Kells fechou os olhos. Estava decida a se virar. Começou a mover primeiro suas pernas, as colocando de lado. Depois o rosto, estava agora pronta para encarar Ren. Encarar o seu verdadeiro eu.

Abriu-os. O reflexo azulado era tão intenso que em certo momento sua visão ficou embaçada. Piscou tentado limpá-la e viu o rosto de Dhiren com a expressão triste, dava para perceber que ele estava se sentindo culpado.

―Kelsey, desculpe. Sinceramente – ele sussurrava para ela – fiquei com vergonha de insistir em te acompanhar. E a única alternativa que encontrei foi te seguir. Espero que não esteja chateada.

Kelsey suspirou aliviada por não estar vendo um tigre um branco, imaginou como teria sido medonho para a escrava ter visto o animal deitado no trono. A história, como Nilima disse, poderia ser um mito, mas a sensação que a garota tinha era de realidade, que poderia acontecer com alguém encontrar um descendente do príncipe e ver dentro dessa pessoa o felino.

―Dhiren, não precisa se preocupar – ela falou ainda mais baixo que ele.

―Ren. Pode me chamar de Ren.

―Ren – pausou – quando eu disse que morava a duas quadras eu não estava mentindo, não precisava pensar que eu iria ficar irritada.

―Você me viu do seu quarto?

Aquelas palavras fizeram o fleche do tigre novamente aparecer em sua cabeça e a deixar confusa sobre o que realmente estavam conversando: ele estava se desculpando ou tentando dizer para ela sobre o tigre? Tudo pareceu girar e se transformar no seu quarto. A cama, a voz de Tifany ecoando e o olho do tigre. Tudo se repetia e os sons ficavam estridentes.

―Kelsey – Ren a chamava sem muito êxito em receber atenção.

A garota estava perdida, suas mãos tremiam, os olhos perderam o foco e sua pupila dilatou. Ela estava em outro lugar. Tigre. Dhiren. Tigre. Dhiren. Os dois a todo o momento passavam em sua frente. As cenas mostravam o príncipe correndo, rindo e lutando ao lado do tigre. Depois viera a imagem de Dhiren, criança, sentado em um trono brincando com um garotinho dos olhos dourados. O tigre estava ali do lado protegendo os dois, mas olhava em sua direção como se soubesse que ela estava analisando tudo.

O cheiro de ervas tomou o seu olfato a impedindo de respirar. Não aguentava mais ficar alerta. Os olhos adormeciam cada vez mais que tentava inspirar o ar. O azul que refletira antes estava se tornando em uma nuvem preta. Era impossível ficar acordada. Tudo se apagou.

―Professor a Kelsey não está bem – Ren gritou quando Kelsey fora rumo ao chão já inconsciente.

Por sorte estava a algum tempo tentando chamar a atenção dela enquanto a jovem o encarava e não respondia, ao perceber que ela caia para a direita empurrou a mesa que os separava e pode pegá-la antes de colidir com o chão.

― Senhor Rajaram o que aconteceu? – perguntou ao escutar o barulho e chegar perto do rapaz, vendo que o mesmo segurava Kelsey nos braços.

―Kelsey! Kelsey! – Dhiren falava dando leves batidinhas no rosto dela.

―O que aconteceu? – Tifany gritou empurrando as carteiras para chegar até onde a amiga estava.

―Calma, ela só está desacordada. – Dhiren falou após checar a pulsão de Kells.

―Leve ela para a enfermaria, rápido! – exclamou o professor ao perceber que a turma estava conversando e agitada.

Ren levantou Kelsey nos braços, cuidadosamente para não machucá-la. A turma inteira ficou olhando para ele a erguendo com tanta facilidade como se fosse uma folha invés de um corpo. Uma amiga de Ambre estava enviando uma mensagem para a loira contando sobre o que estava acontecendo e o resto dos alunos também murmuravam sobre.

Dhiren atravessou a sala e pediu para que Tifany abrisse a porta. Passou pelo corredor e várias pessoas, incluindo Kishan, saíram para vê-lo carregar Kelsey. Desceu as escadas devagar e andou até a enfermaria, ainda com Kelsey inconsciente. Quando chegara ao local, a colocara em uma das camas e rapidamente fora chamar a enfermeira que estava tomando o café da manhã no refeitório.

Depois de alguns minutos voltara com a mulher para analisar a jovem.

―O que aconteceu com ela? – perguntou anotando a temperatura de Kelsey.

―Bem... –Ren estava recapitulando em sua mente os fatos – Estávamos conversando e do nada ela começou a me encarar e depois caiu, a peguei antes de bater no chão.

―Fez bem. Sua temperatura está normal. Vou esperar acordar para ver o que estava sentindo, se eu perceber que é algo grave a levaremos para o hospital.

―Hospital? – Ren perguntou confuso.

―Sim. Algum problema? – a enfermeira o olhou com insatisfação.

―Não senhora. Posso ficar aqui?

―Se eu falar que não vai adiantar? – Dhiren negou – Então fica.

O rapaz pegou uma cadeira e a colocou ao lado da cama. Estava com sensação de tinha alguma responsabilidade com o que aconteceu com Kelsey. Em sua cabeça passava a possibilidade dela estar nervosa com ele por ter a seguida e até mesmo a de que Kells estava com alguma doença, mas dava calafrios quando pensava que ela poderia ter descoberto sobre seu passado. A enfermeira se afastou indo até o Sr. Kadam para avisar que uma aluna tinha passado mal.

Dhiren pousara sua mão na da Kelsey, queria que ela acordasse. Queria poder olhar para os seus olhos e perguntar se o problema era ele. A expressão dela o lembrava de sua mãe, um olhar doce e um sorriso calmo, como se quisesse acalmá-lo. Quando se conheceram não imaginara que sentiria compaixão por Kelsey, a garota era distraída, tímida e insegura e essas qualidades o fazia querer protegê-la. Poder ficar tão perto de Kells era como se pudesse impedir que o mal chegasse nela e tomasse seu coração.

―O que eu fiz Kelsey? – ele falou baixinho – Desculpa por tudo, acho que até hoje somente te pedi desculpa. Ontem quando esbarrou em mim, eu não estava com raiva. Pode até ter parecido que fiquei com raiva, mas não. Eu estava era nervoso, por você ser tão descuidada. Você acordaria se eu te falasse que tenho lhe observado desde quando cheguei à cidade?

Dhiren continuou olhando para Kelsey, que parecia estar melhorando. Suas bochechas voltaram a ruborizar e as mãos que antes estavam frias voltavam a sua temperatura normal. Kells antes de se apagar viu o sorriso de Ren, por aquele sorriso queria acordar de qualquer jeito, mas não dava conta. Seu corpo estava cansado e sua cabeça pesada. Agora sentia a mão quente e aconchegada, pensou que em algum momento escutou a voz de Ren, mas logo desistiu de tentar distinguir o som.

―Kelsey, fiquei sumido um tempo, um longo tempo na verdade, por que estava com medo de voltar e me apaixonar por alguém. Quando voltei fiquei cismado com certa pessoa, antes mesmo de chegar e atacar Kishan – ele riu descontraído – eu vi o olhar dela assustado e me condenando. Sabe, me chamou muita atenção.

Kelsey estava escutando Ren, queria perguntar quem era essa pessoa que conquistara seu coração, mas não conseguia. O desespero de pensar e não poder agir estava tomando conta de si. Novamente a história estava em sua cabeça, o tigre, o príncipe, tudo era muito confuso. Sentiu o rosto molhado e um toque suave no mesmo lugar. Estava chorando, mas como isso era possível.

―Kelsey, está tudo bem? – Ren disse.

―Príncipe – a garota sussurrou.

―Prín-príncipe? – ele perguntou colocando o ouvido próximo ao rosto dela.

Não ouve respostas, somente um suspiro por parte dele, por perceber que ela estava bem. Kelsey ainda pensava em como poderia estar percebendo a realidade, mas não agindo a ela. Estava nervosa, sentia cada vez mais a necessidade de falar e se expressar. Um sentimento de magoa tomou conta do seu coração. Sua respiração ficou profunda e os olhos já não a prendia mais a escuridão. Estava pronta para acordar. Para dizer a Ren que estava bem.

―Kelsey! – Ren exclamou – Você está bem!

Kells pode ver o sorriso dele, os olhos azuis brilhavam e diziam que Dhiren estava preocupado. Mas, tudo estava bem agora. O aconchego que sentira em suas mãos eram a causa por Ren a estarem apoiando nas dele.

―Já disse para não se preocupar – ela falou murmurando por não ter força para aumentar o tom.

―Pre-precoupar? – Ren gaguejara ao imaginar que ela estivesse ouvindo tudo o que ele dissera – Não me preocupei, só achei que fosse necessário te acompanhar. Afinal, você não viria até a enfermaria inconsciente.

―Tanto faz – Kelsey disse se sentindo um pouco melhor que antes de apagar, por algum motivo o tigre saíra de sua cabeça restando somente a imagem de Dhiren parado e acenando para sua mãe. Ela sabia que tinha visto um tigre, mas não daria tanta importância a isso no momento, já que ninguém acreditava.

― Onde pensa que vai? –ele perguntou quando a viu sentar e apoiar os pés no chão.

―Eu vou para a aula – falou baixo olhando para o piso

―Você só pensa que vai. –a puxou delicadamente para a cama a fazendo deitar contra a vontade.

― Eu estou bem – Kelsey continuava a falar baixo.

―Não. Não. Você não está nada bem. A enfermeira foi avisar ao senhor Kadam o que aconteceu, enquanto ela não voltar você não sai.

Kelsey estava estranhando aquilo, tecnicamente ele mal a conhecia, ontem os dois se esbarraram, mas tal preocupação era estranha considerando que só hoje ela fora desmaiar. Ren estava com um sorriso estampando no rosto, parecia sentir vontade de cuidar dela, mas para Kelsey isso era inexplicável.

―Kelsey, para de teimar. Como você é cabeça dura! – ele exclamou falou colocando as mão no rosto em um gesto de lamentação.

―Por quê? – ela perguntou.

―Por que o que? – ele respondeu com ironia.

―Por que você está assim... Tão prestativo? – Kelsey perguntou não achando razões para Ren ter ficado com ela enquanto estava desmaiada.