da minha barraca, não queria que Marcela e Jonas pegassem os chocolates - e eu me sentei ali.

Pedro atacou o coelho no chão com força, e, quando fez isso, pareceu realizado. Gritei, histérica.

Meu Deus, pensei, os chocolates devem ter se quebrado! Maldito Pedro!

Enquanto eu verificava caixa por caixa, percebi uma movimentação por parte do Pedro. Olhei para ele, com os lábios mordidos, ainda magoada pelo que fez ao pobre Barney, e percebi que ele desabotoava a camisa.

Minha garganta logo ficou seca e eu o encarei como se ele fosse um pedaço de carne. Isso seria um movimento machista da minha parte?

Pedro tirou a camisa e a jogou no chão gramado com força. E foi aí que eu percebi uma coisinha: não estávamos - de longe - sozinhos.

O lago estava cheio de estudantes, sorrindo e se divertindo. Tinha o pessoal da equipe de natação do acampamento que ajudava algumas calouras a nadar, tinha os zoeiros que traziam colchões d’água e ficavam atacando coisas nos outros. E tinham os que estavam de boa, só flutuando por aí.

Provavelmente queriam fechar o última dia com chave de ouro. Para mim fechar um dia com chave de ouro é dormir e comer, mas tudo bem.

– Você vai nadar também? - Perguntei, encarando-o.

Ele assentiu.

– Vou sim.

Pedro ameaçou se jogar na água, mas ele parou de repente. Ele se virou para mim com um sorriso presunçoso. Me ergui de supetão, me afastando.

– Não… - Falei, apontando para ele. - Você prometeu que não me jogaria na água.

– Não, não prometi. - Ele falou, se aproximando de mim. - Vem aqui, vem, megera.

Ai, Jesus.

Tentei correr, mas Pedro me pegou no pulo. Me esperneei, me chutando, gritando por socorro e outras coisas. Ele prensou minhas pernas em seu tórax e foi caminhando normalmente até o lago.

– NÃO, PEDRO! - Gritei, me chutando. - ME LARGA! FILHO DA-

Mas eu fui interrompida, porque ele me jogou na água.

Isso mesmo.

Eu. Fui. Jogada. Na. Água.

Um grande barulho se fez quando eu bati minha bunda no lago gelado. Ele ia pagar caro por isso.

Mesmo que estávamos no raso, eu estava encolhida, então eu me molhei completamente. Até meu cabelo ficou todo molhado. Um pânico de três segundos me dominou quando não consegui alcançar o chão. Fiquei me chacoalhando que nem uma idiota, em busca de ar, até o Pedro me pegar por baixo dos braços e me levantar, fazendo com que meus pés saíssem do chão.

Meu cabelo ficou transtornado e terrivelmente ofendido, então ele decidiu se rebelar. Ficou todo grudado na minha cara, e eu passei a mão no rosto, pasma.

Meus pés tocaram novamente no chão com pedras e outras coisas viscosas. Meu corpo tremia de frio, e Pedro parecia não se importar.

Olhei fundo nos seus olhos.

– Pedro… Seu filho de uma égua… - Falei, os dentes batendo. - Tomara que você seja mordido por uma capivara.

Ele deu risada, zombeteiro. Pedro me envolveu com seus braços, me dando um abraço gentil. Mordi o lábio, pronta para dar o troco.

– O.k., o.k. - Ele falou, passando a mão na minha cabeça. - Eu fui malvado, eu sei.

Me afastei do abraço dele e o empurrei com força, fazendo com que ele perdesse o equilíbrio e caísse sem rodeios na água.

Dei risada e saí correndo.

Não queria ser pega de novo, então tentei alcançar o gramado. Meu corpo tremia de frio e eu precisava de um cobertor, chá de camomila e rosquinhas. E a água, de longe, me daria isso.

Pedro me alcançou, me pegando pelo pulso. Ele estava rindo, tossindo e todo molhado.

– Katrina… - Falou ele, ofegando. - Você irá escapar logo agora, que as coisas começaram a esquentar? Você é um bichano assustado. Vem aqui.

Comecei a rir, tentando me soltar dele. Era para eu estar muito puta da vida com ele, o xingando de todos os nomes e saindo batendo o pé por aí.

Mas não aconteceu isso.

Era impossível ficar nervosa com ele por muito tempo. Na realidade, eu estava me divertindo.

Ele me puxou e eu quase caí dentro d’água de novo. Meu corpo estava congelando, mas eu daria o troco nele. Fui adentrando cada vez mais no lago até que a água chegou na minha cintura. Fiquei um pouco apavorada porque eu não sei nadar.

Nunca quis aprender.

Pedro se aproximou de mim, esperto. Joguei minhas mãos para a cintura, desafiadora.

– Então, vai ficar aí, me encarando? - Falei, tentando ser convincente.

A verdade era que eu estava batendo os dentes de frio e queria ter minha vingança o mais rápido possível. Ninguém. Me. Joga. Na. Água.

Nós dois estávamos molhados e horríveis. Pedro tinha um sorriso travesso nos lábios, me olhando fixamente em um ponto específico que eu não consegui decifrar. Ele cruzou os braços e uma linha fina tomou o lugar de sua boca.

– Sabe, Katrina, se eu fosse uma garota, tomaria mais cuidado ao escolher minhas peças íntimas. Porque, definitivamente azul não combina com você.

Olhei para baixo, não entendendo bulhufas.

Oh, Jesus.

Minhas roupas estavam completamente coladas no corpo, para início de conversa. O meu sutiã aparecia com nitidez sob a camisa, o azul da alça sorrindo e acenando para o povo, e meu short estava enrugado para cima, parecendo uma calcinha. E, para piorar a situação, três garotos sobre um colchão d’água passaram e assobiaram para mim, me elogiando como se eu fosse um pedaço de carne.

“Picanha a la Katriné”.

Eu já ia estourar o colchão deles com as minhas unhas quando percebi que Pedro estava bem perto de mim, fazendo um sinal para que eles fechassem a boca.

Mas não quis ser pacífica e deixá-los ir embora. Agarrei a ponta do colchão e o apertei com força, enfiando minha unha no plástico.

O barulho do colchão estourando foi horrível. Era como se você tivesse pego uma sacola, a enchido de ar e depois a estourasse. Só que o som amplificado três vezes. Fechei os olhos antes que plástico voasse na minha cara, e levei um susto quando uma onda se formou e eu quase fui arrastada.

Pedro tinha me agarrado e nós dois fomos para trás. Eu meio que fui arrastada para trás, mas tudo bem. Várias latas de refrigerante se espalharam pelo lago, e eu chutei várias para cima deles.

Os garotos apareceram sobre a água e foram nadando para longe, me xingando por eu estar com companhia. Caso eu estivesse sozinha… Provavelmente eu nem voltaria para casa. Um deles pegou uma caixa de isopor e a carregou sobre os seus ombros, se afastando e me lançando um olhar malvado.

Pedro me lançou um olhar reprovador.

– Precisava mesmo fazer isso?

Olhei para ele.

– Você gosta de ser tratado como um pedaço de carne?

Ele estreitou os olhos.

– Explique.

Pensei numa demonstração. Fiz uma cara de “hoje tem” e a lancei para ele.

– Gostoso.

Ele tomou um susto fenomenal e arqueou as sobrancelhas. E depois ele começou a dar risada.

– O quê? - Ele perguntou como se não tivesse escutado direito.

Dei risada da reação dele e expliquei, agora um pouco mais séria. Não totalmente, porque eu não sou séria:

– Não é engraçado, poxa. Às vezes eu penso que a Ana Maria Braga vai chegar na minha casa e me botar no meio de uma folha de bananeira e me servir numa tigela. Eu não sou a porra de um pedaço de carne para ser chamada de “gostosa” e “delícia”. - Cerrei os punhos e apontei para os garotos, que viraram pontinhos negros ao longe. - Delícia vai ser quando eu enfiar a mão na cara deles.

Pedro assentiu, compreensivo, e nós dois voltamos para a margem. Era muito estranho o jeito com que nós dois terminamos uma discussão: como se ela nunca tivesse existido.

Acho que isso se deve às nossas personalidades.

Ou aos os nossos sentimentos.

Pisquei. Nunca tinha pensado nisso antes.

Mas, eu ainda estava com raiva dele, então botei meu pé - que, no caso, estava vestido com um tênis velho - na frente dele, fazendo-o capotar.

Saí correndo, rindo, como uma criança levada, na direção do Barney. Me joguei no gramado de modo desleixado, ensopada e tremendo de frio, e abri as pernas.

Tirei meu tênis com dificuldade e com brusquidão, o jogando em um canto. A meia estava cheia de pedras e outras coisas viscosas não identificadas. Tive minha cota cheia, e o lago, de repente, me pareceu um ser macabro cheio de ratos.

Arranquei minha meia e a joguei também para qualquer lado. O mesmo fiz com o outro tênis.

Pedro estava boiando, olhando fixamente para o céu nublado, talvez tentando enxergar alguma estrela. Me abracei, morrendo de frio, e fiquei observando aquelas pessoas malucas se jogando na água só de biquíni ou sunga.

Mordi o lábio e pulei em cima de Barney, me abraçando nele de maneira estranha. Suas orelhas batiam no meu ouvido, e eu me senti como uma criança no Natal, sentada no colo do Papai Noel.

Percebi que Pedro já estava saindo da água. Ele se arrastou para a terra e se chacoalhou como um cachorro. Pedro passou os dedos pelos fios escurecidos de maneira bruta, como se estivesse passando shampoo no cabelo.

Então, de repente, ele cerrou os dentes e se abraçou também, dando uns pulinhos.

– Que frio! - Ele exclamou, indo buscar sua camisa. Pedro a pegou e antes de vesti-la, avistou meu par de tênis e minhas meias. Ele fez uma cara engraçada. - Katrina, ei, não deixe suas coisas espalhadas por aí. - Ele falou, como se fosse minha mãe, e foi lá pegá-los. Quando Pedro pegou um dos meus tênis e avistou o número, ele ficou pasmo. - Trinta e cinco? Katrina, você calça trinta e cinco?

Fiz que sim com a cabeça.

– Por quê? Você tem algum problema com garotas de pés pequenos?

Ele deu de ombros.

– Não, imagina. Só que… - Ele olhou para mim e depois para meus tênis. - Você é relativamente alta… É meio estranho.

Minha vez de dar de ombros.

– Puxei isso da minha mãe. Ela é alta, mas calça trinta e seis.

Ele ficou pasmo, me olhando enquanto recolhia minhas meias. Pedro as enfiou dentro de um tênis, com sua camisa em cima de seu antebraço.

Ele parecia minha mãe desse jeito. Dei um sorrisinho, imaginando as vantagens e desvantagens de se ter o Pedro dentro de sua casa, bancando sua babá. Provavelmente só teria vantagens, mas não é como se eu falasse isso em voz alta.

Ele chegou perto de mim e atirou meus sapatos do meu lado. Pedro se sentou na frente do Barney, como se eles dois fossem velhos amigos. Abri o zíper da barriga dele e tirei de lá um bombom. Desafiando todos os meus instintos de cobra, lancei o bombom para o colo de Pedro, que abaixou o olhar para encarar o objeto não identificado caindo no meio de suas pernas.

No fundo, no fundo, eu esperava que ele aceitasse. E, também, no fundo, no fundo, isso meio que era um pedido de desculpas. Um pedido de desculpas bem do jeito Katrina. E o italiano sabia disso.

E você, mais do que ninguém, sabe que eu sou um bicho do mato para dividir comida. Caso eu divida minha comida com você, quer dizer duas coisas:

a) é um pedido de desculpas muito sincero e raro, porque eu nunca me sinto mal perante minhas ações;

b) está envenenada e quero que você morra.

É muito simples no fim das contas.

Pedro olhou para mim e sorriu.

– Ah, obrigado.

Fiquei aliviada. Não é como se todo dia alguém me perdoasse por fazê-lo carregar um coelho gigante recheado de chocolate que se chama Barney. Ou o Sr. Coelhão.

Ou Sr. Sexy Coelhão.

Fiquei encarando enquanto Pedro tirava o plástico do bombom e o mordia. Então Pedro pareceu se ligar de uma coisa. Ele pegou a camisa que estava em seu antebraço e a jogou na minha cara.

O que, obviamente, fez com que meus cabelos o mandasse tomar naquele lugar mágico com unicórnios. Tirei a camisa da minha cara, encarando-a. Ela estava completamente seca, e o material parecia quentinho.

Pedro apontou para mim, e depois para a camiseta.

– Pode vestir. Você está tremendo.

Dei um sorriso, agradecida, e não medi esforços para vesti-la rapidamente. Não sou tonta para dizer “não”.

Quando abotoei o último e infeliz botão, percebi que tinha pulado um, e, assim, tudo estava errado. Soltei minha raiva em um “uff” e abri a camiseta de supetão, fazendo com que todos os botões se abrissem de uma vez.

Um deles escapuliu e riu da minha cara, saltitando para longe, muito provavelmente para o Campo Perdido dos Filhos da Puta, como chamo carinhosamente o lugar onde todas as coisas que caem no sofá e somem vão. Esse lugar é bem perto de Nárnia.

Alguém provavelmente está rindo da minha cara agora. Como eu disse, só me ferro nessa merda. Além de tudo isso, minha aparência super sensual de Medusa de Porre - meu cabelo não está de brincadeira; fico com medo, pensando que ele vire cobrinhas e me deixe careca, saindo rastejando por aí - não ajuda muito.

Deixei a camiseta aberta mesmo, sem me importar. Então eu notei uma coisa. Pedro tremia de frio, guardando o plástico do bombom no bolso do jeans. Estreitei os olhos e me arrastei pela terra, ficando ao lado dele.

Ele olhou para mim, desconfiado, abrindo um meio sorriso. Engoli em seco e encostei minha cabeça em seu ombro. Antes que ele dissesse alguma coisa, o interrompi.

– Calor humano. - Disparei. - É mais eficiente do que um cobertor… Para… Hum… Baixas temperaturas.

Ouvi Pedro dar um sorriso. Ele me deu um abraço, colocando sua bochecha na minha cabeça. Talvez isso tenha sido uma má ideia. Talvez eu deveria sair correndo. Talvez eu tenha ficado louca. Quer dizer, um pouco mais louca. Talvez meu juízo tivesse apitando nas minhas orelhas, dizendo que eu estava confiando de novo. Talvez confiar é uma péssima ideia.

Retirei tudo isso da minha cabeça. Decidi chutar minha incertezas de lado e aproveitar o que eu tenho em mãos agora. Ou seja: um corpo seminu. Não me parecia uma má ideia.

Pedro soltou um suspiro.

– No que você está pensando? - Ele perguntou, afagando meu ombro com o polegar.

Olhei para ele. Pedro olhou fundo nos meus olhos, como se eu fosse uma tela exposta. Ele deu um sorriso.

– Você está cansada, não é?

Estreitei os olhos.

– Não, não estou cansada.

Ele assentiu.

– Tudo bem, tudo bem. Você não está cansada. O.k., o.k. - Ele batucou os dedos na minha clavícula. - Vamos falar de coisas boas agora.

Abri um sorriso.

– Vamos falar do Ian Somerhalder?

Ele chacoalhou a cabeça, rindo.

– Não, não vamos falar dele pelo bem da minha saúde mental.

Dei uma risadinha.

– Katrina. - Ele disparou de repente. - Você não sabe nadar, sabe?

Mordi o lábio. Merda.

– Não, não sei.

Ele assentiu.

– Uhm. Bom, já que você falou um de seus segredos para mim, nada mais justo que eu te diga um de meus segredos, certo?

Arqueei minhas sobrancelhas.

– Sério isso? Pra mim? Segredos? - Eu não estava acreditando, como se pode perceber. - Você confia em mim para guardar segredos? - Eu estava horrorizada, na realidade. - Pedro, eu nem confio em mim para guardar segredos meus.

Ele deu risada.

– Diferente de você, eu sei o seu potencial. - Ele estreitou os olhos. - Você é uma boa pessoa, Katrina. Eu tenho certeza.

O jeito com que ele disse aquilo foi tão sincero que os pelinhos da minha nuca se eriçaram.

– Tá bom. - Falei, abaixando a voz. - Pode falar.

Ele inspirou uma vez, como se fosse difícil dizer.

– Eu tenho acrofobia e aerofobia. - Ele falou de supetão, meio que engolindo o orgulho.

Aquilo me pegou de surpresa. Arregalei os olhos, embasbacada.

– Sério? Eu não esperava isso de jeito nenhum. Por que você ficou assim?

Ele deu de ombros.

– Por causa do meu avô. - Ele ficou olhando em um ponto fixo. - Ele era uma das pessoas mais próximas de mim. Ele me ensinou quase tudo o que eu sei hoje. - Pedro se encolheu. - Uma vez, ele foi fazer uma viagem para Salvador. Toda a família foi vê-lo partir, alegre... - Ele umedeceu os lábios. - O avião caiu, Katrina.

Pedro assumiu um rosto inexpressivo, como se ele estivesse perdido em lembranças. Meu rosto ficou triste, e eu me senti um pouco mal.

Eu não gostava de vê-lo triste. E isso era um pouco assustador. Meu coração martelou no peito com força. Pulei, assustada, e olhei para a minha camiseta enrugada. E lá estava o bonitinho do meu coração, batendo feito um condenado nas minhas costelas, como se quisesse se suicidar.

Isso nunca tinha acontecido antes. Respirei com dificuldade. Era como se meu coração estivesse ferido. Meu peito doía. E eu acho que doía porque Pedro estava triste.

Pisquei. Eu estava cética. Olhei para Pedro, pronta para fazê-lo se sentir melhor. Oh, Deus, a minha situação não melhorou muito. De moça brega com o shorts xadrez que costura animais de pelúcia vesgos eu passei a conselheira sentimental.

A coisa, na realidade, só piorava.

E era para o meu lado.

– Sabe… - Falei, passando a mão no seu ombro molhado. - Uma vez, minha mãe me disse que não devemos nos lembrar dos nossos entes queridos já falecidos com tristeza. Nós temos que nos lembrar o porquê deles serem queridos. E, com esse pensamento, desejar que eles estejam em um lugar melhor. - Dei de ombros. - Isso é clichê, mas é a pura verdade.

Pedro assentiu, agora abrindo um fraco sorriso.

– Isso é verdade, megera. Você é uma ótima companhia, sabia?

Assenti, colocando meu cotovelo no seu ombro.

– Sim, sei sim. Me dizem muito isso.

Ele começou a rir. Tentei lembrar do meu avô. Ele que tinha me ensinado a andar de bicicleta. Ele me soltava da rua mais ingrime da cidade, sem rodinhas e sem capacete. Eu aprendia ou eu morria. Era realmente uma forma muito eficiente de se aprender.

Contei isso para o italiano, que se jogou no chão de tanto dar risada. O avisei que suas costas iriam ficar todas sujas de grama, mas ele não parecia se importar. Quando o ataque de risos dele acabou, ele me olhou fundo nos olhos, enquanto eu fazia cócegas em mim mesma no céu da boca com a língua.

– O meu avô me ensinou uma coisa muito importante. - Ele falou, colocando suas mãos em cima da barriga. - Eu não entendi direito o significado dela quando era menino, mas agora eu entendo.

Pisquei.

– O que você aprendeu com ele?

– Ele disse bem assim: “Pedro, filho, não se pode usar seu pinto para conseguir o que se deseja.” - Ele saiu do modo narração. - O que é a mais pura verdade.

Eu nem preciso dizer que minha gargalhada escandalosa de cavalo entrou em ação. Eu estava rindo muito. Ria feito uma condenada e rolava pelo chão, ficando vermelha e sem ar.

Pedro estava com a cabeça apoiada na mão, me observando com uma sombra de riso. O cotovelo dele estava enfiado na terra, e estava todo sujo.

Parei de rir aos poucos, e tenho certeza que esse fato irá ficar marcado em mim por um longo período de tempo. Irei rir sozinha à noite muitas vezes, só me lembrando desse episódio.

Pedro ficou olhando para mim, sério. Então ele se sentou e cruzou as pernas feito um índio. Pedro ergueu as sobrancelhas de modo sugestivo, e falou feito uma criancinha:

– Kat-Kat, você sabe que horas são?

Fiz que não com a cabeça.

– Hora de Cantadas de Pedreiro!

Semicerrei os olhos, cética.

– “Cantadas de Pedreiro”?

Ele assentiu.

– Isso. Não leve nada à sério aqui, porque é só uma brincadeira. Ontem, eu e os meninos da barraca ficamos falando sobre isso. Rimos bastante.

Assenti e me sentei também, olhando fixo para ele. Pedro esfregou as mãos e fez uma pose sedutora. Ele pigarreou, fazendo com que a voz ficasse mais grave.

Não irei mentir e dizer que não arrepiei em certas áreas.

– Gata. - Ele começou, e eu me esforcei para não cair e rir de novo. - Sua mãe é costureira?

Me endireitei, e respondi com a voz fina.

– Não, por quê?

Pedro mordeu o lábio para não cair na risada também.

– Porque você foi feita sob medida, sua linda!

Nós dois rimos feito idiotas, e eu bati em seu braço.

– Essa foi uma merda, hein? A gata ia te deixar, Pedro.

Ele fingiu estar triste.

– Eu sei.

Esfreguei as mãos e pensei numa bem idiota. Ergui as sobrancelhas de modo sugestivo para ele.

– Gato.

Ele tapou a boca para não rir.

– Uhm. - Ele falou, fechando os olhos.

– Para você virar um bombom só falta a valsa.

Pedro olhou para mim.

– Ah, é? E por quê?

– Porque um sonho você já é.

Pedro começou a dar risada, e eu mordi os nós dos dedos, pensando em outra.

– Gata. - Ele começou, erguendo uma sobrancelha. - Você nasceu dia primeiro de abril?

– Não. - Falei, olhando para ele.

– É porque você é linda demais para ser verdade, sua linda!

Comecei a rir e encostei minha cabeça na grama. Se continuarmos desse jeito, o negócio ia ficar bem perigoso. Pensei numa bem idiota, para sair do clima que ficou.

– Gato, me chama de Sílvio Santos e abre essa porta da esperança para mim, ma oee, seu lindo!

Nós dois não aguentamos. Aquilo saiu muito mais idiota e engraçado do que eu pretendia. Rolamos no chão, e Pedro ficou rindo sem som, de olhos fechados. Estávamos lado a lado, rindo feito idiotas de cantadas de pedreiro, daquelas que você deve dizer a uma garota caso seu objetivo seja um tapa na cara.

Pedro estava quase morrendo, então eu o cutuquei para que ele não se vá.

– Respira! - Gritei, o chacoalhando.

Ele se contorceu e riu mais fraco, respirando com dificuldade. Controlei minha respiração, que estava completamente descompassada por conta das risadas e fiquei olhando para cima.

Pedro deu um suspiro e olhou para mim.

– Uma última agora. Não quero morrer por falta de ar. - Ele pensou por um instante. - Gata, você tem um pouco de italiano em você?

Semicerrei os olhos e fiz que não com a cabeça.

– Quer ter? - Ele perguntou, com um olhar malicioso.

Lhe dei língua e o belisquei. E eu poderia fazê-lo em qualquer lugar, pois Pedro era uma tela exposta para beliscões. Ele se encolheu e uma expressão de dor surgiu em seu rosto.

– Ai, por que isso? - Ele perguntou, massageando o local que eu o belisquei.

Hum. Eu sabia muito bem o porquê daquilo. Ficamos em silêncio por um tempo, e um leve desconforto surgiu em mim.

– Sabe, Katrina… - Pedro começou, sorrindo. - É muito agradável conversar com você. Não sei o que os outros pensam, mas você é uma companhia muito boa.

Muito boa se você quiser encher alguém de porrada em um beco escuro. Mas decidi não falar isso em voz alta.

– Valeu. - Falei, sorrindo.

Ficamos de novo em um silêncio constrangedor. Só que agora por mais tempo. Fiquei mexendo no buraco do botão da camisa, enfiando o dedo ali. Pedro ficou olhando fixamente para cima, encarando o céu nublado. A farra dos estudantes não terminaria tão cedo, pelo visto.

Eu queria ir dormir. Já estava cansada e precisaria de um banho quente.

– Ah. - Falei, me espreguiçando. - Eu vou embora, Pedro.

Ele olhou de repente para mim.

– Já? Nem deve ser tão tarde, porque não soltaram os fogos ainda.

– Eles vão soltar fogos ainda? - Suspirei. - Bom, eu não irei ver porque estarei dormindo. - Encarei o Barney. Pedro não iria voltar comigo, então eu tinha que levar o coelho. Merda. - Bom, tchau, Pedro. Até amanhã.

Ele pareceu hesitar, como se não quisesse falar tchau. Dei de ombros e peguei na mão do coelho, e percebi que Pedro estava lutando para ficar de pé, parecendo eufórico.

Aquilo era estranho.

– Katrina… - Ele começou, se aproximando de mim, hesitante. - Eu… Hum… Posso te fazer uma pergunta?

– Já fez. - Sorri.

Ele deu um riso nervoso.

– Facilite para mim, por favor.

Assenti. A camisa dele pingava nas minhas pernas, ainda úmida. Meus cabelos estavam um pouco melhores, mas eu ainda me sentia fria.

– Uhm, tudo bem, vai em frente e faça. - Falei, me abraçando.

Pedro deu um suspiro. Parecia ser um assunto delicado.

– Katrina… - Ele começou, enfiando e tirando as mãos de dentro da calça, nervoso. - O que eu irei te propor é algo importante. Você tem que responder com sinceridade. Não preciso de uma resposta agora. Pode pensar, se quiser.

Assenti de novo.

– Tá, pode falar.

Eu estava prevendo uma coisa. E desejei que eu estivesse errada.

– Era uma coisa que eu já deveria ter te dito há muito tempo. Só que eu ainda não tinha reunido coragem o suficiente. Depois de um tempo, percebi que era agora ou nunca.

Ah, meu Deus.

– Katrina, namora comigo.

Dezoito!

Bingo!

Eu estava ferrada. Ferrada, corada e sem palavras. Malditos italianos. Eles são muito diretos.

Será que posso morrer agora?


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Notas finais do capítulo

Olá, onigiris *u* Eu gostei bastante do resultado do capítulo, e vocês? HASSAUAHUHASSAHU
Boom, gente, tenho uma notícia a dar para vocês. Como vocês sabem, eu não tenho um perfil ~péssima para fazer perfis~ então eu decidi interagir com vocês, hã, hã? u-u
Vamos fazer assim: me mandem uma pergunta pelos reviews, e eu respondo lá. Mandem perguntas para os personagens, para mim, sei lá. Qualquer coisa assim. Tentarei fazer com que fique algo legal para nós o Mas, por favor, sem perguntas pessoais como: onde eu moro, que idade tenho ou qualquer coisa assim. É meio constrangedor, concordam?
É isso! Até o próximo capítulos, gatinhos, e me digam o que vocês acharam desse capítulo enorme O.O
Comentem bastante!
Nota: ¹* Essa notícia é real, hahahahaaha! Procurem no tio Google, tem lá. É sério. AUAHSAHUSSHUSAU
Qualquer errinho, me avisem, tia Bia agradece! *000*
PS: Que finaaaal, heein? AHUSAHUAHUSAHUSAHUSAHU