O relógio preso ao meu pulso já apontava às vinte horas daquela álgida noite de inverno. Ansioso e impaciente, confesso também que estava aflito, pois eu estava a poucos minutos distante de uma drástica mudança em minha vida... Fosse para bem ou para mal, aquela incerteza estava me matando lentamente.

De repente, os meus olhos avistaram alguém dobrar a esquina daquela quadra. Um suspiro pesado desfez-se em fumaça, escapando por entre os lábios arroxeados da jovem que, misteriosa, vagarosamente se aproximava de mim.

A fina camada de gelo sobre o asfalto daquela rua deixava-a escorregadia, obrigando àquela menina de cabelos róseos — aparados à altura dos ombros, linda —, a ser extremamente cuidadosa com seus passos.

Inebriado pelos seus olhos de um verde tão profundo, por alguns segundos eu respirei fundo e recompus-me, tornando o encantamento que me invadia a mente naquele instante em pura seriedade.

Em um piscar de olhos ela alcançou-me, pondo-se à minha frente e esboçou um sorriso tão perfeito que tenho a certeza de que naquele momento, o meu coração quase parou.

Que mulher... O que será que ela escondia por detrás daquele sorriso tão inocente?

Talvez eu já soubesse a resposta que me aguardava e estivesse criando expectativas em vão, afinal, a única coisa que naquele momento tínhamos em comum, era uma amizade que nascera e morrera na infância, em um passado tão distante. Separados pelo tempo — muito tempo!

Na realidade, não sabia por que raios eu a tinha chamado até àquele lugar...

O que eu deveria dizer a ela depois de todo esse tempo?

“Hey, Sakura... Desde as fraldas eu te amei e cá estou até hoje sujeito a este sentimento!”

Não! Isso soaria muito cômico e provavelmente ela não iria me levar a sério.

Porém, antes mesmo que eu pudesse proferir uma mera palavra, ela tomou-me a frente e quebrou aquele silêncio terrível que nos cercava:

— Vamos! — ela desfez o belo sorriso em seus lábios, mostrando-me um olhar antipático. — Diga logo o que você quer! — sua doce voz de outrora, tão fria soara naquele instante.

Eu te conheço, quem é você agora?

Olhe nos meus olhos se você não se lembra

Você se lembra? Oh...

Embora eu soubesse exatamente o que falaria para ela, após ouvir aquelas palavras tão secas, sem querer, acabei engolindo a confissão que estava prestes a fazer e nada consegui dizer. Nenhum som, que não fosse uma fraca risada sem graça, saiu de minha boca gelada.

Maldita...

O que poderia ter acontecido com ela?

Tão de repente, o que era tudo aquilo? Porque ela havia ficado daquele jeito?

Eu posso ver, ainda posso encontrar

Você é a única voz que meu coração pode reconhecer

Mas não consigo te ouvir agora... Yeah.

Não! Neguei-me a crer que aquela estranha um dia fora aquela doçura de menina, a minha melhor amiga e que em todas as horas vagas de minha vida, personificou a mulher que tanto amei no silêncio de minhas recordações.

Eu poderia apenas ignorar aquelas palavras e dizer algo que quebrasse o gelo, porém, a coragem que havia demorado anos para conseguir, em breves segundos ela tinha tomado de mim.

Mas no fim, eu sabia que o único culpado ali era eu mesmo...

Afinal, como eu queria que aquela pessoa que há tanto tempo não me via, simplesmente reconhecesse-me como seu amado e pulasse em meus braços, entregando-se aos meus sentimentos?

Eu nunca serei o mesmo, estou preso dentro

Das memórias, das promessas e dos dias de ontem

E eu pertenço a você

Eu simplesmente não posso afastar-me, porque depois de te amar

Eu nunca mais poderei ser o mesmo.

Francamente, mesmo que toda a culpa fosse minha, eu não poderia meramente passar a borracha em toda a nossa história...

Depois de tanto amor que o meu coração nutriu por todos esses anos...

Não mesmo!

Confesso que estava desesperado naquele momento, pois uma palavra errada que eu dissesse poderia acabar com todas as minhas esperanças e sonhos de vida, portanto, cauteloso eu resolvi acabar com aquela quietude incômoda estabelecida entre nós dois:

— S-Sakura... Eu... Eu e-estou... — engoli a seco, constrangido comigo mesmo. É incrível como na hora em que mais precisamos das palavras, mais nos perdemos delas em meio aos gaguejos. — Eu te... — no entanto, antes mesmo que eu conseguisse terminar a frase, ela me interrompeu.

— Honestamente, não quero perder o meu tempo com você, Itachi! — ela expôs um pouco irritada. — Nossa amizade pertence apenas ao passado! Não tenho o mínimo interesse em manter contato com você! Portanto, finja que eu não existo, pois farei o mesmo quando você cruzar o meu caminho outra vez! Adeus... — depois de todos aqueles disparos contra o meu debilitado coração ela deu as costas a mim, porém, antes que ela se distanciasse eu a segurei pelo braço, obrigando-a ficar.

E como eu posso fingir que nunca

Te conheci, como se isso tudo fosse um sonho? Não!

Eu sei, eu nunca esquecerei o jeito como sempre me sinto

Com você ao meu lado, e como você me amou até então, Yeah!

O gosto salgado em meus lábios, lágrimas inundaram os meus olhos, escondidas por detrás de alguns fios de cabelos jogados sobre o meu rosto e denunciaram-me desabando aos poucos.

Com que direito ela estava pisando em meu coração daquela forma?

Depois de tudo que havíamos vivido juntos e até mesmo suas promessas de amor para comigo.

Todo esse tempo era uma mentira?

Uma mentira de criança?

Uma vez me disseram que quando somos expostos a situações extremas, a coragem imediatamente toma o nosso ser para si, para rebater as coisas ruins que nos atinge, embora nem sempre ela meça as palavras que usa e assim aconteceu comigo:

— Você me deixou carregar esse sentimento por todo esse tempo... Como pode me negar agora? — pronunciei amargamente, por entre os dentes.

— Não sei do que você está falando... — ela começou, porém, irritado, eu a interrompi.

— “Eu irei amá-lo por todo sempre, me espere!” — eu repeti a mesma coisa que ela me dissera há alguns anos atrás, antes de partir.

— I-Isso foi apenas coisa de criança! Não confunda as coisas, Itachi! — ela exigiu, tentando libertar-se de minhas mãos.

— Criança ou não, essas palavras tomaram de meu tempo e esperança. Tornaram-me um escravo de tal sentimento, obrigando-me a dedicar os meus pensamentos apenas a você! A responsabilidade é sua, não acha? — indaguei um pouco abatido.

Você me trouxe aqui, então te vi desaparecer

Deixou esse vazio aqui dentro e eu não posso voltar no tempo.

Eu não poderia deixá-la ir embora. Não daquela forma.

Minha alma carecia de explicações, motivos, embora eu soubesse que iria me machucar profundamente, eu queria a verdade e nada mais que ela.

— Não sou quem você conheceu naqueles velhos tempos de nossa infância! Pertenço ao presente e sigo para um futuro no qual não cabe você, seu idiota! Solte-me agora... — o peso de sua mão, eu senti a ardência do forte tapa que levei na cara quando ela se virou para mim, com os olhos marejados. — Adeus! — ela tentou prosseguir, mas eu a impedi novamente.

Não! Fique! Nada se compara a você

Nada se compara a você

Eu não posso te deixar ir

Não posso te deixar ir

Eu não vou deixar ir!

Não! Neguei-me a aceitar que tudo aquilo estava acontecendo daquela maneira! Eu sabia que aquela velha Sakura ainda morava dentro daqueles olhos verdes que tremulavam sob a luz da lua, contendo as lágrimas.

— Por quê? Qual o significado disso? Como você ficou assim? Você me odeia? Dê-me apenas um motivo para tudo isso? — enchi-a com perguntas desesperadas.

— Que chato! Deixe-me apenas em paz! — ela exigiu derrubando algumas lágrimas, enquanto persistia em tentar fugir de mim.

— EU TE AMO! — gritei enfurecido, magoado e muito envergonhado. — Quero mais do que tudo nesse mundo fazer parte do seu futuro, Sakura! — confessei ofegante.

Eu posso nunca ser o mesmo

Não depois de te amar

Não depois de te amar

Não!

Notei que estática e cabisbaixa ela hesitou por alguns minutos, mas no fim, sem sequer me encarar, ela parou de se debater, entristecida:

— Eu não tenho um futuro, Itachi... — escutei ela murmurar dolorosamente.

— C-Como assim, eu... — as palavras desapareçam de minha boca. O que ela tinha declarado havia me deixado assombrado.

— Eu estou doente, aliás, esse foi o motivo que me levou para a capital naquela época e não me restam muitos anos de vida pela frente... Não posso tomar do seu tempo, tampouco corresponder aos teus sentimentos! Apenas deixe-me em paz e esqueça que um dia me conheceu! — ela me pediu por entre soluços.

Eu nunca serei o mesmo, estou queimando por dentro

As memórias das promessas dos dias de ontem

E eu pertenço a você

Eu só não posso ir embora por que depois de te amar

Eu posso nunca ser o mesmo.

Encabulado, eu engoli a seco e minhas lágrimas, incessantes, insistiam em desabar dos meus olhos. Mesmo que não parecesse mentira, o meu coração se negava a acreditar em toda aquela história repentina.

No passado nós brincávamos tanto, até perder o fôlego. Ela sorria o tempo todo...

Como alguém assim poderia estar doente?

Por mais que eu duvidasse da integridade do que ela havia me dito naquele momento, ainda assim eu deveria me manifestar diante daquela situação e assim eu o fiz:

— Sakura, sem você eu nunca serei o mesmo! Eu não posso viver sem você... — contei depressivo. — Por favor, sorria para mim até o final dos teus dias! — eu pedi abraçando-a e logo ela desabou em um choro magoado, furioso e torturante aos meus ouvidos.

Talvez naquele tempo houvesse apenas duas crianças brincando juntas e partilhando da mesma infância. Entretanto, o sentimento que nascera com aquela amizade, o mais puro e verdadeiro amor que por toda a vida carreguei comigo, com certeza eu iria dedicá-lo a ela pelo tempo que eu pudesse, enquanto seu frágil ser existisse ao meu lado e até mesmo após o seu fim, enquanto eu vivesse.

Eu nunca mais poderei ser o mesmo

Eu nunca mais serei o mesmo

woah woah woah woah woah

Eu simplesmente não posso afastar-me

Não, eu não posso caminhar distante de Você.