Começamos a pensar numa solução para o problema (cada um queria uma coisa, mas as porções de comida eram minúsculas e terrivelmente caras, já pensou no número de dígitos na conta se pedíssemos tudo aquilo?! Então. Mas enfim). Ideias das mais toscas foram dadas, mas no fim resolvemos tudo civilizadamente.

     O critério escolhido foi a votação: dois-ou-um, par-ou-ímpar ou jockey pow? O jockey pow ganhou por unanimidade, e então foi decidido, de comum acordo, que pediríamos o capeletti do Georg. (Bom, na verdade foi o que venceu o sorteio, mas continuando.)

     Pra variar, não houve um minuto sequer de silêncio na mesa – enquanto um ou dois falavam, quatro ou cinco acompanhavam comendo: charadas, histórias de infância ou de turnê, comentários (maldosos) sobre o infeliz que insiste em jogar serragem no sonho alheio; enfim, assunto não faltou. A uma certa altura, quando o assunto chegou em música, Gustav perguntou:

     - E o que vocês duas acharam do show de ontem?

     - Absolutamente perfeito! 10! – eu disse.

     - É, foi muito massa!! – Paula completou.

     - Pelo menos, nada mal pro primeiro show decente a que fomos na vida.

     - E o de São Paulo, não conta?! – Bill perguntou com ar de bravo – Não foi suficientemente “decente” subir no palco e cantar comigo?!?! – ele fez o sinal de aspas com as mãos, e ao terminar a frase cruzou os braços e fez bico. – Valeu, hein!...

     - Claro que não, Bill. Quer dizer, uma coisa não se compara com a outra. Ser parte da plateia de um show é algo totalmente diferente do que participar dele. Subir naquele palco e cantar contigo foi a melhor coisa que me aconteceu esse ano. Claro, vir pra cá também; e respondendo a sua pergunta: não conta porque eu não tava lá pra assistir ao show. Aqui eu tava. Entendeu?

     - Agora sim. – ele sussurrou no meu ouvido e deu um beijo estalado na minha bochecha. (Ainda bem que eu não fico vermelha nessas situações, senão já estaria morta de vergonha – mas me deu calor na hora.)

     Depois de terminarmos de comer ainda ficamos enrolando por meia hora. Já eram 21h30 quando saímos do salão direto pra cama, eu e a Paula voltaríamos pro Brasil no dia seguinte.

     Não dormi bem à noite. Precisava, afinal eu ia passar umas 8 ou 9 horas dentro do avião, mas não deu. Alguma coisa atrapalhava o meu sono – um mau pressentimento. Tentei afastar esse pensamento; minha imaginação é perigosa, e quanto mais se pensa em desgraça mais fácil ela acontece. Porque existem mais elétrons do que prótons no espaço.

     Tudo estava silencioso e escuro – outrora a melhor condição para se dormir -, mas o sono não vinha.

     Saí no corredor de pijama, esperando não encontrar ninguém àquela hora. Mal enxergava as paredes. Mas da porta que dava acesso às escadas, lá longe, veio um barulho. Pé ante pé, fui andando vagarosa e sorrateiramente naquela direção. Talvez fosse apenas um vigia noturno; mas que eu estava assustada, estava.

     Nhéééc – a porta inconveniente se abria. Um vulto entrou no corredor por ela e uma voz baixa com timbre de motosserra perguntou:

     - Quem tá aí?

     Eu gelei. Respirava ofegante. A pessoa que vinha vindo (pelo tom de voz pressupus que fosse um homem) ligou uma lanterna na minha cara, chegou perto e perguntou:

     - Licença... a senhorita é uma hóspede?

     - Sou, sim – respondi com um suspiro de alívio.

     - O que você tá fazendo aqui fora a essa hora? – o cara perguntou, parecendo surpreso.

     - Er... eu... eu não tava conseguindo dormir e tava... bom, pra falar a verdade eu não sei por que eu saí do quarto. Mas já tô voltando. Boa noite! – dei um sorriso de tacho e entrei no quarto.

     Me encostei de costas na porta, por dentro. “Julia, você tem problema?” Era o que eu me perguntava. Fiquei ali em pé pensando em nada por alguns minutos, depois “escorreguei” e sentei no chão. Mais uns minutos se passaram e alguém bateu na porta.