Observei o antigo prédio de cor pastel com distração, da janela engordurada do ônibus. A luz matutina lhe dava um ar de... ‘Bucolismo’ por assim dizer, suas janelas grandes que davam para rua exibiam mesas bem enfileiradas em conjunto com cadeiras de aspecto duro e desconfortável.
Aquele seria meu ambiente diário por alguns meses, ou pelo período que o meu circo estivesse na cidade. O principal motivo pelo qual eu detestava pessoas se encontrava ali. A escola.
“O lugar em que destroem seus sonhos e que colocam no lugar um bando de baboseiras inúteis que te fazem pensar e agir como um robô.” Pensei com amargura enquanto descia no ponto em frente ao local, várias pessoas da minha idade desceram junto. Provavelmente seriam essas as pessoas que estudariam comigo.
Por dentro me senti envergonhada ao perceber que eles se vestiam bem e que em maioria mantinham-se aprumados em roupas bonitas e cabelos arrumados. A vida no circo havia me mostrado uma realidade muito simples e prática, portanto minhas roupas eram surradas e meio esburacadas.
Nada especial na verdade. Uma calça de lona listrada de cor bege e marrom que eu usava em apresentações por vezes, uma blusa verde de mangas caídas de malha leve e um par de botas pesadas que eu costumava usar para passear nas cidades.
Eu andava pelo pátio arborizado cheio de gente, tentando não ser notada por olhares alheios. Tive que me conter ao máximo enquanto andava, para não dar minhas costumeiras passadas longas e exageradas que eram crucias numa apresentação. Afinal eu não estava ali para fazer publicidade para o circo nem nada do tipo, mesmo se alguém da escola fosse as apresentações seria difícil me reconhecer coberta por maquiagem espalhafatosa muito usual no circo.
Tirei um papel da escola da mochila para verificar meus horários e minhas salas, porém um vento qualquer o fez se soltar de meus dedos e voar para longe.
‘Ô coisa!’
Corri pela multidão seguindo o papel voador, enquanto era vista com olhares de espanto por alunos que não haviam me notado anteriormente, pulei por cima de um banco branco com facilidade e peguei o papel timbrado em pleno ar. A cena teria sido épedra se não tivesse sido cômica...
-Mas o que... –Eu havia calculado um pouco mal minha trajetória de voo e pulado um pouquinho acima do que devia ter pulado, caindo em cima de um garoto desavisado. Na verdade primeiro meu joelho se encontrou com estômago dele pra depois eu levar ele ao chão.
Por dentro eu estava feliz de algo ter amaciado minha queda. De verdade, no circo colisões como essa ocorrem o tempo todo principalmente quando você é trapezista.
Mas aquele não era o circo...
-Desculpe! Minha Santa Deusa de Camisola, você está bem?
Saí de cima da cintura do rapaz, rapidamente e lhe ofereci a mão para lhe ajudar a se levantar.
-Não se preocupe. Esse aí nem o paraíso aceita. –Um garoto ruivo que estava ao lado comentou rindo.
O rapaz que eu tinha levado ao chão tinha cabelos prateados levemente pretos nas pontas, seus olhos vivazes possuíam duas cores, um era amarelo como ouro e o outro verde como jade. Ele riu do comentário do colega e aceitou minha mão para se levantar:
-Muito engraçado Castiel. Eu estou bem não precisa se preocupar... A propósito qual o seu nome?-De pé ele era quase vinte centímetros mais alto do que eu e tinha uma postura aristrocática. –Meu nome é Lysandre.
-Meu nome é Celina, é o meu primeiro dia aqui é normal você não me conhecer. –Fui firme e tentei não lhe encarar muito. Ele vestia uma camisa branca por baixo de um casaco verde de cor esverdeada com botões dourados e uma calça do mesmo estilo, seguindo uma linha de moda vitoriana clássica.
-Eu sou Castiel. –O rapaz ruivo se apresentou. Ele tinha um porte mais musculoso que Lysandre e uma atitude despojada que fazia conjunto com suas roupas escuras de roqueiro, cheias de correntes. –Suposto amigo desse, cabeça de vento.
Respirei fundo e ignorei os olhares que começavam a se direcionar em mim.
-Prazer... –Não resisti e acabei me voltando para Lysandre com curiosidade. –Desculpa perguntar, mas por acaso você é fã de Byron?
Pude ver em ambos os rapazes um ar de surpresa, porem Lysandre logo esboça um sorriso:
-Acha que eu me pareço com Ruthven?-Fiz cara de admiração para depois fazer um falso desdém empinando o nariz:
-Seria um eufemismo profetizar algo que já se realizou, não acha?
Lysandre colocou a mão frente ao corpo elegantemente, e me falou em voz ponderada e levemente sedutora.
-Vejo que tenho uma Lady culta. O que traz tal dama a um lugar como este?
Castiel nos encarou com escárnio e começou a rir:
-Não acredito... Você finalmente achou alguém pra conversar dessas coisas de intelectual com você! –Ele ficou gargalhando com vontade até o sinal tocar poucos segundos depois.
Olhei perdida pra a minha lista de horários:
-Alguém sabe onde fica a sala do professor Farize de biologia? –Lysandre estendeu os olhos para o meu horário e comentou.
-É por isso que você me atacou... –Após murmurar distraído ele finalizou. –Você tem o mesmo horário que eu, posso te levar até a sala.
Agradeci a ele, para depois segui-lo por corredores abarrotados de alunos e entrar numa sala com balcões para trios de alunos com vários instrumentos de laboratório em cada.
Castiel havia ido para o outro lado do corredor onde estava tendo aula de história, o que nos deixou sozinhos por um momento. Olhei para os lados, me sentando ao lado de Lysandre, numa bancada no fundo da sala:
-Tenho uma amiga que você vai gostar de conhecer seu nome é... –Antes de ele poder completar a frase uma garota de cabelos brancos e roupas provocantes adentrou na sala eufórica.
-Lys!!! –Abaixei a cabeça e peguei meu livro de biologia usado o colocando em cima da bancada, aquela menina era muito chamativa e eu não queria atenção pra cima de mim tão cedo. –Você tem que ver as novas roupas que o Leigh criou ontem à noite! São tão lindas e... Opa, quem é essa aí?
A garota apontou pra mim com surpresa.
-Esta é a Celina. –Lysandre respondeu frio e sem paciência. –É uma aluna nova, Rosalya...
A garota arregalou os olhos para mim, e começou a me encarar com olhos âmbares intensos. Fiquei com medo de ter alguma coisa errada com o meu rosto e comecei a passar discretamente a mão no rosto, com medo de estar com algo nele.
-Ai meu Deus que cabelo lindo! –Rosalya se debruçou na bancada e pegou uma mecha do meu cabelo o colocando entre os dedos, admirada.  –É cinza com um degrade de escuro pra claro! E a maciez, nunca vi nada tão macio!
-Obrigada... –De certo modo ela era legal, chamativa, estranha porem sincera.
Antes de eu poder responder um homem magrelo com uma postura tímida na entra na sala e bate com uma régua na mesa do professor na frente da sala. Professor Farize de biologia pelo visto...
-Silêncio, turma! –Todos os alunos olharam para frente e se endireitaram nas mesas. Pelo visto aquele professor penalizava os alunos frequentemente para obter tal respeito. –Senhorita... –O professor pegou a lista de chamada para verificar o meu nome. –Celina Jádira Coelas, você foi chamada no grêmio estudantil para completar sua inscrição. Siga pelo corredor e entre na sala indicada como Grêmio estudantil.
Peguei minha bolsa, recatada e silenciosa no ato e deixei a sala.
‘Ser simpática não é meu forte, terei que treinar isso... ’.