Wesen Para Matar escrita por GhostOne


Capítulo 29
A explosão que terminou minha vida


Notas iniciais do capítulo

E é isso, pessoal. 29 capítulos, 12 personagens criados (estou incluindo a Judith, tá? :3), um monte de artes conceituais dos personagens feitas no photoshop, montagens, cenas falsas, ideias no meio da aula, 62 reviews respondidos, 20 pessoas acompanhando, 9 favoritos, e UMA RECOMENDAÇÃO.
Nisso, eu quero agradecer a todos vocês, com um obrigada todo especial a: Rosalie Potter, que esteve comigo por uns bons capítulos (deve ter sumido pela escola), com quem eu ria muito nos comentários E QUE RECOMENDOU O/; a LéiaSwanJones, à Baby Griffin (prima! o/), à Mallu, à Ana_Ziang, à Ana Fernandes, à Katherine White, à Maya, à Little Misunderstood, à Valerie Malfoy, à Marcia Bito, que deixaram comentários que sempre me alegraram enquanto eu escrevia, e a todos que leram, mesmo sendo fantasminhas, e que acompanharam, e que surgiram ali no contador de acessos, mostrando que alguém lia o que eu escrevia de todo o coração! A todos e todas vocês, MUITO OBRIGADA TODO ESPECIAL DA MIHA!
E um especialzinho obrigada para a Juliana, porque ela vive pegando no meu pé pra eu escrever, e graças a ela eu acelerei bem mais o meu processo de escrita! Você se tornou uma amiga maravilhosa, com todas as suas zoeiras e seu sotaque



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“E Deus limpará todas as lágrimas de seus olhos, e não haverá mais morte, nem escuridão, nem choro, nem dor alguma, porque as coisas antigas já se foram.”

*Renard*

É de se esperar, de alguém como eu, que quando Alicia deixasse meu apartamento (não estou especificando que vez), eu simplesmente voltasse a agir normal.

Não, não voltava.

Eu me sentia vazio. Como se uma parte de mim tivesse ido junto. Como se eu soubesse que deveria impedir Alicia, que deveria mantê-la comigo pelo tempo que fosse, e nunca a deixasse ir embora.

E, numa vida como a minha, eu sabia o quão perigoso era nutrir aquele tipo de sentimento por alguém. Porque seria uma fraqueza, uma vantagem contra mim, que eu estava entregando numa bandeja de prata para os outros. Não era como se Alicia não soubesse se defender. Mas eu também não saberia fazer nada além de salvá-la se a usassem como moeda de troca para fazer algo pela Verrat.

Era ruim. Por isso eu me recusava a ter algum relacionamento com qualquer mulher que não fosse sexo.

Então vinha Alicia, o cabelo longo e negro cascateando pelas costas, a pele branquinha, as frases insolentes, a voz bonita, e tão jovem, quase uma garotinha. E ela acendeu em mim alguma coisa que eu não sabia o que era, que me deixava inquieto ao pensar nela, que me agoniava de vê-la mal, que me fazia ficar preocupado com ela mesmo sabendo que ela se defendia até de um touro.

Eu mal lembrava da última vez que senti aquilo por alguém... Eu deveria ter a idade dela na época.

Da última vez que amei.

Então, no momento eu estava bebendo, no meu quarto, o que era incomum, assim como eu estar com os sapatos em cima da cama. É que eu estava pensando nela. E ela estava me fazendo fazer coisas incomuns.

Então, a porta da frente abriu com tudo e fechou com tudo, e eu soube que era ela, e eu me senti ansioso por vê-la.

Ela estava com umas roupas estranhas, tipo uma blusa com capuz, meio que um suéter magro, e uma calça jeans. E, quando ela olhou pra mim, sorriu de um jeito macabro.

− Oi, capitão. – Ela se aproximou de mim e tirou as mãos dos bolsos. – Precisamos conversar.

− Sim, precisamos. – Porque eu precisava dos lábios dela nos meus de novo. E me inclinei para senti-los...

Mas ela me pegou pela gola e me ergueu, só para me empurrar no chão com uma força inacreditável. Eu me senti uma boneca de pano quando minha cabeça bateu com força no chão, uma dor terrível irradiando pelo crânio.

− Quem você acha que é para ameaçar meu namorado? – Ela gritou, e bufava de um jeito assustador. – Você é só um bastardo que acha que tem alguma autoridade sobre nós.

− Que diabos, Alicia? – Ela me ergueu e me socou no chão de novo, depois aplicando um soco literal no meu olho.

− Não me chame pelo nome! Eu não te dei esse direito! – Ela me levantou, embora seu braço esticado mal tirasse meus pés do chão direito.

E ela me jogou pelo ar, até a cozinha, meu corpo caindo e batendo na parte de baixo da bancada, tirando meu ar pelo impacto.

Eu devia estar parecendo patético.

− Levante-se! Você não é homem? – Eu tentei ficar de pé, mas a tontura me pegou. – Que estúpido.

Em segundos, ela estava ali, e chutou meu queixo com força, bem na ponta, empurrando a mesma parte de minha cabeça que tinha batido contra o chão na madeira firme. Eu não consegui segurar um gemido. Acabei mordendo minha língua no lado, e também meu lábio, e logo minha boca estava cheia do meu próprio sangue, e eu cuspi, vendo o sangue cair e respingar no chão. Ouvi a risada dela.

Por que ela estava fazendo aquilo?

Ela ergueu a mão para me dar um tapa, ou soco, e eu ainda consegui segurar a mão dela. Os olhos de Alicia se arregalaram.

− Não sei o que te deu... – Eu sussurrei, e o sangue ia escorrendo pelos cantos de minha boca e pela frente do meu queixo. – Mas foi alguém que te fez isso. O que foi que Michael te disse?

O rosto dela se deformou em traços de ódio, e então algo me surpreendeu, embora tivesse sido tão rápido que eu não pudesse ter certeza.

Ao invés de seus olhos só ficarem vermelhos e amarelos, eles, primeiro, ficaram negros.

Eu nunca tinha visto aquilo nos olhos de Alicia.

E então foi um pesadelo. Ela me pegou pelos ombros e empurrou meu corpo contra a bancada, de novo e de novo e de novo, então me puxou pela gola e me atirou sobre a bancada. E ela subiu em mim, no meu colo, e se não fosse pelo rosto transformado e pelo sangue escorrendo e enchendo minha boca, me fazendo tossir e cuspir, aquilo teria sido mais ou menos como os pensamentos furtivos que escorregavam pela minha mente durante o trabalho ou quando eu me deitava.

Uma mão dela me forçou a inclinar a cabeça bem para trás, e suas garras arrancaram minha camisa, e então eu senti vários cortes pelo meu peito, e então, quando ela soltou meu rosto, e eu a encarei, ela distribuiu tapas e socos e unhadas pelo meu corpo todo.

Demorou, mas Alicia saiu de cima de mim e me jogou, com força, no chão. Eu bati a cabeça pela terceira vez, e cuspi mais sangue, e tentei me erguer, mas tudo estava derramando sangue. Meus braços, minhas pernas.

Ela me chutou, no estômago, e me derrubou de novo. Ela continuou me chutando, meu rosto, meu esterno, e minhas pernas (ela até “errou” uma vez, e deve ter me apagado por uns três segundos). Eu não lutava mais, minhas forças estavam focadas em permanecer acordado.

E, de repente, parou. Alicia me pegou pelo pulso e foi arrastando meu corpo, comigo semi-inconsciente.

− Alicia...?

− Desculpe. – Ela se agachou e me fez ficar sentado contra uma das vidraças da parede.* − Mesmo.

E, naquele momento, eu vi... Alicia. Minha Alicia, a boa, a que não estava fazendo aquelas coisas comigo, a que eu conheci... Ou pelo menos as partes dela que conheci. A que eu sabia que não era má, que protegia o irmão, que eu precisava.

E ela se inclinou e me beijou, ignorando o sangue que eu acumulava na boca, e de repente a dor virou nada, e tudo virou nada, e foi como ser curado. Não importava mais o que ela tivesse me feito. A dor. Nada.

Eu retribuí o beijo, ignorando todos os meus instintos me dizendo que eu não deveria beijá-la de volta, mas eu não estava num estado de ouvir meus instintos. Eu queria que ela me pegasse nos braços e apoiasse minha cabeça em seu ombro, apesar da nossa diferença de tamanho, e me fizesse cafuné enquanto ficávamos juntos e eu me recuperava dos danos. Eu só precisaria dela.

Então, uma dor lancinante veio na ponta da minha língua, quase sobre as duas veias, e meu sangue começou a encher a boca com ainda mais velocidade, e eu cuspi e tossi enquanto caía de bruços no chão, meu corpo todo doendo com o impacto fraco e Alicia ria de mim.

− Que patético... Você não sabe de nada, projeto de Jon Snow! – E ela pisou na minha perna, com força, e eu senti o osso ceder com a pressão do pé dela sobre o meu. Eu não tinha mais forças para gritar, então só gemi e tossi sangue.

− Alicia...

− Calado. – Ela chutou minha mandíbula, e eu senti um estalo doloroso. Ela tinha deslocado. E, em seguida, chutou meu esterno.

Quando foi se afastando, eu só ouvi o som de seu salto, e eu tentei colocar minha mandíbula no lugar, mas estava totalmente dolorido. Depois de duas tentativas, consegui, mas talvez não do jeito certo.

Tentei analisar o ambiente, ver quanto de sangue eu tinha perdido, mas minha vista estava embaçada, e eu só defini a silhueta de Alicia na frente do...

Fogão.

− Não. – Pedi. – Quer me castigar por qualquer que seja o motivo, ok, eu não vou lutar. Mas não faça nada que vai fazer mal a outras pessoas. Não faça isso.

− Tarde demais. – Ela procurou uma caixinha de fósforos por ali, mas não achou nenhuma. Nunca agradeci tanto. – Eu só quero te matar, seja carbonizado ou sufocado.

Ela abriu todas as bocas do fogão, e o gás foi enchendo o lugar. Ela se afastou, e começou a tossir, e tossir...

Däemonfeuer.

Ela iria incendiar meu apartamento com aquilo? Nós dois iríamos pegar fogo instantaneamente.

Mas ela não se demorou muito, e então eu a olhei, e ela olhou pra mim.

E Alicia sorriu, discando algum número no celular e o levando à orelha empurrando o cabelo negro para trás. A pessoa deveria ter atendido, porque ela disse:

− Pode fazer a ligação. – Ela sorriu mais ainda e desligou, encarando-me intensamente. – Kaboom.

E cuspiu fogo.

Eu não demorei a sufocar assim que as chamas explodiram e se alastraram, e eu vi Alicia saindo pela porta como se não tivesse feito nada. Eu usei toda a minha força de vontade para ir para perto da janela, e quase usei um punho para quebrar a vidraça e respirar um pouco de oxigênio, mas eu sabia que fazer aquilo seria como dar ainda mais alimento ao fogo e guiar ele para mim.

Eu precisava ir para o meu quarto, precisava fugir do fogo. Precisava sair dali o mais rápido possível.

Mas eu estava apagando, e quando desmaiei, esperava que pelo menos Alicia se lembrasse de como nossas noites juntas foram boas e se arrependesse.

Pelo menos ela.

Eu, Sean Renard, a amava? Pois, no momento, estava odiando a garota que eu supostamente amava com todas as minhas forças.

Eu tinha voltado a ser eu.

*Emily*

Eu tinha voltado para casa e ela estava vazia. Muito vazia. Sem Barbie, a casa ficaria bem vazia por um bom tempo, já que Alicia estava praticamente virando nômade. E sem Adam também.

Então sobrava eu, Carla, Jaline e Jaret. Só nós naquela casa enorme... Minhas duas melhores amigas, quer dizer, uma melhor amiga e outra traidora. E talvez Alicia fosse realmente sair dali.

Só que Adam surgiu, na porta do meu quarto, enquanto eu escovava o cabelo tentando me recompor.

− Eu pensei que tinha sido bem clara quanto a você ir embora. – Eu disse, curta e grossa. – Anda, some da minha casa. – Eu estava na frente da penteadeira, com uma escova enorme na mão, e comecei a apertar o cabo dela.

− Amor, me desculpa... Eu fui fraco... Nunca quis te magoar, e eu te amo de verdade... – Cada palavra dele só me irritava mais, principalmente as que tinham as letras a, m, o e r. E o “eu te amo” foi o fim da picada, e da minha paciência.

− Sai daqui! – Gritei e atirei a escova nele, sem pensar sequer uma vez, que dirá duas.

Bem, era aquelas escovas de chapinha, muitas cerdas, cerdas que faziam a pele tinir de dor, e um corpo em si bem pesado, e acabei acertando-o bem na cabeça. Com força, e considerando a massa...

Eu vi Adam cair desmaiado no chão, e fiquei com medo, não por ele, mas por mim. E se ele acabasse morrendo? Tudo poderia chegar a mim e eu seria presa...

Eu não iria deixar.

Chamei Carla e joguei um braço do desgraçado sobre meus ombros. Eu queria que ele morresse, mas não queria que fosse pelas minhas mãos. Eu queria que ele morresse assim que todas as suspeitas estivessem em outra pessoa. Nós duas corremos para o carro que estava na garagem e saímos dali a todo o vapor possível, porque ela me compreendia. Adam não podia morrer pelas minhas mãos.

*

Quando voltei, Alicia estava no meu quarto, brincando com o bibelô que eu mais gostava na minha coleção fofinha. Aparentemente, ela tinha voltado em algum momento durante a entrada de Adam no hospital. Mas algo nela estava estranho, como ela analisava todo o ambiente...

− Ah, oi. Eu vim aqui quando você não estava e fiquei sabendo da história... Sinto muito. – Ela deixou o bibelô e foi me abraçar. – Como você se sente?

− Furiosa. Muito furiosa. Eu queria matar os dois... – Eu mordi meu lábio com força. – Queria mesmo.

− E o que eles te disseram? – Ela se sentou comigo na cama e ajeitou meu cabelo, e depois jogou o dela por cima do ombro, de um jeito afetado estranho.

− Barbie insistiu que nunca quis me magoar, que nunca procurou ele, que nunca faria algo daquele jeito comigo, só que quando eu pergunto quantas vezes eles fizeram aquilo, ela se cala e diz que, com ela querendo, nenhuma, mas ela mentiu. Eu pude ver. – Agarrei minha coxa com força.

− Mentirosa. – Encarei Alicia. – Eu queria te contar há um tempo, mas eu tinha medo... Sabe, pela nossa amizade, e eu te via tão feliz... Que eu não queria acabar com sua felicidade. Por isso decidi prensar seu namorado na parede, mas ele tentou me beijar também... Enfim. – Alicia jogou o cabelo para trás, de um jeito meio estranho, de novo. – A Bárbara procurava ele sim. Eles estavam quase todo o tempo que você não via juntos, e bem escondidos.

Eu devo ter feito uma cara de descrença.

− O... Quê?

− Verdade. Eles eram amantes pra valer. Se ela ainda for virgem, é muito... – Ela deu de ombros, meio que sorrindo maleficamente, e eu fiquei de pé.

− E você sabia disso o tempo todo?

− Bom, ela me contou uns dias depois de começar, e eu teria contado a você, mas nunca tive coragem... – Eu soltei o ar de um jeito dramático, soando decepcionada e descrente.

− Ai, meu Deus, e eu achei que éramos amigas! – Eu dei um tapa no rosto dela, e ela quase caiu de lado na cama, apoiando-se na mão sobre o colchão. Seu rosto mostrou pura surpresa. – Eu achei que você estava do meu lado!

− E eu estou! – Ela ainda ia continuar, mas eu a cortei:

− Não, não está. Você a protegeu, protegeu a felicidade dela no lugar da minha. – Eu finalizei. E era verdade. Se ela se importasse comigo, teria me dito na hora, era o que Alicia fazia. – Também vai sair daqui. Não tenho lugar para traidores.

− Vou só sair de casa por um tempo, só pra você clarear as ideias. – Ela ficou de pé e ajeitou o cabelo, de novo, de um jeito afetado e estranho demais. – Mas reflita e saiba que eu ainda sou sua amiga. E se tem alguém a culpar aqui, são Adam e Bárbara. Pense nisso.

E Alicia saiu dali, andando...

Mas ela não andava daquele jeito. Não com aquelas passadas afetadas, com aquelas requebradinhas.

Ué...

Ou havia algo de muito errado, ou aquela era uma Alicia diferente.

Enfim, Carla havia voltado para casa comigo, obviamente, e nós estávamos esperando notícias de Adam. Enquanto esperávamos, ela decidiu fazer comigo o papel de mãe que ela havia feito por muito tempo.

− Por que está tão furiosa, Emily? – Ela me perguntou, ajeitando outra mechinha do meu cabelo.

− Oras, mas não é óbvio? Eles são todos traidores! – Eu gritei e quase estilhacei a caneca em minha mão.

− Eu sei disso. Mas não se sente triste?

Refleti. Até o momento, eu só tinha sentido ódio, raiva, decepção, vontade de ver sangue. Eu não sentia nada fora aquilo.

Mas aquela não era eu, eu nunca era tão furiosa, tão... Má.

E nos ligaram.

É do hospital – A mulher avisou. – Então, o Adam teve uma concussão cerebral, que é, basicamente, ele ter desmaiado depois de bater com a cabeça. Aparentemente não tem nada mais sério, mas ele vai ficar aqui pra podermos analisar o quadro.

− Obrigada. – E desliguei. – Ele vai sobreviver. Queria que não sobrevivesse.

− Emily, você precisa controlar sua fúria. Eu não sei muito sobre esses híbridos que vocês são, mas sei que você pode perder o controle, e se acabar fazendo algo à Jaline, ou a mim? – Comecei a pensar naquilo. – Sei que está com raiva deles. Mas errar é humano. E se Barbie realmente nunca teve a intenção de te machucar?

− Duvido. Olha o Adam! Todas iriam querer ele.

− Eu não quis. – Fiquei calada. – Pense um pouco, dê uns dias. Alicia também não tem culpa.

− Por mim eu não vejo a cara dela nunca mais. – Carla riu, e eu a encarei. – Que foi?

− Desde pequenina, você é tão teimosinha... – Ela tocou meu rosto e eu sorri, totalmente involuntário. – Deixe a cabeça esfriar, aí você vai pensar com clareza.

Ela tinha razão, no fim das contas.

− Tudo bem. Mas não posso voltar a confiar nelas...

− Você verá, Emy.

Então Line voltou, contamos a ela o resumo das novidades e decidimos que já tínhamos falado muito do assunto por hoje. Então, era hora da pausa.

*Nick*

Era o dia.

Eu estava indo jantar com Juliette.

Feliz: eu estava.

Mas nervoso também. Quer dizer, da última vez que nós tínhamos feito aquilo, ela ficou falando algo enquanto eu fiquei encarando a janela, pensando e vendo uma outra mulher no lugar dela.

Estranho... Quando eu tentava lembrar direitinho, a memória ficava ainda mais confusa e embaçada. Era como se fosse uma parte do meu cérebro que só foi ligada enquanto eu estava sob a obsessão da Musai; agora que estava livre, ela tinha voltado a ficar inativa.

Eu até me recusava a falar o nome dela. E pensar que tinha tirado o pescoço da mesma corda onde um monte de homens acabaram morrendo... Graças a Juliette. Bem que dizem que o amor sempre vence. (Piegas demais pra mim, isso.)

Enfim, eu fiquei tão nervoso que tinha levado flores pra Juliette. Piegas também, eu sei, mas simplesmente levei.

E bati na porta dela. Os três segundos que demorou pra ela atender foram o suficiente pra eu imaginar que ela não queria mais me ver.

Mesmo assim, ela atendeu, e novamente eu pensei: como pude sequer pensar que Khloe é melhor ou mais bonita que Juliette? Não existia nenhuma outra que superasse a minha Juliette.

Minha, sim.

− Oi. – Sorri pra ela e entreguei as flores. – Eu trouxe flores porque, hm... – Passei a mão pelo queixo, ficando tenso. – Estou muito nervoso.

Observei o jeito como ela não ficava quieta, sempre se mexendo um pouquinho, e o que ela disse confirmou minhas suspeitas:

− Eu também. – Ela mexeu com uma flor. – Entra aí.

E eu a segui. Não iria deixar a chance escapar, não quando eu tinha esperado aquilo por meses. (Só não acendi velinha pra santo porque era meio arriscado.) Acompanhei o corpo dela enquanto ela colocava as flores num vaso sobre a mesa, e tudo estava intocado mesmo.

− Então, está com fome? – Ela perguntou, e eu passei por ela até uns passos à frente.

− Eu poderia comer. – Passei a mão pelo queixo, a barba crescendo espetou minha mão de leve, mas parecia que eu estava aéreo, sem nada pra me chamar a atenção pro chão.

− Eu também, o que você trouxe? – Virei e encarei a ruiva, pensando é confraternização e ninguém avisou?, tentando lembrar se ela tinha avisado (vai que tinha), mas logo ela desfez tudo. – Estou brincando, fiz lasanha à bolonhesa.

Ela ia para a cozinha, mas eu segurei o braço dela com toda a delicadeza que pude e disse:

− Na verdade, eu nem estou com tanta fome. – Ela fez uma carinha de quem concordava e parou mais ou menos ao lado da parede, a mão sobre a bancada.

− Eu também não, acho que estou muito nervosa. – Ficamos um bom tempo calados, eu olhando pra ela, ela olhando pro pé da mesa mais longe de mim, e era óbvio que estávamos nervosos.

Então tomei a dianteira.

− Por onde eu começo?

− Bom, agora eu sei porque você nunca me contava tudo. Aquelas coisas no trailer, que eu ainda não entendi e espero que você me explique... – Juliette me olhou nos olhos, e foi intenso. Nervosamente intenso, tanto que apoiei o quadril na mesa, meio sentado, pelo resto da conversa.

− Eu queria te contar, só nunca soube como. – Ela assentia bem de leve com a cabeça, pensativa. – Eu tinha medo de te mostrar um mundo que nem eu entendia, e agora meu medo é que eu tenha te arrastado para algo sem que esteja preparada.

− Não é como se você estivesse preparado, também. – Ela ergueu as mãos e apontou pra mim. Ponto pra Juliette. Ela andou um pouco e ficou contra a bancadinha da cozinha. – E pelo menos eu sei que estou bem. Não perdi a cabeça. – Ela deu uma risadinha, mas eu ainda estava tenso e nervoso quanto ao caminho que estávamos seguindo. – E agora eu sei que o mundo é muito mais complexo do que eu sequer imaginava, mas... – Ela deu uma tossidinha e ficou calada.

Ali.

Aquele era o momento mais difícil de viver da minha vida. O que ela dissesse ali, poderia ou nos colocar juntos de novo, ou nos separar.

− Mas o quê?

As palavras que ela disse fizeram valer o resto da minha vida.

− Eu ainda te amo. – Ergui meu rosto e a encarei. – Se isso ainda importa.

− Eu nunca deixei de te amar. – Ela sorriu, e foi mais uma das coisas mais lindas que eu já tinha visto na vida, todas relacionadas a ela. – E quando você estava no coma, no hospital, prestes a morrer, e eu sabia que era minha culpa...

− Nick, para de falar. – Ela avançou e segurou meu rosto em suas mãos, como havia feito pra me tirar da influência da Khloe, mas a diferença era que ela me beijou, os lábios macios contra os meus da maneira que eu lembrava das tantas outras vezes que eu a havia beijado. Eu aproveitei, por um segundo, a sensação macia da boca dela contra a minha, a proximidade, memórias me vinham. Nossos beijos. Nossas noites juntos.

Eu continuava amando cada uma delas. E amaria Juliette até minha alma desaparecer no limbo de sabe-se lá pra onde vamos após a morte. E a amaria além disso.

Aprofundei o beijo em instantes, forçando-a a se submeter a mim, girando e colocando Juliette sobre a mesa, sentindo suas mãos na minha nuca, tirando sua blusa e seu sutiã, e eu estava parecendo multitarefa, mas naquele momento estava no automático: só precisava de Juliette.

Pelas próximas horas inteiras, eu tinha apagado, meu corpo tinha agido por instinto e desejo por aquela mulher, minha mulher. Eu obedecia cada pedido dela, tocava todos os pontos fracos dela, beijava a boca dela várias vezes seguidas, porque eu faria de tudo para ouvi-la dizer meu nome com o pouco de fôlego que eu a deixava tomar.

Eu a amava. E ela me amava de volta. E aquilo nos bastava.

Lá pela uma hora da manhã, nós meio que decidimos descansar, e em algum momento no meio da segunda rodada, eu a tinha levado pro quarto, então estávamos deitados na cama totalmente bagunçada, ela deitada sobre meu peito e eu deitado de barriga pra cima, uma mão deslizando nas costas dela e outra sob a cabeça, o lençol nos cobrindo de maneira precária. Só aí voltei a pensar normalmente.

− Nick... – Ela me chamou, bem baixinho, quase dormindo, e eu olhei para o rosto lindo da mulher que amava de verdade. – Cinco vezes... Uou. – Eu ri baixinho.

− Queria que eu tivesse parado antes? – Eu sorri pra ela.

− Queria que tivesse continuado, mas agora estou super cansada... – Ela traçava palavras no meu peito com a unha, e acompanhei o dedinho dela com o olhar. Demorou pra eu entender, mas finalmente decifrei o padrão.

“Eu te amo”. De novo, e de novo, e de novo.

− Eu também te amo. – Ela me olhou e sorriu, os olhos cinza, brilhantes e perfeitos, fechando devagarinho.

− Agora eu posso dormir... Você se tocou. – Ela se esticou e trocamos um último beijo, só um selinho, pra acalmar nossas vontades até de manhã, pelo menos. Senti uma de suas pernas deslizar por entre as minhas, e ela se aconchegou mais em mim. – Boa noite, Nick.

− Boa noite, Juliette.

E dormimos. Foi a melhor noite de sono, para nós dois, em muito tempo.

*Alicia*

Eu comecei a despertar, sem nem saber que tinha apagado. O local foi totalmente desconhecido pra mim por três segundos, até me cair a ficha e eu perceber que, na verdade, aquele era o quarto de Michael.

Então todas as memórias me voltaram e eu senti uma dor de cabeça leve.

− Ai... – Gemi. – O que...

− Gata! – Senti o abraço de Michael me derrubar na cama, e uma risadinha. Ah, é, Barbie. – Eu achei que você tinha entrado em coma!

− Ahn, não, Michael. – Eu meio que ri e o afastei de cima de mim. Uma depressão muito forte me veio e eu senti a necessidade de ser engolida pela escuridão. Pela morte. – Ahn, tudo bem.

− Eu entrei em desespero, amor, não sabia o que fazer... – Ele beijou minha testa e meu rosto e meus lábios e me puxou para um abraço. – Ai, meu Deus, eu te amo tanto, tanto mesmo.

− Também fiquei com medo. – A mãozinha de Barbie tocou meu braço. – Muito preocupada com você, amiga.

E o amor deles afastou um pouco minha vontade de morrer naquele momento.

− Que dia é?

− O dia seguinte ao seu desmaio. São uma da manhã mais uns quebrados. – Michael me informou, arrumando meu cabelo. – Você passou um bom tempinho apagada, mas calma, não foi um coma.

− Ai, Deus... – Sentei-me e esfreguei o rosto, tentando cair de volta em total consciência. – O que diabos... O que vou fazer?

− É muito tarde para dirigir até sua casa, amor. Dorme hoje aqui com a gente e depois nós nos viramos. – Michael opinou. – Tenho uma cama de casal e uma de solteiro por isso. – Eu sorri.

− Não seria má ideia. Estou acabada.

− E, bem, eu não agradeci direito, mas obrigada por me ajudar com a coisa da Emily. Eu realmente não queria te puxar pro meio disso...

− Somos amigas, não somos? – Eu sorri, mas ela não.

− Você ainda é amiga dela, no fim das contas. – Dei de ombros, e então meu celular tocou. Puxei-o do bolso (olha só, ele ainda estava ali) e atendi o número desconhecido.

− Alô?

− Essa é Alicia? – Ué, que diabos?

− Sim, eu mesma. Por quê?

Bom, aqui é da recepção do hospital St. Laurent.* Sean Renard acaba de dar entrada num estado grave e você é a primeira que nos atende. – Meu coração tinha desaprendido a bater (e perdido a vontade, também). – É necessário avisarmos aos mais íntimos o que aconteceu.

− Bom, o que me classifica como íntima dele?

− Talvez o fato de que você é a única na lista de contatos favoritos que nos atende? – E aí sim meu coração voltou a bater.

Alegria.

Eu era um dos contatos favoritos dele?

− Estou indo. – Desliguei e guardei o celular, pegando o capacete. – Apareceu uma emergência, tenho que ir. – Beijei a cabeça de Barbie e abracei Michael, beijando-o no rosto. – Se cuidem.

Eu era um dos contatos favoritos dele! Aquilo me fez lembrar do Renard e todas as suas instâncias, dos beijos, de como ele falava que não ia desistir de mim.

E agora ele estava no hospital, em estado grave. Aquilo fazia meu coração ficar pesado demais, chega doía. Quem havia feito o quê ao cara que eu amava? Quem? Porque, dependendo da gravidade da situação, aaaaaah, teria morte na cidade. E se fossem mais de um, teria carnificina. Muita carnificina.

Enfim, pilotei a moto na velocidade que piriguete foge de aliança, desesperada pra vê-lo, ver o que tinha acontecido com ele, descobrir quem tinha feito aquilo, até eu me tocar que eu não sabia onde infernos ficava o hospital onde ele estava.

Droga.

Liguei de volta pra moça da recepção (eu supunha).

− Ei, onde fica o hospital de vocês? – Perguntei, e memorizei todas as informações que ela me dava com destreza, porque eu não poderia perder um segundo. – Valeu.

E aí sim, eu não dirigi a moto, eu quase voei com a moto. Eu precisava chegar lá rápido, por mim e por ele.

Quando entrei, as coisas até pareceriam normais, se eu não soubesse o que tinha acontecido e não tivesse consciência de quem seria o alvo do fluxo de médicos que eu ainda não via tão intensamente. Procurei a recepção com os olhos e avancei nela assim que a vi.

− Ei! – Chamei a atenção dela. – O quarto de Sean Renard. Qual é?

− Ah, ele acabou de dar entrada, mas ainda está sendo estabilizado.

− Qual a situação geral do quadro dele? – Meu estômago ia me fazer vomitar borboletas de nervoso.

− Ele chegou aqui desmaiado por falta de ar, com hemorriagia, uma perna quebrada, diversos hematomas e lacerações no peito. – Quanto mais ela falava, mais o meu queixo caía. Em que diabos ele havia se metido? – Ainda estamos analisando toda a situação.

− Falta de ar, tipo, estrangularam ele?

− Tipo o apartamento dele estava pegando fogo. – Aí eu desaprendi como fechar a boca. – Precisamos de bombeiros pra remediar a situação, e os maiores danos foram aos móveis, como sofás, o resto está ou chamuscado ou levemente derretido. – Aquela mulher era streaming de notícias? Como ela sabia de tanto?

− E quando vão me deixar vê-lo?

− O doutor vai determinar. Talvez, até amanhã, visitas não serão permitidas.

− Eu preciso ver ele, moça. Eu amo ele mais do que tudo. – E era verdade. – Não tenho pra onde ir até que eu o veja.

Ela me encarou por alguns segundos.

− Assim que o médico responsável pelo seu namorado voltar, nós vamos falar com ele. – Ela sorriu pra mim e perdeu mais o jeito de enfermeira irredutível. – Eu sei como é isso.

Eu sorri pra ela.

− Obrigada.

*

Eu fiquei ali até de manhã, quando o médico surgiu, e devo ter apagado na sala de espera umas quatro vezes na espera de notícias, até ele surgir e renovar as minhas esperanças.

− Doutor. – Pulei sobre meus pés e senti uma tontura me pegar, e graças a Deus o médico me segurou.

− Opa, calma. Sou John, e você é Alicia?

− Sou, como está o Renard? – Ele fez uma cara séria.

− A fratura na perna foi remediada, ele voltou à consciência, a perda de sangue foi reposta, a mandíbula dele estava meio desencaixada, então a colocamos de volta. No geral, o quadro dele está bem melhor, mas ele ainda está pálido e aparentemente fraco.

− Eu posso vê-lo?

− Bom, uma visita rápida não deve fazer mal a ninguém. – Eu suspirei de alívio. – Venha comigo.

Eu o acompanhei até chegar na frente do quarto em que nós estávamos. O som do bip me aliviou, porque o coração dele estava batendo. Ele estava vivo, não importasse o que tivessem feito a ele.

E eu iria descobrir quem, embora tivesse quase certeza da Verrat.

Mas tinha uma coisa. Não era coisa da Verrat incendiar locais ou então os corpos de quem matavam. Eles deixavam uma mensagem: os corpos mutilados e/ou espancados à morte. Mas não fogo. Seriam híbridos?

Entrei no quarto dele na ponta dos pés, e bati com os nós dos dedos na porta.

− Olá... – Chamei, e ele nem sequer me olhou. Talvez estivesse distraído, eu disse a mim mesma. – Me deixou preocupada.

Eu ouvi uma risada irônica, e então soube que algo estava errado. Na verdade, estava tudo errado. Pelo olhar que ele me deu, era mais fácil dizer logo que não havia nada certo por ali.

− E agora você vem bancar o papel de boazinha? – Franzi as sobrancelhas, mais do que confusa. – Veio apreciar sua arte?

− O que... Tá louco? Tá dizendo que eu fiz isso? – Não. Não podia ser. Não era, era? Renard estava louco nas drogas... Não estava?

− Não se finja de idiota, Alicia. Nós dois sabemos a verdade. – E ele me mostrou a língua. Mas, ao invés de ser o ato infantil que eu achei que era, eu vi marcas de dentes. A língua dele havia sido quase cortada pra fora. − Bem pensado, me beijar para depois morder minha língua.

− Mas eu não fiz isso!

− Mentirosa! – Ele gritou. – Eu vi você. Vi seu rosto durante cada soco, cada tapa, cada murro, quando você quebrou minha perna e quando você incendiou o meu apartamento! Você quase me matou!

− Renard, eu nem te vi hoje! – Me justifiquei, mas aparentemente ele estava falando bem sério. – Eu nunca faria isso com você! – Senti meus olhos arderem, minha garganta trancou, e eu tremia.

− Boa atriz. Mas eu não vou acreditar em você, eu te vi, vi seu cabelo, seus olhos. No fim das contas... – Ele tirou a roupa do hospital, e eu quase gritei. Fora a parte do peito dele estar praticamente dilacerado...

Havia um A enorme no meio.

A de Alicia.

− Você gosta de me marcar como seu. – Eu já estava me sentindo um caco pelo choro, e ele vem e me faz aquilo. Decidi que já era demais pra nós dois, e então dei as costas para ele.

− Eu te amo. – Virei-me pra ver o rosto dele, marcado de hematomas e sangue e mordidas, supostamente minhas, mais uma vez.

A resposta foi a pior possível. Me fez querer morrer.

− Pena que eu não posso dizer o mesmo. – Mas havia uma coisa.

Uma lágrima solitária escorrendo pelo rosto dele e brilhando como se quisesse chamar minha atenção.

Ele também estava sofrendo.

Como eu não aguentaria aquilo por nem mais um segundo, fui embora. Mas o doutor passou pelo meu lado e uma dúvida surgiu na minha cabeça.

− Ei, doutor – Peguei-o pelo braço. – Estão dando algum remédio que cause... Alucinações?

− Ahn... – Ele olhou pro Renard e eu dei uma espiadinha, vendo o homem enorme (que nem cabia na maca direito) parado, olhando para cima como uma boneca. – Talvez os analgésicos causem algumas alucinações, mas não é nada muito pesado.

Mordi o lábio.

− Quer saber, esquece. Obrigada. – E fui embora, reprimindo toda a dor e o choro em mim mesma.

Eu precisava de um banho, e de café, e descansar (sim, descansar) e pensar naquele ataque de pânico e porque eu não estava sentindo as consequências pós-ataque comuns. E chorar. Muito.

Poucas coisas haviam doído tanto quanto o que Renard me disse naquele quarto. E ver a rejeição nos olhos dele! Eu não sabia o que fazer, nem o que dizer. Droga, eu queria me enrolar no meu edredom, na minha cama, e chorar a minha alma toda. Eu precisava me livrar daquela dor. E urgentemente.

Então, peguei a moto e dirigi para casa da Emily, sabendo que Barbie (a melhor em me acalmar, por sua presença tranquila) não estaria mais lá, e aquilo doía também. Minhas duas melhores amigas, brigadas. Supostamente, uma havia traído a confiança da outra. Mas não podia ser. Bárbara nunca faria aquilo. Ela era... Boa.

Ou não?

Enfim, mal cheguei em casa e senti que havia algo errado ali também. Talvez fosse só minha mente me sussurrando que Barbie não estava mais ali, que não nos reuniríamos mais para assistir filmes, que não nos sentaríamos mais à mesa para comer os quitutes incrivelmente deliciosos de Carla, nem... Nada. Brigas de travesseiro, séries, livros, passeios. Nada disso.

A vida era triste.

Enfim, saí da moto e eu vi o rosto de Emily surgindo pra mim na janela, sumindo, e reaparecendo depois na porta.

− Como você disse, eu esfriei a cabeça. E não mudei de ideia quanto a você ir embora de casa. E não mudei nem um pouco de ideia.

Quê?

Ela também?

Deus, isso é um sonho? Se for, já pode botar minha tomada de volta, eu já quero acordar, isso tem que ser um pesadelo...

Eu devo estar num pesadelo.

− O quê? – Ela fez cara e um som de desdém.

− Ah, por favor. Eu até agradeço você vir me dizer que Bárbara e Adam tinham um casinho há bem mais tempo do que me pareceu, mas você a protegeu e estou com muita raiva por isso. Além do mais, eu já mandei o Adam pro hospital. Poderia mandar você também, embora seja um desafio e tanto.

− Eu... Mas... – Sacudi a cabeça. – Eu não estive aqui ontem! Eu estava... – Era melhor não dizer, ou estressaria Emily ainda mais.

− Me poupe! – Ela gritou. – Você veio aqui ontem, me contou sobre eles. Eu acho que desconfiaria se fosse alguma outra pessoa por, sabe, não ser igual você! – Emily estava furiosa, eu podia ver nos seus olhos vermelhos.

Meu Deus, como eu rebateria àquilo? Eu estava perdida, totalmente desnorteada naquela situação. Eu nem tinha estado ali ontem, desgraça!

Se fosse só Sean, tudo bem, eu poderia até pensar que ele tinha batido a cabeça bem forte ou os analgésicos estavam fazendo o menino Renard ter alucinações. Mas, Sean e Emily, que eu tinha quase certeza de não terem se visto, a não ser que fossem combinar aquela maldição comigo. Então como os dois estavam afirmando com um afinco desgraçado que eu havia feito coisas das quais nem sonhava?

Será que eu tinha matado um homem também? Só me faltava essa. Pelo jeito eu andava bem ocupada...

Affe.

Bom, Emily queria que eu saísse da casa dela, mas não sairia. Nem morta que eu sairia dali.

− Você quer que eu vá embora? – Parei na frente dela, batendo o pé, e ela fez que sim. – Não vou.

− Ah, vai. – Ela fez um movimento afirmativo beeeeem lento. – Ou vai apanhar.

− Não.

E ela fez o que tinha dito que faria.

Emily me pegou pelo braço tão rapidamente que eu nem previ o movimento, e me atirou pela sala enorme, até eu bater na escadaria. A pancada foi horrível, até porque eu dei com as costelas nos degraus, e eu podia jurar que ouvira um estalo. Gemi.

− É assim? – Transformei-me e me ergui, avançando nela assim como ela avançava em mim. Nós duas nos chocamos e caímos no chão, protagonizando uma briga muito de garota, cheia de tapas e arranhões.

Enfiei uma garra sob o queixo dela, e Emily se atrapalhou com o sangue, mas também agarrou minha garganta e socou-me no chão, meu crânio batendo com força com o mármore.

Ela tentou se afastar, mas eu agarrei seu tornozelo e mordi, rasgando a carne e arrancando pedaços. Ouvi um grito e então seu pé acertou minha traqueia, fazendo-me engasgar e tossir, agoniada.

− Chega! – Pedi, assim que a adrenalina se esvaiu de mim. – Emily, chega!

− Agora você diz “chega” porque estava perdendo, não é? – Ela rebateu, se afastando com o tornozelo rasgado, mas era visível uma certa melhora. – Perdedora.

− Não, eu só não queria brigar com uma das minhas melhores amigas! – Rebati, irritada.

E aí Carla surgiu.

Claramente, estar jogada no chão com a dona da casa sangrando com um furo no queixo e o tornozelo despedaçado não daria uma boa imagem.

− Emily! – A empregada correu pra ela, e eu soube que ela estava encrencada. – O que você fez?

− Ela veio pra cima de mim primeiro! – Nossa, aquilo soava meio infantil. ‘Ela que começou!’, ou coisa parecida.

− Que coisa educada, atacar a anfitriã da casa onde você mora... – Emily disse, destilando sarcasmo.

E aí eu soube que não tinha mais jeito.

Tinha que ir embora.

*

Mas, antes, fui tomar um banho. E, no banho, finalmente os resultados pós-ataque me pegaram.

Eu tinha sido rejeitada pelo cara que amava e minha melhor amiga tinha me expulsado de casa e ainda lutado comigo (sem mencionar que eu tinha mordido o tornozelo dela). E, além do mais, uma clone minha sobrenatural estava andando por aí e fazendo merdas. E aí?

Estava ficando claro que Portland não era para mim. Lentamente, as garras foram crescendo nos meus dedos.

Ai, meu Deus, que idiotice insistir em ficar! Qual era o meu problema? Eu seria caçada pra sempre, e mesmo quando não fosse, era óbvio que eu não era destinada a ter um final feliz.

As garras foram passeando pelos meus antebraços.

Nem minhas melhores amigas gostavam de mim. Uma delas tinha me atacado gratuitamente na sala da própria casa. E eu era tão imprestável que tinha rebatido. Tinha atacado ela também, mesmo sabendo que o que ela fazia era porque estava louca de raiva.

Uma dorzinha rápida...

E Renard! Quando ele estava disposto a me aceitar, quando fazia as coisas por me querer, eu sempre o afastava, sempre procurava outro homem, por medo de ficar com ele. Quando ele me quis, eu não o quis de volta, e aí nós invertemos os papéis, e agora eu estava pagando meus pecados. Não; eu estava fazendo pior que isso, porque eu nunca odiei Renard enquanto ele me desejava.

Ele, sim.

A minha pele foi sendo lentamente dilacerada enquanto eu a rasgava com as garras, o sangue escorrendo e tingindo a água de vermelho.

Eu não pude ajudar minha melhor amiga, enchi a cidade de corpos, ataquei a outra, fui uma vadia com um cara que era perfeito como pai da minha filha, minha companhia quase matou meu irmão, e eu ainda ameacei a namorada dele achando que matá-la ou dar sumiço nela faria bem pro meu irmão.

Que vadia eu era!

Fiquei parada, assistindo meu sangue escorrer pelos meus braços e pingar na água já avermelhada.

Era hora de ir embora. Eu realmente não era feita para ficar em um lugar só, para morar. Eu era uma nômade, desde pequenina, com minha mãe. E agora só era pior. Estava toda estragada.

Então eu precisava ir.

Terminei meu banho e fui me vestir, com minha resolução firme. Afinal, como eu tinha pensado, eu não era feita pra morar em um lugar só. Hora de ir.

Arrumei todas as minhas coisas, guardei o dinheiro reserva que eu sempre tinha na mochila e vesti uma roupa toda preta: calça preta, blusa preta, jaqueta preta, e tudo formava um conjunto quente, bom pra me manter aquecida durante a viagem com a moto. Amarrei o cabelo em um rabo de cavalo e me recusei a passar maquiagem; coloquei o coldre da faca na cintura e apertei-o bem forte, causando-me dor, uma dor boa. Passei os olhos pelo quarto e...

O quadro de Ruby.

Eu já estava totalmente decidida a ir, mas ao ver a pintura da minha filha... O sorrisinho dela, a beleza, os olhos clarinhos... Os olhos do pai. O mesmo homem que havia me rejeitado por eu haver supostamente lhe espancado.

Mas ao ver ela... Eu não conseguia abrir mão da menininha mais linda que já tinha visto em toda a minha vida.

Ela quase me fez desistir, quase me fez abrir mão.

E recebi uma mensagem. Do Nick.

Acabei de ver o capitão, e ele insiste que foi você. Alicia, se foi mesmo você, nem sei se ainda quero olhar pra sua cara.”

Nem meu irmão acreditava em mim.

E Nick teve o efeito contrário de Ruby. Ele anulou a força que ela fazia em mim para eu ficar e me impeliu a ir embora de novo.

Então eu fui. Realmente tinha chegado a hora, se nem meu irmão queria me ver por perto.

Só que, quando eu estava saindo do quarto, Carla surgiu.

− Olha, Alicia – Ela começou. – Eu peço desculpas pela Emily. Ela está fora de si desde ontem...

− Não precisa. Ela me fez abrir os olhos. – Eu sorri pra ela. E eu estava sendo sincera. – Avise a Emily que já estou saindo. E agradeça por ela ter me feito chegar uma conclusão. – Comecei a me afastar.

− Mas não precisa...

− Carla. – Voltei-me para ela. – Eu já me decidi. Não vou mudar de ideia. – E a abracei com força, afinal, eu gostei muito daquela mulher. – Obrigada por tudo.

Desci as escadas e irrompi para fora da casa antes que mais alguém surgisse me acusando de algo, ou me pedindo pra ficar, ou até me afastando mais.

Apesar de tudo, e de meu irmão bravo comigo, talvez Nick fosse precisar de mim, e eu já sabia como deixar uma mensagem para ele. No fim das contas, mesmo ele bravo comigo não me fazia ficar brava com ele. Nick era meu irmão, e quando ele precisasse, eu estaria lá. Mesmo que ele não soubesse.

Eu iria gravar um vídeo com um celular descartável que estava enterrado em minha mochila, pro caso de necessidade. Uma mensagem curtinha, mas se ele fosse esperto, daria seu jeito de achar a mensagem subliminar.

Coloquei a música no meu celular de verdade (que eu trocaria o número assim que saísse da cidade), ajeitei o celular descartável, verifiquei o lugar e comecei a gravar.

− Oi, irmão. – Sorri.

*Nick*

– Nunca mostre isso pra ninguém, ninguém mesmo, ok? Eu gravei isso só pra você ver quando precisar de mim. – Alicia abaixou a cabeça.

− Eu espero que você nunca precise descobrir o que eu quis te dizer de verdade nesse vídeo. Espero que nunca chegue ao ponto de ficar vendo de novo e de novo e de novo... Bom, vamos ao ponto. Eu estou indo embora, e aqui, você é o único que sabe onde eu vou estar. Mas eu não quero que procure. Eu não quero que vocês me achem. Está na hora de cada um de nós seguir em frente.

Minha irmã estava... Indo embora.

− Ok, vamos logo com isso. Eu vou sentir demais a sua falta, irmão. Eu gostei muito do tempo que passamos juntos, e de Portland, e nunca vou me esquecer de você. Nunca mesmo. Foram dias muito bons, os melhores da minha vida, na verdade. Nunca vou me arrepender de ter te conhecido.

Ela sorriu e eu fiquei ainda mais triste e com raiva.

− Então por que foi embora? – Quase atirei o celular no chão, mas o que ela disse me fez congelar.

− Sei o que deve estar pensando. “Por que estou indo?” Nick, meu lugar não é mais Portland. Está vendo? Já estão me caçando de novo. Eu nasci como nômade e é assim que vou morrer. Morar em uma casa, namorar, ter filhos... – Ela olhou pra baixo de novo. Ela parecia triste. – Não é pra mim. Eu sou um pássaro e não vou ficar parada em um lugar só. Então, estou indo embora. Espero que você tenha a vida que eu não posso ter. Fique com a Juliette, case com ela, prenda os caras maus, honre o nome da família.

Eu não aguentava mais ouvir aquilo, mas precisava terminar.

− Eu não posso mais fazer isso. – Sua mão em Woge se ergueu. As garras estavam contraídas. – Eu não sou mais Grimm.

Um silêncio longo se seguiu, e a única coisa que o impedia de ser total era a musiquinha que ela tinha colocado como música de fundo.

She fills my bed with gasoline... And think I wouldn’t notice...

− Adeus, Alicia.

− Adeus, Nick.

*Alicia*

E parei a gravação.

Estava segurando as lágrimas com todas as minhas forças; mas assim que parei o vídeo e Nick não estaria mais me vendo, eu pude chorar e deixar ir toda a dor que eu não sabia mais como lidar.

Meu irmão...

Aquilo doía demais.

Mas me recuperei o mais rápido possível e ergui-me, enxugando o rosto e respirando fundo para me acalmar. Abri o armário com as armas, e peguei três facas dali, uma reserva, um presente.

Eu podia não ser mais uma Grimm, mas tinha o sangue de um. E, por isso, tinha tanto direito de pegar algumas das armas que eram da minha família.

Assim que terminei de me armar, coloquei o celular descartável sobre a mesa do livro grande, sobre o livro grande, e então dei as costas para ela. Fui com passos lentos até a porta do trailer, o coração doendo.

Eu sabia que nunca mais veria aquele trailer. Então olhei para trás. A caminha, a mesa, o armário, a cômoda cheia de gavetinhas e poções que eu chamava carinhosamente (desde que comecei a trabalhar na loja) de Rosalee.

Eu sentiria falta de tudo aquilo. Mas, bem, hora de ir.

Hora da Alicia morrer.

*

Quanto à loja, por falar nisso, deixei um bilhetinho avisando à Rosalee que eu agradecia muito o trabalho que ela tinha me dado, e que eu não poderia mais trabalhar lá, mas já a considerava uma ótima amiga e companheira.

Depois disso, foi a última gota d’água.

Minha moto sempre foi uma boa amiga, me ouvia muito bem. E ela sempre me acompanhava quando eu acelerava que nem louca, quando eu queria me libertar.

Hoje, ela estava lá por mim de novo, e nós iríamos nos livrar de Alicia. Acelerar até que todas as coisas dela ficassem para trás, até que eu só fosse uma lacuna para uma nova garota, pronta para ser outra pessoa.

Então, acelerei.

Senti o perfume de rosas e o ar agradável da cidade que eu havia chamado de minha pela última vez. Senti o vento frio que acariciava minhas roupas e me refrescava por dentro sem que eu sentisse frio de verdade. Eu sorri.

Apreciei a paisagem que passava por mim em flashes; as árvores, as casas, as pessoas, quer dizer, as poucas pessoas. A beleza do lugar. De Portland.

Tchau, Portland. Eu vou sentir sua falta.

De repente, a paisagem foi substituída pela cena da estrada que saía da cidade, e, novamente, foi um peso me deixando. Foi uma libertação. Saber que eu não tinha mais nenhum problema pra lidar, dali pra frente.

E, mais uma vez, eu ri. De felicidade. De liberdade. Eu não era ninguém, e aquilo era muito bom; pela primeira vez, eu estava gostando de ser ninguém, de me livrar de quem eu era. Quem quer que tivesse se tornado Alicia Burkhardt, podia ficar com ela! Eu não precisava mais do nome.

Seria uma longa jornada até chegar ao lugar que passaria a me guardar, mas tudo bem. Eu era muito experiente em mudanças rápidas.

Decidi colocar uma música para passar o tempo até chegar à próxima cidade; ativei o aleatório e dei o play no meu celular.

Começou a tocar The Diary Of Jane, do Breaking Benjamin, e eu comecei a pensar em quem eu seria na minha nova cidade.


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Notas finais do capítulo

Então é isso. Nosso último capítulo de Wesen Para Matar. Vocês nem sabem a minha satisfação de conseguir terminar essa fanfic, mas também a saudade que eu vou sentir de vir aqui todo dia depois da aula e escrever. Muito obrigada a todos vocês que acompanharam Alicia e que continuarão acompanhando na próxima temporada! Miha ama vocês tudinho!
Twitter: @AlphaNogitsune_
Blog (ainda não tem nada, mas estou pensando em avisar as coisas da fic por lá, e tal): A melodia de Kate
Ah, também estou pensando em escrever cenas extras, cenas em que as coisas acontecem por outro caminho ou coisinhas que nós não vimos. (Coisiiiiinhas ¬u¬) se quiserem, só avisarem nos comentários, ou pv, ou twitter... Estamos aqui pra isso’
Aliás, já estou planejando uns e outros por lá... Fiquem de olho!
Muito obrigada, mais uma vez, por tudo! Nos vemos daqui a alguns meses!



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