Fading Into The Light escrita por Return To Zero


Capítulo 4
Voz


Notas iniciais do capítulo

"Caso eu nunca mais lhe ouça" ela disse,
"Peço que me arranquem as cordas vocais; já que não posso lhe ouvir, não há motivos para falar."
"Caso eu nunca mais lhe ouça" ela disse,
"Peço que arranquem meus ouvidos; já que não posso lhe ouvir, não há motivos para ouvir qualquer outra coisa."
Quanto tempo mais até ela perceber
Que não o ouve, pois ele já não tem o que dizer?



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Eu os observei.

Mesclada na noite, pendurada num canto do céu, eu os observei.

Para ser honesta... Talvez eu não tenha os observado o bastante... Pisquei uma vez, e Charlotte estava de volta em sua cama, enrolada aos lençois e cobertor amarelados. Kirishie estava lá, ao seu lado. Luzes apagadas, mas seu cabelo vermelho se destacava na escuridão, como se fosse feito de fogo.

Oh. Kirishie?

Aquela Kirishie?

Isso explica muita coisa.

Na verdade, explica tudo.

Kirishie se aproximou ainda mais, tomando o rosto da garota em suas mãos. Ele estava morno e livido, e os labios insistiam em fazer uma curvatura para baixo. Sua respiração era calma e inaudivel, que se misturava ao silencio da casa.

A ruiva ajeitou alguns fios de cabelo e, em uma ação inesperada, seu labios se encontraram com os da garota. Um contato timido até. 

Os labios se pressionaram por poucos segundos. E nesses segundos que se seguiram, o mundo pareceu calar-se. As aves noturnas, os ventos e o brilho das estrelas ao meu redor cessou. Tudo se concentrou naquele momento único.

Não tão único para mim, mas para àquela garota, sim. E talvez, não tão único para você.

Seus olhos se abriram e fitaram os olhos rasgados de Kirishie. "Volte a dormir" ela murmurou, e assim, Charlotte o fez.

Soltei um riso, ajustando as lentes do binoculo. O sol logo chegaria, e eu precisava me esconder.

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Enfiei-me por entre os galhos, e lá mesmo fiquei, observando. Observando tudo.

O dia estava claro, e a casa estava silenciosa. Chequei o quarto de Charlotte, e ela ainda dormia. Chequei o quarto de Kirishie e, após me recuperar de uma pequena surpresa, percebi que ela também dormia.

Chequei aquele quadro novamente. O relogio. Tentei ver que horas eram e, milagrosamente, funcionou. Talvez eu não estivesse tão longe assim. 

Faltavam alguns minutos para as nove horas, e ninguém havia levantado da cama. Pensei que aquelas dias de tédio finalmente estavam de volta mas foi quando eu ouvi:

-- Paf paf

Faziam os tenis de Stark pelo comodo, pelo corredor e pelo assoalho do elevador.

-- Paf paf

Faziam os tenis, passando pela sala, subindo as escadas.

"Kirishie!" ele berrou.

"Kirishie-senpai, desu" ela disse, sonolenta, jogada em sua cama.

"Disse que acordaria cedo hoje. Estou esperando há duas horas na galeria!"

"Por que eu tenho que acordar cedo? Eu não faço nada da vida..." resmungou, enfiando o rosto no travesseiro.

"Não, não." ele a puxou pelo braço. Uma das alças da camisola rosada caiu, revelando um pedaço do sutian de algodão branco que ela vestia. Stark notou, mas não ligou para a peça de pano "Nós não vamos falhar nisso. Levante, tome um banho, e vá cuidar da sua filha." ele disse, jogando no banheiro e fechando a porta. Kirishie caiu sentada no sanitario, tombou a cabeça para trás e voltou a dormir.

O albino desceu as escadas muito rapido, e acabou tropeçando no último degrau. Equilibrou-se, por pouco não caindo, e foi-se para a cozinha. Habilidosamente, escolheu algumas panelas, aqueceu-as e pegou alguns ingredientes da geladeira. Arrumou a mesa e partiu de lá até o quarto de Charlotte, abrindo as janelas.

A garota se contemplava no espelho que havia no quarto. Girou no mesmo lugar, admirando de forma silenciosa o quimono escuro.

"Parece até um céu noturno, onde as estrelas são flores." ela disse, sussurrando.

Stark também a observou, encostado no batente da porta. Quando se cansou, disse "Então é melhor trocá-lo. Hoje o sol está muito quente", e se aproximou. Abriu as portas do armario e escolheu outra peça. "Que tal esse?" perguntou, mostrando o quimino branco enfeitado de flores vermelhas. A garota piscou em resposta. "É como um campo nevado, coberto por papoulas." Largou a roupa em cima da cama, e abraçou a garota, tirando seu obi.

Observando melhor, aquilo não era um quimono, mas sim um yukata. Eles não eram loucos de vestir algo quente assim.

Na verdade, eles eram. Será que ninguém vai perceber que Charlotte nem tem olhos rasgados para estar usando isso?

Os dois sairam do quarto e Charlotte ajeitava o coque feito com seu cabelo seco e fraco. Dirigiram-se para cozinha, onde Kirishie servia três, dos quatro pratos, de salsichas e ovos mexidos.

"Ohayou gozaimasu." declarou, tampando as panelas. "Bom dia, Kirishie-senpai." Stark respondeu, seco. "Bom dia." Charlotte disse, instintivamente.

Os três se sentaram à mesa. "Itadakimasu." Kirishie disse, batendo a palma das mãos. Charlotte tentou imitá-la e, logo, estavam comendo.

"Hoje vamos fazer algo sugoku omoshiroi desu." Stark revirou os olhos e, meu caro, eu lhe entendo. "O que vamos fazer?" ele perguntou, como se estivessem falando com ele. "Nós vamos treinar." ela respondeu, mastigando algumas fatias finas de salsicha.

Quando engoliu, completou "Aquelas coisas... Elas estão lá ainda?"

"Do jeito que você deixou antes, não se preocupe."

"Yokatta... Menos trabalho então."

"E o que vamos treinar?"

"Shiranai. Doudemoii. Qualquer coisa serve."

Stark passou a mão por seus cabelos brancos, tomando um grande gole de seu suco de manga. Acho que era manga.

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Deixando os pratos em cima da mesa, os três sairam da coznha.

-- Toc toc

Faziam os saltos de Kirishie subindo as escadas.

Ela abriu a porta vermelha, e a luz amarela da galeria banhou seus corpos. Charlotte espiou de canto de olho Vermelho e Soldado, que podiam ser avistados pendurados perto de uma das curvaturas na parede.

Desceram a outra escadaria, a que levava para a recepção. Tomaram a esquerda, e as escadas ainda estavam lá. Sob a luz clara da manhã, Charlotte percebeu melhor as pinturas que se estendiam naquele corredor. Eram retratos, ou quadros com apenas um elemento.

O primeiro, uma grande lua cheia. O segundo, uma garota de cabelos curtos e castanhos, vestindo algo azulado. O terceiro, um garoto de cabelos esbranquiçados, o qual reconhecemos imediatamente ser Stark. O quarto, uma mulher de vestido preto, olhos amarelados e cabelos vermelhos e, ainda, seu cabelo parecia se elevar, formando orelhas de raposa. O quinto, uma coruja. O sexto, o retrato de um rosto infantil, de longos cabelos escuros, um chapeu pontudo, adornado de penas castanhas e algo semelhante a sinos. O sexto e último quadro era de uma garota que pendia no céu. Seu cabelo era negro e suas vestes eram brancas. Ambos desciam até as canelas.

No final do corredor havia uma porta azulada com outra escadaria com mais um corredor. Em ambas as pontas, uma porta azul e outra vermelha e mais quadros. Um deles mostrava um quarto com assoalho de madeira, e paredes cor do luar. Um outro tinha uma garota que tentava alcançar a lua da sua janela. Mais outro que só mostrava metade de uma casa, metade de uma árvore e o chão.

Seguiram à esquerda novamente, desembocando na porta azul. Nem uma única palavra foi dita até então.

"Kagi wa?" Kirishie perguntou

"Está aberta."

A ruiva riu de canto, girando a maçaneta. Atrás da porta se descobria uma sala mal-cuidada e empoeirada. Um chão rustico e paredes em que o papel-de-parede encardido se descolava. Espadas e punhais amontoados num canto ou fincandos no chão e parede. Um sofá velho que ficava entre uma estante de livros bagunçados e um armario que, antigamente, deveria guardar prataria, mas que agora servia de receptaculo para objetos estranhos e que pareciam reluzir. O comodo se completava com uma vassoura de palha artesanal, descansando em uma das paredes.

"Quanta poeira!" a ruiva exclamou, tossindo

"Parece até a casa de uma bruxa." Charlotte disse, estreitando os olhos para os objetos.

"Quanto tempo faz desde que eu comecei a te treinar? Seculos?"

"Talvez uns três." Stark repondeu, passando os dedos pelo vidro do armario "Ei, você trancou isso aqui?"

"Sim, por quê?" também perguntou, fazendo esforço para cavocar entre as espadas

"Parece que achei meu medalhão. Onde está a chave?"

"Recepção."

"Como a recepcionista se chama mesmo?"

"Não tenho ideia."

Eu também não.

Stark estava saindo bem no momento em que Kirishie mostrou o cabo avermelhado de uma katana à Charlotte. Algo dentro de si lhe pedia que ficasse, mas ele ignorou.

Kirishie retirou a espada da bainha, fazendo um silvo agudo. A lamina reluziu com a luz, e ela enxergou seu reflexo. O mesmo jaleco branco e cabelos vermelhos desde a primeira vez que a usou.

Mostrou-a para Charlotte, que também viu seu reflexo. Diferente dos últimos anos.

"Vamos começar a treinar com..." ela se deteve, observando o brilho prateado da katana "... Com isso aqui..."

Ela suspirou, jogando a bainha sobre o sofá. Tomou distancia, sorrindo. "Vamos. Abra os olhos, minha besta, e lute." Girou e, como um graveto, atirou a katana na direção da garota que também girou no mesmo lugar, apanhando a espada e, empunhando-a ante si, vislumbrando grandes olhos escarlates enfiados em um rosto inexpressivo, começou a sorrir.

Kirishie levou suas mãos à suas costas. Abriu um pequeno corte com a unha do polegar e deixou que sangrasse. Com a palma da mão esquerda virada para as gotas vermelhas no chão, puxou para cima uma lamina de mesmo tom de seu sangue e empunhou-a também.

Kirishie, sempre com os mesmos truques.

A morena puxou o ar e prendeu a respiração. Como se se corpo rejeitasse a arma branca, sentiu um choque percorrer seu braço, e atirou-a contra a parede, fincando-a lá. Sem tirar o sorriso no rosto, puxou a manga da veste clara, fazendo um semi-circulo com a mão, direcionando-a para Kirishie.

No mesmo instante, seu corpo foi elevado até o teto, e preso na parede. As costas escorregaram até o chão, e ela sentiu os dedos firmes ao redor de seu pescoço. Sua AkaRyouba se encontrava distante, e já havia derretido em sangue, manchando uma parte do tapete empoeirado que estava ali.

Os dedos se tornaram tremulos quando ambos olhares se encontraram. As pupilas de Charlotte se assemelhavam a moscas mortas, se afogando em um mar de sangue.

Só que um pouco menos nojento.

"Realmente começou." ela disse, engolindo o pouco de saliva que podia. "Feche seus olhos, minha besta."

Houve um zunido alto em seus ouvidos, e Charlotte franziu o cenho. "Isso é uma ordem?" questionou categoricamente, com os dedos ganhando firmeza novamente.

Kirishie bufou, irritada. Seu pulso ainda escorria em um fino filete de sangue.

Sangue esse que se solidificou em uma lamina irregular, que imitava ondas. Num movimento rapido, elevou o braço à sua frente, a lamina cortando o nada.

No mesmo instante, a garota, também à sua frente, urrou de dor, segurando o pulso esquerdo com a outra mão. Seu corpo estremeceu, assim como o meu, quando viu o liquido quente e pegajoso escorrer pela palma da mão e gotejar no chão. Puxou ar e prendeu a respiração mais uma vez, sentindo as fibras da carne serem cortadas e seu osso atravessado por algo invisivel.

Urrou mais uma vez. 

-- Paf paf

Fizeram os tenis de Stark pelo corredor.

Ele abriu a porta, ofegante, dizendo que ouviu os gritos do segundo andar. Charlotte sentiu um arrepio percorrer sua espinha e, sem pensar duas vezes, correu até a porta. A mão bem presa junto ao pulso, como se isso fosse o suficiente para estancar o sangramento invisivel.

Atravessou a porta e mergulhou no corredor. Mirou todos os quadros, e o ar lhe faltou. 

No quadro que mostarava o quarto da cor do luar, havia um corpo jogado no chão, como um pedaço de carne magra. No quadro em que a garota tentava alcançar a lua, esta se tornava cada vez mais longe. No quadro em que só metade da casa aparecia, havia outro corpo no chão, ou apenas um monte de carne amassada.

Todos reais, como verdadeiras fotografias.

Meus crimes foram gravados e foram recordados dessa forma.

Dessa forma tão real. Isso é tão injusto. Isso é um absurdo.

Eu não quero isso. Eu vou me vingar dessa pessoa.

Charlotte colou o corpo junto à parede contraria do último quadro. Esgueirou-se até ficar frente à frente com a escadaria. Tentou subí-la, mas Stark fôra mais rapido, agarrando seu pulso.

Mais uma vez, a morena urrou. O albino viu as lagrimas saltarem de seus olhos escarlates. Talvez, nesse momento, de todos os outros, foi o que eu mais me senti vontade de ajudar.

Mas sou muito orgulhosa. Não os ajudaria até que me pedissem.

Então eu esperei.

E observei.

A garota se debateu e Stark imobilizou-a, segurando ambos seus pulsos. Seus olhos se encontraram com os olhos de Kirishie. Pela primeira vez em um bom tempo, pude ver aqueles olhos faiscarem com a incoveniencia. 

Ela raramente se sentia irritada, mas sim, incomodada.

"Eu mandei fechar os olhos." verbalizou, ajeitando os oculos. Charlotte a obedeceu, fechando os olhos por longos segundos e abrindo-os novamente, retomando sua cor original.

As duas se encararam por alguns segundos, tranquilizando a respiração.

"Nosodachi kemono..." Kirishie suspirou, fraca

"O que aconteceu? Eu não posso lhe ouvir." Charlotte expôs, com a mesma emoção de sempre: nenhuma.

"Cuide dela, Stark. Eu vou ver como as coisas estão lá em cima."

-- Toc toc

Fizeram os saltos de Kirishie, subindo as escadas e indo para longe do monstro.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem até aqui ♥
E eu sinto muito, muito mesmo. Talvez eu não chegue a concluir nem Fading Into The Light, muito menos Empty Skies e Yellow Tears ou até mesmo essa desculpa que eu chamo de "vida".

Agora, um pequeno glossario.

Ohayou Gozaimasu = bom dia em forma polida
Sugoku omoshiroi desu = Muito, muito interessante
Shiranai. Doudemoii = Não sei. Tanto faz.
Kagi wa? = Onde está a chave?
Akaryouba = Seria uma espada de dois gumes, vermelha
Nosodachi kemono = seria algo como "besta selvagem"



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