The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 2
Capítulo 1 — Exterminando




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Exterminando

 É HOJE. O dia que tanto esperei. Depois de dois anos malditamente longos de espera e estudo. Finalmente, finalmente eu irei fugir daqui. Não sei ao certo o que farei ao chegar a Tucson, mas ninguém me impedirá. Eles pensam que sou uma Alma. Arrumei uma mochila vermelha e grande com garrafinhas de água, cinco blusas, duas calças jeans e um tênis. Joguei um pente de madeira antigo, e uma faca de cozinha. Vesti uma calça legging preta e uma regata branca. Peguei e vesti meu moletom azul escuro com um par de asas estampado atrás. Era grande para mim, as mangas caiam sobre minhas mãos. Mas era algo insubstituível. Era do meu pai. Minha mãe deu a ele no primeiro Natal deles juntos. Estava velho e desbotado, mas era a única coisa boa que me restava. Além de Lola.

E eu? Perguntou Bruma. Ela ficou triste.

 Suspirei.

Você também.

 Depois desses longos dois anos de convivência com Bruma, criamos um vínculo amigável e de companheirismo.

Joguei a mochila no ombro como se estivesse indo a aula de Flores Perfumadas, uma alma viajante que dava aulas na Universidade.

Vá até o espelho, pediu Bruma.

Não gosto do que vejo.

Eu sei. Mas eu gosto do meu antigo corpo. Acho-o extremamente compatível a mim.

Mas ele é meu.

Por favor, ela insistiu.

 Arrastei meus pés até a frente do espelho. Bruma suspirou alegremente ao ver o reflexo. Eu não tinha tantos motivos. Bruma simplesmente amava meu corpo. Dizia ser o melhor que ela já habitou. Era nojento pensar nisso.

Eu gosto do seu cabelo. Parece flamejar.

 O pensamento dela me fez olhar meu cabelo que quase caia sobre meu rosto. Fios dourados, com diversas mechas ruivo-escuras, entre o loiro e o vermelho, que escorregava liso e leve atrás dos meus ombros até as omoplatas, repicado para ser mais prático. Uma franja desfiada escondia minhas sobrancelhas arqueadas, com pontas rebeldes que realmente pareciam flamejantes.

Também gosto da sua pele macia sob os músculos.

 Ergui as mãos e passei pelos braços. Minha pele era clara. Muito clara e sensível ao sol. Um grave defeito.

Delicada como porcelana.

Não seja ridícula, Bruma.

Não se esqueça do seu rosto. Os cílios em volta dos seus olhos, o ângulo do seu nariz e o movimento dos seus lábios. Gosto disso.

 Meus lábios vermelhos, ela quer dizer. Queimados de sol assim como a pele sobre meu nariz. Sempre corada pelo sol.

Beijada pelo Sol. Não seria um lindo nome para uma Alma?

Não.

 Meu nariz não tinha nada de espetacular. Era um nariz simples, fino entre os olhos e formado uma curva lenta até a ponta, sem chegar a ser arrebitado. Fino e liso, com uma tonalidade avermelhada em cima.

 E meus olhos. Encarei-os friamente. Eu costumava gostar muito dos meus olhos. Grandes e contornados por longos e grossos cílios. Pupilas normalmente grandes, o que sempre me proporcionou uma boa visão no escuro. Elas se acostumavam rápido aos ambientes, claros ou escuros, em questão de meros segundos. A íris azul-esverdeada, como um pedacinho de céu manchado por folhas verdes da Primavera. Pedacinho de Céu com Folhas Verdes da Primavera. Franzi o nariz perante esse nome facilmente escolhido para uma Alma.

Mas seus olhos são exatamente assim.

Eles costumavam ser. Mas agora estão escondidos sob uma repulsiva auréola prateada envolta nas pupilas.

Fica bem em você.

 Fiz uma careta desgostosa para mostrar minha discordância. Bruma fez um barulho semelhante a uma fungada.

 Alonguei os braços e Bruma sussurrou mais uma vez que gostava de ver os músculos em ação sob a pele. Tive que concordar com ela. Meu corpo de altura médio-alta maciço era forrado de músculos que desenvolvi ao longo do tempo, sabendo que seriam muitos úteis. Mesmo com o quadril largo, eu tinha pernas, abdômen e braços fortes e resistentes contra impactos.

Você é mais dura que uma parede, disse Bruma. De tão cheia de músculos.

Mas sou magra. Você disse que gosta de ser magra.

Você também.

E sou forte. É muito bom ser forte.

Eu preferiria se você fosse mais delicada.

Acho que não quero mais discutir minha aparência. Vamos dar o fora daqui.

 Bruma suspirou tristemente.

É você que está no comando.

Sei disso.

 Respirei fundo e fui em direção à cozinha.

 —Bom dia, Bruma. —Disseram em coro as vozes que eu amara antes.

—Bom dia, Orvalho da Manhã. Bom dia, Chamas no Cristal. Bom dia, Chuvisco.

 Tinha que dizer todos os nomes. Essa era a lei. Todos eles sorriram para mim e devolvi o sorriso falsamente.

 —Chamas no Cristal, eu estou informando que me mudarei daqui.

 O corpo de Jane se deslocou até mim e tocou meu rosto com a mão. Tive que me esforçar para não recuar.

 —Para onde irá, Bruma? Não está feliz onde está?

Não, disse Bruma, presa na minha mente.

—É claro que sou feliz aqui, Chamas no Cristal, mas acho que seria mais conveniente para todos nós se me mudasse. Pretendo ficar mais perto da Universidade de Tucson.

 O corpo de Jane sorriu para mim, seus cachos vermelhos balançaram quando ela se afastou.

 —Se é isso que a fará feliz, Bruma, eu apoiarei. Sentiremos sua falta.

 Engoli uma sensação familiar de repulsa. Criaturas tão fáceis de amar, tão bondosas. Que destruíram tudo que eu amava.

 —Adeus, Chamas no Cristal.

 O corpo de Alice correu até mim e abraçou minha cintura. Engoli e sorri.

 —Tudo pelo seu bem e sua felicidade, Bruma.

 —Adeus, Chuvisco.

 O corpo de Charles se aproximou de mim e apertou meu ombro.

 —Irá nos contatar?

 Dei meu melhor sorriso, mas saiu amarelo.

 —Não sei. Adeus, Orvalho da Manhã.

Todos acenaram amorosos para mim. Sorri falsamente gentil para eles e fechei a porta da cozinha quando sai.

Precisa mesmo fazer isso? Sussurrou Bruma.

Desculpe Bruma. Sei que você tenta me manter racional, mas é preciso. Eles iriam atrás de mim.

Vou fechar os olhos.

Fique a vontade.

Pela janela da cozinha, olhei os três corpos se movendo lá dentro. Estavam distraídos. Perto da janela, estava a mesa com o café da manhã posto. Peguei o frasco de veneno. Eram pílulas com pó solúvel em água. Sem que eles vissem, estiquei os braços por dentro da janela e joguei o conteúdo de duas pílulas em cada xícara. Chuvisco, Orvalho da Manhã e Chamas no Cristal.

Um peso se formou no meu estômago.

Culpa, disse Bruma.

Preciso escolher. Eu ou eles.

Isso não está certo.

Nada está certo, Bruma.

Depois de dissolvidas as pílulas, eu puxei meus braços para fora da janela e caminhei até o portão da casa, saindo de fininho. Peguei o guia de Lola preso em um prego na parede e guardei na mochila, gesticulando para que a cachorra me seguisse. Encostei-me a um poste perto da minha antiga casa.

Eu esperava que eles tomassem o café. Sempre faziam isso. O veneno seria fatal.

Eles não irão sofrer, pensei.

É assim que alivia sua culpa? Dizendo que eles não irão sofrer? Você acabou de matar eles.

Não, Bruma. Eu acabei de libertar minha família da pior prisão de todas.

Só não se esqueça de que você não é assim, Ashley. Não se permita ser uma assassina.

Eu não me permitirei ser pega por eles, Bruma. Matarei se precisar. Agora, fique em silêncio. Estamos livres.

 Bruma assentiu.

Controlei a vontade de gritar a liberdade conquistada.

 Tentei andar normalmente até uma garagem de carros, mas minha alegria me fazia saltitar às vezes, e Lola latia quando eu aumentava o ritmo.

Eu não consigo entender você, Ashley. Tinha uma boa vida lá, tranquila, disse Bruma.

Eu não era feliz com eles.

Só por causa de um reflexo nos olhos?

Não é o reflexo, é a farsa. Vocês são meio... Asquerosos.

Sei disso. Já ouvi você falar e pensar isso sobre minha família há anos...

Dois anos não são tanto assim. E eles não são sua família. Era a minha família antes.

 Bruma suspirou na minha mente. Cheguei à garagem de carros e escolhi um Troller cor de areia novinho em folha.

 —Levará esse, Bruma? —Perguntou Oceanos Azuis, o que seria um vendedor de carros na versão das Almas.

 —Sim, por favor.

 Ele me entregou as chaves.

 —O tanque está cheio.

 —Obrigada, Oceanos Azuis.

 Eu subi no Troller, batendo no banco ao meu lado para chamar Lola.

 —Tome cuidado na estrada.

 Engatei a ré no Troller.

 —Sim, obrigada.

 A única coisa divertida nas Almas era que não se pagava nada. Nadinha. Era emocionante sair dirigindo um Troller novo sem pagar nada.

 Eu nunca dirigi um Troller, poucas vezes um carro convencional, mas não imaginei ser difícil. E realmente não era. Entrei na autoestrada em direção a Tucson.

Dirigi com calma enquanto havia outros carros na rodovia. Assim que me vi sozinha, acelerei e vi o ponteiro girar até não poder mais. A sensação era maravilhosa e libertadora. Bruma gostou. Ela deu um suspiro prazeroso na minha mente. Lola colocou a cabeça para fora da janela e pendurou a língua na lateral do focinho. Fechei os olhos por um segundo, o vento chicoteava meus cabelos em meu pescoço. Permiti um grito de liberdade ecoar pela minha garganta.

Um carro despontou a vários quilômetros atrás de mim. Reduzi a velocidade até o limite e compartilhei um sentimento de desagrado com Bruma.


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