Os gritos que a plateia davam eram ensurdecedores. Mas quem mais gritava era Marcela. Ela gritava e agarrava a camisa de Hugo, que estava chocado.

Eu definitivamente quebrei a linha tênue entre nós dois quanto permiti que sua língua se encostasse à minha. Mas eu rapidamente lhe dei um chute no estômago. Pedro riu e me encarou por alguns segundos.

– Você acha mesmo que eu iria deixar aquele cozinheiro de merda te beijar? Nunca mesmo. – Seu rosto se tornou sério. – Não consigo suportar ver você com outro cara. O que Carmen fez foi somente apressar o inevitável.

Pedro me colocou de pé. Eu estava pegando fogo.

Olhei para a multidão. Todos estavam de pé, assobiando e gritando. Mamãe batia palmas, alegre. Isadora estava desmaiada.

Olhei para Marcela. Ela estava pulando.

Suspirei.

Olhei para o Romeu. Aproximei-me dele e tirei sua faquinha. Aproximei-me de Pedro e encostei-a no peito dele.

– Morre. – Sussurrei.

Ele sorriu e se jogou no chão.

Eu gritei qualquer coisa e encostei no meu peito. Deitei no chão e pude ouvir as gargalhadas e os gritos da plateia.

Quando a cortina se abaixou, eu definitivamente não queria olhar nos olhos de certo italiano. Levantei-me e fui carregada por Marcela até a sala de Artes e ela começou a dar pulinhos alegres.

– Isso... Foi... Lindo! – Ela gritou e me abraçou.

Fiquei confusa.

– Lindo? Ser beijada por um cavaleiro na peça “Romeu e Julieta”, na hora que o Romeu tinha que me beijar. Claro, foi lindo.

Ela riu.

– Você nunca vê o lado bom das coisas, né?

Eu bufei.

– As coisas não tem um lado bom, Marcela. Só um lado ruim e um menos pior.

Ela riu e apertou minha bochecha.

– Você é uma sortuda, isso sim. Mas... O que você vai fazer agora?

Pensei por um instante.

– Mandar todo mundo tomar no cu?

Ela riu alto e balançou a cabeça.

– Katrina, você não presta!

E não pretendo prestar.

*

Marcela enfiou a gente na limusine dela antes que fossemos comidos por gente querendo me matar e fãs enlouquecidos. Não sei como Pedro sobreviveu, e se não, bem feito.

Camila se sentou no meu colo e ficou mexendo no meu cabelo.

– Katina... Seu belo é tão lisinho. – Ela sorriu.

Sorri e cocei sua cabeça.

– O seu “belo” é também muito lisinho.

Ela sorriu e se deitou no meu peito.

Quando chegamos em casa, mamãe se virou para mim.

– Katrina, tenho uma ótima notícia para você.

Alegrei-me.

– Mataram a Lúcia?

Ela bufou.

– Não, Katrina. Sua prima, Mandy vem passar uns dias com a minha mãe. Toda a família vai estar lá. Se a Marcela quiser vir com a gente amanhã, vai ser ótimo.

Ah, essa notícia sem dúvidas é muito boa.

Amanda, ou Mandy para os íntimos, é minha prima favorita. Ela bebe, fuma, tem uma gangue, joga pôquer e não sabe quem são os seus pais, afinal, ela nasceu de uma orgia. Ela vive sozinha num prédio no Rio Grande do Sul, e ela pretendia se mudar para São Paulo. Ela é um doce de menina, me ensinou metade dos golpes que eu sei.

Desci do carro e me arrastei até dentro de casa.

– Katrina! – Me chamou Marcela.

Ela correu na minha direção e me agarrou pelos ombros.

– Como é essa tal Mandy?

Sorri.

– Ela é da minha altura... Tem cabelo preto... Luta boxe e outras coisas, tem uma gangue. Acho isso legal.

Marcela abriu um sorriso.

– Ela é legal?

Pensei por um instante.

– Sim, muito. Ela é boa com crianças. Faz penteados legais. Acho isso bom, né?

Ela assentiu.

– Acho que sim. Ah... Enquanto eu estava no carro, eu vi meu face. A foto de você e do Pedro se beijando está percorrendo ele. E olha que eu tenho dois mil amigos, hein.

Dei de ombros.

– As pessoas veem porque querem. Não tenho culpa se sou linda.

Ela riu.

– Você e Pedro fazem um casal lindo, estranho e é meio desastroso, mas vocês formam uma dupla perfeita. – Ela sorriu e imaginou algo. – Ele aguenta você com uma paciência incrível, e você o odeia com a força de mil Sóis. – Ela riu com a própria conclusão.

Pensei por um instante.

– Não o odeio com a força de mil Sóis.

Ela arregalou os olhos.

– Não?

– Talvez três mil Sóis, mil é pouco.

Ela riu e me empurrou no ombro.

*

Estávamos assistindo o gordo caiu, quando mamãe entrou em um assunto delicado.

– Katrina...

– Hã?

– Você gostou do beijo do Pedro?

Engasguei com a saliva e a encarei.

– Está louca? É óbvio que... – Me contorci. – Que... – Mordi o lábio. – Que não.

– Enrolou muito. Só admite. – Ela me cutucou.

– Não foi ruim. – Eu dei de ombros.

Isadora riu.

– Beijar um pedaço de pão daqueles... E falar que “não foi ruim”. Só você, mesmo.

Eu já ia protestar quando Marcela se levantou do sofá e começou a tocar uma guitarra imaginária.

– Maso... – Eu comecei.

Ela fechou o punho para fazer um microfone.

– Quando eu me perco é quando eu te encontro – Ela cantou, tocando a guitarra imaginária. – Quando eu me solto, seus olhos me veem... Quando eu me iludo é quando eu te esqueço... Quando eu te tenho, eu me sinto tão bem.

Coloquei a mão na cara.

– Não faça isso. Sério.

Eu já ia subir para o meu quarto quando mamãe se levantou e cerrou o punho, também tocando uma guitarra imaginária. As duas encostaram suas costas.

– Você me fez sentir de novo – Cantou Marcela. – O que eu já não me importava mais... – Ela apontou para mamãe. – Você me faz tão bem... Você me faz, você me faz tão bem! – Cantou mamãe.

Isadora se levantou e cerrou os punhos.

– Quando eu te invado de silêncio... Você conforta a minha dor com atenção... – Ela cantou.

– E quando eu durmo no seu colo... Você me faz sentir de novo o que eu já não sentia mais. – Marcela cantou, enquanto mamãe e Isadora pulavam.

– Você me faz tão bem... Você me faz, você me faz tão bem... Você me faz, você me faz tão bem... Você me faz, você me faz tão bem! – As três cantaram.

– Não tenha medo... – Cantou mamãe, enquanto Marcela fazia “tananam”. – Não tenha medo desse amor... Não faz sentido... Não faz sentido não mudar esse amor!

– Estão me deixando com vergonha, sério! – Eu gritei por cima da gritaria.

– Você me faz, você me faz tão bem... Você me faz, você me faz tão bem... Você me faz, você me faz tão bem... Você me faz, você me faz tão bem! – As três arranharam.

Quando elas acabaram aquilo ali, se sentaram no sofá normalmente e voltaram as suas posições originais. Olhei para os lados.

– Sua música e a de Pedro. – Disse Marcela.

A encarei.

– Mas não. E sério... Vocês não são normais.

– E não pretendemos ser. – Elas me avisaram.

Nossa, estou muito mais calma agora.

*

No dia seguinte, só estávamos eu e Camila em casa.

Mamãe, Isadora e Marcela saíram para comprar roupas para irmos na casa de minha avó.

Minha avó Rosa, era uma dançarina de cabaré. Ela ainda é lindíssima, mas suas rugas atrapalham essa visão.

Camila e eu estávamos sentadas no sofá assistindo Pocoyo quando ouvi o barulhinho da carta caindo sobre o espaçamento.

Sim, nós não temos computador, então vai na base de cartas.

Peguei a carta e me joguei de volta no sofá. A rasguei e peguei o papel. Era uma letra manuscrita.

Bom dia, responsável por Camila Vieira.

Senhores responsáveis, queremos lhe avisar que Camila está “agarrando” e beijando os meninos da nossa creche. Este comportamento reflete em ações adultas, e caso isso continue, nós iremos os convocar aqui.

Tenham um bom dia, Creche Girassol.

Encarei Camila.

– Cara... Você é das minhas.

Ela estendeu o punho, e eu dei um soquinho no dela.

Ela riu descaradamente e continuou a assistir Pocoyo.

Eu tinha que fazer isso novamente.

Vamos a conclusões dessa semana:

Faço uma Julieta de merda, que fim, é beijada por um cavaleiro, não pelo Romeu.

Marcela vai conhecer minha família hoje a tarde.

E Camila está dando uma de piranha.

Perfeito, minha vida está oitenta por cento concluída. Posso morrer em paz.