CELESTIAL escrita por Leonardo Pimentel


Capítulo 6
Capítulo 6 - As Encruzilhadas do Destino




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Nick permaneceu em casa todos os dias, após seu último encontro com a Serafim Angélica e isso já faziam três semanas. Ele não havia trocado nenhuma palavra com a família e não dissera a ninguém o que vira e sentira do estádio Miller Park. Longe disso... Já não bastava a má fama que tinha pela vizinhança, logo não queria ser taxado como louco. E por isso talvez, tenha se trancado em casa todos os dias, não saindo muito do quarto para prevenir ouvir a mãe falar sobre os problemas ou então ouvir algum conselho do pai. E a janela se tornou sua melhor amiga.

No quarto dele havia somente uma grande janela, que se erguia um metro do chão e ia até o teto. Ele conseguia sentar no parapeito e olhar para a fronte da casa, direto para a rua e ele adorava aquilo. Parecia poder vigiar o mundo e nem precisava sair do quarto, para isso. Naquele dia, estava sentado no parapeito da janela, olhando o movimento da rua. O dia estava ordinariamente bom, as pessoas iam e vinham e na cabeça do jovem menino, questões se martelavam. No dia em que recebera a bênção, passara a sentir um ardor nas costas e ele ainda incomodava-o; Parecia que agulhas penetravam na pele dele e saíam insistentemente. O jovem mal conseguia banhar-se, sem sentir dor. E logo pegou-se absorto em pensamentos, que tratavam de distanciá-lo da realidade. E a realidade que estava vivendo naquele momento era estranha.

Meditara tantas e tantas vezes, que pensava poder ouvir os barulhos mínimos que a casa emitia. Conseguia ouvir o ranger das madeiras, conseguia sentir a aproximação dos outros e o que as pessoas ao redor sentiam. E naquele dia, sentia uma presença desconhecida, que causava frio, por mais que o sol iluminasse seu corpo. Ele olhou para a rua novamente e notou dois homens parados do outro lado. As pessoas pareciam não conseguir vê-los, porém desviavam de ambos, quando eles se apresentavam em seus caminhos. Eles andaram até o jardim da casa de Nick, como dois muros imponentes e estavam próximos, quando o menino, descalço e sem camiseta, desceu os degraus da escada. Correu, pulou. A campainha tocou. Nick desceu mais veloz, e chegou até o hall de entrada da casa. A mãe já estava pronta para atender a porta.

─ Não abra a porta! ─ berrou, o menino, jogando a mãe pro lado.

─ Qual o seu problema Nick? ─ disse a mãe de sobressalto, fitando o menino séria. ─ O que houve?

O menino ofegava e a respiração dele era o único som da casa. O pai postou-se no alto da escada e a irmã o fitava da cozinha. Ele olhou para ambos. A campainha tocou novamente e o jovem menino tocou a maçaneta, girou-a e abriu a porta.

O rangido das dobradiças pareceu mortal. Dois homens altos estavam postados na entrada, trajavam roupas parecidas, num mesmo estilo, pretas. Os sobretudos iam até o meio das pernas e as roupas era sujas. Sorriram ao ver o menino. E o sorriso era o de menos, quando via-se os olhos. O do primeiro era totalmente preto fosco. O do segundo não se via, já que estavam vendados, talvez por ele ser cego.

─ Vamos brincar, irmão? ─ disse o demônio de olhos fechados.

Nick agarrou o braço da mãe, que não sabia o que fazia. A irmã ocultou-se na cozinha, enquanto o pai descia as escadas para salvar a esposa. Nick, quando virou-se para a porta, estava preso nas garras do demônio de olho preto, a garganta fechando, a respiração se esvaindo. Os olhos estavam ardendo, as lágrimas começando a vazar pelos olhos. O rosto esquentou e ficou rubro.

Habilmente, Nick chutou o peito do demônio, que rolou os poucos degraus que havia subido para pegá-lo e caiu no jardim. Ele se assustou com tamanha força e como o chute fora dado energicamente. Porém, absteve a analisar o demônio de olho fechado, que farejava o ar para seguir os oponentes; Nick notou isso conforme o demônio vinha em sua direção. Ele subiu as escadas e vasculhou o quarto da mãe. Pegou cada frasco de perfume que viu e banhou-se em três colônias diferentes. Depois passou-as para o Vernon e depois Mary, que repetiram o processo. Nick pegou os outros frascos, passou pelo quarto do sobrinho Ryan, que chorava e banhou-o com as águas de cheiro. Espalhou perfume pelo andar inteiro da casa, quando o Demônio Cego surgiu na ponta da escada, apalpando as paredes. Nick atirou os frascos já vazios no inimigo, tentando chamar sua atenção.

─ Facilite moleque anjo, vamos... ─ disse o demônio, conforme vinha pegá-lo.

Nick rolou pela esquerda e desceu as escadas correndo. Virou-se para a cozinha e viu a irmã presa pelo pescoço nas mãos do Demônio de Olho Negro.

─ Antes de vê-la morrer, preciso que saiba meu nome. Azgul. É um enorme prazer matá-la na sua frente. ─ zombou o demônio, pressionando mais o pescoço de Diane.

─ Largue-a! ─ berrou Nick, indo na direção do demônio.

O demônio jogou a mulher contra o fogão, fazendo-a cair contra o eletrodoméstico que tombara em cima dela. Ele olhou para Nick e desferiu um soco potente, que destruiu o assoalho do âmbito. A madeira voou em todas as direções. Nick não sabia o que fazer, não estava com noção para nada. Ouviu um urro de dor, vindo do andar de cima e preocupou-se. Ele sentiu as costas queimarem mais uma vez e não sabia se aguentaria acordado por muito tempo, tamanha a dor que o afligia. Olhou nos olhos de Azgul, o Negro e correu na direção dele: se o feriu anteriormente, poderia fazer isso de novo. Desferiu um golpe na lateral do tronco do demônio e o demônio chocou-se contra as louças do armário. Por mais que fosse grande e poderoso, Azgul era lento. Nick contemplou aquilo com espanto. O menino subiu em cima do demônio caído e começou a golpeá-lo na cabeça. Inúmeros socos foram sendo desferidos contra o inimigo, que não reagia. Nick se concentrou, lembrou de tudo e colocou vontade no último soco. E o desferiu. E sentiu raiva, pois o que estava socando era o chão. Viu as mãos sangrarem e virou-se no momento certo.

Azgul, o Negro estava com a irmã do menino desmaiada na mão. Ergueu-a e com um pouco de força quebrou o pescoço de Diane, que abriu os olhos e voltou a fechá-los. Diane estava morta.

─ Você precisa saber diferenciar ilusões da realidade, tolo, bebezinho, Nick. ─ zombou o demônio, rosnando para o jovem.

Nick fitou o demônio, sem nenhuma reação. Ele ergueu-se do chão e sentiu as costas queimarem e doerem tanto, que fechou os olhos, quase desmaiando pela dor. Ele sentia a pele desgrudando, como se ela estivesse queimada e sentiu como se sua carne estivesse se desdobrando de si. Respirou várias vezes para não desmaiar e voltou a abrir os olhos. Notou espanto no rosto do Azgul e sentiu um alívio incondicional. Olhou para trás e viu suas asas presas nas costas, balançando suavemente, alvas, estranhas, porém, bonitas. Eram tão grandes para o corpo pequeno do menino, que ele as balançou e voou na direção do demônio. Agarrou-o pelo pescoço e o espremeu com as forças que os braços garantiram.

─ OLHA QUE DELICIOSA, ESSA SENSAÇÃO! ─ berrou o menino.

As asas formaram um tipo de escudo ao redor de ambos, como se Nick fosse uma ave de rapina. As mãos estavam no pescoço e os pés estavam plantados no peito da criatura. Nick apertava, deleitando-se.

─ Niiiiiiick! Não o mate. ─ berrou uma voz familiar.

O menino virou-se e viu Miguel na entrada da cozinha, trajando sua roupa angelical e mostrando-se assustado.

─ Demônios possuem humanos inocentes... ─ disse Miguel. ─ Você irá matar um humano, você não irá matar um demônio. Só exorcismos matam demônios!

O demônio riu. Parou de fingir dor, apenas sorriu.

─ Miguel, Miguel, Miguel... Você e sua boca grande. Você não é divertido. ─ disse o demônio Azgul, sorrindo de leve.

Nick saiu de cima do demônio, e Miguel entrou em cena. Com um gesto da mão, o Arcanjo fez nascer uma força invisível que prendeu o demônio na parede. Ele disse algumas palavras, que Nick não quis entender e o demônio saiu pelos olhos do humano que possuía.

─ Miguel, minha família...

─ Estão todos salvos, estavam escondidos no andar de cima. Gabriel os salvou. ─ respondeu o Arcanjo, segurando o homem nos ombros.

─ E o outro demônio? ─ perguntou o menino.

─ Nick, a casa foi invadida por apenas um demônio... ─ disse Miguel, mas parecia que ele não acreditava muito no que dizia.

─ Não... Foram dois. Azgul e um outro de olhos fechados! ─ exasperou-se o menino.

─ Nick... corre... Vamos corra!

A porta parecia estar centenas de metros de distância. Cada passo que davam parece não surtir nenhum efeito. O tempo pareceu retardar aquela corrida. No alto da escada, o outro demônio abriu os braços, sorridente, agora sem a venda nos olhos. Um brilho estranho tomou conta da criatura infernal, que causou uma explosão, destruindo a escadaria, inundando a casa com fogo. A cozinha explodiu logo em seguida, com a presença do gás que vazava do fogão. Nick, rolou pelo jardim, parando perto da calçada. Miguel chocou-se contra o carro do vizinho, não conseguindo segurar o corpo do humano. E o fogo consumiu a casa. As janelas explodiram numa chuva de fagulhas e vidro. O teto foi consumido pelo fogo e os vizinhos começaram a sair aos montes, rodeando a casa. Alguns gritavam “Chamem os bombeiros!”, enquanto outros arriscavam-se na procura de sobreviventes.

─ Porque ele está usando aquele pano branco nas costas? ─ perguntou um vizinho, apontando. ─ Será que ele é um super-herói?

─ O que será que houve com a casa? ─ perguntou outro, mais longe.

Miguel ergueu-se de sobressalto, olhou a todos com a feição séria. Assoprou a mão e da palma surgiu um pó dourado, que flutuou em cada pessoa da vizinhança, penetrando nas narinas de cada uma. Algumas chegaram a cambalear, outras nem se mexeram. Olharam para o nada e saíram andando, como se a casa estivesse ordinariamente como todos os dias. Ele respirou fundo e olhou para Nick, a compaixão estampada no rosto. Miguel fechou os olhos e pegou o corpo do humano.

─ Vamos, Nick, você não pode ficar mais aqui. ─ afirmou o anjo.

─ Não posso pegar os corpos da minha família? ─ questionou o menino, olhando para o interior da casa em chamas.

─ Não há corpos dentro da casa. Há um corpo apenas. ─ contou o anjo, dando as costas. ─ Outros anjos viram arrumar tudo. Vamos.

Miguel andou até o meio da rua, sentindo a brisa suave que era peculiar daquela época do ano. Ele olhou pro céu e suspirou. Nick veio atrás, as pernas tremendo. Ele precisava ser ágil, porém, não sabia se tinha forças para tal. Os músculos doíam e a dor psíquica era pior ainda.

─ Você está bem, irmão? ─ questionou Miguel, olhando-o de cima.

─ Sim..

Um força invisível e concentrada tomou conta de ambos, fazendo-os sumirem em pleno ar. A sujeira acumulada no asfalto se ergueu num véu, onde ambos estavam instantes antes. E o único som deixado para trás foi o da sirene de bombeiros, e o cripitar da madeira em chamas.


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