Olhos De Vidro escrita por Jane Viesseli


Capítulo 29
O que Parecia o Fim...


Notas iniciais do capítulo

Separem suas melhores músicas para uma trilha sonora de arrebentar e boa leitura :)



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Andy havia tentado fugir e o líder nômade não gostou da novidade, principalmente por ter menosprezado demais a pequena e frágil humana. Em pensar que a ruiva estivera com a liberdade na palma das mãos...

― Vagabunda! – esbraveja Hector, depositando o corpo da humana sobre a cama e ficando frente a frente com a parceira evidentemente amedrontada. – Cuide dela direito desta vez! – rosna ele, fazendo a vampira baixar a cabeça em submissão.

Ana fora a primeira a enfrentar a fúria de Hector e, apesar de ser sua parceira há anos, não podia negar sentir medo dele. O líder era imprevisível, mau, ameaçador, não pouparia nem mesmo sua própria companheira se achasse que o estava traindo, mas, como não era o caso, apenas baixou o olhar, lembrando-se claramente do quanto apanhara do seu chamado "companheiro".

Saindo do quarto, Hector marcha furioso em direção ao porão, passando a passos duros por John e Tayrone que preferiam se manter calados a respeito do acontecido e apenas o seguiram.

― Acorde, animal – grita o líder assim que termina de descer as escadas.

Embry acorda com o susto, olhando ao redor de maneira desnorteada enquanto Hector arrebentava as correntes com sua fúria. O quileute não sabia o que se passava, ainda sentia-se muito cansado e duvidava que tivesse dormido uma noite inteira. Com a jaula finalmente aberta, o líder nômade se afasta e ordena:

― Saia, agora!

Que bobagem era aquela agora? O quileute nem sequer desconfiava, apenas apertou as coxas antes de tentar qualquer movimento, suspirando aliviado ao constatar que os ossos outrora quebrados, agora estavam inteiros. Ufa! Era um alívio poder movimentá-las novamente sem gemer ou suar frio devido à dor. Sem perder tempo Embry rasteja para fora da cela, o vampiro estava sem um pingo de paciência e evidentemente furioso, era melhor não dar motivos para ficar pior.

Já do lado de fora o lobo se coloca de pé, feliz por esticar suas pernas e se espreguiçar novamente. Um leve incômodo na perna direita faz o quileute franzir o cenho, ele arrisca alguns passos e... Droga! Mil vezes droga! Aquilo não poderia estar acontecendo com ele.

Seu organismo acelerado correspondera perfeitamente às suas expectativas de cura, mas não garantiu que o osso de sua perna direita colasse de maneira correta. Talvez ele não tivesse arrumado a perna quebrada tão bem quanto imaginava, afinal, a jaula era muito pequena. Contudo, era um pouco tarde para desculpas ou justificativas, Embry sentia o leve incômodo surgir a cada passo e por isso mancava, e talvez nem sequer tivesse conserto.

― Curtindo a lembrancinha que minha Ana deixou para você? – comenta Hector entredentes, fazendo-o se lembrar de sua presença. – Eu queria muito estar contente por esta ilustre sequela, acredite, isso não foi planejado...

― Mas? – incentiva o lobo, esfregando as mãos no rosto de forma desolada.

― Mas a humana me deixou furioso demais para apreciar este episódio. – Pausa. – Ela quebrou uma regra... Tentou fugir e eu não gostei! - revela de uma vez, estava nervoso demais para fazer suspense. – De acordo com o meu jogo, quem paga é você!

Embry arregala os olhos, nunca imaginaria que Andy seria capaz de fugir.

― No que está pensando, Embry? – repreende-se mentalmente. – Andy sabe fazer tantas coisas, por que não seria capaz de fugir? É uma pena que não tenha dado certo...

― John, Tayrone! – chama Hector com sua voz potente, interrompendo os devaneios do quileute. – Levem-no para cima... Hoje iremos marcá-lo!

― Por que continuar com essa palhaçada? – choraminga Embry. – Se sua intenção é me matar, por que não faz isso logo? Você já me destruiu, já venceu, acabe com isso de uma vez... Eu não suporto mais isso! – Termina quase num sussurro.

Hector permanece em silêncio, o encarando, e se retira sem nada responder.

Na cabeça de Embry, as lembranças da conversa com Andy estavam mais vivas do que nunca, ferindo-o e magoando-o. Era difícil não se sentir a escória da humanidade ao se lembrar de suas lágrimas... E pensando melhor naquele assunto, ele finalmente se deu conta que, apesar de o organismo continuar acelerado e da pele ainda incandescente, não sentia mais seu lado lobo dentro de si.

― Onde está você? – pensa consigo mesmo, tentando encontrar a euforia habitual de seu lobo cinzento dentro de seu corpo.

Desde que saíra da dama de ferro que Embry não encontrou mais a presença de seu outro lado. E enquanto era carregado pelos capangas escada acima, o quileute fechou os olhos, concentrando-se em seu fogo interior, aquele que o transformava num lobo, mas que agora parecia tão pequeno, tão frágil, como se o seu lobo interior se sentisse fraco, triste... Como se ele já tivesse aceitado sua derrota para Hector.

― Nós dois perdemos – conclui ele mentalmente.

Embry não tinha mais esperanças, não tinha sequer vontade de lutar ou de sair bem daquele lugar. Sua derrota significava a liberdade de Andy e, no fundo, era apenas isso que importava. Passo após passo ele se deixou levar para seu destino, e assim que chegou à sala de interrogatórios improvisada, permitiu-se ser jogado numa cadeira qualquer, sob os olhos atentos dos vampiros.

Tudo se tornou silencioso nos minutos que se seguiram, os imortais nada diziam e Embry tampouco queria conversar. Levou cerca de meia hora para que Hector finalmente adentrasse a sala com alguns utensílios em mãos, sendo seguido de perto por Ana, que carregava a humana pelo braço – tomando cuidado apenas em disfarçar seu toque gelado.

O quileute continuou de cabeça baixa. Ele reconhecia a presença e o cheiro de seu imprinting, mas algo em seu peito e em sua consciência o impediam de encará-la, era como se sentisse vergonha de si mesmo por tê-la magoado. E enquanto Embry fitava o chão com apatia, Andy era colocada sobre a mesma cadeira que utilizara na última vez, com Tayrone e John atrás de si, aguardando.

Os frios estavam ansiosos demais para perceberem o quão tranquila ela estava depois de ter despertado. Andy podia sentir o cheiro doce por todo aquele cômodo, o cheiro que agora reconhecia a origem, contrastando com o aroma agradável de seu Embry. Ela esfregava as mãos uma na outra lentamente, enquanto a mente trabalhava com rapidez, formulando as perguntas e ações corretas para aquele momento. Aquela era a sua chance de descobrir a verdade e tinha que ser convincente em sua ignorância, pois se eles desconfiassem que sabia demais, estaria de fato perdida...

― Então – começa a humana calmamente, fazendo Embry levantar o rosto em sua direção –, por que estou aqui dessa vez?

Hector fita a menina no mesmo instante, ainda não estava pronto para o jogo e Andy já começava a colocar suas cartas na mesa. Ele prende um rosnado na garganta e rapidamente se aproxima do lobo, sussurrando-lhe as palavras que deveria dizer.

― Pelo mesmo motivo da última vez – responde o quileute, copiando as palavras do vampiro. – É impossível ter se esquecido...

― Não esqueci – comenta, voltando a esfregar as mãos uma na outra. – Só que ainda não entendo como funcionam as coisas por aqui, você fez tudo isso sozinho?

― Sim – diz o lobo, lendo nos lábios de Hector a ordem muda para que a enrolasse.

― Então você é o responsável pela minha comida? – joga ela, querendo ver até que ponto a mentira dele seria coerente.

― Não – responde, franzindo o cenho, aquela pergunta não fazia sentido.

― Então foram os capangas?

― Sim, foram eles. – Tenta se corrigir.

― Isso quer dizer que você não faz tudo sozinho, por que eles continuam por aqui, não é? Agora me diga, Embry, o que você faz com seus capangas enquanto está me fazendo chorar? – Ele trinca os dentes, lembrando-se da desagradável cena. – Eles ficam aqui, assistindo a tudo? Rindo pelas minhas costas e debochando de minha deficiência como você insiste em fazer?

― Andy – sussurra ele, sentindo a boca amargar com suas palavras.

Os vampiros a observam com estranheza, achando que ela estava faladeira demais para quem era feita prisioneira. Os utensílios já estavam preparados para o jogo daquele dia, mas, ainda assim, os vampiros permaneciam imóveis, buscando entender o sentido de tudo aquilo. Andy ajeitava o cabelo atrás da orelha vez ou outra, enquanto falava, e fazia-se de inocente para despistá-los, porém, nada disso impediu Hector de estreitar os olhos e unir as sobrancelhas desconfiado, ele não estava disposto a subestimá-la novamente.

― Ainda não respondeu minha pergunta – continua Andy, pressionando-o.

― Não, não ficam... Eles apenas a trazem para cá e logo vão embora! – inventa Embry, dizendo a primeira coisa que lhe viera à mente.

― E sobre nossa última conversa... Ficou feliz pela forma com que me deixou? – questiona ela, sem dar brechas para o silêncio e assumindo uma expressão raivosa.

O lobo contorce o rosto em dor, já sentindo os olhos marejarem. Por que tinham que envolvê-la naquilo? Por que uma simples humana tinha de estar num jogo de vingança? Embry sentia que a estava perdendo, mas, mesmo ao ver a raiva em seu rosto, ele ainda preocupava-se com ela.

Por um milésimo de segundo, o quileute se arrependeu de olhá-la pela primeira vez naquela praia, de levantar seu rosto e encarar o mar em seus olhos. Se nunca tivesse feito aquilo o imprinting nunca teria acontecido, Andy estaria livre e nunca teria sofrido, é claro que ele ainda estaria sozinho e desejaria encontrá-la todos os dias, no entanto ela estaria melhor sem ele.

Lágrimas silenciosas brotam de seus olhos castanhos. A ruiva ainda aguardava sua resposta, mas ele sentia que se abrisse a boca sua voz sairia trêmula. Hector sorri com o extenso silêncio, sabia que o quileute estava sofrendo, e agora que tinha todo o equipamento pronto, o faria sofrer ainda mais.

Um som abafado e estranho invade o ambiente de repente, era baixo e constante. Andy estreita os olhos assim que o novo som é captado por seus ouvidos, mas logo os faz voltar a sua expressão raivosa, torcendo para que ninguém tivesse notado sua oscilação.

Hector se vira lentamente de onde estava. Numa mão segurava um maçarico, cujo fogo já estava acesso e emitia aquele barulho estranho aos ouvidos da humana, e, na outra, um bastão de ferro com a letra "H" ornamentado em sua ponta, muito semelhante aos que os fazendeiros utilizavam para marcar gado.

Embry não precisava virar o rosto para saber do que se tratava, já sentira o cheiro do fogo dezenas de vezes ao queimar corpos triturados dos vampiros e já ouvira o som da ferramenta outras dezenas de vezes na oficina de Jacob. Todavia, diferente dele, Andy não reconhecia o objeto e sentia a desconfiança corroê-la por dentro, apesar daquele não ser um bom momento para fazer perguntas.

― Não vai me responder? – questiona ela, quebrando o silêncio e tentando retomar seu plano.

― Sim – responde somente.

― Cretino, imbecil – explode Andy de repente, batendo as mãos na mesa e se levantando abruptamente.

A cadeira tomba para trás com seu movimento brusco, sua expressão era furiosa e cortante, como se realmente estivesse sentindo tudo aquilo, mas um resquício de desconfiança novamente afeta seu rosto ao não ouvir o assento se espatifar no chão...

Atrás de seu corpo frágil e humano, Tayrone amparava a cadeira com o pé sem muita dificuldade. Ele agira rapidamente e apenas por reflexo, não percebendo o tamanho do erro que estava cometendo, mas, quando caiu em si, puxou a perna de volta deixando o objeto de madeira finalmente cair e o barulho da queda chegar aos ouvidos da ruiva de forma atrasada.

Todos os olhos avermelhados fitavam o vampiro com intensidade, como se o repreendessem por tamanha estupidez, pois o mínimo descuido poderia custar-lhes o jogo todo, entretanto os orbes cor de sangue logo se dirigem para Andy, buscando em sua face algo que a denunciasse. Seus olhos eram vazios, um mar azulado e misterioso que eles não sabiam decifrar, uma completa incógnita.

― Sente-se! – pede Embry com cautela, tentando não extravasar a preocupação de tê-la novamente numa situação perigosa e novamente tão perto de John.

Andy nada diz, apenas se agacha como se obedecesse a ordem dada, apalpando o chão e colocando a cadeira de pé assim que localiza sua posição. Ela estava perplexa e tentava a todo custo não deixar tal sentimento ser percebido. Seu plano era apenas provocar Embry até que sua mentira fosse contrariada e descoberta, mas, em vez disso, ela captou um som diferente, que a confundiu totalmente, e depois da cadeira... Percebeu que suas suspeitas iniciais estavam mais do que certas: o cheiro doce pertencia aos vampiros e eles estavam ali naquela sala, atrás dela.

Muitas hipóteses borbulhavam na mente de Andy naquele momento, uma mais louca e impossível que a outra, a fazendo acreditar que nada do que Embry lhe dissera era verdade. Talvez ele não a odiasse, talvez não tivesse se cansado dela de verdade... E talvez... Talvez ainda a amasse!

― Se ela perceber o que vai acontecer – recomeça Hector, próximo ao quileute –, não a pouparei! Minha paciência com ela já se acabou, um passo em falso e a ruiva será jogada a sete palmos abaixo da terra.

― E o que irá acontecer? – pergunta receoso.

― Já estou furioso o suficiente com a menina, não incite minha ira com suas perguntas garoto lobo. Apenas continue conversando...

Embry assente com a cabeça e se ajeita na cadeira, formulando algumas palavras para dizer a Andy, mas quando finalmente decide pronunciá-las, sente algo extremamente quente tocar-lhe o ombro direito, fazendo-o trincar os dentes no mesmo instante.

Qualquer palavra que pretendia dizer fora esquecida ao ouvir o chiado de sua pele a queimar e ao sentir o cheiro de carne morta preencher o ar. Hector encostava o ferro em brasas em seu corpo com um sorriso perverso nos lábios, pois sua intenção era marcá-lo como seu brinquedinho, como um gado que logo seria levado para o abate.

Em seu lugar e ainda em silêncio, Andy reparara em ambas as coisas: o som e o cheiro pútrido, não deixando de notar o momento em que o quileute deixou escapar um gemido, ao não segurar tamanha agonia. Fora algo curto e rápido, mas o suficiente para que ela escutasse e compreendesse mais algumas peças daquele quebra-cabeça, Embry não era o vilão e nem sequer estava aliado àquelas coisas, ele era apenas mais uma vítima!

Era impossível estar enganada, senão, porque outro motivo o ouviria gemer de dor? Andy conhecia tudo nele, tudo o que pudesse identificar à segunda vista estava muito bem gravado em sua mente: o cheiro, o calor, a textura da pele, o tom e os timbres que sua voz poderia assumir conforme o seu humor. Ela não se deixaria enganar: aquilo era angústia, dor, e aqueles miseráveis o estavam machucando.

Por um instante, Andy sentiu a raiva crescer em seu peito, queria chorar de ódio, gritar com eles e se possível socar suas caras geladas, mas se conteve. Era como se ela soubesse que Hector a observava, tentando encontrar em seu rosto algum sinal de desconfiança, contudo, os seus olhos azuis ainda eram capazes de enganá-los.

E enquanto o vampiro apertava o ferro incandescente contra o ombro do quileute, ele sentiu sua visão ficar turva. Não demorou muito para as lágrimas saírem silenciosas de seus olhos escuros, enquanto seus lábios tentavam conter qualquer outro gemido. Aquilo doía mais do que Embry imaginava, ele estava sendo marcado com o "H" que representava o nome de seu suposto dono e mesmo diante da dor excruciante o seu lobo interior parecia não querer reagir.

― Me leve junto com você, não me deixe sozinho – pede o quileute em pensamento, implorando para que seu outro "eu" não partisse sozinho. Ele estava cansado de sofrer!

O silêncio ainda predominava a sala, o que deixava John um tanto desconfiado. Por que a menina não dizia nada se estava tão faladeira há alguns minutos? Ele suspeitava dela, mas não podia interromper o passatempo do líder, pois ele odiava interrupções.

Apesar do semblante indiferente e dos olhos misteriosos, o corpo da humana estava tenso devido as novas descobertas que fazia e o vampiro atrás de si não pode deixar de notar.

― Pequena cretina – sussurra John para si mesmo –, está desconfiada de algo!

O vampiro ergue o braço em alerta, com os olhos fixos no corpo frágil de Andy. Porém, antes que pudesse chamar a atenção dos outros vampiros, um barulho alto pode ser ouvido do lado de fora, como uma árvore se quebrando e tombando ao chão.

Hector ergue o olhar de Embry e encontra John com o braço erguido, mas seus olhos já não fitavam a humana e sim a janela bloqueada por tábuas. Outro estrondo foi ouvido, porque mais uma árvore havia sido derrubada, denunciando que realmente havia alguém do lado de fora e esse alguém não era um humano comum.

O líder nômade larga o maçarico, que até então permanecera ligado, e baixa o ferro que insistia em ferir a pele do lobo. Com apenas um balançar de cabeça, ele ordena que John e Tayrone averiguassem o lado de fora.

Embry sentiu um alívio descomunal se apoderar de sua mente quando o ferro finalmente deixou suas costas, mas sabia que a queimadura ainda estava ali, provavelmente feia e nojenta. Ele respira fundo tentando colocar ordem em seus pensamentos anuviados e deixa o tronco ceder sobre a mesa, debruçando-se e colando sua testa suada no móvel gelado.

Andy ainda permanecia quieta, era difícil saber o que exatamente estava acontecendo ali e qual teoria seria a certa para descrever o momento. Ela não pode ouvir muito bem o primeiro estrondo do lado de fora da casa, mas pudera ouvir o segundo, pois parecia mais perto de seu cárcere.

Fez-se um silêncio mórbido e, juntando isso ao cheiro de carne morta que predominava no ar, a humana se sentiu numa cripta. Era como se os mortos dormissem ao seu redor, fedendo e presenteando-lhe com seu mais absoluto silêncio. Entretanto, esta sensação não durou muito.

A saída de John e Tayrone não fora das mais silenciosas, eles estavam afoitos, sentiam-se ameaçados por "o que quer que fosse" que estivesse do lado de fora. Seus passos até a porta foram sutis e imperceptíveis para a ruiva, mas não se podia dizer o mesmo da porta, que fora aberta e fechada sem o menor cuidado, rangendo em ambas às vezes.

Ora! Andy era especialista em sons, ainda mais quando o ruído já lhe era conhecido. Foi fácil para ela distinguir que alguém havia saído, e a julgar pela demora com que fecharam a porta, logo arriscou serem duas pessoas. Um pequeno sorriso nasce nos seus lábios, e isso ela realmente não fez questão de esconder.

― Por que ela está sorrindo? – questiona Hector para o lobo, como se ele realmente soubesse a resposta.

― Eu não sei – sussurra sem ao menos levantar a cabeça da mesa.

― Então pergunte – ordena o vampiro já se irritando novamente e rosnando um pouco mais alto do que gostaria.

― Por que está sorrindo? – pergunta o lobo ainda imóvel, mal percebendo que sua voz não passava de um sussurro.

― Pergunte direito, animal – rosna Hector, tentando controlar a altura da própria voz e agarrando o lobo pelo pescoço para que se levantasse da mesa. – Sua voz sequer está saindo!

Embry engasga com o aperto em seu pescoço, sentia-se estrangulado e pensou estar mesmo prestes a morrer, visto que, quando seus olhos miraram a imagem doce de sua Andy, ela estava a sorrir para ele como um anjo recebendo-o no paraíso.

― Dois deixaram esta sala – começa Andy, não sabendo ao certo se era o momento de revelar a verdade. Ela apenas queria impedir que o sofrimento de seu amado continuasse.

Hector solta o lobo mais rápido do que o agarrara, encarando a menina com uma mistura de raiva e incredulidade. Como ela poderia saber? Como poderia descobrir?

― É impossível – pensa o vampiro –, ela é cega... Uma humana, ignorante, vulnerável e cega!

― Cheiro doce por toda parte – continua ela, mesmo sem obter resposta –, olhos que me vigiam durante o dia, sussurros que me aborrecem durante a noite, a cadeira que não emitiu som ao cair, sons estranhos, cordas vocais que vibram com a dor... O toque frio daquele que me bateu... – Fecha os olhos, lembrando-se perfeitamente de cada informação que captara através de seus sentidos. – Sou cega, mas sei exatamente o que acontece ao meu redor.

― Impossível! – exclama Ana, que até então só assistia.

― Dois saíram pela porta que está a minha direita, por causa do barulho que ouviram através da janela a minha esquerda, mas você ainda está aqui... Vampiro!

Os vampiros sibilam em uníssono. Andy julgava ter restado apenas um frio, contudo, ainda assim havia descoberto a verdade. Embry a encarava com ansiedade e medo desde que Hector o soltara, o que ela estava fazendo? Por que estava dizendo aquilo? Por que se colocava em risco, quando ele tentava salvá-la?

Por quê? Por quê? Por quê?

― Embry – chama Andy, abrindo os olhos e mirando-os diretamente para ele, como ela sempre fazia, como se pudesse realmente vê-lo –, quero ir para casa!

Aquilo mexeu com ele, como se os olhos cor de oceano estivessem a vasculhar sua alma, retirando-o de seus devaneios insanos. E não apenas com ele, mas com o lobo cinzento dentro si. O quileute reconhecia a voz de quem amava, e se o seu imprinting queria ir para casa, ele com certeza a levaria para casa.

Embry sente o rebuliço em seu peito, o lobo outrora inerte despertava novamente, disposto a dar sua vida para salvar sua parceira. O peito ferido e o coração partido pareciam ser substituídos pela força de vontade, pela coragem de lutar e pelo desejo de fazer aquele último esforço por ela.

Foi sobre estes pensamentos que a respiração do quileute tornou-se ofegante, que ele arcou-se na cadeira onde estava e rosnou como um selvagem, deixando o som de seu próprio lobo ecoar por sua garganta. Hector e Ana recuam alguns passos com o acontecimento inesperado e por um momento o líder nômade se irritou com sua ingenuidade, afinal, se a menina humana poderia afetá-lo negativamente, também poderia afetá-lo positivamente com a mesma proporção.

O vampiro encara a humana mais uma vez, urrando furiosamente com o sorriso vitorioso que ela esboçava. Andy sorria por ouvir o rosnado do lobo, do seu lobo, e mesmo sem ter ciência do quanto ele sofrera, tinha total confiança de que era forte e de que poderia vencer.

― Me leve pra casa – pede ela uma última vez.

― Para trás e pra esquerda – grita Embry de repente.

A transformação foi instantânea, assim como a obediência da humana, que se levantou da cadeira com um salto, correu para a esquerda até topar com as janelas bloqueadas e em seguida recuou até sentir a parede atrás de si. O lobo cinzento explodiu furiosamente do corpo do quileute, destruindo a mesa com suas patas pesadas e poderosas, e sacudindo a cabeça como se tentasse manter seus olhos em foco.

Tudo estava dando errado! Hector podia sentir seu plano de vingança escoar por suas mãos e tudo por causa daquela humana cretina, ela havia o apunhalado pelas costas, enganando-os com sua ingenuidade e fragilidade... Maldita hora em que decidiu poupá-la! Todavia, o líder não deixaria aquilo passar impune, ele a mataria dessa vez.

― Maldita humana! – pronuncia ele, permitindo que ela ouvisse sua voz pela primeira vez.

Andy se encolhe ao som da voz grave, sentindo a respiração acelerar como se pressentisse que seria atacada. O vampiro avança pelo lado direito do lobo cinzento realmente disposto a alcançá-la e dar cabo de sua vida, mas, assim que Embry se dá conta de sua investida, abocanha seu corpo gélido no mesmo instante, lançando-o para trás.

A adrenalina corria forte em seu corpo, deixando todos os seus sentidos perfeitamente aguçados. Com apenas um salto ele se aproxima da ruiva, posicionando seu corpo lateralmente a frente dela, prendendo-a e impedindo que fosse alcançada.

Não toque nela! – ordena em pensamento.

Andy podia sentir o tufo de pelos pressionando-a contra a parede, não de maneira esmagadora, mas protetora. Ela sabia que era Embry e, mesmo quando o imenso corpo vibrava com o rosnado do lobo, tudo o que sentia era felicidade.

― Mate-a, Ana, mate-a! – grita Hector de forma desesperada, não aceitando perder.

A vampira assente com a cabeça e corre pelo lado esquerdo do lobo, a sala era pequena demais para um animal daquele tamanho e isso lhe dava certa vantagem, mas Embry estava disposto a usar aquilo a seu favor, para impedi-los de se aproximar de Andy.

O quileute logo detecta a investida de Ana e a abocanha pelo braço, quando tentava escorregar por debaixo de seu corpo. Hector aproveita a distração para avançar, não se importando com o bem-estar de sua parceira, pois tudo o que queria era sua vingança. Porém, ele não consegue chegar tão perto devido ao enorme corpo que a protegia.

Não fique aí parado, ataque-os!— grita uma voz na cabeça do lobo.

Proteja seu imprinting a todo custo — diz outra voz.

Vamos Embry, essa é a sua luta, mande esse desgraçado para o inferno! — fala uma terceira voz.

Foi somente aí que o quileute se deu conta das vozes em sua cabeça, das vidas que assistiam a luta através de seus olhos. Seu bando, seus irmãos, eles realmente vieram buscá-lo...

Demos conta dos que saíram, Embry, faltam apenas estes dois! — Era Sam agora.

Sem piedade para os frios— frisa Paul –, e menos ainda para os que ameaçam nossas parceiras!

Sem piedade!— concorda o lobo cinzento.

Estava na hora de acabar com tudo aquilo e estava na hora de acabar com a imortalidade de Hector, assim como fizera com a de Gregory. Não havia tempo a perder, não havia tempo para contar ao bando o que se passou, pois cada segundo com aqueles vampiros vivos eram segundos de risco para seu imprinting.

Os acontecimentos que se seguiram foram rápidos, não tão rápidos quanto Andy gostaria, mas, ainda assim, rápidos. Embry saltara de sua posição para um ataque direto, deixando-a totalmente desprotegida. A luta era voraz, dois contra um, com o lobo sempre trocando o alvo à medida que eles avançavam contra a humana.

Os sons eram assustadores e faziam com que Andy pulasse de desespero e susto, eram corpos jogados contra a parede, madeiras da mesa quebrada sendo arrastadas, ganidos e rosnados do lobo, assim como gritos de ataque e de sofrimento dos vampiros. Ela acompanhava a briga as cegas, não fazia ideia de quem estava ganhando e não notara nenhuma das vezes em que Hector tentou alcançá-la. Contudo, nenhum fio de seu cabelo foi tocado, pois Embry nunca permitiria tal feito, e, de repente, fez-se silêncio.

Havia acabado. A luta chegara ao fim e o vencedor agora estava de pé sobre os pedaços gélidos de seus oponentes, ofegante e sentindo as pernas tremerem conforme a adrenalina se extinguia de seu corpo.

Lentamente o fogo percorreu o corpo do lobo cinzento rumo ao seu interior, Embry podia ouvir o bando a perguntar-lhe coisas e parabenizá-lo pela luta, mas sua mente estava entorpecida demais para responder qualquer coisa. A única coisa que a matilha pode entender de sua mente desconexa, era a sua felicidade por não ter sido abandonado por seu lobo interior.

― Embry? – chama a humana, ansiosa por saber se era realmente ele quem permanecera de pé.

Tudo o que ele queria era Andy, tudo o que ele precisava era abraçá-la, era ser amado por ela e, assim que seu corpo humano retornou, o quileute correu e a abraçou.

Ele estava nu, entretanto, não era como se Andy fosse notar ou se importar com aquele detalhe. Os braços eram ansiosos ao envolvê-la e apertá-la contra seu peito, o alívio de tê-la a salvo viera com a mesma proporção por seus olhos escuros, fazendo-o chorar como um bebê.

― Você está viva, você está viva – repetia ele entre soluços. – Me perdoe Andy, me perdoe.

― Embry...

― Tudo o que eu disse era mentira, nada era real, nada era verdadeiro, nenhuma palavra. – Chora. – Eu te amo!

Andy sorri com as últimas palavras e sente o rosto umedecer com suas próprias lágrimas. O que eles haviam feito com ele? Quanto o haviam machucado para que chegasse aquele ponto desesperador? Ela não sabia ao certo, nem sequer imaginava, mas com aquele simples abraço ela notou que ele perdera peso, que estava ferido e que fedia a sangue. E quando sem querer suas mãos pousaram sobre a queimadura, ele gemeu, deixando-a aflita.

― O que eles fizeram com você? – questiona também em lágrimas.

― Nada que importe.

― Importa pra mim...

― Não, não importa... Não mais... Tudo o que importa agora é que você está a salvo, que tudo isso acabou e que eu a levarei para casa. – Soluça. – Preciso apenas ouvir que me perdoa, Andy, por favor, me perdoe.

― Nada era real, nada era verdadeiro... Não tenho que perdoá-lo por nada. Você me ama e eu te amo, vamos apenas sair desse lugar logo e esquecer que um dia estivemos aqui.

O quileute assente com a cabeça, desfazendo o abraço e a tomando nos braços logo em seguida. Ele sentia o corpo fraco e trêmulo, mas não se permitiria ficar longe dela por mais nenhum minuto. Com passos arrastados Embry a leva para fora, descendo as escadas com dificuldade e apertando-a contra o seu peito para que nada a retirasse dali.

― Por que está mancando? – questiona ela com voz chorosa.

― Não é nada, Andy, nada que valha a pena lembrar – desconversa, enquanto caminhava em direção à saída.

A porta de entrada estava aberta quando ele se aproximou e seu corpo de temperatura elevada tremeu quando o frio do inverno o acertou, mostrando que já não estava tão elevada quanto antes. Os lobos que o assistiam sair tagarelavam de alegria por sua vitória, mas tornaram-se mudos subitamente.

Os sorrisos murcharam e o espanto se espalhou por todos os rostos presentes. Era visível o quanto o lobo sofrera e o quanto fora maltratado, os cabelos estavam bagunçados, o rosto suado, o corpo sujo e marcado pelo sangue e suor da dama de ferro, os braços trêmulos a segurar o corpo da humana, olheiras profundas ao redor dos olhos que já não conseguiam manter o foco, o corpo magro pela péssima alimentação, o andar arrastado e que se tornara ainda mais difícil por causa da neve, o manquejar...

― Céus, o que fizeram com você? – questiona Jacob em sua forma humana, com o semblante mudado em compaixão.

― Deixe-me ajudá-lo – dispõe-se Edward, aproximando-se do quileute para tomar Andy em seus braços.

― Tire suas mãos dela – rosna Embry em resposta, já com o corpo a estremecer por uma possível transformação.

Ele não o reconhecia, sua vista cansada não conseguia focar a imagem de Edward e seus ouvidos já não conseguiam distinguir sua voz. O Cullen era um vampiro e queria levar Andy, era somente isso que sua mente processava e que seu lobo interior queria evitar.

― Acalme-se, Embry, esse é o Edward! – intercede Sam. – É amigo... Ele quer apenas se certificar de que Andy está bem.

― Ele está confuso, não consegue me ver diferente daqueles que o torturaram – revela o leitor de mentes, que não pensara duas vezes em invadir a cabeça confusa do lobo. – Não sei como ele conseguiu resistir ao que lhe fizeram...

― Tortura? – espanta-se a matilha.

― Fique calmo – pede Quill –, se você se transformar agora, vai acabar a machucando!

― Embry – sussurra Andy em seu ouvido, fazendo-o prestar total atenção a sua voz. – Eles são nossos amigos, pode me deixar descer agora, estamos em segurança!

― Não – choraminga ele, apertando-a contra seu corpo.

― Tudo bem então – diz Alice, tentando seguir a mesma linha de pensamento da humana, pode levá-la você mesmo...

― Não – esbraveja Paul, marchando para a frente do quileute ferido –, não pode não. Olhe mim, Embry, olhe bem para mim, sabe quem sou eu?

Os olhos o miravam, porém não o enxergavam e isso era preocupante. Os quileutes nunca viram um lobo naquelas condições e se compadeciam pelo garoto ferido. E depois de dois longos minutos olhando para o rosto de seu amigo, ele se pronunciou:

― Paul.

― Sim, isso mesmo. – Sorri. – Sou seu amigo, quero te ajudar, deixe-me levá-lo de volta para casa.

― Não – sussurra em resposta –, leve Andy para casa pra mim, não deixe que eles a levem de novo.

Embry afrouxa os braços, como se desse permissão para o amigo tomá-la de seu colo, e assim ele o faz, sentindo o peito doer com o estado dele, que mesmo tendo matado seus inimigos ainda achava que estava sendo perseguido.

― Ninguém a levará embora, eu prometo.

― Bom, isso é bom...

Paul se vira para partir sob os olhos atentos de Embry, e quando ele finalmente acreditou que o amigo a levaria embora, sentiu o corpo relaxar e sua consciência desaparecer. Seu corpo amolece e cai pesadamente em direção à neve, sendo rapidamente amparado por Jacob, que chamava seu nome preocupadamente – e até mesmo desesperadamente – como se o pior pudesse ter acontecido.

Alguns metros à frente, Andy se debatia no colo de Paul, ordenando para que a soltasse e também gritando o nome de Embry. Foram minutos angustiantes para todos até que Edward examinasse o corpo e constatasse que ele estava apenas inconsciente. Agora bastava apenas levá-lo para casa para receber cuidados médicos.

E em todo o caminho para casa, ninguém ousou dizer uma só palavra, pois as mentes estavam chocadas demais com o estado do Call para pronunciar qualquer coisa. Jacob caminhava transformado assim como outros lobos, e carregava em seu lombo o corpo inerte do amigo que um dia ousara trair.

Já Andy fazia questão de caminhar com suas próprias pernas, mesmo sendo seguida de perto por Paul, e não pensou duas vezes em quebrar aquele silêncio fúnebre para questioná-los a respeito de como os encontraram. A história não era longa, no fim das contas, apenas não correra com tanta rapidez como os lobos esperavam...

Naquele dia, Paul e Quil não esperaram sequer um minuto após a partida de Embry, para abandonar suas rondas e correrem atrás de Alice em busca de ajuda, pois somente ela poderia localizar Andy naquele momento – antes que o lobo a encontrasse e a visão não pudesse rastreá-la.

A vampira desesperou-se ao saber do perigo que sua nova amiga corria e usou de toda a sua concentração para localizá-la, contudo, tudo o que conseguiu ver foi uma casa no lago, com quatro vampiros a observar a humana.

― Tínhamos uma vaga localização de onde estavam, pois existem muitas pessoas que constroem casas na beira de lagos – explica Paul. – Desde aquele dia procuramos desesperadamente por ele...

― E por você – completa Sam, não querendo que houvesse nenhum mal entendido.

― Não medimos esforços para procurá-los – continua Alice. – Toda a minha família ajudou. Vasculhamos pelo menos três casas até finalmente encontrarmos a correta.

― Pegamos o rastro de vampiros na floresta durante a madrugada. – Era Paul novamente. – E o vento nos trouxe uma leve porção de seu cheiro, Andy... Foi aí que percebemos estar muito perto.

― Obrigada! – diz Andy, sentindo seus olhos umedecerem novamente. – Eles o estavam machucando e não podia fazer nada para ajudá-lo.

― Você fez o necessário – diz Edward se intrometendo –, manteve o lobo vivo para travar mais uma batalha.

― Ele está muito mal? – Os lobos e vampiros se entreolham. – Por favor, não mintam para mim...

― Sim, ele está – confessa Edward, antes que qualquer um resolvesse mentir –, mas nada tão grave, com alguns cuidados médicos ele logo se recuperará.

Saber que Embry ficaria bem era tudo o que importava para ela, no fim das contas. E assim que retornaram para La Push, o lobo foi rapidamente colocado sob os cuidados de Carlisle, na mesma cama e no mesmo quarto em que Andy fora atendida da última vez.

O quileute permanecera inconsciente por dois longos dias, a base de soro e reposição de sangue. As imagens de sua tortura rodeavam a mente de Edward com horror, mesmo depois de dois dias, e ele não se surpreendeu ao ver Embry despertar de seu sono aos gritos depois de um terrível pesadelo com a dama de ferro e os olhos vermelhos de Hector. Certamente aquelas lembranças o atormentariam por muitos meses ainda, mas ele ficaria bem contando que tivesse Andy ao seu lado, para abraçá-lo e para mostrar que nada daquilo era real.

Tiffany o visitara pelo menos duas vezes por dia enquanto estava inerte, obrigando os lobos quileutes a levarem-na até a casa dos Cullens. E quando seu querido e único filho acordou, não sossegou até que o transferissem de volta para casa.

Cerca de duas semanas depois de seu dramático retorno a La Push, Embry sentia-se fisicamente renovado, suas forças retornaram devido aos cuidados médicos e agora a sua mente conseguia processar e distinguir novamente as pessoas ao seu redor. Porém, somente duas coisas não desapareceram apesar de tantos cuidados e que o acompanhariam pelo resto de sua vida: o manquejar na perna direita e a queimadura em seu ombro, que se tornara uma terrível cicatriz.

― Não sei se conseguirei conviver com isso – desabafa o lobo certa manhã.

― Por que acha isso? – questiona Andy.

― Todas as vezes que olho para minha perna ou que me recordo da cicatriz, lembro-me dos miseráveis que me fizeram isso. Não sei se consigo suportar essas lembranças todos os dias.

― Não pense nisso como uma lembrança deles para você – diz Andy, tocando o ombro do lobo e alisando a cicatriz por cima da camisa –, pense como uma prova do que você suportou por mim... Eu penso assim.

― Tentarei, mas somente se vier comigo para um lugar.

― Que lugar? – questiona ela, com uma pontada de curiosidade em seu semblante.

― Convoquei os outros lobos para uma reunião e preciso que esteja presente. – Pausa. – Quero que ouça o que tenho a dizer.

― Está bem, eu vou... Se for importante para você, também será importante para mim.

Naquela mesma tarde, Andy e Embry se dirigiram para o interior da floresta, onde os lobos já os esperavam. Estavam todos ali, lobos e vampiros, tagarelando sem parar até que a imagem do lobo cinzento saísse detrás de uma árvore, apoiando-se numa bengala com o braço direito e guiando Andy com o braço esquerdo.

― O que é isso, Embry, você não precisa disso para caminhar – comenta Seth com pesar, não gostando de ver um de seus amigos preso a um objeto como aquele.

― Agora preciso, Seth – explica calmamente. – E desfaça essa cara, garoto, não é como se eu me importasse em usá-la... Me ajuda a caminhar sem sentir tanta dor.

As opiniões sobre aquela reunião eram as mais variadas, uns acreditavam que era apenas um agradecimento por terem ajudado a salvá-lo, outros acreditavam que era um anúncio de casamento e os mais convencidos arriscavam se tratar de um pedido de desculpas por ter fugido. Todos queriam saber o que Embry tinha a dizer, apesar de nenhuma das teorias cogitadas serem corretas.

― Fico satisfeito em saber que todos se importaram em aparecer – começa Embry, não querendo rodeios em sua conversa. – Vou ser rápido e objetivo no que tenho a dizer...

Toda a matilha permanecia na forma humana e somente Edward sabia o que se passava na mente de cada um deles. Jasper sentia o ar agitado, os quileutes estavam com uma mistura de curiosidade e impaciência, Andy parecia confusa e pensativa, como se tentasse entender todos os estranhos ruídos que a floresta trazia para os seus ouvidos. O Call, porém, exalava um ar diferente... Apesar do rosto sério, o parceiro de Alice sentia algo como "decisão" ser emanado do corpo dele, seja lá o que tinha a dizer, Jasper tinha certeza que nada o faria mudar de ideia.

― E o que tem a dizer, afinal? – questiona Paul, um dos que estavam impacientes para saber o assunto.

― Você... – começa Edward, recebendo um olhar duro do Call.

― Adoraria que me deixasse falar por mim mesmo – retruca, franzindo o cenho. O que ele tinha a dizer era realmente importante e nada tiraria dele a oportunidade de contar.

― Me desculpe – sussurra o vampiro constrangido.

― Não irei me prolongar muito – continua Embry –, serei breve. Eu os chamei aqui para anunciar que não faço mais parte dessa família.

― O que quer dizer com "não faço parte dessa família"? – questiona Sam, franzindo a testa.

― Quero dizer que estou deixando o bando!

O alvoroço foi imediato e até mesmo Andy reagiu com espanto. Os quileutes questionavam uns aos outros a respeito daquela decisão, por que ele estava deixando a matilha? Como poderia abandonar tudo?

― Não sou mais um protetor de La Push – retoma ele, tentando esclarecer sua decisão –, não tenho mais condições de ser um. – Aponta para a perna falha. – E não quero mais que Andy tenha acesso a esse mundo... Quero ficar com ela, de verdade, envelhecendo ao seu lado.

― Se deixar de ser um protetor, como vai protegê-la dos vampiros? – rebate Paul irritado, ele não queria que o amigo deixasse a matilha.

― Confio em vocês! Sei que farão um bom trabalho, mesmo com a minha ausência... Conto com vocês para nos proteger.

― Deixe de ser idiota – esbraveja Paul, recusando-se a aceitar aquela escolha –, não pode pensar em deixar o bando!

― Ele não está pensando em deixar – explica Edward, atraindo a atenção de todos para ele e Alice –, ele já deixou!

Com apenas um olhar para a pequena vampira, os presentes entenderam o recado...

― O que está acontecendo? – sussurra Andy diante do silêncio que se instalou.

― Alice acaba de ter uma visão a nosso respeito – sussurra em resposta, mesmo que os outros pudessem ouvi-los.

― Eu vi os dois juntos – revela Alice, com uma mistura de felicidade e contemplação na voz. Se ela fosse humana certamente choraria de emoção. – É a primeira vez que Embry aparece em minha visão, isso significa que ele realmente vai deixar de ser um lobo...

― Ele não pode... – retrucam alguns lobos com pesar.

― Esperem, tem mais – continua Alice, não deixando que a conversa fosse para outro rumo. – Vocês estavam juntos, Embry... Com uma criança. – Espanto e olhos arregalados preencheram os rostos quileute. – Uma menina... Linda!

Embry estava pasmo, mas não contém o sorriso, a felicidade pela filha que nem sequer havia sido concebida e que já sabia que viria. Uma família com Andy estava no topo de sua lista de desejos e ter a certeza de que daria certo era a melhor notícia que poderia receber naquele dia.

Já Andy estava boquiaberta. Ela? Uma mãe? Como? Será que conseguiria? Será que daria conta? Será que ela também seria...

― Não! – diz Edward, respondendo a sua dúvida mais secreta. – Ela não será...

Ela suspira aliviada, finalmente se alegrando com tão estranha premonição. Andy não via problema nenhum em ser uma garota cega, afinal, teve uma idosa maravilhosa para ensiná-la a lidar com isso e para lhe preparar para a vida, mas não seria algo que ela desejaria para outras pessoas, devido as dificuldades e o preconceito de tantas outras pessoas... Ainda mais para a própria filha.

― Fico feliz que tenham gostado da minha visão, pois eu também gostei. – Sorri Alice, aproximando-se com uma pequena caixa de presentes em mãos. – Isso é para o bebê... Não sei quando pretendem fazê-lo, mas o primeiro presente será o meu!

A vampira deposita a caixa nas mãos de Andy, que já sentia o rosto queimar de vergonha por suas palavras. Por que ela se atrevia a falar de sua vida sexual daquela forma? Ainda mais na frente dos outros? Era muito constrangedor, ainda mais quando ela nem sequer tinha uma vida sexual, afinal, Embry era seu primeiro e único homem.

― Alice, deixe de ser inconveniente – repreende Edward. – Volte para cá agora mesmo!

― Não antes de ela abrir e dizer se gostou.

Sob os olhos contentes e os constantes pulinhos de Alice, Andy abriu a caixa, sentindo com a ponta de seus dedos os pontos de tricô que compunham sua primeira roupa de bebê. Embry tomou a caixa para si, para que ela pudesse sentir o presente com ambas as mãos, e qual não foi a surpresa sua surpresa quando finalmente se deu conta do que segurava.

― Obrigada, Alice! – agradece ela com voz doce. – Com certeza será a primeira roupa que ela usará quando nascer.

― Isso! – grita dois tons mais agudos. – Era exatamente isso que eu queria ouvir de você! – Vira-se para sair. – E fique de olhos abertos, Embry, porque ela namorará um lobo!

O sorriso que o quileute carregava nos lábios desaparece de repente, dando lugar a uma expressão carrancuda. Ele encara os quileutes com desconfiança, já tentando adivinhar qual deles seria o safado que namoraria sua princesinha não nascida.

― Parto o nariz do lobo que se aproximar dela.

Andy ri com a precipitação do companheiro. Como ele poderia se tornar um pai coruja se a criança nem sequer existia ainda? E como ela própria ousava acreditar numa premonição? Ela não tinha ideia da dimensão e da exatidão dos poderes de Alice, mas acreditava em suas palavras pelo simples fato de desejar tudo aquilo...

Um a um, os integrantes da matilha se aproximaram do agora ex-lobo, o saudando e se despedindo como se ele fosse partir para nunca mais voltar. A verdade era que, mesmo morando no mesmo lugar e na mesma reserva, ele agora seguiria uma vida diferente dos demais: sem lutas, sem vampiros, sem corridas pela floresta ou rondas pelo perímetro da reserva, seguiria a sua vida apenas com sua Andy.

― Vamos sentir sua falta, Embry – desabafa Paul, olhando para os lados numa tentativa frustrada de não chorar, afinal, era um grande amigo que deixava a matilha.

― Aproveite minha ausência enquanto pode, seu imbecil – zomba Embry –, porque quando minha menina nascer, você será o padrinho dela e terá de me ver todos os dias... Não estou acostumado a te ver chorar, Paul, por favor, poupe-me dessa cena horrorosa.

― Eu não estou chorando, seu babaca – retruca ele, enxugando os olhos umedecidos –, foi apenas um cisco, nada demais... Eu não choro por homens barbados e que mancam como velhos.

― Cuidado com as palavras seu feioso, vou parar de me transformar, mas ainda posso quebrar a sua cara com minha bengala, e de olhos vendados.

― Aha, faz-me rir humano comum, você não é mais páreo para mim.

― Que lindo, amor de amigos! – caçoa Quill, agarrando ambos pelo pescoço. – Agora me diga uma coisa, Embry, quem será o namorado da sua filha?

― Eu voto no Seth – comenta Paul, como se fosse realmente possível aquele assunto ser resolvido com uma votação.

― Não ouse fazer isso, Seth – grita o Call, para o garoto que acabava de chegar à conversa.

― O que eu fiz?

― Não o que você fez, mas o que vai fazer. Não ouse ter um imprinting com minha filha, ouviu?

― Isso é algo natural, não é como se eu fosse acordar certa manhã e pensar: vou ter um imprinting com a filha do Embry! – Pausa. – E se não for eu? Pode ser o Collin...

― Nem pense nisso, Collin, estarei de olho em você também – grita para o menino, que estava ainda mais distante e não fazia ideia do que estavam falando.

Andy solta uma gargalhada com toda aquela discussão inútil, atraindo imediatamente a atenção de seu parceiro. Como homens-feitos, capazes de se transformar em lobos imensos, poderiam fazer tanta tempestade por uma coisa tão pequena? Era algo tão ridículo, mas, ao mesmo tempo, tão engraçado, que ela não pôde deixar de se divertir com tudo aquilo.

Levou mais alguns minutos até que todos os lobos terminassem de se despedir de Embry e o deixasse finalmente a sós com seu imprinting. Desde que retornara a La Push ele não se transformara mais nenhuma vez, sua história não havia sido repassada aos outros – pelo menos, não corretamente –, e, no que dependesse dele, ninguém além de Edward saberia da verdade. Talvez um dia ele criasse coragem o suficiente para reviver tudo aquilo e contar a alguém, mas não agora, não naquele momento.

― Tem certeza que quer fazer isso? – pergunta Andy.

― Sim, toda a certeza do mundo.

Embry afaga o seu rosto macio, fazendo-a fechar os olhos no mesmo instante. Eram muitas novidades e muitas informações para assimilar, o quileute adorava ser um lobo e se divertia muito em sua outra forma, contudo, tudo mudou quando colocou seus olhos sobre Andy pela primeira vez...

Ele sentia-se sozinho e agora estava completo, sentia-se abandonado e agora se achava o homem mais amado do mundo. Sua transformação era seu divertimento, mas Andy era o centro de seu universo e ele estava disposto a trocar tudo, apenas para tê-la ao seu lado.

― "Quanto mais pisco melhor meus olhos veem" – recita Embry –, "pois o dia todo vislumbram coisas que nada são, mas quando adormeço surges em meus sonhos e brilham no escuro, cintilam em meio ao breu".

― "E tu, cuja figura reluz entre as sombras" – continua Andy –, "cuja forma mostra-se alegre. Na claridade tua luz é ainda maior, que ante meus olhos baços faz tua sombra brilhar"!

― "Como, eu diria, seriam meus olhos abençoados ao ver-te à luz do dia, quando na calada da noite tua sombra bela e imperfeita permanece sob minhas pálpebras. Todos os dias são noites até que eu te veja e as noites, dias claros ao mostrar-te em meus sonhos".

― Soneto 43 – reconhece rapidamente, sentindo o quileute roçar os lábios nos dela.

― Algo assim... Na verdade, tanto faz o número... Voltei a não gostar de Shakespeare pelo simples fato dele competir comigo por sua atenção.

Embry então provou da doçura da boca de Andy mais uma vez, deleitando-se com o prazer que não encontrara em nenhuma outra garota dita "perfeita". Seus lábios eram macios e convidativos, e pareciam se encaixar perfeitamente aos dele conforme aprofundavam o beijo. Algumas pessoas dizem começar a viver depois dos quarenta anos, ou depois de escapar de um grave acidente, mas o quileute tinha certeza que começara a viver ali, quando decidiu largar tudo para ficar com ela, com os Olhos de Vidro que pareciam enxergar sua alma, com sua Andy.

FIM


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Notas finais do capítulo

E chegamos ao final de mais uma fanfic...
O último capítulo ficou super power gigante, o maior "último capítulo" que já escrevi até hoje. Consegui colocar tudo o que imaginava e esperava, espero que tenham gostado de tudo o que encontraram aqui e espero que tenha conseguido suprir com as expectativas de vocês quanto ao enredo... Escrevi até onde minha criatividade alcançou e espero ter agradado!
Escrevi sobre o tema da cegueira, como uma forma de mostrar a todos vocês que não é preciso ser "perfeita" (no ponto de vista da mídia) para se ter um grande amor, a perfeição está em cada um de nós, em nossas particularidades...
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Enfim, espero que tenham gostado de tudo o que encontraram aqui e espero que tenha conseguido suprir com as expectativas de vocês quanto ao enredo... Escrevi até onde minha criatividade alcançou e espero ter agradado!
Escrevi sobre o tema da cegueira, como uma forma de mostrar a todos(as) vocês que não é preciso ser "perfeita" (no ponto de vista da mídia) para se ter um grande amor, a perfeição está em cada um(a) de nós, em nossas particularidades...
Deixo um agradecimento todo especial para todos os leitores e leitoras que acompanharam a fanfic. Agradecimentos duplos para os que se importaram em comentar, sempre dando-me suas opiniões (isso realmente me ajudou a crescer e a evoluir como escritora). E por fim deixo um agradecimento maior ainda aos que recomendaram a fanfic, amei demais cada uma delas...
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Ao contrário do que algumas leitoras sugeriram, não teremos uma segunda temporada de Olhos de Vidro, mas vou trazer para vocês um capítulo BÔNUS chamado "A visão de Alice". Postarei daqui a alguns dias para que possam apreciar a visão juntamente com nossa vampirinha hiperativa.
Beijos mil para todos(as) vocês e até a próxima fanfic! ♥



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