CELESTIAL escrita por Leonardo Pimentel


Capítulo 1
Capítulo 1 - Um Domingo Qualquer




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O teto do quarto parecia confortável e muito mais interessante, naquela circunstância. Isso significava, que naquela manhã, Nichollas não queria ter de descer as escadas, olhar para a própria mãe e ouvi-la reclamar da vida que levava antes de irem para a igreja. Não era muito longe e isso não era um atrativo para o menino, para falar a verdade, nada o atraía. Apenas o teto do quarto, naquela manhã de domingo fria e cinza, em que as gotículas de chuva fustigavam o vidro da janela.

Ele queria prevenir ouvir a voz da mãe, que na noite anterior fora dormir brigando com ele, por causa de um motivo que ele realmente não queria lembrar. Ele jogou os pés para fora da cama e sentiu frio. Deve-se deixar claro, que Nichollas odiava o frio, mais do que odiava ir à igreja de domingo.

 Arrumou-se em poucos instantes, arrumou o cabelo, a roupa e colocou meias quentes e os tênis sujos de sempre. Desceu as escadas, com o mesmo ânimo que o invadia todas as manhãs de domingo, frias e cinzas, quando ele sabia que era tempo de igreja. O único problema que o jovem tinha com a igreja era ter que fingir ser o que não era: Nichollas não gostava da forma como olhavam para ele, sabia que muitos da igreja recriminavam-no pelo fato de usar alargadores e piercings, ou então por não se vestir adequadamente para ir a igreja, ou muitas vezes não expressar nenhum entusiasmo para participar do grupo de jovens, que haviam montado há dois anos lá. Para falar a verdade, novamente, Nichollas julgava que nenhuma religião iria levá-lo a lugar nenhum. Mas isso é algo que Nichollas prefere que não seja dito, ele não quer ouvir a mãe reclamar. E milagrosamente, a mãe não fez questão de falar naquela manhã.

Mary era uma mulher baixinha, com uma carranca que inspirava imponência. Tinha os cabelos curtos, porém, um pequeno rabo de cavalo, que prendia atrás da cabeça. A expressão austera e o estranho modo de se vestir simplesmente irritava o filho, que naquela manhã entrou na cozinha sem nada dizer, apenas entrou e seguiu em direção da geladeira. Sem expressão na face, o menino pegou algumas besteiras, misturou-as e pensou em comê-las em silêncio.

─ Porque você nunca mostra uma cara bonita, hein? Sempre com  a mesma cara feia... ─ falou a mãe, enquanto passava água no rosto.

Ah, não sei, talvez por eu ainda morar com você? Quer saber... perdi a fome.

O menino largou a mistura das besteiras num prato em cima da mesa, e saiu pisando forte. A mãe começou os xingamentos matutinos, gritando-os em bom som, talvez para que a vizinhança inteira soubesse que outra briga havia começado na casa.

A vontade mesmo era de tirar a roupa, voltar para debaixo dos edredons e dormir até cansar; para sempre também seria uma boa opção. Mas naquele dia, Nichollas sentia que havia algo de especial na igreja, talvez alguma mudança, algo que fizesse sentido e desse forças para continuar indo.

Para variar, a mãe o obrigara a chegar cedo na igreja, enquanto a maioria dos fiéis se cumprimentavam falsamente. Não demorou muito para se ouvir murmúrios e ver as pessoas apontando para ele, nada discretas, como se ele fosse uma nódoa a ser vencida. Ele varreu o local com os olhos. Ergueu-se do banco e caminhou suavemente na direção de um casal, olhou diretamente para o homem e depois para a mulher, encarando-os. Pôs-se nas pontas dos pés e emburrou-se do jeito típico dele.

─ Algum problema comigo? ─ disse entredentes.

─ Nenhum, não... É que... 

─ Então seria do meu agrado ─ interrompeu ele. ─ se vocês parassem de falar de mim, achando que eu não percebo os cochichos. Se porventura algum problema surgir, venham a mim. O problema é meus alargadores?

─ Nã-Não é que... – o homem gaguejava agora, desconcertado. A carranca já estava vermelha.

É que nada! Ou param, ou param, ou então... ─ sorriu maliciosamente, olhando para a mulher. ─ Vou começar a espalhar por ai algumas coisas ao seu respeito. E digamos que eu descubro qualquer coisa, né, sra. Mitchell?

O menino recordou-se do dia em que a vizinha chegara em casa com um homem que não era seu marido. E a mulher sabia que fora vista por ele, por isso engoliu em seco e apalpou impaciente o braço do marido. O sorriso amarelo surgiu nos lábios.

─ Desculpe, Nick... – o sorriso se desfez, enquanto o marido a olhava. ─ Querido, deixemos o menino em paz. Venha...

Com uma piscada, Nichollas se afastou do casal, a tempo de ouvir o homem falando com a mulher, a respeito de uma conversa muito séria. Talvez tenha sido por isso que ele veio a igreja... Colocar gente no devido lugar, quem sabe. E ele sentou-se no mesmo lugar, varreu o altar e todo o resto da igreja com o olhar, severo. Assemelhava-se a uma ave de rapina, espreitando a caça pelo campo. E não viu nada de diferente. E os poucos minutos que faltavam para o começo do culto pareceram eternidade.

─ Juro que semana que vem eu não piso aqui... Eu não aguento. – disse para si mesmo em tom baixo. ─ Povo ridículo, povo alienado! 

O momento de raiva passou, quando as portas de mogno da igreja se abriram estranhamente, chamando atenção de todos: um casal alto entrou. Uma mulher ruiva, muito bonita e esbelta, talvez os olhos mais azuis que Nichollas tenha visto. Vinha vestindo uma calça jeans azul simples, uma regata branca e uma jaqueta de couro por cima, os cabelos desciam pelas costas, parecendo cascatas de fogo. O homem ao lado, pouco mais alto que a jovem, tinha cabelos negros bem penteados, pele branca, o olhar um tanto severo; trajava uma camisa branca, paletó e calça jeans. Nichollas não alcançou os olhos dele com o olhar, por isso não notou a cor. Formavam um casal bonito, o que despertou interesse em Nichollas, que ficou imaginando como seriam os filhos do casal. Pois é. O menino se permitia ter pensamentos bobos, hora ou outra. E rapidamente a mulher o olhou, expressando alivio, como se ele fosse a melhor coisa do dia dela.

O casal sentou-se na fileira de bancos ao lado, na mesma linha em que a mãe escolhera para que ela e o filho se sentassem. Nichollas passou alguns segundos fitando o casal, até que o homem virou-se para ele. Ele sentiu medo e olha que era um sentimento incomum nele.

Naquele instante os fiéis passaram a entrar pela porta em maior número, ocupando os bancos, com murmúrios exaltados. Nenhum deles era tão belo e tão charmoso, quanto os elementos do casal.

O culto estava para começar.

           

A missa pareceu transcorrer o mais rápido do que o normal, o que deixou Nichollas mais animado. O entusiasmo foi tanto, que ele foi o primeiro a se levantar e achar a saída naquele mar de cabeças. O sol começara a brilhar pouco antes do fim da missa, e a imponência do astro estava lá na imensidão azul do céu. O tempo estava mais quente do que mais cedo e o mundo lá fora pareceu mais atrativo do que antes. Ele respirou fundo, fechou os olhos e deixou que a luz do sol o aquecesse. Ele desceu os degraus, que bem conhecia, de olhos fechados e quando chegou no último parou. Na sua frente, ele sentiu uma presença e viu: estava estacionado um homem carrancudo, os olhos ocultos por um óculos de sol de lentes grossas. Pisava firmemente na grama verde, com as botas de motoqueiro cheias de spikes. A jaqueta de couro tinha os mesmos espinhos nas ombreiras e a mão era cheia de anéis. Exalava um cheiro forte e que fazia as narinas arderem.

─ Nichollas? – questionou o homem, movendo pouco a boca. A voz parecia o ronco de um trator mal tratado.

─ Sim. Olha, se você costuma falar com minha mãe, problema seu. Ela quem fala com estranhos, o que não me obriga a ter de falar com você. – respondeu o jovem, tentando desviar do sujeito.

O homem entrou na frente mais uma vez, impedindo o garoto de sair do último degrau da escadaria da igreja.

─ Você fala demais, Homem de Barro! Venha comigo, meu mestre o aguarda.

 ─ Ahn? Espera. Falar com você é uma coisa, mas te acompanhar? Não. Agora, faça-me o favor de sair do meu caminho, antes que minha mãe queira ficar mais. Agora.

─ Então, Homem de Barro, faça-me o favor de sair do degrau. Estando ai, você esta fora do meu alcance.

Nichollas ergueu o pé para descer o degrau.

─ Não desça, Nichollas! – o berro de uma voz de mulher ecoou, e a dona da voz descia os degraus com tamanha pressa, Nichollas ouviu o barulho das botas batendo na pedra. ─ Fique aonde está! 

O homem da jaqueta de couro assustou-se com a presença da ruiva, que imponentemente ficou ao lado do jovem menino, olhando ora o menino, ora o suposto motoqueiro.

─ Belzebu, seu cheiro apodreceu o ar. – disse a ruiva interpondo-se entre o jovem e o homem. Isso obrigou-o a se afastar do menino. 

─ Se você não fedesse tanto, teria efetivado essa missão, sabia? – disse o homem, que outrora acompanhava a mulher. Ele surgira atrás do carrancudo, sabe-se Deus quando. – Mas digamos que gente da sua laia... – ele escolheu bem as palavras, tentando não parecer grosso. – Não são tão... inteligentes. ─ a última palavra fora sussurrada com ironia. 

O homem carrancudo afastou-se abruptamente, cambaleando, como se não tivesse coordenação motora para andar. Parecia que estava num processo de adaptação, como se a gravidade fosse algo novo para ele. Ele olhou para ambos, que agora estavam na frente do menino. 

─ Eu tenho uma missão, vocês não deveriam se meter. Ele ainda não tem idade suficiente. – berrou o homem carrancudo, apontando o dedo, que parecia uma grande salsicha, para o casal.

As pessoas no alto da escada começaram a pensar que aquilo se tratava de um assalto e falavam claramente o quão maluco era o casal, por se interpôr e reagir a tal.

─ Que ele não tem idade, nós sabemos, assim como você sabe que não irá tocar nele. – disse a mulher. – Belzebu vá embora.

─ Não tenho opções, ele vem comigo. – disse o homem chamado Belzebu, fechando mais a cara.

Nichollas olhou para as costas do casal, que ainda permanecia na mesma posição. Ele sentiu o coração acelerar e imaginou que correr até a própria casa não seria uma má ideia. Hiperventilou. Era agora ou nunca! A cabeça trabalhou loucamente, até que ele saiu pelo gramado da igreja na direção da rua, o mais rápido que as pernas permitiam. Os berros do alto da escada da igreja denunciaram que o homem carrancudo vinha atrás, correndo também. E aquilo só fez um medo crescer dentro do coração do jovem, que se esquivou da mão do estranho homem, indo para trás de uma árvore. Sentiu um frio na altura do peito e o fedor fazia os olhos pesarem.

─ Venha moleque, facilite meu trabalho! – disse Belzebu, cuspindo cada palavra.

─ Quem é você? – berrou Nichollas, usando um carro como escudo dessa vez.

O homem o seguiu, persistente e amedrontador. O casal havia sumido, como se nunca estivesse realmente existido. Nichollas se abaixou na traseira do carro, afim de que o homem não visse para onde ele correria. Uma mão suave tampou sua boca, um cheiro inebriante veio da pele. A pessoa que lhe tampou a fala, pegou-o pelo quadril e se afastou para trás, como se flutuasse suave. O sol iluminou a face de Nichollas, o que incomodou seus olhos. Com a mão, projetou uma sombra na altura da testa, a tempo de ver o tal Belzebu pensar em segui-lo, mas o outro homem, de dois minutos atrás e que estava acompanhado da ruiva, desceu do céu, com asas nas costas. Com os olhos arregalados, Nichollas viu o homem das asas tocar a testa de Belzebu e sentiu os olhos pesarem. Ao pé da orelha, sentiu lábios macios sussurrarem algo desconhecido e simplesmente o mundo pareceu sumir. O desmaio veio, os sentidos se foram e o silêncio total aposso-lhe a mente. Nichollas desmaiara. 

                            


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Notas finais do capítulo

Alguns recados: o personagem Nichollas é o principal da história e ele é um alter-ego meu. Personalidade, ideologias, atitudes são todas baseadas no meu real eu. Gabriel e Angélica são personagens que exprimem alguns sentimentos.
Curtam a leitura!



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