- Se você sair por aquela porta não pense em voltar nunca mais, ESTÁ ME OUVINDO?! – A semideusa gritava enfurecida, enquanto lágrimas rolavam por seu rosto.

A garota sabia que a sua reação era ridícula, quem ela pensava que era para ele? Não era sua mãe, nem mesmo sua irmã e muito menos sua mulher para poder exigir alguma satisfação sobre o que ele devia ou não devia fazer... Mas, mesmo assim, ela sabia as consequências da escolha dele, assim como tinha certeza de que ele também sabia. Só que isso não importava. A filha de Afrodite simplesmente não podia suportar a ideia de seu amado – ela se perguntava se poderia chamá-lo assim – trair o acampamento, ela e, mais importante, a família que eles haviam formado.

- Não era minha intenção voltar mesmo... – disse o semideus com um ar indiferente enquanto passava pela soleira da porta dos fundos da mansão dos Macys.

- Então você está me dizendo que vai apenas TRAIR e ABANDONAR o acampamento, eu e a nossa filha... Eu esperava mais de você! – Serena estava descontrolada; estava jogando tudo na cara dele sem nenhuma piedade.

- Eu nunca disse que iria abandonar e muito menos trair a Alice... Jamais faria algo assim! O que eu estou tentando te explicar, apesar de toda essa gritaria e encenação, que, aliás, é bem típico de uma filha de Afrodite, é que eu não estou interessado em quem vai ganhar essa guerra. Só estou interessado em ter Bianca de volta e nada mais. Se para isso eu sou obrigado a trocar de lado que assim seja – disse Nico segurando os pulsos da garota que lhe ameaçava dar um tapa na cara depois de tudo que ele havia acabado de dizer.

- Então você realmente acha que sua irmã iria te perdoar se soubesse o que você está fazendo para trazê-la de volta do mundo dos Mortos? Bianca era uma garota muito correta e justa, ela nunca iria passar por cima de seus princípios para realizar meros caprichos estúpidos.

- CAPRICHO ESTÚPIDO!?!?!?!?... Fora a gota d’água.

Nico se enfurecera. Prensou a garota contra a parede segurando-a pelo seu delicado pulso, e, com o rosto a centímetros do dela, começou a despejar toda sua fúria em Serena.

– Trazer Bianca de volta, minha única família, ressuscitá-la... Por acaso, isso é um capricho estúpido?! Quem tem caprichos estúpidos são você e todos os filhos de Afrodite. ”Ai, como eu queria aquele sapato ou aquela bolsa...”, “meus deuses! Meu mundo acabou minha unha quebrou!”, ”ai queridinha, como você é ridícula, saia da minha frente porque você está ofuscando minha beleza...” – o semideus disse imitando os filhos da Deusa da Beleza com desdém. – Esses tipos de futilidades é que são estúpidas. Até mesmo em uma situação tão crítica como agora, você e seus irmãos nada estão fazendo para ajudar o Acampamento durante essa guerra. Então, que direito você tem para falar de mim ou sobre traição? Para mim, a traição de vocês é muito pior do que a minha!

- Cale a boca! – Agora era Serena quem estava furiosa. Ela nunca se alterava por nada, como aquele garoto idiota ousava irritá-la? – Nós estamos ajudando sim! Montamos os disfarces para que o pessoal possa invadir o campo do inimigo sem ser percebido - disse a garota sem fôlego. Serena estava gritando, chorando e tremendo, tudo ao mesmo tempo.

A semideusa nunca havia reagido daquela maneira diante de nenhuma situação em sua vida, portanto ela simplesmente não entendia o que estava sentindo e pensando naquele momento. Era raiva? Medo? Ou quem sabe tristeza?

- Ah, e disfarces são tão úteis em meio a uma guerra dessa magnitude... – Nico disse ironicamente. – Você sabe que tanto esses “disfarces” como esta conversa são inúteis, não é mesmo? Aceite que você e seus irmãos não fazem a menor diferença nessa batalha, assim como você não pode fazer nada em relação a minha partida. Eu VOU deixar o acampamento e VOU lutar ao lado do meu pai contra vocês, quer você queira ou não. Ponto final.

Depois dessa afirmação do filho de Hades, o silêncio caiu entre os dois.

Nico já não estava mais a prensando contra a parede, apesar de ainda se encontrar a poucos centímetros dela. Enquanto olhava-a da cabeça aos pés, sua expressão estava impassível e impiedosa diante da desesperada e incrédula de Serena. Contudo depois de se segurar e manter-se firme, a semideusa desmoronou.

- Por favor, não vá! Eu não quero. Eu não... – Serena soluçava tanto que mal conseguia formular uma frase completa. – Que... ro...   per... der...   vo... cê...   Por... favor...   Não...   nos...  deixe...

Repentinamente ele abraçou-a. E assim pela primeira vez naquela discussão, Nico deixou transparecer seus sentimentos. Ele sofria muito com aquela decisão. O que ele mais queria era ficar no Acampamento – ficar com ela, sua Serena, aquela garota mesquinha, egoísta e metida, mas que o apoiava. Mesmo que no começo eles não se entendessem muito bem, agora aqueles dois se amavam, mesmo que não admitissem.

- Serena, por favor, não dificulte as coisas – implorou o semideus contra o ouvido de sua amada, tentando acalma-la.

- Nós po... de... mos ten...tar outra coisa... – sussurrou a filha de Afrodite com a voz abafada, já que seu rosto encontrava-se apoiado no ombro de Nico, cobrindo parcialmente sua boca.

-Mas não foi isso que estivemos fazendo nesses últimos seis meses? – apontou Nico afastando-se de Serena, enquanto mantinha sua mão pousada no rosto da garota. – Você sabe que não há outro jeito... Já falei... Aceite, vai ser melhor assim...

- Não vai não... – a garota fungou, segurando a mão de Nico, que estava em seu rosto.

Um impasse assolava-os, e, quando parecia que nenhum iria ceder...

- Vamos fazer um acordo... – disse a semideusa em um rompante.

 - O quê? – essa pegou Nico de surpresa.

- Um acordo, ou melhor, uma promessa. Eu prometo lutar e não desistir nem de você, nem da nossa família e nem do acampamento. Vou lutar para trazê-lo de volta e para ajudar na guerra contra os titãs, nem que seja a ultima coisa que eu faça... – Serena disse com uma postura totalmente diferente da menina chorona e desesperada de minutos atrás, e da menina egoísta e mesquinha que sempre fora.

A heroína dentro dela despertara com força total.

- E o que você quer que eu prometa em troca? – perguntou Nico intrigado com a decisão da garota.

- Quero que você me prometa voltar com vida dessa luta e que mesmo abandonando a mim e ao acampamento, você não abandone a Alice. Ela não tem culpa pelo que aconteceu dessa forma ela não deve ser castigada com a perda do pai. Portanto, me prometa... Viva e não abandone nossa filha! - disse a semideusa olhando fixamente nos olhos dele. – Se você concordar com isso, cumpra sua parte, porque eu com certeza cumprirei a minha.

- Ah... Essa promessa é tão ridícula – disse Nico com desdém, debochando da proposta de Serena. - Por que você acha que eu devo concordar com isso? – o semideus disse essa última frase chegando excessivamente perto dela. Depois, virou-se abruptamente, fitando o imenso jardim dos fundos dos Macys.

- Porque, mesmo que você não admita, eu sei que se importa com essa família... – disse a garota provocando-o enquanto segurava o rosto do garoto e virava-o para que ele a olhasse enquanto ela falava com ele.

- Tá bom, então... Como se você me conhecesse de verdade... – disse o garoto com descaso desvencilhando-se das mãos dela que insistiam em fazê-lo olhar na direção dela. Quando conseguiu se livrar desse obstáculo, começou a andar vagarosamente em direção ao jardim. – Até Senhorita Macy. Espero que você seja feliz com todas as suas futilidades e vê se me esquece - disse isso de costas para a garota, acenando para ela com o dedo indicador e do meio juntos, enquanto se afastava da mansão, adentrando nas trevas que havia criado.

- Então a proposta está de pé. Cumpra sua parte, porque eu não vou desistir JAMAIS! – gritou a filha de Afrodite na soleira da porta que dava para o jardim.

De repente, uma criancinha saiu do quarto mais próximo, meio atordoada e sonolenta. Ela deveria ter acabado de acordar devido à discussão que acabara de acontecer.

- Mamãe, o que está acontecendo? – perguntou a garotinha esfregando as mãozinhas nos pequenos olhos, aproximando-se de Serena.

Ouvindo a voz de sua filha, Nico olhou de relance para trás e teve a visão do que perderia nessa sua empreitada: a mulher e a filha que tanto amava. Dando um pequeno sorriso, pulou nas trevas, porém não antes de ouvir Alice gritar, chamando-o com lágrimas transbordando de seus olhos.

- Papai, papaiiii! – gritava a menininha tentando alcançá-lo, no entanto já era tarde. Nico não estava mais ali, e, dessa forma, Alice sucumbiu e caiu no chão desolada e soluçando de tanto chorar.

- Calma, vai ficar tudo bem! – Serena disse, pegando a menina no colo tentando acalmá-la. Ao mesmo tempo, tentava disfarçar sua própria tristeza com um pequeno sorriso, apesar de ainda ter lágrimas escorregando pelo rosto.

- Mamãe, mas se você está chorando, como vai ficar tudo bem? - perguntou a garotinha com uma carinha de interrogação.

- Mas que menininha esperta – sussurrou a semideusa com um sorriso no rosto, enquanto fazia cócegas em sua filha que dava risadas, mesmo tendo resquícios em seu rosto das lágrimas que chorara.

- O que aconteceu, mamãe?!... – perguntou a menina ao perceber que a mãe havia parado de lhe fazer cócegas e olhava fixamente para o horizonte com um olhar determinado.

- Nada, minha filha. Só percebi porque eu sei que vai ficar tudo bem... – disse Serena, olhando rapidamente para a menina e depois de volta para o ponto que estivera olhando minutos atrás. – Seu pai e eu cumpriremos nossa promessa, ele voltará e eu lutarei. Mas no final eu SEI que terminaremos todos juntos.

Cada um dos dois havia tomado sua decisão. Caminhos diferentes, mas com um mesmo objetivo: Manter e proteger a família. Será que Nico e Serena cumpririam sua promessa? Será que eles realmente terminariam juntos? Essas questões, querido leitor, só o tempo poderá responder...