Jogos Vorazes - 71º Edição escrita por GS Mange


Capítulo 12
A Arena parte 2: A ficha começa a cair


Notas iniciais do capítulo

Nenhum Tributo sabe o que lhe espera na arena. Os campos geralmente são construídos artificialmente, cheios de armadilhas e perigos, incentivando o conflito e impossibilitando que uma criança fique escondida dos outros por muito tempo. Desenvolvida pelos Idealizadores, a arena é alterada todos os anos. Os Jogos Vorazes também desenrolam-se fora da arena, com cada mentor tentando reunir fundos dos patrocinadores para ajudar seus Tributos. As dádivas, como são chamadas, são compradas por altos preços, que crescem conforme os Jogos avançam. Surgem na arena carregados por pequenos paraquedas prateados e ajudam a suprimir qualquer necessidade que os Tributos estejam passando.



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Anise não se move. Fico de frente para ela e faço respiração boca a boca nela, com o pouco ar que ainda circula em meus pulmões. Faço isso repetidas vezes até que ela finalmente cospe a água para fora, mas continua inconsciente. Colton então faz uma massagem cardíaca nela por algum tempo e então ela vai voltando à tona lentamente. Nós a ajudamos a se sentar. Ela ainda tem alguma dificuldade para respirar. Abre os olhos lentamente e fica olhando imóvel a praia e os bestantes que agora estão ao longe. Ficamos nós três parados, olhando o sol se por. É quando me dou conta de que estamos desprotegidos e que com certeza qualquer carreirista que estiver passando lá em cima, poderá nos ver.

Recolhemos tudo e entramos embaixo da plataforma. Anise ainda está em estado de choque. Então enquanto Colton está arrumando galhos e folhas secas para a fogueira eu a ajudo a trocar de roupa. Felizmente o nosso macacão é a prova d’água de modo que estamos completamente secos do pescoço pra baixo, com exceção apenas das mãos e pés.

Penduro seu macacão bem esticado perto de alguns ferros contorcidos da estrutura metálica que nos abriga. Quando ela está bem agasalhada vou enfim me trocar. A noite já esta firme no céu e então ascendemos a fogueira, torcendo para que ela não produza bastante fumaça. Anise está bem enfrente à fogueira e parece estar se recuperando do trauma. Colton começa a por os peixes que ele havia limpado para assar e nos mostra dois pássaros medianos que ele conseguira abater enquanto estávamos na praia.

– de repente agente pode comer isso aqui no café amanhã – ele sugere.

– então os coloque no fogo agora – explico – se não a gente vai ter que fazer outra fogueira e isso pode chamar a atenção de alguém para nós. Não deve estragar até amanhã de manha.

Depois de alguns minutos os primeiros peixes ficam prontos. Colocamos em um canto e esperamos esfriar porque não temos nada para segurá-los. Quando já estão mornos começamos a comer. Nós parecemos três esfomeados. Comemos todos os peixes. Não sobrou nenhum. Resolvemos guardar as aves de Colton para amanhã. É quando ouvimos um estouro de canhão, depois outro e mais outro. Seis vezes ao todo.

– seis já estão mortos – digo

– então ainda faltam dezoito – conta Colton

– silêncio – repreende Anise – o hino já vai começar.

Ela mal termina de falar e uma faixa de luz prateada aparece no céu escuro. A insígnia de Panem. O hino toca e ao seu fim, os rostos dos tributos mortos e o número de seu distrito aparecem. Primeiro a garota do 3. Isso significa que os carreiristas de 1 e do 2 estão vivos. Depois a garota do 5. Os carreiristas do 4 também estão vivos. Ambos os tributos do 8 aparecem. O garoto do 9, parceiro de Anise também aparece. Olhamos imediatamente para ela, que se mantém imóvel, sem nenhuma expressão sequer. Acho que está tentando ser forte. A garota do 10 também aparece. O hino termina e o holograma desaparece. Mas ainda nos mantemos com olhos fixos no céu. A ficha está começando a cair. Dou um abraço forte em Anise, que começa a se mostrar triste e depois vai deitar, cobrindo-se com o lençol de que estava da minha mochila.

Colton se oferece para montar guarda, mas eu prefiro ficar, pelo menos nesta noite. Ele e Anise vão se deitar e rapidamente caem no sono. Vou para a entrada da caverna e fico observando tudo ao meu redor. Tenho em minhas mãos uma espada e um machado lodo atrás de mim. E várias facas espalhadas em meu bolso. Estou disposto a protegê-los.

Os observo brevemente e penso... Porque eu a salvei? Por ventura eu não poderia tê-la deixado morrer? Seria menos uma na disputa, cujo prêmio é a vida. Porque estou aqui com eles? Sinto como se fosse responsável por eles. Mas por quê? Alguma hora terei de matá-los. Não quero que isso aconteça. Então só me resta abandoná-los. Mas não farei isso. Não hoje, não aqui.

Fico bem atento a tudo. Ao som do vento que bate nas moitas que nos circundam. Ao som da água do mar batendo nas pedras. Os poucos animais que existem nessa arena. Quando ainda nem se vê os primeiros resquícios da manhã, Colton levanta e se oferece para continuar de agora em diante. Eu aceito, estou exausto, quase morto. Se não descansar, serei um alvo fácil. Deito-me ao lado de Anise, que parece estar melhor. Pelo menos agora que está dormindo.

Sinto um aroma de marisia no ar. Abro os olhos. O dia já está firme, Anise não está mais ao meu lado. Levanto, com um pouco de dificuldade, estou com dores musculares. Quando saio da plataforma, reparo bem na estrutura e vejo que há algumas lentes brilhantes. Câmeras. Estávamos sendo filmados todo o tempo. Eles sempre souberam onde estávamos e o que fazíamos.

Saio da plataforma e a julgar pela altura do sol, e também pelo calor, são mais ou menos dez horas da manhã. Estamos na Arena há exatamente um dia. Anise aparece e me dá um pedaço de carne para comer. São os pássaros de Colton. Ela parece confortavelmente bem agora. Não há indícios de traumas, por menor que sejam.

– estão acordados há quanto tempo – pergunto.

– tem uma hora, por ai – responde, comendo uma pequena asa assada – Colton foi dar uma olhada na área, para ver se acha alguma coisa, ou alguém...

– o que? – pergunto sem acreditar – ele o que?

– calma, calma – diz Colton, aparecendo atrás de mim, sujo de poeira dos pés a cabeça – o papai aqui chegou.

– por que você fez isso? - pergunto furioso – você poderia ter morrido sabia?

– sei disso desde o momento em que foi escolhido na colheita Florian – responde, sem perder o senso de humor. Neste momento nós dois damos um riso, mas Anise parece bem abatida e descompensada.

– não vejo graça alguma, meninos – diz ela – a coisa aqui é séria.

Nós voltamos para dentro da plataforma, e arrumamos nossas coisas. Logo ouvimos um som ensurdecedor vindo de lá de fora. Anise agarra suas coisas rapidamente, com tanta força que suas mãos logo ficam vermelhas. Colton decide ir lá fora para verificar. Logo ele volta correndo como um louco, pega sua mochila no chão e grita:

– aves assassinas – grita ele – bestantes.

O que? – pergunto desorientado – cato rapidamente, as armas, pego a mochila e corremos para o fundo da plataforma. Lá é escuro e aparentemente sem saída. Anise logo começa a cavar com as próprias mãos algumas pedras que estão no fundo da plataforma destruída. Eu começo a bater com o cabo do machado e algumas pedras desmoronam. Fica mais fácil de retirar as outras. A estrutura metálica começa a ceder. Anise passa primeiro, depois Colton e, em seguida, a estrutura desaba sob minha cabeça. Minha sorte é que ela está toda retorcida, de forma que me prende numa espécie de jaula. Os bestantes tentam passar por entre os ferros, mas não conseguem. Daí eles começam a bicar a estrutura que se retorce lentamente. Eles são maiores do que corvos, igualmente pretos, só que com olhos vermelhos e dentículos afiados no bico. Com um pedaço de ferro eu tento contorcer as “grades” que me prendem. Do outro lado eles estão me gritando freneticamente. Anise mão consegue abrir os olhos e Colton mantém o braço esticado para mim. Eu continuo golpeando a estrutura até que consigo fazer um buraco no qual consigo passar.

Mais uma vez os bestantes ficaram para trás. Dois pontos para nós. Zero para os idealizadores. Parece que estamos num galpão. Totalmente arrasado. Grande parte a estrutura do segundo andar desabou, assim como algumas paredes. O chão está repleto de entulho e ratos. Estruturas metálicas pequenas e vigas de sustentação espalhadas. O teto está todo esburacado, de forma que a luz do sol penetra relevando uma camada de poeira pelo ar. As janelas estão quebradas e as que ainda estão inteiras, ou estão seladas com madeiras pregadas ou pintadas de preto.

– olha – aponta Anise desesperadamente para cima – lá em cima. Bestantes.

– droga! – exclamo, sem saber o que fazer.

– corram – sugere Colton já correndo para uma das janelas quebradas.

Imediatamente um turbilhão de pássaros negros voa em nossa direção, como se fossem nada mais do que uma enorme fumaça escura querendo nos tragar para a morte. Colton lança sua mochila através de uma enorme janela, quebrando-a em milhões de pedaços que acidentalmente caem em cima de si. Ele está todo cortado, mas ainda sim ele levanta e ajuda Anise a atravessar. Eu o peço para que atravesse logo e em seguida eu atravesso também.

Estamos correndo freneticamente, e os pássaros estão quebrando as janelas ao atravessa-las. Conforme corro, reparo que há prédios e fundações dentro da água. Como se a cidade tivesse sido inundada pelo mar. Cidade? Droga, a Arena não é tão grande quando eu pensava. Estamos dando a volta nela. Entrando na cidade cada vez mais. Já não vemos os bestantes. Só destruição. A Arena é bem curiosa, porque os arranha-céus parecem de verdade.

– estou cansada – diz Anise – não aguento mais andar!

– tá – diz Colton – a gente pode parar pra descansar um pouco!

– não. Agente não pode – infiro – o que vocês estão fazendo? Isso aqui é uma caçada!

– mas ela tá cansada. E eu estou ferido!

– a gente para quando achar um lugar seguro!

– hey! – arqueja Colton – a gente vai para um pouco, está bem?! Beber água. Achar comida. Tá legal?! – ele não está mais perguntado, nem pedindo.

– meninos parem. Eu já... Já estou bem.

– não. Tudo bem – digo – vocês têm razão. Paramos aqui e descansamos. Depois seguimos caminho.

O lugar é estranho. Uma muralha de concreto. Arredondada e encurvada para dentro. Um zumbido estranho. Fraco, mas ainda estranho. Como o de uma cerca elétrica.

– o limite! – grito, agora entendendo o lugar onde estamos – o limite da Arena.

Colton, que estava se lavando no aglomerado de água e destroços bem ao lado do limite da Arena, levanta-se e começa a reparar o lugar também.

– claro – diz – tinha que ter um final não é?! Uma barreira.

– e se nós tentássemos escalar e sair? – pergunta Anise.

– não poderia ser assim tão fácil – responde Colton.

– deve ser eletrificada pouco acima de nós – sugiro – com certeza tem um campo de força aqui.

– então sugiro que nos afastemos – diz Anise – essas coisas são perigosas. Muitas coisas lá no 9 são protegidas por campos de força. Se você não prestar atenção onde põe a mão, você pode... – hesita – bem, pode virar churrasquinho.

– churrasquinho? – pergunta Colton – é o que isso faz? Queima tudo o que o toca?

– mais ou menos isso – explica – isso te lança longe. A força é anta que é como se fosse um choque de alta voltagem. Como não sabem disso?

– lá no 12 não temos coisas como essa! – responde Colton – nem temos energia elétrica todos os dias. Na maioria das vezes eles ligam quando a Capital quer passar algum comunicado para nós. Nem mesmo a cerca que sapara a Costura da floresta fica ligada todo o tempo.

– lá no 7 também não temos – digo – mas sei o que são porque lembro-me de ter ouvido falar disso numa aula lá na escola. Não estudamos isso muito profundamente porque não somos nós que produzimos tecnologia.

– você precisa cuidar desses cortes Colton – diz Anise – deixe-me ver.

– não precisa – diz – é sério.

– um pouco de álcool resolve isso – diz Anise retirando um frasco do kit de emergência.

Logo um paraquedas prateado cai em cima de alguns escombros perto de nós. Levanto-me e pego o paraquedas. Trago-o para que possamos abrir juntos. É um pão, grande o suficiente para todos nós.

– que pão é este? – pergunta Colton – nunca vi.

– é um pão de frutas secas – respondo – é típico do meu distrito.

– estou vendo – ele diz – é redondo e cumprido, parece um tronco. Só pode ser pra você mesmo.

– isto aqui significa algo pra você? – pergunta Anise – achei dentro do recipiente do paraquedas.

– deixe-me ver – pego o papel e vejo escrito “Fugere urben quam minimum crédula postero”– sim. Mas não entendo o que ele quis dizer com isso – toco em meu anel com os dedos, girando-o.

– o que significa isso ai escrito? – pergunta Colton

– é latim – digo – e diz para... Para... Bem, diz: fuja da cidade. Confie o mínimo no amanhã!

– e isso significa alguma coisa pra você? – ele pergunta – não há como fugir daqui Florian. Não se iluda!

– ele quem Florian? – pergunta Anise – quem te mandou isso?

– Grover. Meu mentor – explico, olhando fixamente para o pão. Só então percebo que estou morrendo de fome. E provavelmente eles também estão. Pego uma das minhas facas, corto três fatias e guardo o restante.

– ainda temos aqueles pássaros de ontem? – pergunto

– não – responde Colton – comemos tudo de manhã. Não eram muito grandes.

– tudo bem – respondo – isso aqui é melhor do que nada não é?! – comemos tudo bem de vagar, apesar da fome, para a sensação de saciedade perdurar.

De repente ouvimos um barulho de canhão. Mais uma morte. Que será? Daisy? Um dos Carreiristas? O pequeno Hamilton? Teremos de esperar anoitecer para saber. Quando terminamos de comer, Anise termina de limpar os cortes de Colton e seguimos em frente.

– espere – diz Anise de repente – já que deixamos para trás a plataforma e a praia, andamos mais e chegamos aqui nesse limite, isso significa que se continuarmos andando por este caminho, mais cedo ou mais tarde vamos voltar para a plataforma. Ou para cá. Estamos andando em círculos.

– isso – digo – já havia reparado faz algum tempo.

– então vamos mudar de caminho – sugere Colton – só temos que nos preparar para um ataque eminente.

Passamos por algumas ruas desertas. Parece que estamos cada vez mais próximos do que seria o centro da Cidade-Arena. Carros revirados, prédios demolidos, poeira. Fumaça. Espera. Fumaça logo à frente. Tem alguém lá.

– acho melhor não irmos por ai – sugere Anise – pode ser arriscado. Não sabemos quem é. E se forem os carreiristas.

– pode ser – completa Colton – só eles teriam coragem para fazer esse tipo de coisa.

– não são eles. – digo – são forte, mas não são burros.

– não entendi – diz Anise.

– se ficarem todos juntos no mesmo lugar, poderiam ser cercados e facilmente mortos por alguém.

– por alguém como nós?! – debocha Colton – qual é... Na boa, todo sabemos que os carreiristas sempre se dão bem no fim das contas. – Anise concorda.

– o final da sua história – recito – quem escreve é você, ninguém mais!

– pode até ser, mas não vamos por ai e está decidido – diz Anise.

Não são os carreiristas. Agora que estamos mais perto percebo que são labaredas de fumaça. Aposto que é uma tática dos idealizadores. Como os bestantes que nos atacaram lá atrás.

– a gente pode passar a noite num desses prédios – sugere Anise – quem sabe tem energia elétrica.

– ótima ideia Na. – An? Desde quando ele a chama assim? – desde quando você a chama assim?

– desde agora, eu acho – não me convenceu. Ele está gostando dela? – por quê? Está com ciúmes? – pergunta rindo – ou quer um apelido também?

– não – respondo a primeira pergunta – não estou com ciúmes – e de fato não estou – e não quero apelido algum!


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