Abro meus olhos lentamente. O ambiente em que me encontrara estava ótimo. Havia um buquê de flores em uma cabeceira do lado de onde eu estava. Estava deitado numa cama, vestindo uma camisola de hospital. Me levanto bruscamente quando me lembro que aconteceu. Noite passada será? Perdi a noção do tempo.

- Finalmente acordou!!

Olhei para meu lado direito. Era a Senhora Muffim entrando calmamente.

- Acordei...?

-S Sim! Você não se lembra?

- Bolhas amarelas... Rei... Baralho de cartas...

Ela me olha assustada. Coloca a mão bruscamente em minha testa.

- Você não está com febre... Mas deve estar delirando por causa que perdeu a consciência mais cedo...

- Do que você está falando?

- Bem, mas agora você está num hospital!

Ela me dá uma nota de ¢500, 00.

- Mas o que importa agora é que você está bem. E o show de ilusionismo foi um sucesso! Todos adoraram ver “Palácio de Maria”! Inclusive eu! Você é sobrenatural!

Ando em direção à porta do meu quarto. Será que o tempo de Cartas Em Chamas é diferente daqui? E o tempo em que “eu” estava aqui? Era só um NPC?

- Aaah, Masao! Há uma pessoa que quer lhe ver! Acho que é a sua namorada!

Virei para o lado com olhos arregalados. Quem será que estava lá para me ver? A única pessoa que eu conhecia no mundo real era Dave. Poderia ser mais uma influência que Cartas Em Chamas poderia ter causado. Mas de qualquer fora, desci. Apertei várias vezes no botão do elevador, desesperado para ver quem era. Percebi que minha cabeça estava enfaixada. Provavelmente eu caí quando o verdadeiro “eu” voltou à esse mundo.

Na sala de espera (que por sinal era imensa) estava uma garota de cabelos brancos/prateados sentada em um dos sofás. Andei cambaleando um pouco tentando reparar em todos os detalhes. Ela vira para mim. Era Lya.

- L-Lya?! –Perguntei com olhos arregalados.

- Ah, é bom ver que você está bem, Masao.

Ela se levanta. Estava com um vestido florido básico, como uma garota normal de sua idade. Os cabelos estavam bem arrumados, e parecia mais disposta.

- Como você chegou até aqui?

- Esqueceu que eu trabalhava para o Rei em Cartas Queimadas? Eu sabia da localização de cada um dos jogadores. Especialmente a sua.

- Você chegou aqui quando?

- Há algumas horas atrás, eu acho. Talvez até mesmo um dia. A minha cabeça está confusa à respeito do tempo.

- A minha também, na verdade...

Tentei dar um passo à frente, mas eu caí. Lya veio me ajudar a me levantar, e pediu duas muletas para mim.

- Se sente bem para andar?

- Agora sim.

- Tenho uma surpresa para você. Venha comigo.

- Mas ir até a área externa do hospital? Eu ainda estou de camisola, posso me trocar?

Ela sorriu para mim, então segurou uma de minhas mãos.

- Não tem problema, venha assim mesmo.

Então fomos caminhando até a área externa do hospital onde havia uma pequena praça bem arborizada e várias mesas para chás. Avisto de longe duas pessoas, mas não consegui reconhece-los pois minha vista estava muito ruim. Então Lya corre um pouco na minha frente e vai até aquelas duas pessoas. Lhes diz alguma coisa e acena para mim, em sinal para eu ir até ela. Aquelas duas pessoas olham para mim.

- Masao!!!! –Diz um deles.

Então finalmente consigo reconhece-los. Eram Louis e Zain. Meus olhos brilharam ao vê-los. Mas, como e por quê...?

- Ah, oi. –Disse com um leve sorriso.

- Eu disse para eles onde você estava e eles vieram no mesmo instante. –Disse Lya.

- Como estás? –Perguntou Louis fitando as faixas que estavam envolta de minha cabeça.

- Bem, eu acho... Parece que eu caí na festa e bati a cabeça. –Eu disse enquanto tocava nas faixas.

- Ah, olha a novidade! –Disse Lya enquanto tirava algo do bolso de seu vestido. –Aqui!

Ela me entrega uma carteirinha de estudante. Analiso bem a carteirinha e em seguida olho fixamente para Lya.

- Você se matriculou na minha escola?

- Sim, eu fiz questão! Vou deixar a minha vida de hikikomori* e me matricular numa escola. Vou também tentar largar um pouco o meu vício de eletrônicos.

Hikikomori: Literalmente “Isolado em casa”, é um termo de origem japonesaque designa um comportamento de extremo isolamento doméstico. Os hikikomori são pessoas geralmente jovens, que se retiram completamente da sociedade, evitando contato com outras pessoas.

- Ah, entendo...

- Ah se eu morasse aqui em Berlim! –Zain lamentou.

- Masao, você sabia? –Disse Lya se aproximando mais de mim.

- N-não, o que?

- Antes de você ir pro jogo, Louis já estudava na sua escola. Nunca notou?

Louis suspira e se senta novamente.

- Ah... Er... Bem, eu só havia um amigo na escola que é o meu primo Dave... Eu nunca havia notado as pessoas ao meu redor.

- Eu sou dois anos mais velho que você. Tenho 16 anos e estou no 2º ano do médio. –Disse Louis. –Eu já havia lhe visto várias vezes, então quando lhe vi em Cartas Queimadas fiquei um pouco surpreso.

- Espera...! –Eu disse enquanto pensava. – Acho que já lhe vi mesmo em algum lugar na escola... Será que... Você por acaso seria o presidente do conselho estudantil?!

- Poxa vida... Só agora você foi perceber? Você era tão antissocial a ponto de não se lembrar quem é o atual presidente do conselho estudantil?

- Digamos que sim...

Então avisto Dave correndo em minha direção. Quando ele chega, todo esbaforido, eu o abraço.

- M-Masao...! –Ele exclama.

- Faz tanto tempo, Dave!

- Realmente... Quando disseram que você estava mal, nunca pensei que estivesse tão mal assim. Ah, muito obrigado pela apresentação. Você realmente é um verdadeiro ilusionista!

Eu sorrio. Então reparo que ele está segurando um papel.

- A-Ah! Desculpe! Esse é o relatório que os médicos fizeram. Parece que não há nada de grave. Foi registrado aqui que há uma nova marca em você, melhor dizendo, uma cicatriz apareceu do nada no seu pescoço.

Então eu, Louis, Zain e Lya nos entreolhamos. Toquei no meu pescoço. Foi resultado da facada que levei daquela garota, no corredor do dormitório. Jamais esquecerei.

- Er... Pessoal? Por que fazem essas caras? –Dave perguntou percebendo que havia algo estranho.

- Não é nada não! –Disse Lya. –Ah, primo, por que você não vai logo para casa? –Ela se dirigiu para Zain.

- PRIMO?!?! –Eu e Louis exclamamos. Os dois se entreolharam.

- Ah... A gente nunca contou à vocês? Eu e Lya somos primos. Eu bem que havia estranhado o comportamento dela nos últimos anos... Quando eu e Lya nos reencontramos eu descobri que na verdade era o “NPC” dela no lugar...

- Por vocês não nos contaram antes que já se conheciam?!–Louis exclamou, visivelmente irritado.

- A gente queria, mas só no momento certo... –Disse Lya tentando rir um pouco.

Começo a ter uma crise de tosse.

- Masao, Masao! –Dave exclama. –Sente-se um pouco. Você não deve passar por grande estresse senão seu estado físico pode piorar!

Dave e Louis me ajudaram a sentar em uma das cadeiras.

- Bem gente, eu tenho que ir para casa no momento. Masao, fico feliz que você, meu melhor amigo, está bem! Até mais tarde!

Então Dave se despediu rapidamente e foi correndo até sair do meu campo de visão.

- Lya... E a história de eu ser o sucessor do rei de Cartas Queimadas?

- Sabia que você ia perguntar. Tome esta chave.

Lya me dá uma chave roxa. Era decorada e um pouco fofinha demais.

- Todos estão libertados, porém, o mundo é seu. Decida o que fazer com ele.

- T-tá...

- Agora vamos, Zain! Me desculpem, Louis e Masao, mas eu não posso perder o próximo trem para Nuremberg. Minha transferência será concluída daqui há um mês, então vejo vocês na escola!

- Foi um prazer conhece-los! Vamos nos ver brevemente! –Disse Zain com um sorriso.

Então os dois foram para a estação de trem. Eu e Louis ficamos no hospital. Houve aproximadamente 1 minuto de silêncio.

- Eu sempre achei que ter ido parar no jogo foi muito azar meu. –Eu disse enquanto sorria um pouco.

Louis se virou para mim.

- E não foi?

- Pensando melhor, não. Posso ter me machucado muito, porém, eu conheci todos vocês. Eu era muito antissocial. Graças a vocês eu me socializei um pouco mais. Obrigado.

Louis arregalou os olhos. Ele retribuiu um sorriso calmo, e logo em seguida me abraçou.

- Bem, você precisa descansar. Vamos voltar para o seu quarto no hospital.

Um vento frio surgiu. Eu e Louis fomos subir até o meu quarto, onde minha tia, Senhora Muffim, ainda estava lá, conversando com uma enfermeira.

- Oh, você voltou! Então, ela já foi?

- Já... O nome dela é Lya, ela é recém-transferida do meu colégio. Veio pedir... umas... Er... Informações sobre o colégio.

- Ah... Entendo. E quem é esse lindo garoto? –Disse a senhora Muffim enquanto olhava para Louis.

- Aaah, esse é o presidente do conselho estudantil do colégio. Ele soube do que aconteceu comigo, e veio saber se eu estava bem.

- Muito prazer. –Disse Louis enquanto fazia uma reverência.

Me deitei na cama.

- Ah, antes que eu me esqueça. –Disse Louis pegando uns doces bem embalados do bolso. –Para você.

- Doces?! Obrigado, obrigado, muito obrigado!

- Eu trouxe porque você já podia comer esse tipo de comida...

- Obrigado, Louis. Você agora é meu melhor amigo. –Sorri.

Ele se espantou um pouco, mas em seguida retribuiu o sorriso. Apertamos as mãos.

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Dois meses depois eu voltei à escola. Me sentia como se não tivesse a frequentado há anos. Havia algumas cicatrizes ainda em minha cabeça, e cada arranhão, cada gota de sangue meu desperdiçada, eu lembrarei. Louis estava no conselho estudantil, e eu passei lá para dar um olá. Assisti toda a aula com uma forte dor de cabeça. Lya fez questão de sentar ao lado, assim como Dave. Depois das aulas fomos todos até uma exposição no shopping mais próximo, e tomamos milk shake.

- Ei, Lya, me diga... –Eu disse.

- Fale, Masao.

- O que achou de toda a nossa vida em Cartas Queimadas?

- A princípio eu achei horrível... Tinha medo de ficar serva do rei para sempre. Mas quando encontrei vocês, a esperança reviveu em meu coração. E eu não sou mais uma hikikomori.

- Eu também me socializei melhor... E você Louis, o que achou?

- Acho que... Meu coração descongelou... Eu acho...

Olhei para ele surpreso. Ele estava sendo sincero, será? Levantei minha mão esquerda.

- Então... Somos melhores amigos, até mesmo em outras dimensões... Não é?

- Sim! –Os dois disseram ao mesmo tempo.

Nisso Dave volta com mais dois milk-shakes.

E assim foi o fim de nossa jornada. Ou seria apenas o começo? Quem sabe... Nunca saberemos o amanhã, mas seja lá o que acontecer, estamos prontos e juntos. Todos nós. Melhores amigos.

- Ficou muito bom mesmo! –Disse Zain.

- É verdade, ficou muito bom. –Disse Lya, com os olhos brilhando.

- Ficou muito criativo. Só acho que poderia detalhar mais a luta com o rei, não é? –Disse Louis.

- Pois é... Mas eu não queria colocar muitos erros meus. –Respondi.

Estávamos na cobertura do prédio. Era inverno de 2020. Estava eu, Louis, Zain e Lya. Eu tinha me formado há um ano como escritor em Tóquio. Lya trabalha agora como modelo em início de carreira. Zain virou músico. E Louis virou escritor, assim como eu. Trabalhamos juntos agora.

- Mas você acha que as pessoas realmente vão acreditar nessa história? –Perguntou Zain.

- Não importa se não acreditarem. –Respondi. –O que interessa é que eu sou um escritor de mistério e fantasia. Desde que o público se agrade já fico satisfeito.

- Eu ainda não consigo acreditar que você narrou toda a nossa história de lá de 2014, detalhe por detalhe. Memória de ferro!

Então todos nós demos risadas. Peguei a chave de Cartas Queimadas que ainda estava comigo. Segurei muito forte.

- Irá usar um dia? –Louis perguntou.

- Não sei... Talvez um dia eu use. Talvez um dia eu queira saber o que há nesse mundo originalmente.

- Esperarei ansioso por isso. –Disse Louis.

Então continuamos a conversar, rir, comentar o livro. Ficamos entusiasmados quando fomos lança-lo. E estarei esperando o dia; o momento certo de eu usar a chave. Tenho certeza de que serei surpreendido. Algum dia. Junto com meus amigos. Meus melhores amigos.

                            -------------- FIM ---------------