Sentimentos de Gelo escrita por Tori Callado


Capítulo 1
Um presente especial.


Notas iniciais do capítulo

Quero agradecer ao pessoal que comentou em "Um café e um amor, por favor". Vocês me deixaram muito feliz. :)



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Meu pai sempre dizia que sorrir é a melhor maneira de lidar com situações difíceis, mas ele era um bobo que falava uma coisa e fazia outra, mas não deixava de estar certo nas coisas que dizia.

Lembro-me que quando eu era pequena ele sempre se escondia no quintal a noite, quando pensava que eu e Amanda estávamos dormindo. Por algum motivo que eu desconhecia, ele chorava e fumava um ou dois cigarros. Eu achava que o porquê daquilo era que minha mãe tinha ido embora. Talvez fosse esse o motivo, talvez não. Talvez eu nunca venha a saber, mas eu sabia que se ele chorava escondido era porque não queria que eu, Amanda ou qualquer outra pessoa soubesse daquilo, então prometi a mim mesma que meu pai nunca saberia que eu sabia que ele chorava. Quem poderia imaginar que um homem daquele tamanho chorava escondido das filhas?


Eu nunca me perguntei o motivo de minha mãe ter ido embora, mas costumava pensar se ela iria voltar, pois tinha me acostumado com a rotina de ela estar sentada ao meu lado durante o café-da-manhã e de me levar para a escola, mas ela não voltou. O tempo foi passando e muita coisa aconteceu: meu pai foi, ao poucos, parando de chorar e de fumar; eu fui me esquecendo do rosto da minha mãe e Amanda cresceu, achando normal ser uma das poucas crianças na sua escola a não ter uma mãe.

Desde que “aquela mulher” (com o tempo, passei a referir-me a minha mãe desta maneira) foi embora, meu pai se tornou nossa mãe, fazendo seu melhor para que nós não precisássemos sentir a falta dela algum dia. O que posso dizer? O plano dele deu certo. Amanda nunca sentiu falta dela e eu devo ter perguntado a ele uma única vez se algum dia ela iria voltar. De qualquer modo, ela nunca fez muita falta, pois meu pai supriu todas as necessidades que eu ou Amanda poderíamos ter em relação a nossa mãe. Cresci tendo uma coisa muito melhor do que uma mãe: um pai.


Pais que se tornam pai e mãe costumam ser mais zelosos e grudentos. Meu pai sempre teve um apego especial com a Amanda, talvez por ela ser a mais nova, a que, a ver dele, parece precisar de mais cuidados. Sempre tive um pouco de inveja da Amanda por ela ter mais atenção do nosso pai do que eu, mas nunca falei nada, pois sabia das circunstâncias (para uma criança de 9 anos de idade, até que eu era bem madura). Quando “aquela mulher” foi embora, meu pai teve que se agarrar a algo ou alguém para não surtar, então ele se agarrou a Amanda, que era só um bebê na época. Ele precisava se agarrar a alguém que precisasse dele e esse alguém era minha irmãzinha.

Claro que não fiquei em segundo plano, longe disso, mas às vezes, enquanto eu olhava meu pai brincar com minha irmã no parque, sentia vontade de ser eu a receber toda aquela atenção.


Não posso dizer que minha infância foi difícil. Eu tinha uma boa família, estudava em uma boa escola e nunca tinha me faltado algo, mas às vezes eu sentia como se tudo aquilo fosse falso, como se toda aquela felicidade pudesse acabar em um piscar de olhos. Eu tinha medo de perder aquilo que mais amava no mundo: meu pai e minha irmã.

Eu havia perdido a minha mãe, mas aquela perda nunca me fez falta. Mas e se eu perdesse aquilo que me sustentava no mundo, o que seria de mim? Quando pensava nisso, ficava num estado de melancolia. Nunca fui de deixar minhas emoções transparecerem, sempre fui mais de sofrer calada. E o engraçado é que, mesmo estando triste, ninguém parecia perceber. Será que as pessoas não se importavam ou eu que escondia o que sinto muito bem? Bom, isso não importava para o meu pai. Ele sempre sabia se algo esta ou não em seu devido lugar.

Um dia, depois de colocar Amanda na cama, meu pai veio me dar um beijo de boa noite. Eu estava em estado de melancolia o dia todo, mas até aquele momento, ele não havia manifestado saber que algo me incomodava.

Ele bateu na porta e entrou no quarto. Sentou na cama e esperou eu terminar de escovar os dentes no banheiro. Enxaguei a boca, lavei a escova de dentes, a sacudi para eliminar o excesso de água e a coloquei dentro de um copo, junto com a pasta de dentes. Desliguei a luz e fechei a porta do banheiro. Caminhei até a cama e meu pai se levantou, pegando-me nos braços, como se eu fosse uma noiva. Eu o abracei, bem forte.

– O que foi que aconteceu com você dessa vez? A mesma coisa de sempre?

Fiz que sim com a cabeça. Como pude pensar que ele não iria notar?

– Olha, meu bem, nós já tivemos essa conversa no mínimo umas cem vezes e acho que de tanto falar minha língua vai cair, por isso, dessa vez, minha precaução para com a sua insegurança vai ser diferente.

Ele me deitou na cama e me pediu para fechar os olhos. Ele colocou algo envolta do meu pescoço, ajeitou meus cabelos e me deu um beijo na testa. Em seguida cobriu-me com o lençol e sentou-se ao meu lado.

– Pode abrir os olhos agora.

Abri os olhos e dei de cara com aqueles lindos olhos castanhos.

– Eu vou falar só mais uma vez: eu só vou morrer quando eu tiver certeza de que você e sua irmã vão ficar bem sem mim.

– Mas pai, eu... – ele não me deixou completar

– Mas pai nada. Eu não vou morrer, não tão cedo, eu já lhe prometi isso. Agora, para você deixar de ser boba, hoje eu fui na cidade e mandei fazer um presente especial para você, para você se lembrar de que eu sempre vou estar com você, mesmo depois de morrer. Olha o que está no seu pescoço.

Sentei-me e deixei as cobertas caírem em meu colo, peguei o pingente que estava pendurado em meu pescoço e o observei.

– O que é isso? – perguntei a meu pai, sem olhar para ele

– Isso é um colar de quartzo hialino. – fiz uma careta de quem não está entendendo do assunto e ele deu risada – Calma, eu vou explicar. Para os antigos gregos, essa pedra chamada quartzo hialino era um gelo que tinha congelado de uma maneira tão dura que todos pensavam que nunca iria derreter.

– Onde o senhor quer chegar? – perguntei, ainda segurando meu novo presente nas mãos.

– Que garotinha mais impaciente! Espere um pouco, estou chegando lá.

Ele fez uma pausa e depois continuou com o que estava dizendo.

– Como o quartzo hialino simboliza a “não destruição”, eu quero dá-lo a você, para ficar bem pertinho do seu coração, para sempre que você olhar ou tocar nele, você se lembre de mim, de que eu estou sempre com você e que meu amor e carinho por você é inquebrável.


Juro como me emocionei em como aquele velho podia ser surpreendente. Dar-me algo para me lembrar de que ele sempre estará comigo, que o amor dele por mim é inquebrável? Eu nunca pensaria em algo assim. Meu pai conseguia ser o cara mais incrível do mundo quando queria.

Com o tempo, aquele colar de quartzo hialino se tornou o meu pai. Quando eu estava longe dele, o colar era o meu porto seguro. Quando eu tinha dúvidas, eu o apertava contra o meu peito e todas as dúvidas e incertezas iam embora. Ao me dar o Benjamin (com o passar do tempo, acabei dando um nome – Benjamin – e um apelido – Ben – para o presente que ganhei), parece que meu pai fez com que todas as sensações que ele me transmitia fossem as mesmas que eu iria sentir com o Ben. Meu pai parecia ser um feiticeiro ou algo do tipo.


Quando estava ao lado da porta do meu quarto, prestes a sair dele e já tinha secado minhas lágrimas, me dado um beijo de boa noite, ter me coberto e me deixado em estado de dorme-não-dorme, meu velho disse:

– Ah, e a palavra cristal vem da palavra grega para gelo. - escutei essas palavras e o vi sorrir ao mesmo tempo em que o via ir embora. Sorri e caí em sono profundo. Meu melhor sono em muito tempo.


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Notas finais do capítulo

Essa é uma história que escrevi há MUITO tempo, tanto tempo que nem lembro ao certo quando a escrevi.
Só o que tenho a dizer sobre ela é isso: em minha opinião, essa é a melhor história que escrevi até hoje por causa do significado que ela tem. É uma história realmente especial para mim.

OBS¹: Para quem não entendeu a relação do título com a história, é o seguinte: O quartzo hialino era para os antigos gregos um gelo que tinha congelado de uma maneira MUITO dura. Todos pensavam que ele nunca iria derreter. Então, os sentimentos do pai para com a filha são de gelo, pois nunca se quebrarão, assim como o gelo nunca derreteria. Sacaram? ;)
OBS²: Quero agradecer a Paola por corrigir o texto. Obrigada, pequena. ♥

Beijos da Tori.



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