As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 06 :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/385034/chapter/6


Capítulo 06

Aquele com um novo pedido e musica de acordeom.


Rin acordou em uma cama macia. A manhã estava fria, mas ao mesmo tempo iluminada, o céu não mais encoberto pela manta cinza das nuvens chuvosas. A menina estava aninhada em um quentinho e grosso cobertor vermelho.

Ela não queria levantar, mas estar em um quarto desconhecido não exatamente a ajudava a dormir de novo. Sentou-se na borda da cama, com os pés tocando no chão de madeira encerada. Vestia um par de calças de dormir vermelhas e uma larga blusa preta, ambas grandes demais para ela, as mangas da blusa iam até seus cotovelos.

O quarto tinha duas paredes vermelhas e as outras duas eram de tijolos, mas não aqueles tijolos feios usados em construções, eram aqueles de decoração. Os móveis eram de madeira escura. Tinha até um sofá preto e uma lareira.

Seu corpo estava coberto de ataduras e curativos, e o pé direito estava enfaixado com um pedaço de madeira, para evitar que ela o movesse. Não estava mais suja de lama e sangue.

Rin lembrou-se da mulher que a salvou da morte, devia ter sido ela quem colocou os curativos. Sorriu, foi um ato nobre, tinha que agradecer depois.

Ela começou a desatar as ataduras do pé, e depois tirou o pedaço de madeira. Girou o pé algumas vezes e escutou alguns estalos, mas não sentiu dor.

Tirou o resto dos curativos, encontrando apenas pele macia e nenhuma cicatriz. Sorriu vitoriosamente. Podia ser fraca, mas nunca passava muito tempo incapacitada.

Se pôs de pé, as barras das calças arrastando no chão. Onde estavam suas coisas? Procurou em todos os lugares do quarto, mas nem sua mala nem suas roupas estavam lá. Coçou a cabeça, todo mundo sabe que quando você salva uma pessoa de ser morta por monstros, você deixa as coisas dessa pessoa bem perto dela.

Rin abriu uma porta de madera bem escura que dava em um corredor. No fim do corredor havia uma escada. A escada dava em uma grande sala de estar, daquelas com uma lareira redonda bem no meio, com um grande sofá vermelho e um relógio enfeitado.

Ela teria ficado mais tempo admirando a sala se o cheiro de comida não estivesse vindo de outro cômodo. Seu estômago roncou e ela seguiu suas vontades.

Rin se dirigiu à uma cozinha bem grande. A moça que a salvou na noite anterior estava cozinhando alguma coisa no fogão e não percebeu que estava ali.

A cozinha estava sendo banhada pela luz mansa do sol matinal. Ouvia-se o barulho das folhas das árvores atingidas por uma rajada de vento e o chichiar dos passarinhos. As janelas do lugar exibiam um cenário calmo e despreocupado. Nem parecia que o mundo lá fora fora palco de uma feroz batalha.

Sem saber o que fazer, a loura sentou-se em uma cadeira próxima. O barulho da madeira arrastando no piso fez a mulher virar-se. Rin sorriu sem graça e acenou com a mão.

- Bom dia – disse, pois não sabia o que mais poderia dizer.

- Bom dia – a moça colocava comida e pratos na mesa.

- Bem bonita, sua casa.

- Obrigada.

O silêncio reinou até que a morena também se sentou e começou a servir-se.

- Qual é o seu nome? – Rin tentou quebrar o silêncio, começando a colocar comida no prato apenas quando a outra deu a primeira mordida.

- Meiko, Meiko Coração de Fogo. E o seu?

- Rin Casaco Marrom.

Elas ficaram caladas por alguns minutos. Rin comia torradas com ovos mexidos. Não tinham um gosto muito bom e estavam um tanto queimados demais. Mas ela não se importou, comia como um vira-lata magro e faminto que ganhou um petisco de uma daquelas velhinhas bondosas que andam no parque todas as manhãs.

Meiko olhava para ela com uma das sobrancelhas arqueadas, mastigando lentamente, como se estivesse pensando em outra coisa.

- Ãh... Posso ajudar em algo? – Rin não sentia-se confortável com alguém a encarando enquanto comia.

- Você não deveria estar lá em cima, sem conseguir andar e gemendo de dor? – pelo visto, Meiko não economizava palavras.

- Bem, se meus ferimentos sarassem em ritmo normal, sim – Rin colocou alguns pedaços de maçã no prato, já que não havia laranjas na mesa – Felizmente, esse não é o meu caso.

- Regeneração acelerada? – Meiko indagou, recebendo apenas um balançar positivo de cabeça como resposta.

- Obrigada por me salvar daquelas criaturas – Rin agradeceu, sorrindo -, se não fosse por você, estaria morta e enterrada.

- Sem problemas – Meiko se mexeu na cadeira, um pouco desconfortável – Na verdade, eu achei que eram ladrões, por isso levei as espadas comigo, sabe, para espantar. Você tem sorte que o gerador de energia elétrica do muro está quebrado, se não morreria antes mesmo de chegar no topo dele.

Rin agradeceu aos deuses mentalmente, muito embora achasse que morrer eletrocutada fosse melhor que morrer nas mãos dos monstros.

- Se me permite perguntar, por que aquelas coisas a estavam atacando?

A menina pensou por um momento antes de responder a pergunta.

- Eu tenho algo que eles querem – limitou-se a dizer apenas aquilo, mesmo que a morena desse sinais de que queria mais informações.

Rin se ofereceu para lavar os pratos quando terminaram de comer e Meiko aceitou sem pestanejar. Ela não tentou forçar Rin a falar mais sobre seus quase assassinos, mas a menina não achava que ela fosse deixar o assunto de lado por muito tempo.

- Meiko, onde estão minhas coisas? – Rin tentava tirar uma mancha teimosa de um prato.

- As roupas estão secando em um varal nos fundos, junto a mala – respondeu.

- E as coisas dentro do casaco? – ela virou-se para olhar para Meiko diretamente, preocupada.

- Tudo lá fora.

Rin nem mesmo terminou de lavar a louça, correu para o que achava que seria a porta dos fundos. De fato, as roupas (até as que estava dentro da mala) estavam estendidas em um varal. O acordeom e o resto de suas coisas estavam em cima de uma mesa ao lado do mesmo.

Aproximou-se do casaco que tanto adorava e suspirou. Estava rasgado e molhado. Mas não fazia mal, ela o costuraria quando tivesse tempo. Passou os olhos pela mesa, sentindo falta de uma coisa.

Uma coisa muito importante.

- O livro que estava no casaco! – Rin praticamente gritou, mas depois baixou o tom – Onde ele está?

- Ah, aquilo. Ele estava sequinho, então não o trouxe aqui para fora – Meiko franziu o cenho e ergueu as mão abertas na altura do peito, como se quisesse se defender, mas não alterou o tom de voz – Está perto da lareira da sala.

A menina dirigiu-se até a lareira redonda no meio da sala de estar. A lareira de centro tinha espaço para pessoas sentarem próximas à ela nos dias frios. E lá estava o não livro, parado, com toda sua sinistra glória.

Como era possível ele não estar molhado? O casaco inteiro foi encharcado. As mensagens também estavam ali, claras feito um diamânte, sem nenhum borrão sequer. Não fazia sentido.

Mas a confusão dentro dela foi substituída por um misto de ódio e medo.

Não livro envenenado por viboras odiadas até mesmo pelos monstros do oeste! Foi por sua causa que eu sofri! Foi por sua causa que eu quase morri! Ela itensificou o aperto no objeto, como se assim ele fosse sentir a dor que ela sentiu na noite anterior Espero que o mais temível dos dragões lhe faça em pedacinhos e lhe queime com um fogo mais intenso que o do próprio inferno!

Então uma ideia lhe veio a cabeça. Lhe faça em pedacinhos. Ela abriu o não livro novamente e tentou arrancar um página. Sem sucesso. Puxou com mais força. Sem sucesso. Pegou um atiçador de lareira com ponta fina e tentou rasgar uma página com ele. Nem mesmo deixou uma marca.

Rin suspirou pesadamente. Tinha só mais uma chance. Acendeu um fósforo que achou ao lado da lareira e aproximou o não livro da pequena chama. Como esperado, ele não pegou fogo. Com um sopro o fósforo foi apagado.

Ela sentou-se, triste. Lembrou-se de sua horrível experiência na noite passada. As criaturas queriam o não livro, sem dúvida nenhuma. Levou a mão ao braço que quase fora arrancado.

Alguma coisa dentro dela dizia que aqueles dois monstros foram apenas o começo, que eles não eram nada mais que bichinhos de estimação do mau maior.

Rin Casaco Marrom não podia deixar que esse mau maior obtivesse o não livro, tampouco podia destruí-lo. Então teria que realizar todos os seus pedidos. E ela tinha vontade de vomitar quando pensava nisso. Começou a sentir aquela sensação no estômago que você sente quando não quer fazer uma coisa, mas sabe que não tem outro jeito.

Seus pensamentos foram interrompidos por Meiko, que sentou-se ao seu lado.

- O que tem de especial nesse livro? – pelo seu tom, ela já estava juntando as peças do quebra-cabeça, não era boba.

- É o meu diário, sabe, diário de viagem – sua voz soou tão fina e hesitante que nem a própria Rin acreditaria nessa história.

Felizmente, a próxima pergunta de Meiko não tinha nada a ver com o não livro, e sim com como Rin havia chegado até sua casa. Ela contou todo seu trajeto do trêm até o lugar.

A expressão de Meiko não mudou em nenhum momento. Ela não se impressionava fácil, aparentemente. Mas Rin não ligou para a falta de reação da moça, ficou até grata. Seria insuportavelmete irritante se ela fosse uma daquelas mulheres exageradamente preocupadas, que engasgaria e perguntaria se ela ficou bem a cada ponto mais intenso da história.

- Bem, então – Meiko levantou-se e checou as horas no grande relógio enfeitado assim que a narrativa chegou ao fim – Tenho assuntos a tratar. Vou estar fora até o almoço e depois dele também. Sinta-se a vontade para jantar aqui, ou se preferir ir embora, também não vejo problema. Não roube nada e não coloque fogo na casa.

Rin escutou a porta da frente bater quando ela foi embora. Dirigiu-se novamente até o lugar onde estavam suas coisas. Passou as pontas dos dedos no acordeom. Ele havia resistido bem à queda e a chuva. Tomou-o nas mãos. Decidira que ficaria para o jantar, mais por querer arrumar uma desculpa para não proseguir em sua busca do que por querer continuar na companhia da morena grossa, mas de algum modo atenciosa. Então resolveu passar o tempo com o velho acordeom.

Deixou seus dedos passearem pelo instrumento livremente, para que eles escolhessem o que queriam; pegar emprestado uma melodia de outro músico, ou relembrar uma que eles mesmos ajudaram criar, ou quem sabe dar vida a uma nova, nunca antes tocada.

Eles tomaram sua decisão minutos depois. Apenas ela, os passarinhos, os insetos e as árvores puderam ouvir as notas que, apesar de serem tão tristes, espalhavam um certo sentimento de alegria quando dançavam consigo mesmas.

O mundo inteiro pareceu se calar, apenas para escutar a melodia vinda de um velho acordeom tocado por uma jovem menina com um sorriso puro no rosto e olhos que não pareciam prestar atenção em nada, dando a deixa para os ouvidos, presa em algum tipo de transe.

A Balada das Crianças com Asas. Uma música que ela mesma criara quando acidentalmente foi parar no Vilarejo do Mar Violeta, ao pegar a estrada errada em algum ponto da viagem. O lugar estava em guerra com o território vizinho, devido a uma mina de diamante gigantesca, e ela viu várias coisas que queria esquecer. A sorte foi que uma família com abrigo para tempos de batalha a acolheu por alguns dias, até que a poeira baixasse e ela pudesse ir embora.

A questão é que várias mães perderam os filhos, vitímas de balas perdidas ou ataques dos soldados inimigos, e ela criou essa música como homenagem a essas crianças. Ela ainda se lembrava de uma moça com alguns fios grisalhos que olhou bem em seus olhos e disse “Jamais se esqueça dessa música, e toque-a sempre com alegria. Não deixe que ela se torne uma balada fúnebre, porque ela não é. Por causa dela, nossas crianças nunca morrerão, estarão sempre com você, lhe protegendo. E isso não é algo triste, não mesmo”.

Ao tocar as últimas notas, Rin pensou ter escutado palmas e o inconfundível som de risadas de crianças. Então curvou-se para sua plateia invisível antes de começar a próxima música.


. . .


Já estava escurecendo quando Meiko voltou para casa. Ela não estava mais preocupada com a possibilidade de encontrar o lugar vazio, já tinha se convencido de que sua hospede não era uma ladra.

Mais cedo naquele mesmo dia, ela voltara para o almoço e só o que encontrou foi uma loura bastante absorta em sua própria música. Ela tocava bem, muito bem. Era com uma naturalidade inacreditável que ela fazia as notas fluírem. Meiko esperou até que a música acabasse para chamar a menina para comer alguma coisa.

No almoço Rin explicou que era uma viajante, e que tinha uma coisa muito importante para fazer, por isso partiria no dia seguinte, antes de o sol nascer. A menina não parecia estar gostando da comida, de fato Meiko nunca fora a melhor cozinheira, mas enquanto ela não reclamasse, não havia motivo para preparar outra coisa.

A morena entrou na cozinha, esperando encontrar uma mesa vazia e comida por ser feita. No entanto deparou-se com a mesa posta e comida pronta.

- Eu achei que deveria agradecer de algum modo – Rin estava usando o vestido branco de sempre, mas sem o casaco -, então eu fiz o jantar.

- Bobagem – Meiko sorriu –, você só não queria mais comer minha comida horrível.

Rin deu de ombros, com um sorriso rosto e com os olhos voltados para o teto.

- Espere um momento – Meiko saiu da cozinha –, vou buscar uma coisa para mim.

Rin não se importou com a ausência da outra, e começou a comer assim mesmo. Supôs que tinha direito de comer primeiro, afinal, fora ela quem preparara a comida.

Tinha feito uma simples macarronada e, mesmo não sendo uma chef exemplar, era melhor do que a comida feita por Meiko.

- Pronto, voltei – A moça trazia na mão uma garrafa de vinho.

- Vamos beber vinho? – Rin perguntou.

- Não, eu vou beber vinho – Meiko tirou uma taça de um armário – você pode beber cerveja quente em um copo sujo – ela riu da expressão incrédula da menina – Estou brincando, nem tenho cerveja aqui.

Ela pôs um pouco de vinho em duas taças e entregou uma delas para a loura.

- O que você ficou fazendo enquanto eu estive fora? – ela cheirou um pouco o vinho.

- Costurei meu casaco e pus as minhas coisas lá em cima, no quarto em que acordei hoje de manhã – Rin não se demorou em tomar um gole da bebida.

- É forte – a morena avisou.

- Percebi – Rin afastou um pouco a taça e depois voltou-se para a morena, uma pergunta lhe incomodando a mente – Meiko, você entende de vinhos?

- Por que a pergunta? – Os olhos dela brilharam por uma fração de segundo.

- Você sabe qual é o melhor vinho do mundo?

A moça coçou a cabeça, pensativa.

- Depende que tipo de vinho você está querendo – Meiko finalmente deu o primeiro gole na bebida, uma expressão totalmente nova tomava conta de seu rosto, ele parecia mais iluminado -, de acordo com a opinião dos especialistas, os melhores vinhos brancos são encontrados no Vilarejo dos Corvos, enquanto os vinhos escuros, na Cidade da Tempestade. Ambos são caseiros, não feitos em fábricas.

Rin percebeu duas coisas: que estava indo para o lugar completamente errado anteriormente e que o não livro não especificou sua preferência em vinhos, então qualquer um deveria dar certo.

- Mas, de novo, por que a pergunta? – Meiko quis saber – Não pretende tentar encontrá-los, pretende? Sem querer ser rude, você não me parece uma pessoa... digamos... afortunada a ponto de poder pagar por um desses.

- Não, só perguntei por perguntar – Ela realmente não sabia como conseguiria pagar pelo vinho, mas estava enfrentando um problema de cada vez.

Rin tomou outra golada da bebida, nervosa.

- É forte – Meiko avisou de novo – Se você pretende mesmo partir amanhã, não é bom nublar sua mente desse jeito.

Rin estava prestes a responder, quando escutou um forte estrondo na porta da frente da casa.

- Mas o que... – a morena começou a se dirigir para a porta, mas uma mão fria e trêmula a segurou pelo braço.

- Espere, não abra a porta – parecia que todo o sangue havia sido sugado do rosto da menina – Pegue suas espadas, por favor!

Ela subiu as escadas e voltou em menos de um minuto vestindo o casaco e com o não livro na mão.

Os estrondos ficavam mais fortes.

Meiko, apesar de não saber o que estava contecendo foi até um escritório no andar de baixo e tirou suas espadas gêmeas com lâminas de cor vermelho sangue de um baú antigo.

Elas voltaram para a sala de estar, onde podiam ver a porta ser golpeada múltiplas vezes, logo iria quebrar. Grunhidos podiam ser ouvidos.

- Eu não gosto de ser feita de boba, menina – rosnou Meiko, e por um momento Rin pensou que fosse levar um soco – É melhor me dizer o que está acontecendo, se não eu mesma vou te jogar para essas feras.

- Eles querem o não livro – Rin mostrou o objeto para Meiko e engoliu em seco – E se eles conseguirem o que querem... nem mesmo sei o que acontecerá, mas sei que não será nada bom. Entendo que é difícil de acreditar, mas se nós sobrevivermos, juro que deixo você lê-lo, assim vai entender tudo.

Meiko estava prestes a gritar com ela, dizer que não acreditava que ela estava sendo caçada só por causa de um “não livro” ridículo. Mas então viu aqueles olhos, que não refletiam nada mais que a verdade. Segurou com mais força ainda o cabo das espadas e assentiu, decidida.

- Vá para o porão, eu vou tentar tirá-los daqui – as batidas na porta tornaram-se mais altas – Saia apenas quando eu disser que é seguro. Ou amanhã de manhã, caso eu não apareça.

- Meiko...

- Vá logo!

Rin disparou em direção a uma porta no final de um corredor no primeiro andar, sem dizer mais nem uma palavra. A porta dava acesso a uma escada, e esta levava para uma sala escura.

Ela preferiu não ligar a luz, para não chamar atenção do que quer que estivesse lá fora. Desceu as escada cautelosamente até a metade, então escutou o som de uma porta se quebrando e praticamente saltou até o chão.

Tateou o ar, até que encostou em uma estante de madeira que, apesar de ser vazada, podendo-se tocar na parede atrás, estava cheia de garrafas, e a menina esperou que elas a pudessem esconder.

Afastou a estante da parede cuidadosamente, para que as garrafas não caíssem e se escondeu atrás dela. Teria procurado por um esconderijo melhor se o som de uma batalha não ficasse mais próximo do porão a cada minuto.

Rin abraçou os joelhos e tomou a forma de uma bolinha, com o não livro ainda fora do casaco, tentando acalmar o coração. Esperava que Meiko estivesse se saindo bem. Escutou gritos, coisas se quebrando e passos, se aproximando cada vez mais.

Alguém girou a maçaneta. Por favor, que seja Meiko!

Mas não era. A luz que vinha da sala só permitia que Rin visse a silhueta, e era grande demais para ser da morena. Seja lá quem fosse teve que se abaixar para passar pela porta. Tateou a parede até que sua enorme mão encostou no interruptor.

Rin apertou ainda mais as pernas contra o peito. Aquela coisa era assustadoramente parecida com os monstros da noite passada, só que era muito maior, tinha a postura reta e usava calças e um casaco preto desabotoado.

- Cadê você coelhinha? – ah, pelo visto esse falava também -, não vou te machucar, só quero o não livro.

Rin se encolheu um pouco mais quando a criatura farejou o ar. Aparentemente, esconder-se foi uma perda de tempo. Seria descoberta mesmo se estivesse vestindo uma capa de invisibilidade.

Prendeu a respiração e fechou os olhos com força. Porém, antes que o inimigo pudesse sequer aproximar-se da estante, a porta foi aberta, revelando uma Meiko suja de sangue com duas cabeças decepadas de criaturas menores em cada mão.

- É só isso? – ela deixou as cabeças rolares escada abaixo e desembaiou as espadas.

A fera não parecia impressionada, rosnou e desembaiou uma enorme e enferrujada espada e tomou posição de batalha. Esperou que a morena o atacasse primeiro e bloqueou a investida.

Com a mão livre a golpeou no rosto e a fez cair no chão, porém não conseguiu atingi-la com a espada, ela desviou antes que pudesse fazer qualquer coisa. Ele podia ser mais forte, mas Meiko era mais rápida, portanto a luta ficou mais ou menos igualada.

Vários minutos depois, os dois oponentes ainda estavam tentando acertar um ao outro e, devido ao tamanho reduzido do porão, não havia lugar para correr ou recuar, apenas atacar. Faíscas e labaredas voavam todas as vezes que as lâminas se tocavam.

Rin contou quantas vezes já teria sido morta pelo monstro se estivesse no lugar de Meiko, mas desistiu quando chegou em numeros tão grandes que mal havia tempo de pensar nele todo que o já era hora de pensar no próximo.

Quando ela achava que o duelo não teria fim, o monstro começou a atacar mais rápido e com mais força, forçando Meiko a encostar na parede. Maldição, era esse seu plano; cansar a adversária para depois atacar com toda a força.

Ele ergueu a espada acima de sua cabeça e depois atacou, um sorriso sinistro em seu rosto. Rin achava que era o fim de Meiko, mas a moça não compartilhava o mesmo pensamento.

Desviou alguns milésimos de segundo antes de a espada cortá-la em duas, fazendo a mesma cravar-se na parede com força. O monstro tentou puxá-la, mas era inútil; estava bem presa.

Meiko não perdeu tempo, afundou as própria lâminas no peito do inimigo agora desarmado. Este, no fim de sua energia, tentou golpeá-la com as mãos pesadas, mas ela o chutou com toda a força que tinha.

Ele cambaleou para trás, e Rin mal teve tempo de falar nada quando ele esbarrou na estante atrás da qual estava escondida. A estante caiu para trás e ela achou que seria atingida, porém o topo do móvel bateu na parede, impedindo que caísse no chão.

Ao invéz disso, garrafas de vinho começaram a cair em cima dela, devido ao ângulo em que a estante se encontrava. O vidro atingia seu corpo, machucando-a. Caía também no chão ao seu redor, fazendo uma bela bagunça.

Mas Rin não prestava atenção na dor ou na sujeira em suas roupas ou chão, nem na gritaria de Meiko, que diziam alguma coisa sobre “desperdiçado” e “trabalho perdido”. Ela prestava atenção no não livro em seu colo. Ele parecia absorver a bebida que caía nele ou nas coisas ao seu redor. Começou a ficar quente de novo, e a cena do hotel se repetiu.

Até mesmo Meiko parou de gritar para ver o que estava acontecendo com o suposto “diário” de Rin. A menina segurava o objeto com dificuldades, devido as páginas enlouquecidas, mas tinha um sorriso no rosto. Ela estava quase rindo.

O não livro se acalmou depois de alguns segundos, e Rin o abriu cautelosamente, temendo o que poderia ser pedido a seguir, mas ao mesmo tempo ansiosa para descobrir. Deixou que Meiko desse uma espiada por cima de seu ombro. Ela merecia.


“Assim não é justo.

As duas primeiras foram fáceis demais.

Agora quero ver do que você é mesmo capaz.




Castelo rico, castelo nobre.

Castelo escuro e assombrado

Amaldiçoado.




Como terceiro pedido

Quero a coroa da princesa fantasma

Morta no castelo esquecido.”


- Mas que tipo de bobagem é esta? – Meiko pregou um susto na menina, ainda absorta em seus pensamentos.

- Não é bobagem, Meiko – Rin lhe entregou o não livro – Leia, leia, assim você vai entender.

Meiko fez o que lhe foi pedido a contra gosto, leu o não livro, com o cenho franzido o tempo todo. Não demorou muito para que ela terminasse, não havia muito o que ler. Suspirou.

- Escute, isso tudo não passa de asneiras – Ela adotou o tom de uma mãe que fala com a filha que acabou de ser enganada por uma criança maior -, alguém escreveu essas coisas aqui, só isso.

- Eu também achei isso no começo – Rin insistiu – E como você explica as páginas enlouquecidas? E o não livro saber meu nome? Espere, que vinho era aquele? – ela lambeu seu casaco, encharcado com a bebida.

- Não tem nome, fui eu mesma que fiz – Meiko ajoelhou-se em meio ao chão molhado e cacos de vidro – Tradalho perdido, como disse antes – murmurou.

- Ah, sinto muito Meiko – Rin agora se sentia um lixo.

- Não foi culpa sua, eu que chutei o grandalhão – a atitude decidida de Meiko foi substituida por uma triste e pessímista.

- Eu posso ajudá-la a colher mais uvas, se quiser – apesar de só conhecer a moça por algumas horas, Rin queria a velha Meiko de volta.

- As minhas uvas só podem ser colhidas um vez por ano. Nos outros meses só o que a plantação oferece são frutinha escuras e amargas, que caem no chão – a morena levantou-se –, as plantas são bastante especiais, nem precisam ser cuidadas.

Rin lembrou-se de quando estava correndo no terreno. Ela sentiu alguma coisa ser esmagada por suas botas, provavelmente eram as frutinhas que Meiko mencionara. E animou-se ao ouvir a notícia das plantas autosuficientes.

- Ótimo! Você me ajuda com os pedidos do não livro, e nós voltamos depois para colhê-las! Nem vai precisar se preocupar em as aguar!

- Espere um momento – Meiko a encarou –, eu não vou com você à lugar algum. Posso te dar alguns suprimentos e roupas novas, mas não vou ajudá-la com pedido nenhum!

Rin desejou que a Meiko depressiva voltasse. Ela não podia ir sozinha, morreria nas primeiras duas horas de viagem.

- Então, será que não pode me acompanhar só até eu encontrar outra pessoa que me ajude? – suplicou.

Meiko massageou as têmporas. Pelos deuses e pelo palácio, em que ela estava se metendo?

- Tudo bem – cedeu – Mas até você encontrar um outro alguém para impedir que você morra. Agora vamos arrumar nossas coisas, porque eu quero partir logo, assim poderei voltar logo.

A loura acentiu energeticamente e elas começaram a subir as escadas.

- Melhor vinho do mundo, é? – um sorriso discreto abriu espaço no rosto da morena.

- Sem dúvida, o melhor do mundo – Rin concordou, rindo um pouco.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Meiko, você virou guarda-costas.