Jogos Meio-sangrentos escrita por Lord Camaleão


Capítulo 28
Capítulo 28 - Plumas e garras


Notas iniciais do capítulo

Capítulo especial dedicado a quem ainda não está cansado da minha demora



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Annye Claire Todd – 8

Annye quase morreu fatiada por um disco dourado.

Ela poderia não ter aliados, mas não podia ficar sozinha. Portanto decidiu seguir alguma das alianças. Escolheu o filho de Afrodite e a garota de Dioniso: eles não eram um grupo grande, falavam bastante e sabiam lutar. Logicamente, eles eram mais atraentes para um outro tributo ou uma fera, mas conseguiriam livrar-se de oponentes externos, garantindo indiretamente proteção para Annye. Além disso, quatro olhos eram piores do que nove, a exemplo dos Carreiristas, logo, seria mais difícil encontrá-la. Ao menos era o que a Caçadora pensava.

No entanto, a ideia de ser uma aliada fantasma não parecia tão genial agora. Depois que a garota de olhos bicolores desconfiou de estar sendo seguida e começou a praticamente desmatar a floresta com um frisbee, a Caçadora hesitou em continuar atrás deles. Mesmo assim, queria saber para onde iriam, o que encontrariam, como sobreviveriam.

Correu em direção à luz quando ouviu o borbulho alto. Se eles tiverem se afogado na chuva ou atacados – e agora estavam engasgando no próprio sangue –, Annye precisava pegar seus suprimentos.

Não encontrou nada, a não ser um lago cintilante. Claro, aquilo não era pouca coisa, mas não alimentaria a fome que ela teria daqui a pouco ou a ajudaria a matar seus adversários imbecis.

Annye tocou a superfície cristalina. Seu dedo curiosamente quis procurar o fundo do lago. A garota recolheu a mão quase instantaneamente. Aquilo poderia ser uma armadilha. O casal de Afrodite e Dioniso poderia ter mergulhado e sucumbido, ou simplesmente seguido em frente... ou ter se escondido, à espreita de um adversário solitário. A Caçadora deu um giro de 360 graus, olhando para copas de árvores, troncos e arbustos. Nada.

Voltou sua atenção mais uma vez para o lago. Descobriu que queria mergulhar, por mais ridículo que isso parecesse. Mas poderia ser uma armadilha, afinal, aquilo era uma Arena.

Procurou algo para testar a segurança do lago cintilante. Havia paus, pedras e folhas em meio à tempestade já findada do Dia de Zeus. Mas um ovo chamou a atenção de Annye. Branco, porém sujo de lama, ele parecia sozinho em meio ao ambiente úmido. A garota o pegou e tirou um pouco da sua sujeira.

– Parece que você também foi deixado aqui para morrer – ela aninhou o ovo entre as duas mãos.

Quase instantaneamente, um animal apareceu por entre os arbustos. Um pavão feio. Era uma fêmea, a mãe do ovo.

– Parece que você deixou este pequeno rolando pela lama – disse Annye à ave cinzenta. Em resposta, o pavão grasnou – Vejo que vocês, pais, não sabem mesmo como proteger seus filhos. Deixando-os pelo chão sujo, sendo castigados pela chuva e permitindo o frio estremecer a fina casca que os protege.

De repente, o pavão mais parecia com o pai de Annye do que com uma ave.

– Você, sua penosa irresponsável, não priorizou seu pequeno ovo! Talvez tenha deixado um pavão com sua enorme cauda verde hipnotizá-la e tirar a sua atenção do que era mais delicado, do que mais precisava de você.

O pavão fêmea aproximou-se, grasnando baixinho.

– Pois saiba, que toda essa negligência, todo esse desprezo podem matar seu filhote... afogado – Annye jogou o ovo dentro do lago e o pavão cinzento grasnou. Antes que a ave aprendesse a voar e saltasse sobre seu rosto, a Caçadora jogou-se nas águas cintilantes.

O fundo do lago logo se tornou o céu e as bolhas logo se tornaram ar puro. Annye agora sentia o cheiro mar.

Concluiu que o lago era uma espécie de teletransporte. Da mata fechada e úmida a um solo rochoso e com cheiro de sal. Andou pouco até descobrir que estava em um penhasco próximo ao mar. Deitou-se no chão duro e usou os braços como travesseiro. Percebeu que estava molhada, porém a salvo, mas o ovo perdera-se na viagem.

Callista Hastings – 13

Os olhos de Philipe ainda estavam inchados. Passaram a noite inteira correndo, mas quando o rosto de Mayline surgiu no céu ele não aguentou.

Callista emprestou seu saco de dormir para ele e Damon dormirem. Os garotos eram magros e ocupavam o espaço de um garoto musculoso. O sol nasceu e ela não conseguiu dormir. Provavelmente ainda não eram seis da manhã. Os espíritos conseguiram chegar até a Arena e as vozes que antes podiam ser ignoradas, passaram a atormentar a garota.

Dois deles discutiam se Callista era ou não culpada pela morte da aliada. A garota não se importava com a opinião deles, sabia que também morreria se tivesse ajudado Mac. Com isso, os garotos não teriam nenhum suprimento e provavelmente morreriam também.

Mas por que raios ela se importava com a sobrevivência de outras pessoas? Prometera a si mesma desde que fora sorteada que agiria sozinha e não se importaria com ninguém. Mas seu irmão idiota parecia querer que ela pensasse o contrário. Queria que ela se tornasse altruísta.

Callista levantou-se abruptamente quando ouviu passos. Uma dezena deles. Seus instintos e os espíritos diziam para ela subir em uma árvore e se se esconder, mas alguma parte inconveniente a fez acordar Damon e Philipe.

– Acordem – ela sussurrou – Não gritem, não falem, apenas subam em uma árvore.

Philipe rapidamente enrolou o saco de dormir e subiu logo atrás de Damon na mesma árvore. Callista subiu em outra logo ao lado.

– Droga – disse o garoto de Hefesto entredentes – Minha maleta.

Callista olhou para baixo, para uma maleta de ferramentas que ela pegara na Cornucópia. Com muita sorte os tributos que vinham não a notariam.

E então – uma voz feminina foi ouvida. Estava ofegante – Eu pensava que com aquele ar durão ela duraria mais. Mas ela foi estúpida o suficiente para morrer antes do veadinho.

Uma Carreirista. Apenas uma garota havia morrido até agora, então ela estava falando de Mac. Callista olhou para Philipe; os grandes olhos do garoto estavam vidrados na filha de Atena que se gabava. A filha de Hades fez um gesto para que o garoto se acalmasse.

Aquele era o bando Carreirista. Composto por cinco tributos, entre eles um ciclope. Todos peritos em armas e sem nenhuma hesitação para matar. Se eles encontrassem a aliança de Callista seria um massacre. Ela torceu para que eles não olhassem para cima.

Um garoto, do Chalé 3 parou a caminhada para analisar a maleta de ferramentas de Philipe. A filha de Hades torceu para que ele levasse o objeto, mas não. Olhasse. Para cima.

– Uma maleta – ele a abriu – Parece que temos um mecânico por perto.

– Só tem um filho de Hefesto vivo, deve ser o frangote – disse a garota de moletom vermelho.

– Vamos atrás dele então – disse o garoto de Poseidon – Ele não deve estar sozinho.

– Isso é ridículo – disse o garoto de blusa vermelha. Era alto e musculoso, então provavelmente era o líder dos Carreiristas – Nós temos que procurar os tributos fortes por enquanto. Vocês sabem quem são: a garota do Doze, o garoto do Dez, a garota do Treze...

O coração de Callista congelou. Os Carreiristas estavam atrás dela. Os cinco tributos mais fortes da Arena estavam atrás dela. A garota respirou fundo e continuou a observá-lo. Não conseguia ouvir o que ele dizia, mas avaliava seu rosto geométrico, seus ombros largos e seus olhos azuis gélidos.

Olhos que agora olhavam para ela.

As unhas de Callista arrancavam as cascas da árvore selvagem. Ele a estava encarando, assim como ela o encarava. A qualquer segundo ele iria mandar que alguém atirasse nela ou subisse para derrubá-la. Contudo, o líder carreirista apenas estreitou o olhar e voltou seu rosto para seus aliados. Poucos segundos depois, partiram para uma direção diferente da que vinham, para longe da árvore de Callista.

Minutos depois os garotos desceram e ela percebeu que já estava segura. Pediu para que Philipe tomasse mais cuidado com sua maleta e que Damon carregasse a mochila com o saco de dormir. Ela decidiu seguir para Nordeste, para um caminho perpendicular ao seguido pelos Carreiristas. Pediu para que os garotos procurassem por algum animal no caminho.

Evitou falar sobre o olhar que recebera do garoto loiro, mas as vozes ameaçadoras dos espíritos não deixavam de preencher seus ouvidos.

Brandon York – 1

– Estou com fome – disse Valentina – Pela altura do sol deve ser meio-dia.

– Vamos caçar alguma coisa – disse David pegando a espada – Ou alguém.

– Ainda não cheguei no nível de cometer canibalismo Dave – Valentina pegou seu arco – Ainda. Vamos, antes que eu desmaie.

– Pessoal – Brandon interveio. Ainda sentia-se tímido em relação aos outros aliados. Até Josh, quando era vivo, o intimidava. Ele era o mais novo da aliança, e um dos tributos com menos idade: apenas 14 anos – S-se não perceberam, este é um santuário de aves. Aves são comestíveis. Podemos matar algumas e comermos.

– São aves de Hera, Brandon – Elena revirou os olhos –, acha que ela ficaria feliz se assássemos suas galinhas no almoço?

– Se não fosse para a comida, esses pássaros não teriam serventia nenhuma. Se estão com medo de degolar um frango, eu mesmo faço isso.

Brandon não acreditava no que estava dizendo, nem no que iria fazer.

A primeira ave que encontrou foi um faisão dourado. Era lindo, uma galinha com uma longa cauda pintada, peito avermelhado e o que parecia um aplique loiro no topo da cabeça. Pegou o animal com as duas mãos, ele não se debatera. Procurou no bolso o canivete que David conseguira para ele no Chifre de Aqueloo. Seus aliados estavam paralisados, como se eles que estivessem prestes a serem mortos.

O pescoço do faisão era coberto por camadas de penas que pareciam cascas de lápis feitas por um apontador. Brandon inseriu a lâmina do canivete em uma dessas camadas e o faisão esperneou. Suas pernas finas agitaram-se e o animal engasgou até morrer. As mãos de Brandon estavam sujas.

O filho de Zeus olhou para os lados e viu que não só seus aliados, mas também as outras aves o fitavam de olhos arregalados. Após um segundo de contato visual, um dos pavões ergueu sua cauda em forma de leque e as demais aves fizeram o mesmo, eriçando-se.

E, literalmente, num piscar de olhos, todas as aves passaram a ter seus globos oculares tomados pelo vermelho. Cada pavão, ganso ou codorna agora fitava Brandon e o faisão morto com o que pareciam dois rubis.

Então um pavão grasnou, dando a ordem para o ataque.

Penas coloridas e cinzentas espalhavam-se pelo viveiro. Brandon não viu mais nada além de aves pulando em seu rosto. Ouviu David sacar sua espada e decepar a cabeça de mais algum animal, mas Brandon apenas ouviu. Cobria-se com as mãos, mas as garras e os bicos eram muito fortes. E no momento em que ele ergueu o braço esquerdo para socar uma galinha, um dos pássaros cravou seu bico no olho esquerdo do garoto.

Brandon gritou alto. Soltou um urro ainda maior quando a ave retirou o bico, fazendo escorrer sangue pelo rosto do menino. Ele agora preocupava-se apenas em cobrir-se, mesmo que seus braços estivessem feridos e a blusa começasse a ser rasgada.

Dois pares de mãos o erguem do chão e o fizeram andar. Cobriram-no com o capuz de seu moletom e pelo passo apertado, queriam que ele corresse. Estavam saindo do Viveiro. Os pássaros voavam sobre ele, mas as mãos de seus aliados empurraram e socaram as aves até eles saírem do lugar.

Brandon sentiu novamente o ar da floresta e não mais os bicos e garras. Parecia que as aves não podiam sair do santuário de Hera. Ele retirou os antebraços do rosto e o vento, batendo em sua ferida, o fez gritar novamente.

– Bran – a voz de Elena o fez parar –, deixe-me ver seu olho.

Ele abriu o direito, que lacrimejava, enquanto tentava abrir o esquerdo. Ao ver o rosto preocupado da filha de Deméter, chegou à mesma conclusão que ela.

– Lamento, Bran. Creio que você não voltará a enxergar por esse olho. Mas precisamos lavá-lo antes que infeccione.

– Eu... - Brandon balbuciou enquanto seus joelhos iam de encontro ao chão – Não consigo...

David o pegou nos braços e começou a correr.

– Vamos encontrar a praia em breve – disse o filho de Dioniso.

Não encontraram o mar, mas sim um lago. Brilhante, parecia feito de cristal.

Brandon curvou-se diante da pequena poça. Sentia-se ridículo, arrependido. Mergulhou o rosto, como um avestruz. As águas cristalinas faziam sua ferida arder, mas era uma sensação prazerosa, convidativa. Mergulhou também a mão esquerda, para eliminar a crosta de sangue que se formara ao redor do globo ocular. No entanto, sua mão sentia uma vontade incontrolável de chegar ao fundo do lago. E numa fração de segundos o garoto se viu imerso na água.

Sentiu mãos puxarem suas pernas, mas elas não eram tão fortes quanto a força da água. Mais mãos se juntaram, sem surtir efeito.

Ele não sabia se queria ser salvo. Se queria voltar à superfície e continuar vivendo, lutando. O lago brilhante não perguntou isso a ele e logo Brandon emergiu em um outro lago. Seu olho direito viu macieiras e várias outras árvores frondosas. Obviamente não era o mesmo local onde estavam. O lago era um portal.

As garotas emergiram, seguidas por David. Sua aliança agora deveria primeiro se secar, e depois descobrir mais sobre aquele pomar.

Jason Styles – 7

Já era noite quando Jason e Reyna encontraram Leah. Ela estava há um dia inteiro sem comer, os lábios secos e ainda chorando. Reyna caçara uma lebre e ainda mantinha algumas costelas assadas nos bolsos. A filha de Hermes deixou os ossos limpos.

– Estava com muito medo de alguém me encontrar – disse ela, sentando-se no chão – Eu estaria armada apenas com essa espada árabe. E acreditem, ainda não sei manejar isso direto, principalmente com meu estado físico.

– Você viu quando John morreu? – perguntou Reyna oferecendo-lhe água.

– Pessoalmente – respondeu ela, sem lágrimas nos olhos, apenas com um olhar vago. Leah parecia já cansada de chorar – Hannah o matou. Ela me ameaçou também, então pode-se dizer que ele morreu por minha causa.

– Não, não, não – Reyna a abraçou – Os Jogos são assim, Leah. Estamos aqui para morrer. A verdade é horrível, mas é assim mesmo que ela é.

Leah e Reyna já dormiam quando Jason ouviu os mugidos. Ele estava de vigia, então pensou que os sons eram frutos de uma mente sonolenta. Mas um flash em forma de presságio veio, uma imagem de vários cascos afundando o chão da floresta.

Jason pensou em seguir os sons, mas teria que deixar sua aliança sozinha. Não iria ser vencido pela curiosidade.

Os sons tornaram-se mais audíveis. Os mugidos aproximavam-se. Logo Jason pôde ver a primeira vaca: branca, com manchas negras com formato de flor de lótus. As demais eram semelhantes, a mesma cor, o mesmo padrão de manchas. Pararam a menos de dez metros de Jason.

Começaram a pastar algumas plantas baixas em meio às árvores. Jason notou que dois ou três bezerros recém-nascidos mamavam em suas mães. Ele teve uma ideia.

Vacas eram o símbolo de Hera. Aquele fim de noite era de Hera. Isso só podia significar que aquele rebanho era uma dádiva da deusa.

Jason bebeu o último gole da garrafa d’água de Reyna e andou em direção às vacas. Viu uma que acabara de dar de mamar. Agachou-se esguichou uma teta contra a garrafa. Dentro de poucos instantes o recipiente estava cheio. Jason voltou ao local onde as meninas dormiam.

De repente, outra ideia veio-lhe à cabeça. Pegou sua espada e procurou uma vaca. Uma gorda e que não estivesse amamentando. Não demorou muito a escolher. Jason nunca havia matado um animal grande antes, mas não poderia ser difícil.

Antes de incidir a espada, demarcou um ponto no pescoço do animal. Uma pequena mancha em formato de flor. A vaca olhou com seus grandes olhos negros para Jason. Parecia saber o que lhe aconteceria.

Então a vaca soltou um longo mugido, logo engasgado pelo sangue que preenchia sua garganta e escorria pelo chão. A vaca se debatia e demorava a morrer, Jason estava inquieto. Cortou pela segunda vez a garganta do bovino.

Todas as vacas pararam de comer e olharam para o filho de Apolo e sua companheira morta. Jason olhou nos olhos dos animais e percebeu que não mais estavam negros, mas vermelhos como quartzo. Então todas elas mugiram em uníssono e Jason correu.

Partiu em direção contrária às suas aliadas, para que as vacas não viessem a feri-las. Provavelmente elas já estivessem acordadas devido ao barulho. Os animais corriam atrás dele, furiosos. Em poucos segundos o alcançariam.

No entanto, o hino a Gaia soou e as vacas pararam. Jason olhou para a manada, que fitava o céu estrelado. Quando a última nota do hino tocou, todas elas desmancharam-se em flores de lótus. Então a mesma voz do dia anterior anunciou:

Este é o terceiro dia, o dia de Poseidon.


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