Ecos Caleidoscópicos escrita por DannyMandT


Capítulo 5
Capítulo 5 – Nada parece absurdo


Notas iniciais do capítulo

“ Essa ladeira é traiçoeira.
Esse caminho é imprudente.
E eu gosto disso.
Eu não consigo decidir se isso é uma escolha,
Estou sendo varrida.
Eu ouço o som da minha própria voz,
Pedindo a você para ficar.
Essa esperança é traiçoeira,
Este sonho é perigoso,
E eu gosto disso.”

(Treacherous – Taylor Swift)



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– Lily... Lily? – Estão me chamando, e começo a despedaçar de novo á medida que sou tirada para fora da lembrança. – Lily! Ah, você está aí! Eu disse pra Aaron não lhe deixar só. Eu pensei que... – Trudy corre até mim e se abaixa na escuridão para me abraçar. Eu sinto que todo esse carinho devia manter ao menos alguns pedaços juntos... Mas não acontece.

– O que você pensou, Trudy? Que eu havia me jogado na fonte e deixado a água encharcar meu pulmões? – Sinto-a menear a cabeça, acariciando meu cabelo com veemência e fazendo sinal pra que eu pare de falar. As “bobagens” ao menos. A não ser pelo fato de que não são bobagens... mergulhar de vez nas lembranças e deixá-las me levar.

– Deixe de tolice minha jovem. A vida...

– Não, Trudy. Não diga que a vida continua... Por favor. – Ela consente e me solta aos poucos, limpando meu rosto com a barra da blusa.

– Vamos? Precisamos arrumar umas coisas. – A voz dela está tensa.

– O que houve? Aconteceu alguma coisa?

– Kyle. Aquele cabeça de vento pegou um dos carros e saiu sozinho, sabe Deus para onde, em busca de uma garota! Jeb acha muito arriscado esperarmos passivamente. Vamos começar a organizar as coisas e os grupos pra evadir a qualquer sinal de ameaça.

“O’Shea arrogante. Será possível que já não bastava uma vida sem sentido nessas cavernas? Precisava por a perder a tranqüilidade de todos os outros?”

– Vamos, Lily.

– Eu... Vá na frente. Vou logo em seguida. – Ela quis rejeitar, então eu esbocei o sorriso mais seguro que pude. Ela sorriu um pouquinho e saiu.

Encostei-me na fonte e nada vi. O ar, a água, tudo estava negro, até mesmo o murmúrio era sombrio. Abaixei-me até os dedos tocarem a água morna, peguei uma porção com a mão em concha e lavei o rosto. Caso Kyle se metesse em confusão e nós tivéssemos de partir, nem mesmo a lembrança do aroma e do som eu teria. Respiro fundo, tentando registrar tudo.

Na verdade, não estou preocupada em organizar as coisas e evacuar... por mim ficaria aqui. Mas tenho que, ao menos, ajudar os demais, eles merecem uma chance. Talvez nem todos, bem que Lacey merecia ser capturada e eliminada como hospedeira problemática.

Há muita agitação nos corredores, pessoas decidindo o que realmente é necessário para o caso de termos que sair. Jeb está preocupado, sentado a uma bancada da cozinha rascunhando em papéis, organizando os grupos e tentando pensar em uma forma de reunir e acomodar todos em um outro possível lugar minúsculo.

– Jared deveria estar aqui... – Ele murmura. Então me dou conta que talvez não haja como esperar até que ele, Peg e Ian retornem. Qual teria sido a reação de Ian?

Continuamos os preparativos e eu dou o melhor de mim para ignorar a presença da gárgula miúda com sua voz estridente, gritando mil e uma exigências sem fazer nada de útil. Cada vez mais parece que a paz se cansou do nosso reduto e resolveu partir sem dar satisfações. A noite chega e traz consigo um alívio: Peg, Ian e Jared estão de volta. Ouço as vozes perto da entrada, mas não me aproximo muito, sinto que ver os olhos de Peregrina possa me tirar a sanidade. No fim das contas eu sinto culpa de pensar assim da minha amiga.

Jeb dispensa a multidão e, de soslaio, vejo que eles trouxeram mais cobaias para extração. Há um momento de indecisão: fazer logo o que tem que ser feito ou continuar os planos de evasão? Acho que optaram pela primeira opção, porque os quatro somem por um bom tempo. Estou indo para o meu quarto no final da noite quando esbarro em Ian.

– E aí garota? Está tudo bem? – Ele me dá um abraço de urso e bagunça meu cabelo. Mesmo que eu seja mais velha que Ian, ainda sou menor e acho que isso inverte os papéis protetores.

– Melhorando. Seria mais fácil sem a presença intragável da tampa-de-garrafa-espinhenta.

– Hunf! Nem fala... – Há angústia no olhar dele.

– Está preocupado com Kyle?

– Aquele cabeça de vácuo... minha vontade é de destroçar cada milésimo de pedaço daquele bruto ignorante!

– Trudy disse que ele foi atrás de uma garota. – Soa mais como uma pergunta.

– Jodi, ou o corpo dela. Era a namorada dele... Eu queria pegar o Kyle e... – Ian tenciona o corpo todo, torcendo as mãos no ar como se agarrasse um pescoço e o trucidasse.

– Wow! Calma aí O’Shea! Já pensou como Peg reagiria a essa cena? – Isso parece fazer trazê-lo de volta a sensatez. – Sabe, Ian... Depois de passar o dia aturando aquela peste “ressuscitada” eu até entendo o Kyle. – Ele me olha com incompreensão. – É. Além do fato de ser esperto o suficiente para se livrar da companhia dela... Quer dizer, talvez ele não tenha escolhido o melhor método, mas, além disso, os últimos acontecimentos trouxeram esperança para ele. Eu... Eu acho que também não pensaria duas vezes, se eu pudesse fazer algo que me trouxesse Wes de volta. Entende?

Ian aquiesce apenas e trocamos um olhar de cumplicidade. Eu percebo que, apesar da raiva, Ian teme não ver o irmão novamente. Outro abraço de urso e nos despedimos, foi um dia difícil e nossos corpos clamam por descanso. Enquanto me apronto para dormir, eu penso que teria ido com Kyle se tivesse tido a chance.

Na verdade, eu me surpreendo ao compreender que acredito que ele tenha sucesso. Nos últimos meses eu havia conhecido e aprendido a confiar no amor, e se é isso o que move Kyle, eu tenho quase certeza de que ele saberá lidar com a “Jodi”.

De qualquer modo, eu queria ter ido com ele, talvez se algum imprevisto acontecesse, eu seria capaz de despistar as Almas para que Kyle “resgatasse” a garota e retornasse em segurança. Independentemente do que me acontecesse, porque certamente eu não me deixaria ser capturada.

Ao menos meu ogro-amigo teria a chance de (tentar) ser feliz de novo, enquanto para mim, tudo aquilo não fizesse muita diferença. Eu não tinha mais por que voltar para as cavernas, não havia mais amor e vida para mim aqui. Tento dormir e não pensar em Wes, mas é inevitável.

– - - ### - - -

Era uma manhã amena, apesar do verão que havia chegado com força. A natureza já dava ares de que em breve traria suas chuvas de monções. Wes, Jamie e eu saímos para dar um breve passeio na cordilheira e respirar um pouco de ar puro, sentir o calor dos raios de sol na pele em vez do mormaço quente das cavernas.

Jamie corria enérgico, escalando algumas rochas em busca de ninhos de aves. Wes e eu descemos até um pequeno plano circular no lado oeste, onde uma árvore pendia das paredes, inclinada em direção ao céu. Surpreendentemente, sua copa produzia uma sobra brincalhona e agradável. Sentamos-nos ali para admirar a imponência das montanhas ao redor, seu contraste ocre com o céu azul e ofuscado pelos brilhantes raios de sol.

– Wes! Vem aqui, cara! Vem ver que incrível! – Jamie gritou num ponto mais acima. Wes voltou-se para mim, seu olhar me convidando a ir junto.

– Não! Pode ir, eu não estou a fim de ver nenhum inseto nojento ou perigosamente desafiador que Jamie possa ter encontrado.

Nós rimos e ele subiu. Continuei a observar a paisagem. Ela transmitia proteção e uma calma até assustadora, como se fosse... frágil. Escutei passos discretos esmagando as pedras e por instinto virei-me rapidamente. Mãos cobriram meu olhos e no espanto eu quis gritar, mas algo em meus lábios me impediram. Wes me beijara.

– Eca! – Escutei Jamie reclamar e não contive o sorriso, sentindo suas mãos saírem dos meus olhos.

Wes se afastou e eu abri os olhos para lhe dirigir um olhar de reprovação brincalhão. Ele sorriu satisfeito, olhei para trás e Jamie fazia cara de nojo enquanto “limpava” deliberadamente as mãos na blusa. Rimos muito e eu voltei a olhar para Wes que me surpreendeu, estendendo-me uma flor.

Ela era exuberante. Tinha cores fortes no mesmo tom das rochas e suas pétalas eram ásperas e grosseiras. Ao mesmo tempo em que parecia delicada era resistente. Vi que possíveis espinhos haviam sido cortados de seu talo. Olhei-a maravilhada por alguns minutos.

– É magnífica... Foi ela o que o Jamie achou?

– Foi sim, mas se soubesse que ia causar essa cena teria ficado de boca calada. – O rapazinho disse fazendo bico. “Esse coraçãozinho adolescente precisa de uma paixão bem açucarada” Sorri fazendo careta para Jamie.

– Obrigada, birrento. – Então me voltei alargando o sorriso e caprichando na ternura. – Obrigada, Wes. – Ele se sentou ao meu lado e plantou um beijo no alto da minha cabeça.

– Só não a encoste à boca ou cheire. Ela é uma sobrevivente, pode ser venenosa.

– Tudo bem. Essa visão é mais que suficiente. - Foi minha vez de brindar seus lábios com gratidão, alegria e paixão.


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Notas finais do capítulo

Me deliciei escrevendo essa memória. Tenho tanto carinho por "A Hospedeira" que o deserto não me parece um lugar escaldante e repugnante, mas sim aquecido e pungente de vida e de sentimentos e de belezas... Além disso teve o Jamie! Fofuuuura! E aí? O que achou?



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