Segurando a caixa, Alli começou a deliberadamente disparar indagações sobre o que estaria lá dentro. Cansado, Ernest tomou a caixa de suas mãos e a mandou parar. Claoru tentava apaziguar os dois lados, mas nada surtia efeito nos dois irmãos naquele momento.

Rune os havia mandado levar uma encomenda, que estava dentro da tal caixa, para uma outra região, mas a curiosidade de Alli estava incomodando a todos, inclusive ela.

–Pode ser que tenha ouro aqui dentro! - Alli suspeitou. Balançando a caixa levemente, concluiu - Não... É algo mais espaçoso que ouro.

–Você não para de falar, não? - Ernest perguntou, tomando a caixa mais uma vez das mãos de sua irmã.

–É só curiosidade, Ernest. - Claoru comentou.

Os três andavam em passos pequenos, mas rapidamente. Como haviam sido informados, por Rune: se continuarem assim, chegarão lá em poucas horas. Questionado sobre poder abrir um teletransporte místico ou algo do tipo, para encurtar a viagem e otimizar o frete, o conselheiro apenas os mandou seguir antes que escurecesse.

–A noite é perigosa para aquilo que está dentro da caixa. - ele disse e abanou a mão para que partissem logo.

Passando por uma rua um tanto quanto suspeita, Ernest apertou a caixa contra seu corpo. As asas de Claoru desviavam olhares indiscretos, enquanto Alli fazia cara de má para os vendedores ambulantes mexeriqueiros.

Foi quando sofreram uma emboscada.

Um assaltante havia corrido mais rápido que os Pierrot podiam ver, e tomado a caixa. Outros tinham pego Claoru, para que não pudesse voar atrás dele, mas Alli saiu em disparada na perseguição contra o bandido.

Ernest afastava os criminosos de Claoru, que se debatia freneticamente para que eles a libertassem. Lembrando-se de seu colar, uma luz amarelada brilhou, ferindo as córneas dos presentes.

Enfim liberta, Claoru voou até onde Alli estava.

O ladrão corria muito rápido, mas o voo da fterã estava quase se equiparando a ele. De longe se via Ernest disferindo estacas de gelo tentando acertar o sujeito, para que ele caísse.

Quando Claoru ultrapassou seu concorrente na corrida pela caixa, ela parou na frente dele e o empurrou delicadamente com um coice de mula no rosto. O homem caiu de costas e Alli pegou a caixa de volta.

–Que feio. - ela disse indo embora.

–Vocês não entendem... - o assaltante respondeu - Minha única companhia é a miséria, eu preciso da caixa! Vocês sabem o que está aí dentro, eu preciso!

Ele se levantou, expulsou Claoru com o pé e tentou agarrar a caixa novamente. Antes que Alli pudesse pedir ajuda, uma torrente de gelo já havia nocauteado o sujeito.

Ernest parecia esbaforido, mas tinha chegado bem a tempo de contemplar uma vitória.

–Vamos embora. - ele disse e os três seguiram no caminho que iam.

Muito mais atentos, é claro.

"Vocês sabem o que está aí dentro, eu preciso!" as palavras desesperadas do homem ecoavam repetidamente na mente de Alli. Até um assaltante sabia o que a caixa guardava e ela não.

–Talvez a gente possa dar só uma espiadinha... - Alli disse esticando a mão para abrir a caixa.

O olhar incendiário de Ernest fez Alli retratar a mão. Os três estavam cansados, mas prosseguiam na jornada para deixar a maldita caixa em Triav, a região designada.

Parando numa cidade para irem ao banheiro, os três revesaram quem teria a caixa.

Quando era a vez de Ernest ir ao banheiro, a caixa, que deveria ficar com Alli, foi passada para Claoru. A expressão de desapontamento na mescla com desaprovação surgiu por todo o rosto de Alli.

–Não é que não confiemos em você. - Claoru tentou animá-la - É que... Eu e Ernest temos inveja de você. Pode acreditar, estamos muito mais curiosos que você.

–Até parece... - Alli disse cruzando os braços e virando o rosto.

–É verdade! - Claoru ria enquanto consolava a menina - Nós velhos não temos tanto tempo de vida quanto você. - Alli se virou de volta e pareceu escutar tudo que ela dizia - Você ainda vai ver muito, mas a gente? A gente talvez nunca mais tenha uma chance como essa caixa.

–Eu também talvez não tenha uma chance como essa. - Alli não queria dar o braço a torcer.

–Nós muito menos, Alli. Estamos com um pé na cova, praticamente! - Claoru acariciou o cabelo da Pierrot que ria - Você tem que ser forte por nós três! E tem mais, se conseguirmos passar por isso sem olhar...

–O quê? O quê? O quê? - os olhos de Alli transbordavam em faíscas brilhantes de esperança.

–Se conseguirmos passar por isso sem olhar dentro da caixa... - Claoru liberou um de seus devastadores sorrisos enigmáticos - Quem sabe o destinatário não deixa você dar uma olhada?

Ver Alli boquiaberta daquele jeito assustou Ernest, que saíra do banheiro há alguns segundos. Alli juntou Claoru e Ernest e eles partiram sob o comando da pequena.

Chegando em Triav, o homem que receberia a caixa encarava os três com um rosto esperançoso. Alli o entregou a caixa e levantou a cabeça.

–Nenhum de nós olhou aí dentro. Nem esses pé na cova! - Alli apontou para Claoru, que riu, e para Ernest, que ficou confuso.

–Obrigado. Mandem meus cumprimentos a Rune. - o homem disse e foi para sua casa.

Claoru estava atordoada.

–Você não quis olhar? - ela perguntou.

–Não. Não precisava. - Alli respondeu - Vai demorar muito pra voltar pra casa e é melhor começarmos logo.

Claoru e Ernest concordaram e os três seguiram de volta para onde partiram.