Olhos De Vidro escrita por Jane Viesseli


Capítulo 5
Menina dos Meus Olhos – Parte II




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Embry desdobra o papel e o alisa por alguns segundos, tentando arrancar-lhe as rugas que o impediam de entender a própria letra. Suas mãos tremiam de ansiedade e ele torcia para que ela não notasse, pois, com certeza, estava agindo como um idiota.

― Muito bem, vamos à primeira pergunta: qual seu sobrenome? Mora com quem? Estuda ou trabalha? Qual seu animal preferido? E cor preferida?

― Se esta é a primeira, tenho medo de saber como é a segunda. – Ri.

― Cinco em um, pergunta compacta, supernormal hoje em dia – zomba ele, acompanhando a ruiva nas gargalhadas. – Ok, confesso que exagerei um pouco, talvez essas sejam a pergunta um, dois, três quatro e cinco, todas de uma vez.

Levou mais alguns minutos para que Andy pudesse controlar suas gargalhadas, mas isso não pareceu incomodar o lobo, que ouvia o som de sua risada como se fosse a mais melodiosa sinfonia.

― Vamos por partes... Meu nome é Andy Doreto! Meu pai escolheu esse nome porque tinha quase certeza de que eu era um menino. No dia em que minha mãe iria descobrir que, na verdade, eu era uma menina, ele faleceu num acidente de carro a caminho do hospital... Acabei sendo batizada como Andy em sua homenagem.

― Sinto muito, eu não sabia – comenta preocupado.

― Relaxe! – Ri, dissipando qualquer possível tensão. – Eu nunca cheguei a conhecê-lo, então não tenho o quê me lembrar dele e a saudade não me tortura. Mas fico feliz dele ter me deixado algo de presente, mesmo que seja apenas o nome... – Sorri. – Vamos às outras perguntas agora – recomeça, franzindo a testa ao tentar se lembrar de todas elas –, gosto de cachorros, minha cor favorita é o preto, trabalho no período da manhã na Biblioteca Municipal de Seattle e, às vezes, encontro empregos extras para completar a renda da casa. Por causa da correria acabo estudando por conta própria.

― Interessante, mas acho que você pulou uma pergunta.

― Ah, qual era mesmo? – Faz-se de desentendida, mostrando certo desconforto.

― É... – Confere o pedaço de papel. – Mora com quem?

― Bem... – Pausa, como se estivesse medindo suas palavras. – Antes costumava morar com minha avó, Dolores, mas ela se mudou para um asilo há alguns meses. Idosos precisam de cuidados e ela não queria me causar ainda mais trabalho, pois já tinha que dar conta de um emprego e dos estudos... Atualmente, estou morando sozinha.

― E sua mãe? – pergunta um pouco confuso, não entendendo onde ela se encaixava em toda àquela história.

― Ela morreu – confessa num sussurro, baixando a cabeça. – Quando eu ainda era pequena, mas, ao contrário de meu pai, ela faz bastante falta... – termina num fio de voz.

― Me perdoe, Andy. – Esfrega o cabelo exasperado. – Eu tenho o dom de ser inconveniente às vezes, me desculpe, me desculpe, me desculpe, eu não sabia...

Não tinha como ele saber, já que ainda a estava conhecendo, porém, ver o sorriso sumir de seu rosto era a última coisa que Embry deseja. Ele sente um toque delicado em suas costas e, somente então, se deu conta de que apoiara os cotovelos nos joelhos.

― Vamos continuar – diz Andy, sorrindo levemente. – Conversar com você é tão divertido, não quero que a conversa termine por causa do que disse... E você, Embry? Mora com quem? Está trabalhando ou estudando?

Lembrar-se daquele assunto a deixava triste e isso estava estampado em sua face, mas então por que ela sorria? Por que pedia para continuar como se tudo estivesse bem? Gritar e ofendê-lo seriam as reações mais aceitáveis naquele momento, então por que seus olhos não carregavam nenhum resquício de desapontamento?

Andy tentava passar por cima da situação como se ela não existisse, tentando se mostrar forte apesar de sua postura dizer o contrário. Contudo, se ela queria trocar de assunto e continuar, então era isso que ele faria.

― Ajudo na oficina de meu amigo algumas vezes, estudo no período da manhã, mas... Confesso que tenho faltado às aulas nesses últimos dias.

― Que coisa feia, senhor Call – finge repreensão. – Como poderá entender meu soneto preferido se continuar a faltar às aulas?

― Eu posso fingir que entendo, isso não conta?

― Não, não conta. – Ri. – Mas continue, por favor, com quem você mora?

― Moro com minha mãe – responde ele. – Ela é uma mulher incrível e eu a admiro muito! Acho que você iria gostar dela...

― E eu adoraria conhecê-la – confessa com um sorriso –, mas e seu pai?

― Eu não tenho pai – confessa com certa rispidez, sentindo o sangue ferver no mesmo instante. – Minha mãe era de outra linhagem tribal, ele a engravidou, mas nunca me assumiu... O máximo que ele fez por nós dois foi nos trazer para morar em La Push, mas nunca mostrou seu rosto para mim – explica em meio às grandes gesticulações. – Nunca me visitou no Natal, no dia de ação de graças, no meu aniversário ou nas festinhas da escola, nunca fez questão de me conhecer pessoalmente. Sabe o que é chegar no dia dos pais e não ter uma imagem paterna a quem presentear?

― Sim, eu sei.

Ele se cala subitamente. A imagem do garotinho indígena parado na porta da escola passeava por sua mente naquele momento, segurando a lembrancinha que fizera para um pai que nunca conheceu, enquanto as outras crianças corriam em direção aos seus respectivos pais... E no meio de tantos homens, é a imagem de sua mãe que surge, sorridente e acenando-lhe com as mãos, e é ela quem recebe o presente, a sua mãe-pai, a guerreira que cuidou sozinha de um garoto arteiro e que adorava se me meter em travessuras.

É por isso que aquele garoto, mesmo depois de tornar-se homem, continuava a admirando...

― Me desculpe por descontar minha raiva em você – pede Embry de repente. – Me frustra saber que ele esteve sempre por perto e que nunca teve coragem de aparecer, ou decência de assumir o filho que fez. – Pausa, tentando conter a raiva que tentava tomá-lo novamente. – Mas você não tem nada a ver com isso, não precisa ficar ouvindo meus acessos de raiva.

― Eu não ligo! As pessoas às vezes só precisam de um ouvido, alguém que as ouça sem ficar dando palpites ou julgando seus pensamentos. Se você precisa desabafar, eu estou aqui para lhe escutar. – Sorri compreensiva. – É isso que fazem os amigos, não é?

Embry concorda com a cabeça e pensa a respeito. Por muito tempo ele considerou os garotos do bando como seus melhores amigos, mas, em que momento eles pararam para ouvi-lo? Em que momento ouviram Leah ou Jacob em seus sofrimentos? Talvez os lobos quileutes estivessem confundindo irmandade com amizade no fim das contas, talvez eles não passassem de um conjunto de seres da mesma espécie, de colegas, e não de amigos de verdade.

Apesar dos pensamentos parecerem negativos com relação a matilha, em seu peito um estranho calor o acalmava. Será que aquilo era sentir-se confortado? Se fosse, ele certamente quereria permanecer assim para sempre, sendo confortado pelos olhos ternos que o miravam naquele momento.

A tarde fora curta para tantas perguntas e por diversas vezes Embry arrancou risadas encantadoras de Andy. Isso só o fazia desejá-la cada vez mais, seu peito estufava de alegria ao vê-la feliz e seu coração acreditava que, dali para frente, nenhum dia seria alegre a não ser que tivesse a certeza de que a veria novamente.

Uma semana se passou desde que se encontraram pela primeira vez na praia de La Push. Seus encontros durante às tardes pareciam ser os únicos momentos vívidos na vida de Embry, que, de manhã frequentava seu último ano na escola – coisa que só fazia por ordens maternas –, à tarde passava maravilhosos momentos na companhia de seus olhos de oceano preferidos e à noite ficava a pensar em seu anjo dos cabelos ruivos, até que o sono o dominasse por completo.

Durante este período, Embry e Andy puderam se conhecer um pouco mais, detectando até mesmo algumas esquisitices um do outro. Ela começava a estranhar a temperatura ainda elevada do quileute e achava graça nas constantes mudanças de humor que ele apresentava, hora raivoso, hora contente, hora um pouco deprimido e depois contente novamente. Já ele, conseguia ver com mais nitidez a mania que Andy tinha de criar músicas esquisitas enquanto caminhava, e na maneira frequente com que olhava para o vazio, como se a todo instante estivesse com a cabeça longe ou tendo um devaneio.

Dia ou outro, Andy tentava enfiar um pouco de cultura na cabeça do Call, lendo algumas obras de Shakespeare como Comédia dos Erros ou Romeu e Julieta. Mas ele nunca prestava muita atenção e, depois de certo tempo de leitura, sempre se deitava nas pernas da menina e pegava no sono. E ao sentir o ressonar tranquilo de Embry, ela se resignava, contentando-se em baixar seu livro e descansar as mãos em seus cabelos curtos.

Ainda durante estes mesmos dias, o lobo se afastou grandemente do bando quileute, e não demorou muito para que eles descobrissem que o álibi do Embry era falso e que a Sra. Call nunca estivera doente de verdade. É claro que os alfas não se agradaram. O que estaria ele a esconder da matilha, que o fazia perder praticamente todos os seus compromissos como protetor de sua terra? Embry poderia não querer contar, mas eles estavam decididos a descobrir, mesmo que precisassem obrigá-lo a falar através do tom alfa.

― Deseje-me sorte! – pede Embry certa manhã, enquanto trocava suas roupas da escola por um agasalho.

― Por que? Vai para a guerra?

― Irei me declarar para a Andy – confessa com expectativa, enquanto arrumava a gola de sua blusa. – Deseje-me sorte, mãe, pois hoje finalmente contarei a ela tudo o que sinto.

― Isso é muito melhor que uma guerra – brinca batendo palmas. – Boa sorte, meu filho! Espero que ela aceite seus sentimentos...

― Eu também espero! – Sorri.

A mulher segura o rosto do filho com ambas as mãos, sobe na ponta dos pés e deposita um demorado beijo em sua testa. Com o apoio de sua mãe, Embry sentia-se capaz de fazer qualquer coisa, e, depois que também tivesse Andy ao seu lado, com certeza seria capaz de ir até a Lua, para que na volta pudesse trazer-lhe algumas estrelas de presente.

O quileute termina de se vesti e corre para fora da casa, passando a varanda com apenas um salto, dirigindo-se rapidamente para seu lugar de costume, a mureta em que sempre esperava o anjo vir ao seu encontro.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Próximo Capítulo: Você Pode me Amar de Volta?
O esperado momento da confissão...