A Última Chance escrita por Gaby Molina


Capítulo 11
Capítulo 11 - Sãos e Salvos (ou não)




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— E é assim que vai funcionar: — Lucius encarou os Selecionados, sério. — Hutton, Jasper, Brad, Rick e Travis cuidarão da visita dos franceses. Hutton, o senhor está na limpeza e arrumação do salão e acompanhamento de Pierre e Augustine Beaumont. Aqui está o estudo — e entregou a Charlie cinco livros sobre decoração, Francês, diplomacia e relações internacionais. — Jasper e Travis, os senhores acompanharão Blair e Alexandre Beaumont. Brad e Rick prepararão presentes e não deixarão que Danielle e Catherine Beaumont quebrem nada. A Princesa os ajudará.

— Certamente — Annie entrou na sala com uma prancheta na mão. Seus cabelos ruivos estavam presos em um rabo de cavalo alto, e ela vestia uma calça social e um sobretudo. — Eu assumo daqui, Lucius.

O homem estava claramente infeliz com a ordem, mas não podia rejeitá-la. Então apenas sentou-se numa cadeira no canto do Salão e ficou observando.

— Bem, eu conheço a família Beaumont há muito tempo — disse a Princesa. — Alguns melhores do que outros. Vamos começar com coisas simples: os únicos membros da família que não falam Inglês são Pierre e Augustine. Mesmo assim, seria de bom grado que todos vocês soubessem ao menos um pouco de Francês. Com exceção de Catherine, o Inglês dos outros não é perfeito.

— Eu falo Francês — comentou Jasper.

— Isso é ótimo! — Annie sorriu. — Alexandre ficará muito mais confortável. Quanto aos presentes — ela virou-se para Brad e Rick. — Algo sofisticado, porém útil. E Charlie... Quanto você sabe sobre flores?

— Rosas são vermelhas, violetas são azuis?

Lucius revirou os olhos e suspirou baixinho, mas não disse nada.

— Franceses gostam de jardins exuberantes — continuou Annie. — As flores da mesa de recepção são de extrema importância. Íris é a flor-símbolo do país. Podem começar.

E então caminhou até Charlie. Fez de propósito, já que Lucius estava tão disposto a deixá-lo sozinho com um monte de livros velhos. 

— Pensou em alguma coisa? — ela fitou-o, esperançosa.

— Estamos tentando fazê-los sentir em casa, ou impressioná-los?

Annie sorriu.

— Me diga você.

— Bem — ele leu as anotações que havia feito em seu caderno. — Eles vão viajar um oceano para nos visitar. Pensei que poderíamos escolher flores típicas de Illéa, com as quais eles não estão acostumados. As pessoas gostam de coisas diferentes. Como quando os portugueses levaram o pau-brasil para a Europa. Cobraram muito mais por ele, pois era uma madeira que os europeus não conheciam.

— Sabe o quê? Eu meio que gosto dessa ideia.

Os olhos de Charlie se acenderam.

— É?

— É. Você não pode fazer besteira agora, Charlie. Estou falando sério. No fim dessa visita... — a voz dela falhou. — Bem, boa sorte.

Ela não precisou terminar a frase para que ele entendesse. Ao fim daquela tarefa, alguém iria para casa.

Annie caminhou até Jasper e Travis. 

— Pensaram em alguma coisa? — ela perguntou. — Bem, não é como se Lucius tivesse dado muita coisa para vocês pensarem. Humpf. Enfim. Blair e Alexandre, hein? Boa gente. Os mais ricos da família, de certo. 

— Eu deveria falar com eles o tempo todo em Francês ou só quando necessário? — indagou Jasper.

— Quel est votre niveau en français?

— Très bien, je dirais. Vos cheveux est belle.

Annie sorriu.

— Certo, você fica fofo falando Francês. Acho que Alexandre gostaria de alguém que fale a língua dele direito. Boa sorte para vocês.

E então caminhou até Brad e Rick.

— Danielle e Catherine são legais — comentou Annie. — Um pouco desastradas e hiperativas, mas são boa gente. Provavelmente passarei a maior parte do tempo conversando com elas, mesmo. Muito melhor do que ficar ouvindo a ladainha sobre alianças francesas e blá blá blá.

Só depois de dizer, ela percebeu que talvez não fosse o melhor discurso para uma futura Rainha, mas... Como Charlie dissera?

Que se dane.

* * *

Jane estava tentando ensinar Francês a Charlie. "Tentando" seria certamente a palavra adequada. 

— J'aime croissant.

— Certo, sr. Charlie, que tal dizer alguma frase sem ser essa?

— J'aime petit gateau.

— Agora, que tal dizer algo útil para a visita?

— Bonjour. Je m'apelle Charlie.

— Très bien!

Eles ouviram uma batida na porta já aberta.

— Puis-je vous interrompre? — Annie sorriu levemente. Já havia voltado a usar uma blusa preta e calça jeans. Charlie secretamente imaginou o que seus pais achavam disso.

Jane assentiu, fazendo uma leve reverência antes de deixar o cômodo.

Charlie estava sentado no tapete, encostado na parede. Para sua surpresa, Annie sentou-se ao lado dele.

— Bonjour.

— Bonjour.

— A que lhe devo a visita?

— Não sei direito. Acho que eu só preciso de alguém que me entenda sem que eu fale.

— Sente que está sendo mais observada do que nós?

Ela o fitou, surpreso.

— É como se toda essa coisa de reality show fosse só uma fachada para responder à pergunta central: "A Princesa Annabelle é digna do trono?"

— Seus pais...?

— Meu pai está ignorando tudo isso. Minha mãe finge estar satisfeita, mas sei que não está — ela suspirou. — Eles não dizem em voz alta, mas acham que sou irresponsável. Impulsiva. Por isso tudo é um teste. A Seleção é a minha chance de provar que sou digna de um pouco de confiança.

Charlie surpreendeu-se. Não sabia que Annie tinha toda aquela insegurança dentro de si, mas sentiu-se bem por ela dividi-la com ele.

— Acho que sou impulsiva, mesmo — ela deu de ombros. — Afinal, estou sentada nesse tapete falando sem parar e nem sei direito como vim parar aqui.

— Gosto de ouvi-la falar.

— Ainda não acredito em você.

Charlie sorriu.

— Bem, muitos avanços foram feitos à base de impulsos.

— Não o comando de um país. Por isso estou tentando observar cada detalhe, fazer anotações, listas, gastar todo o meu tempo, mas...

— Mas o quê?

Ela encostou a cabeça no ombro dele e suspirou.

— Sempre termino reclamando. Sabe o que percebi?

— Diga.

— Que só eu falo nesse diálogo. Não sei nada sobre você.

— Isso não é verdade.

— É totalmente verdade. Vamos lá, desembuche para mim os segredos e temores de Charlie Hutton.

Annie o fitava com seus olhos azuis brilhantes, seus lábios formando um sorriso leve de expectativa. Charlie suspirou e começou a falar.

Nascido e crescido como um Quatro. Duas irmãs: uma mais velha e outra mais nova. Aos quatorze anos começou a trabalhar na loja de instrumentos musicais do pai, mas logo teve que arrumar outro emprego numa fazenda. Odeia fazendas. Aprendeu a tocar violão aos quinze anos. 

— E quanto aos seus pais?

— Minha mãe passa a maior parte do tempo cuidando da minha irmã mais nova. Meu pai trabalha o dia todo. Ainda assim, sempre fui mais próximo dele. Comecei a tocar violão por causa da minha irmãzinha, sabia? Ela é a cantora da família, e alguém precisava acompanhá-la.

Annie sorriu.

— Quantos anos ela tem?

— Agora? Dez.

— Ela deve ser adorável!

— Ela é. Sinto falta dela às vezes.

— Você deveria ligar para eles.

— Tenho permissão para isso?

— Vossa Alteza está lhe dando permissão. Precisa de mais alguma coisa? — Ele não respondeu. Ela se levantou. — Estou entediada. Vamos ligar para a família Hutton!

Annie caminhou rapidamente até um telefone perto do jardim e Charlie a acompanhou. Ela entregou-lhe o telefone e se afastou, respeitando sua privacidade.

Uma vozinha aguda e conhecida atendeu no 3o toque.

— Alô?

— Paçoca? — Charlie sorriu, usando o apelido pelo qual chamava a irmã mais nova. — Aqui é o...

— CHAAAAAAAAAAARLIE! MAMÃE, MAMÃE, O CHARLIE ESTÁ NO TELEFONE, MÃE! É SÉRIO! Não, EU vou falar com ele. Esperem a vez de vocês. De nada. Enfim. Eu vi você na TV!

— Ai, meu Deus. Foi muito ruim?

— É claro que não, mas mamãe quase surtou porque você não usou nenhum "promone filmal", seja lá o que isso for.

— Pronome formal — ele corrigiu. — Como está a mamãe?

— Bem. Com saudade. Mas estamos felizes. Você está namorando a Princesa?!

— Não, Paçoca.

— Mas vocês já fizeram aquela coisa de beijar?

— Não, Paçoca.

— Mas vocês se amam? Vocês se gostam? Vocês vão se casar? Mamãe disse que...

— Posso falar com a mamãe?

— Mas...!

— Paçoca.

— Ok, ok... Ô, MÃE, ELE QUER FALAR COM VOCÊ!

Charlie riu. Sua casa era térrea e pequena, de certo não havia necessidade de gritar. Logo a voz que ele mais gostava no mundo tomou o telefone.

— Querido?

— Mãe! Meu Deus, como é bom ouvir a sua voz.

— Digo o mesmo, querido... Como está aí? As pessoas estão te tratando bem? A comida é gostosa?

— Claro, tudo certo. O pessoal é legal. A comida é incrível.

— E aquela Princesa?

— Ela é legal.

— Isso é realmente tudo o que o senhor tem a me dizer?

Charlie encarou Annie.

— Dez passos para trás.

— O quê? — ela ergueu uma sobrancelha.

— Annabelle Shreave, estou falando sério.

— Quer que eu me esconda no arbusto também, ou...?

Charlie sorriu enquanto Annie se afastava. 

— Pronto — ele voltou a falar ao telefone. — Agora ela não está mais ouvindo.

— Quem?

— A Princesa, mãe.

— Por que ela não pode ouvir? Você não está tentando ganhar o coração dela, ou algo do gênero?

— Não exatamente. É complicado.

— Por quê? Você não gosta dela? Ela é uma megera estúpida?

Charlie riu.

— Não, mãe, ela é incrível. Eu a admiro, de certo.

— Mas você gosta dela?

— Na verdade... Acho que não pensei muito no assunto.

— Charles Hutton, como você pode não ter pensado no assunto?

— Passei mais tempo pensando que gosto de conversar com ela e não quero ir para casa. Isso é suficiente?

— Não!

— Bem, é o que tenho por enquanto. Mande um oi para o papai e para a Lana. Vou desligar agora. Não quero abusar dos favores de Vossa Alteza.

— Ela gosta de você?

Charlie pensou por um minuto.

— Essa é uma excelente pergunta. Eu ligo... Bem, não sei direito quando vou poder ligar de novo. Mas estou bem. Sério. Tchau, mãe.

— Tchau, querido! Se cuide!

Charlie desligou o telefone e sorriu sozinho por um minuto.

— Pode sair do arbusto agora, Annie.

Ela aproximou-se dele.

— Eu deveria dizer — começou ele. — Que você realmente sabe como tirar toda a minha vontade de voltar ao Francês, Annie.

— Você deveria dizer "Obrigado", isso sim.

— Isso também. Obrigado, Annie.

— Decidiu que vai ficar repetindo meu nome agora?

Charlie sorriu.

— Gosto do seu nome — ele começou a caminhar. — Já disse isso? Gosto do seu nome.

— Por quê?

— Traz boas memórias. — ele se virou para ela. — E então, Alteza? O que me diz de aprender aquele Mi menor com sétima?

— O que me diz de aprender três tempos verbais em Francês? — ela replicou. — Estou fazendo isso para o seu próprio bem.

— Não, está fazendo isso porque existe uma coisa chamada Abuso de Poder. E você leva a coisa toda para outro nível chamado Abuso do Poder Real nos Estudos do Charlie.

— Exatamente. Não é divertido? — ela sorriu. — Vejo você depois.

— Até depois, Annie.

Ela franziu o cenho.

— Ainda vou arrancar essa história de você, sabe.

— Sei, sim, Annie.

Annie riu e se afastou.

* * *

Ela acabou exatamente numa reunião sobre o progresso da Seleção. Seu pai ainda recusava-se a aparecer. Annie só não sabia se ele estava dando-lhe um voto de confiança para cuidar de tudo ou se só não queria saber quantos rapazes a filha havia beijado na última semana.

O que fazia com que ela se sentisse a pessoa mais injustiçada do universo.

— Papai costumava beijar todas as Selecionadas por diversão, ou...? — ela comentou com a mãe antes de a reunião começar.

America ainda se recusava terminantemente a falar sobre aquele assunto.

— Não todas.

— Bem, eu não vou fazer isso.

— Que bom, Annabelle. Onde você estava antes de vir para cá, falando nisso? É a segunda vez que se atrasa.

— Dormi demais.

Lucius tossiu baixinho, mas não a desmentiu.

—... Certo. Eu tinha de mandar dezessete para casa. Já mandei dez. É um progresso considerável. 

— E quanto aos outros vinte e quatro?

— Sinto como se ainda não tivesse tido a oportunidade de conhecer a todos.

— Annabelle, não podemos ficar com essa conversa fiada!

— Não é conversa fiada! Eu só preciso de mais temp...

— Quero sete em casa daqui a três dias. Isso não está aberto a discussão.

— É impossível.

— Então torne possível — ela encarou a filha. — Avisamos que não seria fácil. Hora de arcar com suas escolhas.

— Estou arcando. Estou arcando muito! Entre testes e prazos, estou arcando!

— Reunião encerrada.

Annie bufou e saiu da sala. Correu até o segundo andar e bateu na conhecida porta. Jane a atendeu.

— O sr. Charlie não está, Alteza.

— Não estou aqui pelo Charlie. Estou aqui por você. Podemos conversar?

Durante um longo período de sua vida, Jane fora a conselheira de Annie, a base do arranha-céu, fora a quem ela recorria em todos os momentos críticos.

E, francamente, não importava quanto tempo passasse, a Princesa nunca teria ninguém melhor para recorrer senão a antiga criada.

Naomi e Reyna estavam fora, dissera Jane. Não falou o que elas estavam fazendo, mas Annie não perguntou. A Princesa sentou-se ao lado da criada no quarto de Charlie.

Observava as coisas dele enquanto falava. O violão num canto, as cifras espalhadas pelo quarto, a cama arrumada — pelas criadas, provavelmente —, e uma pequena foto sobre a cômoda. Um retrato dele abraçando uma garotinha de não mais de 7 anos com uma janelinha no sorriso, um dente permanente que logo cresceria.

Charlie estava mais novo também. Devia ter algo próximo de 15 ou 16 anos. A garotinha que com certeza era sua irmã — os mesmos cabelos escuros e olhos acizentados — tentava puxar o cabelo despenteado dele enquanto ele tentava livrar-se dela. Os dois sorriam. Annie gostaria de ter visto a cena. 

Imaginou um Charlie de 15 anos, aprendendo a tocar violão para ver a irmãzinha sorrir, e depois apaixonando-se pelo instrumento. Em que ponto, exatamente, ele começou a gostar de música? Como era a casa dele? Como ele era na escola? Será que tinha muitos amigos?

— Senhorita — chamou Jane, erguendo uma sobrancelha. — Ouviu alguma coisa do que eu disse?

— Eu... Hm...

— O caso é — a mulher recapitulou, gesticulando. — Quais as chances de a senhorita escolher um dos rapazes que não conhece?

— O que quer dizer?

— Quero dizer que manter muitos garotos aqui está apenas deixando-a mais confusa. A senhorita claramente gosta mais de uns do que de outros, então pare de dar infinitas chances e mantenha apenas aqueles por quem tem maior apreço.

— Você está certa — Annie se levantou. — Meu Deus, você está certa. Eu... Eu... Obrigada!

Quando a Princesa estava deixando o recinto, Jane se pronunciou:

— Alteza... Quanto ao sr. Charlie...

— Ele não vai para casa, se é o que lhe preocupa.

— Não, não é isso. Só gostaria que soubesse que ele é um ótimo rapaz. Com um coração muito grande, de certo um dos maiores que já vi. 

"Um coração que foi quebrado, mas que nem por isso deixou-se inutilizar", Annie sintetizou em sua mente, lembrando da história que ele lhe contara sobre a garota por quem se apaixonara.

— Estou ciente. Está se apegando ao garoto, Jane? — Annie sorriu.

— Gostaria de poder dizer que não, senhorita.

A Princesa riu.

— Só espero que não esteja trocando de favorito tão facilmente. Quero dizer, eu certamente teria de socar a cara de Charlie se ele roubasse meu posto de Favorita da Tia Jane.

Jane sorriu.

— Meu Deus, Alteza, a senhorita não mudou nada.

— Eu me odiaria se tivesse mudado.

— Eu também a odiaria, para ser sincera. Ah, e senhorita...

— Sim?

— Está se apegando ao garoto?

Annie abriu um sorriso cúmplice ao abrir a porta.

— Também gostaria de poder dizer que não.

Ela correu até o próprio quarto no andar de cima. Suas criadas limpavam, costuravam ou o que fosse em silêncio. Annie bateu a porta e anunciou:

— Senhoritas, parem agora o que quer que estejam fazendo. Hora de eliminações. Várias eliminações.


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