Filha das Ondas. escrita por Cora


Capítulo 6
Reticências


Notas iniciais do capítulo

DESCULPEM A DEMORA, EU NÃO TIVE TEMPO DE ESCREVER NADA.
Eu gostaria de agradecer a duas lindas fãs que são a minha fonte de motivação. Obrigada Pollyanna, por me acompanhar desde o início. Obrigada por sofrer e odiar junto comigo, você não sabe o quanto eu sou grata a você por não ter me deixado desistir. E obrigada Elizabeth, seus comentários me alegraram muito. Dedico esse último capítulo a vocês. E também a eles, os personagens que me entristeceram e me alegraram.
Bom leitura.



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"Nós chegamos ao fim, o silêncio é implacável e nos sufoca, nos mastiga e nos joga sem dó nem piedade para um buraco sem aresta, nem teto, nem fundo, só vazio, imensuravelmente vazio. E ali eu permaneço e me lembro de um verso que dizia a 2 anos que o amor é eterno enquanto dura. Será que todo fim tem que ser uma despedida? Eu não quero ir embora, só quero cessar essa dor que não cala, habita cada canto, cada pausa, me retira o ar e não me deixa respirar.

Elisa Bartlett.






Chegou o dia do casamento.

Vestida de ouro e seda, Aria esperava em silêncio seu fim. Aquela mesma noite festiva era o dia em que ela se tornaria espuma do mar. Alegria reinava em toda parte. Trombetas anunciavam o casamento, e arautos espalhavam-se pelas ruas decoradas. Os dois reinos estavam em festa.

Casaram-se na mesma igreja que Aria se imaginou casando com Philip. A jovem princesa estava tão linda que Ari lembrou-se de suas irmãs.

Velas perfumadas enchiam o ambiente com cheiro de flores, e lindos candelabros decoravam a igreja. Os noivos, de mãos dadas, receberam as bênçãos do casamento, e todos batiam palmas e choravam de alegria. Menos a pequena filha do mar, que por mais triste que estivesse, não conseguia chorar diante da felicidade do homem que amava. Era irônico sentir alegria, enquanto a morte sussurrava-lhe ao ouvido.

Naquela mesma noite, os jovens recém-casados embarcaram ao som de canhões e palmas. Bandeiras dos dois reinos foram hasteadas bem alto, e o navio deslizou rápido em meio as águas límpidas.

Mais tarde, lindas luzes coloridas foram acesas, e os marinheiros dançavam alegremente e havia música e risos enchendo os ouvidos e alegrando a todos. Aria lembrou-se da primeira vez que tinha visto o mundo dos homens. Faltava pouco até a chegada do nascer do sol, quando seu prazo terminaria, por isso misturou-se em meio aos dançarinos, tão delicada e leve quanto uma borboleta. Todos a admiravam, boquiabertos, como se ela não fosse humana. Aria dançou tentando esquecer a tempestade que se acumulara em seu coração.

Pensava naquele por quem havia abandonado sua família e seu povo. Por quem havia sacrificado sua linda voz, e sua preciosa cauda, e padecido com dores tão terríveis, que seria impossível descrevê-las. Percebeu o erro que havia cometido, e o preço que pagou por sua tolice. Pela primeira vez desde que abandonou sua casa, Aria sentiu o peso de sua tolice, a culpa consumindo-a como ácido, e o medo tomando conta de seu corpo. Ela tremia.

Eu tinha tudo, pensou. Eu era feliz e não sabia, precisei perder tudo para me dar conta, de que tudo que eu precisava estava diante de mim. Mas eu egoísta, não quis.

Era a última vez que sentiria a brisa do mar. A última vez que veria o luar, a última vez que veria o céu estrelado, e também a última vez que olharia para o mar. Diante dela, uma noite sem sonhos se abria, uma escuridão terrível a esperava e ela podia sentir sua alma despedaçar-se.

Aria ria com a morte no coração.

O casal se uniu e retiraram-se para seu quarto. Tudo ficou em silêncio. Um a um, os convidados foram se retirando para deitar-se, ficando somente ela e o piloto ao leme. Aria apoiou-se na borda do navio, olhava para o horizonte, de onde surgiria a aurora. Sabia que o primeiro raio de sol a mataria, esperaria sua morte ali, sozinha, longe de tudo que havia amado em sua vida.

Então um som chamou a atenção, e ela olhou para baixo. Viu suas irmãs se aproximarem do navio, estavam muito pálidas e seus longos e lindos cabelos haviam sido raspados. Disseram:

– Aria, demos nossos cabelos à feiticeira para que ela pudesse ajudar-te a escapar da morte. Ela nos deu esta faca afiada, escute bem: precisas cravar esta faca no peito do príncipe, enterre em seu coração, quando o sangue quente dele banhar os teus pés, eles se transformação novamente em cauda.

– Eu não sei se posso...

– Pode, Ari. Tornarás a ser uma de nós, todo esse tormento terá passado e poderás voltar conosco. Voltar para casa, para tua antiga vida. Nosso pai te espera. Vais viver por 300 anos, não precisas morrer agora. Depressa! – entregaram-lhe a faca. A lâmina brilhava em sua mão.

– Antes do raiar do dia, é preciso que um dos dois morra. Mate-o e volta!

Então, depois de um longo suspiro vindo de Aria, as irmãs mergulharam nas ondas.

Aria caminhou em direção ao quarto dos dois. Cada passo parecia mais doloroso do que todos os últimos que dera. Quanto havia perdido por causa dele? Quando sacrificou por causa dele? E por quê? Para nunca ser amada de volta, para morrer sozinha.

Abriu a porta devagar, parou.

Philip dormia profundamente, e em seu peito nu dormia a pequena princesa. No rosto de ambos havia um enorme sorriso. Ela notou que eles estavam em paz. Aproximou-se, lembrou-se de quando havia salvo o príncipe e deitou nessa mesma posição que ela estava agora, apoiada e segura em seu peito. Estava encantada com a respiração serena, e agora ela via que a jovem sentia-se como ela, segura como nunca havia estado em toda a sua vida.

Ahn se não o tivesse salvado! Se não tivesse ficado até o anoitecer nunca teria passado por tudo isso. Que poderia fazer? Lembrou-se das palavras da feiticeira: A magia cobra seu preço. Ela tinha razão, e o preço que pagou pelo amor não valia a pena, mas o preço que o casal, deitado diante dela, teria de pagar por seus erros seria ainda mais alto. Que culpa tinham eles, se fora ela a tola?

Ela se aproximou ainda mais e beijou a fronte daquele que tanto amava. Olhou para a faca que segurava com as mãos tremulas e depois para o príncipe adormecido que, em seus sonhos, sussurrava o nome da mulher que amava. Ergueu a arma com as mãos tremendo muito, queria gritar, não estava pronta para morrer e sentia medo, medo de ficar sozinha. Desceu a faca em direção ao peito dele e... não conseguiu. Correu do quarto o mais rápido que podia, fechando a porta com uma batida estrondosa que acordou o jovem príncipe. Assustado, ele viu a cabeleira ruiva passar pela porta e soube quem havia estado ali. Por pressentimento, soube que algo estava errado, levantou-se e colou a roupa, correndo em direção a ela.

Viu a pequena olhando o mar. Os cabelos ruivos voando como chamas, o vestido dourado parecia brilhar como sol. Desde quando ela era tão pequena? . Então ela se virou, viu que tinha uma faca nas mãos, e que a jogou para longe, para o mar. Ela olhou-o com profunda tristeza e sorriu, uma lágrima triste caia do seu rosto, que parecia ainda mais pálido do que nunca.

– Eu amo você. – ele ouviu.

– Você fala? – Ela maneou a cabeça

– Não mais. – Então ela se jogou no mar e desapareceu.


Podia sentir seu corpo tornar-se espuma, mas não doía; do contrário, nunca havia se sentido tão bem em sua vida. Sabia que o sol nascia, surgindo acima do mar. Seus raios suaves e benéficos tocavam a água fria e ela não sentiu-se morta. Olhou ao redor, ao era escuro como ela imaginou que seria, era calmo. Podia ver o sol cintilante e o céu púrpura por cima dela.

– Olá – disse-lhe uma voz. Aria notou que havia uma criatura ao lado dela. Não possuía pés, nem cauda. Não mexia a boca quando falava e seus olhos eram dourados como o sol. Sua voz causava uma melodia fascinante, e havia várias criaturas transparentes e celestes ao seu redor. Todas murmuravam canções suaves, tão leves que um simples ouvido humano não poderia ouvi-las, nem vê-las. A filha do mar percebeu que seu corpo era como o das criaturinhas, e que aos poucos ela ia se desprendendo da espuma.

– Onde estou? – A voz dela era suave e musical, como as notas de uma lira.

A estranha que havia lhe cumprimentado respondeu:

– Em casa, minha filha.

– Eu morri?

– Não. Mas deixaste de ser uma filha do mar. Quando renegaste tua cauda, deixaste de ser parte do teu povo, porém não chegou a tornar-te humana. Diante da morte, fizeste uma escolha que muito poucos fariam, e tua alma recebeu a benção dos deuses do mar. Tornas-te uma filha das ondas.

– Nunca mais verei minha família?

– Não. Nós voamos até os lugares quentes, aonde o mau ar mata os homens. Para lá levamos a frescura das flores e a brisa do mar, espalhando perfume, prestando socorro a todos que precisam e chamam por nós. Tu foi abençoada e agora és um espírito do mar. Bem vinda ao lar, filha das ondas.

– Uma última pergunta. – pediu ela – Porque antes de pular no mar, eu pude falar?

– Quando desistiu do que a magia a ofereceu, ela se desfez e tua voz voltou. Mas ainda precisavas pagar o preço por tê-la usado, e por fracassar em sua decisão. Mas não penses que foi em vão. Tua atitude foi honrosa, e por isso ganhaste a chance de conhecer o que poucos viram, e poucos irão ver.

E Aria ergueu os braços para o céu, chorando pela última vez. No navio, o príncipe ainda olhava para o mar, procurando encontrá-la em meio as ondas, lembrando daquela voz e daqueles olhos pela primeira vez. Ele olhou fixamente para as espumas borbulhantes, como se soubesse que ela se desfizera no mar, como se soubesse que viera do mar. Sentiu o coração pesado e chorou.

Ao longe, a pequena filha das ondas gargalhava, voando em direção ao infinito céu azul.


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Notas finais do capítulo

Me doeu muito escrever esse final, e embora não tenha ficado tão longo quando eu esperava, fiquei bem orgulhosa do resultado >
Obrigada por acompanhar até o fim, beijos.
— Cora.