Jogos Meio-sangrentos escrita por Lord Camaleão


Capítulo 23
Capítulo 23 - Luzes desordenadas


Notas iniciais do capítulo

Confesso que demorei a postar porque a pouca frequência de reviews foi desmotivadora. Mas não vou abandonar a fic por isso. Escrevo para vocês sim, mas também escrevo pra mim. E eu quero terminar essa fanfic. Espero que gostem das Entrevistas, apesar de nem todos os tributos aparecerem. Não fique desapontado se o seu não aparecer, procuro sempre distribuir atenção igualmente a todos.



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Reyna Mackenzie – 1

Uma palavra que descrevesse Reyna naquele momento: dourada.

Myra, a venti estilista dela e de Brandon não economizara no brilho. O vestido de Reyna para as entrevistas parecia ser banhado a ouro em pó. Era justo, longo, com apenas uma alça em forma de raio. Seu cabelo fora escovado, enrolado e posto sobre o ombro direito enquanto a orelha esquerda era decorada com longo brinco vertical dourado.

As empousai que a maquiavam não paravam de tagarelar. Elas trocavam ideias com Ganímedes. O Representante usava um paletó violeta, calças boca de sino da mesma cor e um longo cachecol azul no pescoço.

– Vejam como o dourado destaca os olhos dela! – ele se aproxima e Reyna percebe o pó brilhante na mão de uma delas.

– Estão ponto ouro nos meus olhos? – Reyna pergunta, um pouco desesperada.

– Sim, benzinho, sei que chama muita atenção, – diz uma delas, a com lábios verdes –mas não se preocupe, usaremos apenas gloss transparente em seus lábios.

– Obrigada por se preocuparem com minha discrição – Reyna revirou os olhos.

– Reyna, amor, hoje é o dia das Entrevistas! – disse Ganímedes, empolgado – Monstros e Patrocinadores ouvirão o que você tem a dizer! Você será a primeira a ser entrevistada, então deve ser marcante, para que nenhum dos outros vinte e três ofusque seu brilho! Agora vamos relembrar o que você deve falar. Já treinei com Brandon e ele está afiadíssimo, garanto que irão amá-lo.

– Vão rir dele, isso sim. Nenhum garoto sério usaria um paletó coberto de glitter e uma gravata de ouro espelhado – Reyna moveu os olhos até a cadeira ao lado, onde o cabelo do irmão era penteado por outra empusa.

– Em contrapeso à grande informação, ele usa uma camisa preta, calças pretas e sapatos pretos – disse o Representante, com ar de triunfo – Agora relaxe, levante-se e se olhe no espelho.

Reyna tentou não parecer surpresa. Ergueu um pouco o queixo, notando a maquiagem reluzente e a delicadeza do longo brinco. O vestido ajustava-se bem ao seu corpo, e isso não era problema. Ela tinha a cintura tão fina ou fizeram-na parecer tê-la? Havia um pequeno corte na barra do vestido, revelando um pouco de sua perna esquerda e um sapato de um dourado mais escuro. Ok, deveria admitir: estava atraente. Myra e suas Preparadoras a evoluíram de uma carrancuda adolescente de dezessete a uma bela mulher de vinte e três.

– Ah se eu fosse hétero... – disse Ganímedes, despertando-a de suas observações.

– Ok, o espelho deve estar cansado de mim – Reyna virou-se – Vamos?

Eles foram os primeiros a sair. Apenas Ganímedes e Myra acompanhavam os tributos do Um na liteira.

– A sede da TV Hefesto não fica muito longe – disse a estilista, assobiando. Ela tinha cabelos armados e usava sempre saias que arrastavam no chão. Além disso, tinha uma voz sussurrante e frígida que Reyna odiava.

– Existe TV Hefesto no Acampamento dos Monstros? – perguntou Brandon, incrédulo.

– É... Sim! – disse a venti, com uma careta.

Reyna olhou para o irmão e supôs que ele estava pensando o mesmo que ela: eles “sequestraram” a TV Hefesto. Sob ameaça de ter o Acampamento Meio-sangue atacado, o deus ferreiro deixou que os monstros assistissem suas programações e que os Jogos fossem transmitidos para todos os lugares.

A sede era um prédio grande, bem iluminado. Havia um aglomerado de monstros na entrada, certamente para comporem a plateia. Sua liteira e mais outras três pararam. Um nascido da terra, que era aparentemente o segurança, conduziu os transportes até uma área reservada. Era onde desceriam.

Junto a Reyna e Brandon, os tributos do Três, Nove e Treze também vieram. Ela analisou cada um.

O garoto filho de Poseidon e seu característico nariz empinado apresentavam elegância. O paletó azul safira tinha conchas, cavalos marinhos e algas tracejados com linha azul-marinho. As calças eram pretas, assim como sua gravata slim sobre a camisa branca.

O ciclope vestia calça de mesma cor, mas seu paletó era uma piada. Em cores fortes como uma toalha de praia, peixinhos dourados se movimentavam no fundo de um aquário, como se a peça de roupa fosse um vídeo do Animal Planet.

Como se podia imaginar, as roupas dos filhos de Hefesto eram flamejantes. O garoto usava terno e sapatos prateados. O tecido não se movimentava como habitualmente, então Reyna supôs que era feito de fios de ferro. Ele não usava gravata, mas sua camisa parecia uma fogueira viva: ela usava a mesma tecnologia que o terno de Peter, mas exibia belas chamas avermelhadas no lugar de peixes-palhaço.

Já a garota parecia emanar calor de seu vestido feito de lava. Ele não tinha alças e parecia que lava vulcânica havia sido derramada sobre ela. Mas seu rosto fechado e seu batom vinho davam a impressão de que a filha de Hefesto era forte demais para sucumbir a um vulcão.

– Uau – disse a garota, Mayline, para os tributos do Chalé 13 – Vocês estão bem... dark.

Os filhos de Hades mais uma vez abusavam do preto. O garoto usava um smoking completamente preto, sem nenhum detalhe que chamasse atenção, a não ser suas luvas pretas com ossos desenhados, de forma que ele parecesse ter mãos esqueléticas. Seu cabelo fora mais uma vez penteado para trás, sua pele branca maquiada para parecer mais pálida ainda e seus olhos tracejados com lápis de olho.

A garota, Callista, usava um vestido inteiramente negro, que deixava apenas pescoço e mãos de fora. Podia-se notar as mangas e o busto mais transparentes, com bordados de renda. Mas o que mais chamava a atenção era o corpete feito de costelas. Sim, ossos revestiam o tronco da garota. O visual era completado por seu cabelo escuro penteado meio-a-meio, caindo sobre os dois ombros e uma maquiagem escura.

Os filhos de Poseidon logo entraram, acompanhados de sua Representante e estilista. Os semideuses do Nove e Treze logo reuniram-se em uma panelinha, os garotos provocando um ao outro, as garotas conversando baixo.

– Vamos entrar, meninos. Os outros devem chegar logo – Ganímedes conduziu Reyna e Brandon.

O camarim tinha cerca de doze cadeiras e espelhos disponíveis para retoca de maquiagem. Além disso, longos sofás em forma de C para acomodar os entrevistados. Reyna sentou-se em um canto.

Viu Brandon acenar para alguém que chegava. Eram os filhos de Deméter, seus aliados. Reyna assustou-se ao pensar, à primeira vista, que Elena estava nua. Mas na verdade ela usava um vestido longo de mangas compridas com a mesma cor de sua pele, com ramos verdes circulando seu corpo. Era como se as plantas dependessem dela. O garoto, Josh, usava um terno verde musgo, além de uma gravata de trigo tecido.

Reyna esperou seus aliados. Queria conversar, aliviar o estresse. Estava nervosa para as Entrevistas. Quem seria o entrevistador? O que ele iria perguntar? Será que ela iria gaguejar como uma idiota e destruir a imagem sedutora e confiante que sua estilista e preparadoras construíram? Não, não podia deixar que isso acontecesse. Ela seria a primeira, então deveria deixar sua marca, para que os vinte e três seguintes não fizessem o público esquecê-la.

Olhou para a pulseira que usava. Nunca a tirava. Era um presente da mãe, a única coisa que tinha dela. Era banhada a ouro e tinha um pingente em forma de raio. Ficou girando-a no pulso, lembrando dos tempos de criança e do amor que a empresária, além de quase não ter tempo, expressava. A voz fanha de um telquine a chamou.

– Você entra em dois minutos.

Reyna olhou em volta. Todos haviam chegado, inclusive Jason e os garotos de Hermes. Ele usava um terno branco, camisa dourada e uma margarida na lapela. Leah usava uma saia longa de cintura alta e um top de mangas compridas, ambos feitos de pele de cobra. John por sua vez usava um terno marrom com textura xadrez discreta, além de sapatos pretos de couro com asas acopladas. Sua gravata também era de pele de cobra.

Queria falar com eles, mas Myra vinha até ela, com um estojo de maquiagem.

– Está preparada? – disse ela retocando o gloss da semideusa.

– Não sei.

– Está sim. Você é filha do Rei do Olimpo, nada pode atrapalhá-la. Confie em si mesma.

– Reyna Mackenzie, Um! – chamou o telquine – Prepare-se!

– Boa sorte – assoprou Myra no ouvido de Reyna.

Ela levantou-se, cambaleando um pouco. Sentiu os olhos de todos os tributos, representantes e estilistas sobre ela. Tentou não olhar para eles, mas sim reconstruir o rosto frio que a acompanhava quase sempre. Andou até a porta que levava ao palco e esperou o entrevistador chamá-la.

– Recebam, com muitos aplausos, Reyna Mackenzie, do Chalé 1!

Reyna entrou e as luzes do palco quase a cegaram. O chão era escuro e as paredes do palco eram na verdade um imenso telão de led que exibia imagens suas no Desfile, no treinamento, na Simulação de Combate, além de um grande número 1.

A imensa plateia de mais ou menos quatrocentos monstros a aplaudia. Ela não quis olhar para eles. No centro do palco um tapete vermelho e dois divãs não muito próximos que formavam um ângulo de noventa graus, ambos de cor branca. Próximo a um deles uma mulher, uma entrevistadora.

Reyna nunca a vira antes, mas suas feições a denunciavam. O cabelo negro, o colar com pingente de sino, o vestido de penas azuis reluzentes e uma cauda de pavão. Os olhos verdes que expressavam o profundo ódio por filhos bastardos de seu marido, apesar do sorriso vermelho e caloroso.

– Hera. – Reyna balbuciou, prestes a sentar-se no divã.

– Haha, garota muito inteligente! – a deusa do casamento sorriu para a plateia, que aplaudiu.

Ela estava fingindo. Fingindo que gostava de Reyna, fingindo que gostava dos monstros. Estava sendo chantageada. A garota viu que a imagem da deusa às vezes era menos nítida, pois estava brigando com sua personalidade romana. Ela estava fraca, mas seu ódio não.

– Então, Reyna, vamos começar nossas entrevistas de hoje com você. Começaremos com chave de ouro pelo visto. Belo vestido!

– Obrigada – sussurrou Reyna tímida. Não, ela não podia ser tão reservada assim. Deveria se impor, deveria fazer com que as pessoas a notassem – Matou quantos pavões para fazer essa beleza que está usando?

– Hahahaha Reyna, você é uma graça! – Hera gargalhou, mas seus olhos diziam claramente “Vá com calma, bastarda estúpida” – Como se sente representando o Chalé de Zeus nos Jogos? Quero falar de seus irmãos no Acampamento. Acha que estão orgulhosos de você?

Então Reyna não conseguiu mais fingir. Falou sobre Thalia, sobre Taylor e Walter. Como os amava. Falou sobre a pulseira que usava, sobre a mãe, sobre a saudade que tinha de casa. Falou sobre os aliados e que a única coisa que queria naquele momento era que nenhum dos quatro morresse.

Talvez ela tenha sido natural demais, fraca demais. Mas quando levantou-se e recebeu os aplausos, Reyna percebeu que tinha sido ela mesma.



Elizabeth Maryan Lopes – 7

Liza estava nervosa como de costume. Esteve nervosa na Colheita, esteve nervosa no Desfile e no Baile. Esteve nervosa na Simulação e seu nervosismo a fez errar algumas flechas na Avaliação Individual.

Ela usava um vestido curto, um pouco acima dos joelhos. Ele era rodado e tinha alças finas. Além disso, era todo feito de margaridas. Todas juntas, justapostas, sem deixar aparecer o que tivesse de ser coberto. Liza era um canteiro de margaridas de Delfos.

Estivera acompanhando todas as entrevistas até então. Brandon do Um era esperto, um pouco tímido e cheio de frases consistentes. O ciclope de Poseidon arrancara várias gargalhadas do público, enquanto o outro garoto, Noah, conseguira suspiros e aplausos.

Elena se mostrara uma garota determinada, e apesar de não comer o próprio vestido como no Desfile, conseguira bastante atenção do público. Seu irmão Josh gaguejara algumas vezes, mas ele era adorável e tinha olhos bonitos, então alguns poderiam gostar dele.

Hannah usava um vestido branco, curto e um tanto colado. Mas por cima dele um outro vestido, longo de renda vermelha, que cobria pernas e braços. Não era um vestido que lembrava Ares, mas que acentuava o ar ameaçador da menina. Seus cabelos estavam arrepiados com estilo e ela usava pequenos brincos em forma de faca. Na entrevista, ela falou o quanto era boa e que seus concorrentes deveriam temê-la. Estava se vangloriando, claro, mas não mentia.

Ethan trajava um paletó de couro preto, com tachinhas, quase uma jaqueta. Sua gravata vermelha não fora amarrada, como se ele não tivesse tido tempo para isso e não se importasse. Ele não falara muito, nem se vangloriava como a irmã e falava sobre suas habilidades como se não precisasse se promover. E não precisava mesmo, já que ele conseguira primeiro lugar no ranking. Quando se levantou, o público o aplaudiu e ovacionou ao ver que em suas costas, escrita de vermelho, estava a palavra “Morram”. Liza se perguntou para quem seria aquilo.

A entrevistada da vez era Gabrielle, irmã de George. Ela estava linda e sombria. O vestido era feito de penas prateadas coladas umas nas outras, deixando o longo vestido justo. Ele tinha mangas compridas e deixava suas costas nuas. Uma trança lateral havia sido feita em seu cabelo e sombra cor de grafite rodeava seus olhos azuis.

– Como eu descreveria a mim mesma? – ela riu, mas não por simpatia – Sou inteligente. Não sou apegada a nada: objetos, lugares... pessoas. Todos são descartáveis. Também sou determinada. Por exemplo, meu objetivo agora é vencer os Jogos, então eu vou vencer os Jogos.

Liza sentiu vontade de cuspir com aquelas palavras, mas sabia que não conseguiria fazer isso. Gabrielle tinha personalidade, uma fria e calculista, mas ainda assim... uma personalidade. Elizabeth tinha sorrisos e gracejos, mas conseguia fazer apenas aquilo para esconder seu medo.

Era a vez de George. Ela tinha que admitir que seu aliado nerd estava até agradável. Seu cabelo arrepiado como palha fora, graças aos deuses, penteado em um belo topete. Usava um terno cinza e uma gravata de penas, nada que chamasse a atenção perto de vestidos de lava ou paletós com glitter. Ele iria ganhar o público com risadas e palavras inteligentes, não com o que estava vestindo.

Não demorou muito para que Liza ouvisse gargalhadas do público. Ela gostaria de rir também, mas seu estômago embrulhava por saber que era a próxima.

Perto dela estavam Dafne e Rosalya. A Representante usava um longo vestido cor de maçã-verde. Estava bonita. Ela passara horas se arrumando, penteando os longos, ruivos e verdes cabelos e realçando seus lábios carnudos.

– Acho que não vou conseguir – Liza disse para as duas.

– Isso não depende se tu te consideras apta ou não. Apenas deves ir ao palco – a linguagem antiga de Rosalya casava muito bem com seu longo e rodado vestido azul marinho, a trança sobre sua cabeça como uma tiara e a pele de lebre-gigante em seus ombros.

– Eu sei – Elizabeth assentiu, mordendo o lábio inferior colorido com batom-cereja.

– Elizabeth Lopes, três minutos! – um telquine com fones berrou.

Liza respirou fundo e arrancou algumas pétalas de seu vestido. Aliviava o estresse.

– Pare com isso – repreendeu Dafne com um meio sorriso – Assim vai entrar no palco nua.

– Elizabeth Lopes, prepare...

– Já sei! – Liza subiu ao palco e esperou a saída de George. Ele veio em sua direção, os olhos arregalados e com a boca que há poucos segundos era um enorme sorriso.

– Boa sorte, Lizzy – disse o aliado – Depois da primeira pergunta você fica mais aliviada.

Liza não respondeu. Porque um: estava muito nervosa para ser simpática e agradecer; dois: odiava ser chamada de Lizzy e George sabia disso.

Ouviu o sobrenome “Lopes” e soube que Hera a havia chamado. Subiu no palco.

Quando pôs a sandália com textura de pólen sobre o palco negro, um flash veio sobre seus olhos, uma previsão. Se viu caída no chão, as pétalas voando sobre seu rosto, o público prendendo a respiração e rindo.

Piscou os olhos, para afastar a visão, para se acostumar aos holofotes. Era apenas uma previsão alternativa que não se concretizara. Alguns filhos de Apolo desenvolviam bem o dom da profecia, mas Elizabeth não era uma adivinha em potencial.

Acalme-se Liza, seja simpática, você sabe ser simpática.

Respirou fundo mais uma vez e fez do palco uma passarela. Mandou beijos para o público, acenou para alguns e mandou corações imaginários para outros. Antes de sentar-se, parou em uma pose para uma câmera que disparava inúmeros flashes. Logo depois virou-se e acenou para uma câmera de TV, que estava transmitindo sua imagem para centenas de monstros, criaturas e semideuses.

Havia conseguido.

– Uau, Elizabeth, quanta presença de palco! – Hera a fitou com seus grandes olhos verdes e sorriu.

Elizabeth notou a falsidade em sua voz. Apolo era um bastardo de Zeus, ela não deveria gostar muito dele ou de sua prole. Mas Liza deveria dançar conforme a música, mesmo que Hera fosse uma boa dançarina.

– Ah, Hera querida, sou filha do deus do sol, estou acostumada com todo esse brilho. E me chame de Liza, por favor. Me sinto mais à vontade assim.

– Ok, Liza. Vamos ver um trechinho da sua Colheita e perguntarei algo para você, sim?

Hera olhou para a parede-telão do palco e Liza a acompanhou. Em imagem ampliada, Dafne pegava um papelzinho e pronunciava o nome do tributo feminino. Logo depois, a imagem era de Elizabeth levantando-se, um meio sorriso no rosto. O vídeo parou e Hera pôs-se a perguntar.

– Nas outras Colheitas vimos desespero, aflição, tristeza. Olhe bem para o seu rosto, Liza. Você está sorrindo. Por que essa reação?

Eu na verdade estava aflita, sua deusa rabo de pavão. Só não queria que meus irmãos vissem minha fraqueza. Queria que confiassem em mim.

– Porque eu tinha esperanças de vencer os Jogos. Eu tenho esperanças. Tenho forças e não são vinte e três oponentes que as farão diminuir – Liza respondeu e a plateia aplaudiu.

– Muito bem – assentiu a entrevistadora – Creio que todo esse seu otimismo seja a causa da nota 8 na Avaliação Individual e quinto lugar no ranking de tributos. Mas em contrapartida, seus dois aliados conseguiram colocações não muito boas. Rosalya, inclusive, foi a última colocada do ranking. O que diz a respeito disso?

E daí, vaca?

– Eu não acho que um teste possa medir totalmente a capacidade de um semideus. Você acabou de entrevistar George, ele é um cara muito esperto. Esperteza não se demonstra na frente de alguns jurados, mas sim na vivência real. Não subestimaria Rosalya se eu fosse você. Ela está nisso de viver pelas florestas, sobrevivendo, bem antes de eu sequer pensar em existir, portanto acredito no potencial dela.

Aplausos.

– Uma bela resposta, Liza Lopes – Hera sorriu – E uma última pergunta, para fechar nossa entrevista. Você a partir de quando foi sorteada até aqui, neste palco, sempre se mostrou alegre, entusiasmada e confiante. Na Colheita você aceitou bem vir para cá, no Desfile você estava literalmente radiante e agora está aqui ao meu lado, vestida de margaridas. Você por acaso estaria construindo um personagem, uma Liza feliz e determinada que atira flechas maravilhosamente e sorri para câmeras? E essa Liza que você constrói não serve para cobrir seu pessimismo e insegurança, seu medo de ser derrotada?

Vadia nojenta.

E agora? Ok, é só manter a calma e a pose. E minta, minta feio.

– Venho sendo eu mesma desde que fui sorteada, Hera. Não acredito que deva vestir um personagem, porque esse é um jogo, mas um jogo de vida real. Eu não vou vencer jogando beijos e sendo simpática. Faço isso porque amo o público, amo o carinho que recebo de toda essa equipe de Preparadores, Representantes e Estilistas. Mas eu vou vencer os Jogos... – Liza pensou em falar “matando pessoas”, mas aquilo não parecia apropriado apesar de ser a verdade – sobrevivendo. E vou sobreviver por vocês, por todos que estão me assistindo agora.

– Senhoras e senhores, essa foi Liza Lopes, do Chalé 7! – Hera se levantou, segurando a mão de Elizabeth, fazendo-a receber os aplausos e assovios do público – Adorei você, Liza! Que Tique lhe acompanhe nos Jogos!

Elizabeth acenou mais uma vez para o público, e saiu do palco, sempre acenando e soprando beijos. Havia conseguido.

Sua felicidade terminou quando seu rosto encontrou o chão e entrou no backstage rolando. Algumas previsões se cumpriam.

Pétalas brancas voaram quando ela respirou fundo. Tentava lembrar como se usava os braços para levantar enquanto as outras pessoas levavam as mãos às bocas espantadas. Mas uma mão a ajudou, uma mão esquelética.

Era o garoto do Treze, Damon. Liza segurou a manga de seu paletó preto enquanto ele puxava seu braço nu com as mãos enluvadas. Quando se levantou, ficou olhando para os olhos escuros contornados de preto do garoto.

Elizabeth tentava pronunciar a palavra “obrigada” quando Dafne surgiu, as mãos com um lenço úmido.

– Está bem, querida? Se machucou? Deixe-me ver seu joelho.

– Estou bem Dafne, vá desejar boa sorte ao Jason enquanto vou beber água.

– Já falei com ele. Jason é um garoto brilhante, não estava nervoso. Você se saiu muito bem.

– Me filmaram no chão?

– Não, apenas seus pés “levantando voo”. O câmera iria focar em você caída, mas Hera chamou a atenção para o próximo entrevistado. Você pode assistir Jason por essa pequena TV na parede. Vou trazer um copo d’água.

Elizabeth sentou-se ao lado de Reyna do Um, que prestava atenção às palavras do amigo. Ela parecia bem mais interessada.

Seu copo com água chegou e ela bebeu devagar enquanto Dafne ajeitava as presilhas brilhantes no cabelo desarrumado de Liza.

Elizabeth ainda sentia as mãos de esqueleto de Damon em seu braço e flashes rápidos cegavam seus olhos. Ela esperava que aquilo não fosse mais uma previsão inútil e sim um efeito colateral da queda.


Annye Claire Todd – 8

Rosalya estava acabando sua entrevista e logo seria Annye. Graças aos deuses! Ela estava ansiosa para subir naquele maldito palco, responder algumas perguntas da Vaca do Olimpo e enfim ir para seu quarto no oitavo andar do Hotel dos Tributos, tirar aqueles sapatos horríveis e puxar um ronco.

Aquele vestido justo a deixava sem ar. Ele era longo e sem mangas, a gola não era alta mas apertava o pescoço. A inspiração para a roupa estava nas fases da Lua, em quarto minguante no caso. Seu lado esquerdo era totalmente negro, com algumas manchas mais escuras. O lado direito tinha crateras cinzentas em alto relevo e emanava um brilho prateado fraco. Era bonito, mas desconfortável.

Haviam deixado seus cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo comum. A cor de seu batom era uma linha tênue entre o vermelho e o roxo. Combinava com seus olhos e as mechas de seu cabelo liso. Em torno de seus olhos cor-de-rosa, uma sombra degradê variava do preto ao prateado brilhante. Aquela beleza toda não valeu o tempo em que Annye passou ouvindo as fofocas de seus preparadores.

A plateia agora prestava seus aplausos finais a Rosalya. Ela parecia uma princesa. Annye sentia uma certa admiração por ela, talvez inveja. A outra Caçadora ocupava a pior colocação no ranking, mas Annye nunca a viu abatida ou se sentindo incapaz. Ela conseguira aliados, bons aliados. Annye não conseguira nenhum, era a única sem uma aliança.

Mas quem precisa de aliados afinal? Só um semideus vencerá os Jogos Meio-sangrentos, não um grupo.

– Com vocês, Annye Claire Todd, Caçadora do chalé de Ártemis! – Talvez aquela seria sua hora de entrar.

Subiu no palco e olhou o quão nojenta a plateia era. Peles de cobra, verrugas, grandes olhos remelentos: todos aplaudindo-a.

– Annye, seja bem vinda! Sente-se no nosso divã e vamos começar a entrevista – saudou Hera, levantando seu vestido azul brilhante. A enorme cauda de pavão arrastava-se majestosamente.

– Oi – respondeu Annye, sentando-se. Tocou o pescoço para ter certeza de que o vestido não estava enforcando-a.

– Então, Annye, vou direto ao ponto. Você é o único tributo que não está em nenhuma aliança. Por quê?

– Porque eu não quero.

– E...? – Hera pareceu confusa, mas Annye sabia que ela estava dando uma oportunidade de se redimir quanto a sua grosseria. As pessoas sempre faziam isso.

– Eu não consigo aceitar que a morte do meu aliado garantirá a minha vida, então prefiro não ter nenhum. Além disso não sou boa com amigos.

– Hmm, você não me parece muito amistosa. Tem problemas com sua equipe de apoio? Falo sobre mentores, representante... Conte-nos! Creio que não seja apenas eu que está curiosa.

– Não tenho intrigas com nenhum – Calisto era uma sádica egoísta, e Órion parecia esconder algo por debaixo daqueles olhos azuis e aquela cara de cachorro abandonado. Mas Annye não queria falar sobre cada um deles, então poupou um longo discurso com uma pequena mentira.

– Então você apenas gosta de ficar na sua e traçar seus próprios objetivos...

Annye tinha vontade de ser surda por apenas um instante. Como suas respostas eram curtas, de modo que ela não se explicasse muito, a rainha do Olimpo a enchia de perguntas. Sobre suas habilidades, sobre sua vida como Caçadora, sobre sua disposição a abandonar a vida eterna.

Quando Hera despediu-se dela, Annye não olhou para o público, muito menos cumprimentou-o como a perfeitinha do Sete – aquela garota chegava a ser repugnante -, mas apenas saiu.

Voltou ao grande camarim. Nem podia acreditar que estava livre! Pediu licença à filha de Hefesto que estava prestes a ser entrevistada e logo procurou Calisto, para perguntar quando iriam embora. Mas acabou encontrando primeiro Rosalya e... Meredith?

– Mentores têm acesso ao camarim? – Annye perguntou à mentora.

– Boa noite para você também, Annye. A sua presença e a de Rosalya foram requisitadas. Patrocinadores querem falar com vocês antes do jantar.

– Ainda vamos jantar? – Annye bufou ao imaginar mais três horas com aquele vestido colado em seu corpo.

– É um evento na agenda, ninguém pode faltar. Parece que o jantar é bem especial. Todas as equipes estarão presentes. Mas ele só terá início depois das entrevistas. Então me acompanhem, rápido.

As três seguiram por um corredor, afastando-se dos demais tributos e assistentes. O camarim no qual Meredith parou tinha uma pequena porta e não parecia ser tão grande. A mentora bateu.

– Entre – uma voz feminina ordenou. Annye pôde perceber Rosalya estremecendo.

– O que foi? – perguntou à outra Caçadora.

Rosalya não respondeu, porque a porta foi aberta, revelando as duas mulheres lá dentro.

Uma delas tinha o rosto com algumas sardas e cabelo preto curto. Usava um vestido dourado sem mangas e tênis.

– Nice – disse Rosalya.

A outra mulher, que não falara nada até então, tinha uma expressão séria e sobrancelhas bem arqueadas. Seu vestido parecia com o de Annye, mas não tinha um lado negro e outro claro. Era como uma tempestade escura, feita apenas de nuvens roxas. O cabelo era bem comprido amarrado em um rabo de cavalo alto. Sua pele era tão branca que chegava a aparentar cinza, como se ela nunca tivesse tomado sol antes. E seus olhos eram cor-de-rosa.

Como os de Annye.

– Venha garota – ordenou a mulher, pedindo para segui-la. As duas afastaram-se de Rosalya e sua mãe e dirigiram-se a um canto do camarim, onde permaneceram em pé.

– Você é Éris, certo?

– Que bom que não me chamou de mamãe. Vim conhecê-la. Soube que apenas duas filhas de deuses menores estão nesses Jogos, e uma delas era minha filha. Acho que lembro de seu pai. Não costumo me relacionar com humanos, não ligo para eles.

– Ele me expulsou de casa.

– Não pôde conter toda a confusão que você é, não? – Éris sorriu. Seu sorriso deixava seus lábios mais longos e suas sobrancelhas ainda mais arqueadas.

– Eu batia na esposa dele. Me sentia insegura, perdida.

– Deve ser porque você não nasceu para ser comum, Annye. Nasceu para correr, pisar na lama, derrubar coisas. Não sentar no carpete e comer pipocas enquanto assiste Oprah. Sou a deusa da confusão e você é minha filha.

– Eu sei... eu sei de tudo isso. Mas é que a minha vida foi sempre um furacão, nunca me estabilizando em um lugar só. Fui para as ruas, depois para o Acampamento, depois me juntei a Ártemis e agora estou aqui, mas não por muito tempo. Nunca tive a chance de ter com quem contar. Amigos.

– E você sente falta disso? De amigos?

Annye hesitou antes de responder. Nunca havia se questionado sobre isso. Mas, assim como uma pergunta de Hera que poderia ser respondida com um discurso, a resposta seria curta e mentirosa.

– Não.

– Então! Não se ache inferior por não ter aliados. Você não constrói coisas, você destrói! E isso é algo bom. Você se nega a receber ajuda, assim como se nega a ser subjugada por outras pessoas.

Os olhos de Éris faziam com que Annye acreditasse nisso. Que ela era uma tempestade: instável, mas poderosa. E que a desordem era algo bom. Eles irradiavam confusão

– E não pense que está sozinha. Eu vou ajudar você na Arena. Preciso que você mostre que Éris e sua prole são sozinhos, destrutivos e desordeiros, mas que podem adquirir êxito. Seja forte, Annye, seja imprevisível.

Éris não se despediu, apenas virou-se e saiu pela porta do camarim. Assim como Annye não se despediu nas suas entrevistas. Era parecida com ela. Mas a Caçadora soube o quanto sair abruptamente porta afora poderia incomodar outras pessoas. Esteve tão perto de sua mãe e não pôde conversar espontaneamente com ela.

Ela queria conversar.


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Notas finais do capítulo

Lembrando que o envio dos rankings deverá ser feito apenas até o próximo capítulo. Então se quiserem ter a chance de ter seu tributo bonificado na Arena, mandem seus rankings por MP

E uma pergunta (talvez valendo para-quedas): Como vocês imaginam a Arena?