Excluídos escrita por Matheus Saioron


Capítulo 27
Capítulo 27- Tudo é memória




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Os dias foram se passando, e em nenhum deles o Peter veio falar comigo; eu fiz o mesmo. Não vou negar que morri de vontade de ir chama-lo para me fazer companhia à noite, para conversar sobre as coisas que para as outras pessoas não faz sentido algum. Uma vontade corroeu todo o meu corpo falando "Vai lá chama ele para conversar!" Porém, existe o inútil Orgulho que nos cega, nos faz acreditar que é o outro que deve tomar partida. Eu acho que os dois pensaram assim. Do outro lado do refeitório, ele me olhava, o seu doce olhar se tornara uma amarga melancolia. Eu quero ele, quero me reconciliar, encontrar dentro dos braços dele a paz que antes encontrara. 

Eu estava chegando ao meu oitavo mês de gestação. A barriga estava grande, e minhas costas latejava de dor, sempre me pedindo para me sentar na primeira cadeira que visse. Há mais ou menos uma semana, eu voltei a ter o mesmo sonho. Dessa vez - como nas outras- foi diferente. Passou vários momentos da minha infância e logo, apareceu o número dez. Estava ficando amedrontada, não contei a ninguém, claro. O número vinha diminuindo, e a dúvida sobre o que aquele número significava me atormentava dia após dia.  Cadê o Peter que não está do meu lado? Quero sentir mais uma vez o calor de sua respiração sussurrando algo totalmente fofo nos meus ouvidos. 

Por quê Laura não vinha falar comigo? Eu me sentia culpado, envergonhado e frágil pelas perguntas que tinha feito. Ver a nossa filha crescer, e não poder acompanhar é terrível. Poder passar as mãos e sentir aquela vida do outro lado da pele. Queria sentir, beija, leva-la para andar a noite, queria a Laura ao meu lado. Em toda a aula e intervalo fico admirando-a de longe sem poder chegar perto, quando não estou vendo-a, fico olhando para uma foto. 

Tudo me lembrava Peter. Ficava na janela do meu quarto, olhando a lua, a mesma lua que nós víamos na Califórnia. Todas as estrelas daquele céu pareciam querer me dizer algo, mas eu não conseguia decifra-las. A noite esconde um mistério, mudando o jeito de vermos as coisas no escuro, um jeito obscuro e sublime. Uma forte dor no meu peito se expandia para todo o corpo, ficava com medo pela minha filha que estava lá dentro. Por quê esse mundo é tão estúpido e nem um pouco romântico? Eu sempre quis conhecer a Martha Medeiros, em outras menções que fiz, falei que era minha autora favorita. E ainda é. Parece que o meu sonho me escoria pelas mãos, parecia-me mais distante. Uma coisa me dizia que eu não o realizaria. Somos tão egoístas, depois de conquistarmos um sonho queremos outro e outro. O que seria da vida sem os sonhos que não conseguimos realizar? A excitação de tentar, procurar um caminho para chegar nele, mas mesmo assim continuar distante. Não faz sentido. 

. Alguma coisa queria me cortar de cena. Peter me mandou uma mensagem na noite passada. "Durma com Deus, e cuida da nossa filha, enquanto a minha falta de responsabilidade não me permite. Eu ainda continuo te amando." Eu ia responde-lo, mas meus créditos tinham se esgotado. Meu Deus que raiva que senti quando a operadora me mandou outra mensagem falando que a mensagem não foi enviada por falta de créditos. Quanta estupidez, deveria haver algo, sei lá, um bônus para as mensagens de amor. Afinal, estamos amando e merecemos um descanso de algumas regras. 

No outro dia, queria correr até a loja mais próxima, colocar créditos e me desculpar pela demora. Falar que ainda o amava muito, e que queria vê-lo. Porém, eu acordei indisposta, fui tomar café da manhã e minutos depois colocara tudo para fora. Lembrei me que fazia oito meses de gestação.  Quanta pressão em cima de mim, Deus. Um mês para conhecer minha filha, dizer "Bem vinda ao mundo, amor" e entregando-a ao Peter. Eu me lembro de quando eu era um nada, bem no começo do ensino médio. Nossa, hoje eu vejo o quanto fui forte para ter aguentado tudo aquilo. Havia se passado bastante tempo, agora todos falavam comigo, e iria ter uma filha. Quanto avanço. E mesmo assim, eu me sinto esvaindo de tudo. Conheci lugares novos, fiz relações novas, ri de coisas novas, pensei de jeitos diferentes. Estava lendo as primeiras páginas disso que escrevo por ocasião, como eu era diferente. Agora, tudo me parece tão estupido no começo, talvez isso devesse significar que estou evoluindo. Para melhor ou para pior, eu não sei, mas eu gostei das mudanças. Eu fui mais humana nesse presente que a minha cabeça teimava em dizer que era final.  

Fui a uma venda perto da minha casa comprar o tão querido crédito. Estava meio pálida, mas queria falar ao meu um "Eu te amo." Quando estava no caixa, o vendedor me perguntou se eu estava bem, respondi que sim forçando um sorriso e pagando o débito. Em direção a porta, eu me desmoronei na escuridão. Quando acordei, minha mãe estava com o Peter do meu lado. Chorando ambos. Eu não conseguia ouvir nada o que diziam, mas entendi um "Vamos ter que fazer o parto hoje!" Como assim fazer o parto hoje? Eu estava no meu oitavo mês de gestação, a regra diz que temos que ganhar o filho - ou a filha, nesse caso - no nono mês.  

Agora tudo parecia fazer sentido, a sensação de desaparecimento e vazio, o número que aparecia nos meus sonhos e me causava medo. Todas essas "pistas" vinham de encontro a esse dia, onde eu ganharia minha filha. Mas era só isso? Tudo rodava na minha cabeça, e tudo veio a ficar branco. Abri meus olhos de novo, minha cabeça latejava e enxergava tudo embasado. Eu vi a minha filha, reconheci na primeira vez que a vi. Ela estava nos braços do Peter que chorava muito olhando para ela e para mim. 

Naquela manhã de quinta-feira, uma alma chegou ao céu, mas uma criatura que deixava a vida terrena, deixando no mundo outra criatura da mesma espécie. Seu nome? Laura. Tanto a mulher que lutou até o fim contra o preconceito, bullying e o tumor; quanto a menina que acabava de ser recebida ao mundo. Eu, Peter pai e marido da Laura, com o desejo interminável de ser escritor, publico hoje esse livro. Escrito, majoritariamente, por ela mesma, Laura. Escreveu em um pequeno caderninho velho da sua escrivania. Eu só coloquei o que pensava no momento em que tudo se passava, dando detalhes da minha parte. 

No final de sua trajetória, eu coloquei o que realmente aconteceu. A última frase do caderninho foi: "Eu me lembro de quando eu era um nada." Assim acaba a incrível narração da Laura. Depois, tanto no hospital quanto na loja, tudo foi feito como aconteceu. Sem ser modificado a história. Laura termina olhando pela primeira e última vez a filha nos meus braços com um sorriso fraco, porém realizado. Decidi batizar a nossa filha de Laura em sua homenagem, ela merece ser lembrada por gerações. Com esse livro, ajudo a memória da Laura estar sempre viva, não só no coração de quem a viu. Mas também no coração de quem a conheceu por meio da escrita. 


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Notas finais do capítulo

Bem, primeiramente, não me xinguem pelo final. Desde o começo o realismo foi mantido. Quem é Laura? Responderei com a mesma frase que Eça de Queiroz respondeu há vários anos atrás. "Ela sou eu!" Entendam como quiserem. Logo - daqui a uma semana, mais ou menos- Talvez, eu continuarei a história, talvez não. Espero que tenham curtido ler assim como curti escrever, obrigado à todos e esperem por noticias.



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