Capítulo VII
Uma Questão Pessoal

Passei as costas da mão nos olhos para enxugar as lágrimas no que pensei ser a vigésima vez.Estava encolhida numa cadeira olhando a paisagem pela sacada desde o momento em que tinha conseguido garantir à Lúcia de que eu estava bem, então acho que estava ali a pelo menos meia hora.
O dia morno e ensolarado de repente não me parecia mais tão agradável assim.A imagem do corpo de Doria retumbava em minha cabeça toda as vezes em que eu piscava.Eu não conseguia encontrar uma razão para aquilo ter acontecido.E pensar que isso já vem contendo com vários narnianos antes mesmo da minha volta! Como será que Caspian estava lidando com aquilo? Imaginei-me em seu lugar por um momento:acordando todas as manhãs e recebendo a notícia de mais Narnianos mortos sem motivo aparente, temendo pelo o povo, temendo por seu filho que acabara de nascer!
Me sentia meio culpada agora quando pensava nas coisas que gritei para Caspian.No fundo, acho que ele realmente só queria me proteger! Chacoalhei a cabeça e tentei por meus pensamentos em ordem.
Eu já estava sabendo dessa questão das mortes, e já estava sabendo que algumas testemunhas diziam que era uma mulher a assassina.Já sabia de tudo isso, mais ainda não tinha dado muita importância mas, a partir do momento que vi o corpo frio e sem vida de Doria, tinha virado uma questão pessoal.
Eu descobriria quem estava fazendo aquilo e o porquê, decidi enquanto enxugava uma última vez minhas lágrimas.
Descobriria e acabaria com a vida de quem quer que fosse logo em seguida.Nem que isso custasse a minha própria.
...
Abri abruptamente a porta da Sala de Reuniões e entrei com passos firmes. Pude notar que a sala estava bem vazia, em comparação com a quantidade de pessoas que estavam ali à menos de uma hora atrás.
Como havia imaginado, Caspian estava ali.Lúcia e Edmundo também.Os dois, pude perceber, já estavam com as roupas típicas de Nárnia.Lúcia havia se livrado da camiseta e Oxfords e agora usava um longo vestido azul celeste,com uma faixa dourada que cingia-lhe a cintura.Os cabelos antes presos em duas firmes tranças agora estavam soltos e caiam em ondas em seu ombro.
Edmundo usava uma roupa similar a de Caspian.Uma camisa marfim, um colete amarrado com tiras de couro, uma calça cáqui afunilada e um par de botas de couro.Tudo do mais fino corte, claro, afinal ele também era da Realeza.
Acho que antes de eu entrar os três estavam envolvidos numa conversa, mas agora todos me encaravam de formas diferentes.Lúcia sorria, apesar de eu não estar com uma cara muito boa.Caspian me olhava com preocupação, talvez estivesse questionando minha saúde mental.Edmundo me encarava surpreso, não o culpo, eu mesma imaginava como eu estaria parecendo para um estranho.Cabelos despenteados, olhos inchados e vermelhos, vestido amarrotado e um olhar de um quase palpável ódio.Eu realmente devia estar igual a uma louca.Mas mesmo assim eu senti meu rosto corando por causa da intensidade do olhar de Edmundo.
–Izzie, você está bem? Sente-se conosco.-Pronunciou-se Caspian por fim.
O lancei um olhar meio irritado antes de responder com a voz mais calma possível (o que acho que não deu muito certo).
–Estou ótima, Caspian.Obrigado por me convidar para sentar-me com vocês.Achei que ia ter que ficar em pé enquanto vocês me encaravam como se eu fosse um trasgo. Muito obrigada.-Completei enquanto me adiantava e sentava na cadeira da ponta da grande mesa.
Um grande silêncio se seguiu depois da minha entrada triunfal.Eu apertava minhas mãos uma na outra por baixo da mesa tentando me acalmar até que alguém quebrou o silêncio:
–Caspian estava nos contando sobre como você se tornou Rainha. -Edmundo disse cautelosamente.
Levantei meus olhos e o encarei no mesmo momento.Ele quase nunca falava, era uma das primeiras vezes que eu o ouvia dizer uma frase completa.
–Sério?-Eu disse e ele é Lucia afirmaram com a cabeça.Encarei Caspian com um olhar irritado porém divertido.Ficar na companhia de pessoas estava me ajudando a melhorar e humor.-Caspian, não os mate de tédio, por favor.
Eles soltaram uma risada e eu sorri.Estava sendo tudo bem mais fácil do que eu havia imaginado.
–Não achei entediante.É muito legal.-Lúcia disse animada.
–Mesmo? E em que parte da história você parou, Caspian?-Perguntei com um um sorriso se formando em meu rosto.
–Na parte da batalha com os gigante do Norte.-Ele disse como se pedisse desculpas.
O sorriso que se formava em meus lábios logo caiu.Essa era uma parte da minha história que eu não gostava muito,na verdade, eu a odiava.
–Ah, essa parte.-Eu disse num murmúrio.
–Posso parar de contar se você não quiser ouvir outra vez.
–Não, está tudo bem.Já fazem oito anos que isso aconteceu, contando o tempo no meu mundo e o tempo aqui, já superei.-Menti enquanto soltava um suspiro.
Mas que grande mentira.Eu jamais esqueceria daquela dia em toda a minha vida.
Nesse momento, uma tímida Líliandil apareceu na porta:
–Caspian, preciso que venha comigo.-Ela disse parecendo meio nervosa.
–Claro.-Ele disse enquanto se levantava rapidamente.-Izzie, você sabe a história quase melhor que eu, poderia terminar de contar?Eu preciso ir.
–Tudo bem.-Eu disse enquanto ele sem dizer mais uma palavra saiu porta afora.
–Em que parte ele parou mesmo?-Eu perguntei enquanto minha mãos suavam frio.Eu realmente não gostava de falar sobre aquilo.
–Quando você montava em Doria e atirou a flecha no Rei os Gigantes.-Lúcia disse.
–Ah.-Comecei e sabia que se eu começasse eu não ia mais parar.Era bem mais fácil dizer tudo de uma vez.-Bem,foi aí que as coisas comecaram a ficar realmente feias.
"Os gigantes ficaram extremamente irritados e assim ficaram ainda mais perigosos.Eu queria descer e lutar com os outros, mas Doria não deixou eu ir, disse que era muito perigoso.Ficamos sobrevoando o campo de batalha enquanto eu acertava com as flechas o quanto eu conseguia.Foi aí que eu vi."
Um tremor percorreu meu coproduções quanto eu lembrava de cada detalhe, como se não tivessem se passado quase dez anos.
Os dois irmãos pareciam extremamente concentrados na montanha narrativa.Fechei os olhos, apertei os dedos, suspirei e decidi falar logo tudo de uma vez.
"Eu vi o então momento em que Daniel, o meu melhor amigo, foi ferido.Confesso que não foi muito grave, só um corte no braço.Mas isso o impossibilitou de se defender.Comecei a gritar e entrar em desespero.Insisti tanto que Doria acabou descendo para pegarmos o Dan e tirá-lo dali.Foi bem rápido:Nos descemos, ele subiu nas costas de Doria e eu subi logo atrás para evitar que ele caísse, já que ele estava machucado e não conseguia se segurar muito bem.
Logo estávamos no alto outra vez, continuei atirando minhas flechas e vez ou outra um oponente caia com uma flechada certeira.Parecia estar tudo bem, então os arqueiros do exército de gigantes entraram em ação e acho que logo nos localizaram pois de repente flechas preenchiam o ar à nossa volta.Doria era muito rápida, desviava com destreza de todas as flechas.Menos de uma."
Me engasguei com as palavras e senti meu coração palpitar cada vez mais forte.As lembranças pareciam tão nítidas.Aquela antiga dor parecia tão palpável!
"A única flecha que ela não conseguiu desviar, foi a a fecha que acertou Daniel, bem no estômago.Ele caiu no mesmo momento e mais uma vez, eu fui atrás.O corpo dele caiu num lugar mais afastado de toda a batalha e parecia seguro ir para lá.Nó s descemos, e ele estava vivo."
–E o que aconteceu com ele? Por que ainda não o vimos por aqui?-Perguntou Lúcia parecendo preocupada.
Encarei Lúcia com um olhar triste enquanto sentia meus olhos ficarem marejados.
–Ele morreu, Lúcia.E eu o vi morrer enquanto segurava sua mão.-Eu disse com a voz embargada.Respirei fundo e tranquei o choro no fundo da garganta.Não iria chorar ali, não na frente dos dois.
–Sinto muito.-Ela sussurrou abalada.
Ergui meus olhos e percebi um par de olhos escuros me encarando com compaixão e logo me senti aquecida por dentro.Aqueles olhos pareciam armadilhas infalíveis.
Mas por que é que ele mexia tanto comigo? Por que é que aquele Reizinho que eu nem conhecia fazia eu me sentir assim?
Eu nao precisava fazer essas perguntas para mim mesma, eu sabia o que estava acontecendo comigo, e não iria deixar que acontecesse.Não depois de já ter entregado meu coração para alguém.
Sim, eu amava Daniel.E deixei que ele morresse sem que soubesse disso.