Stranger escrita por Okay


Capítulo 41
Lembranças.


Notas iniciais do capítulo

Beijos & Boa leitura! ♕
Capítulo revisado e reescrito 04/11/2020



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Capítulo 41 — Lembranças.

Marcus chegava ao hotel esperando sua resposta do destino, já havia um tempo desde que não falava com Angela, então não fazia ideia se ela estaria trabalhando naquela noite, sem saber se torcia para encontrá-la ou não. No fundo, sabia que apenas estava querendo uma desculpa para beber e que Angela seria a única que o convenceria a não fazer aquilo. 

Angela não estava ali, mas o destino tinha um jeito engraçado de resolver as coisas. O que viu foi o retrato de alguém brigando com o barman, pedindo outra dose em voz alta, sendo convidado a se retirar do bar, pois estava incomodando os outros hóspedes. Não sabia se aquilo era uma resposta para o que precisava ou não, mesmo assim, seria impossível não se intrometer naquele problema. 

— Desculpem pelo transtorno, eu conheço ele, vou o levar daqui. — Marcus se aproximou do bêbado. 

— Não, não conheço ele! — O homem embriagado respondeu, não deixando-o se aproximar mais. 

— Lucas, por favor… — Insistiu, tentando pegar em seu ombro para guiá-lo para fora dali. 

O loiro relutou, querendo se afastar dele, sem perceber que era retirado por Marcus do bar, ao mesmo tempo que empurrava-o para que ele mantivesse distância de si, reclamando:

— Sai daqui! 

— Eu vou te levar no seu quarto, você tá com o seu cartão aí ou deixou com a Rachel? — Indagou-o, percebendo que ele não estava prestando atenção em sua pergunta.

Já havia visto Lucas alterado, mas nunca àquele ponto, percebendo que a única coisa consciente nele, era o seu ódio, o que era óbvio, pois provavelmente era o causador da bebedeira dele daquela noite. Conseguiu se aproximar mais uma vez, buscando o cartão de acesso nos bolsos da calça dele, enquanto apanhava das mãos frouxas do loiro totalmente embriagado, que tentava a todo custo afastá-lo. 

— Cadê a chave do quarto? Você deixou no bar? — Perguntou, sem obter resposta. — Me responde, você sabe onde está?

— Idiota! — Falou, empurrando-o fracamente outra vez. — Eu te odeio. 

Marcus revirou os olhos, indagando para um dos funcionários que se aproximava se tinham visto a chave dele, mas não sabiam de nada. Pensou por alguns segundos antes de decidir o que fazer, não podia deixá-lo perambulando pelo hotel para causar mais problemas por aí, então mandou uma mensagem para Alberto e Rachel virem buscá-lo em seu quarto, estava levando-o para lá até que voltassem do karaokê, o que não demoraria muito. 

Foi com ele até o saguão, tentando fazer com que ele apoiasse em si, já que o equilíbrio dele não estava dos melhores, arrastando os pés desajeitadamente todas as vezes que passavam por algum tipo de degrau. Lucas não permaneceu em silêncio, resmungando frases desconexas que mal conseguia entender, com a voz mole pela bebida, sentindo-se cada vez mais culpado por tê-lo feito chegar àquele extremo.

Por um milagre, conseguiu entrar no elevador com ele, apertando o botão de seu andar, olhando o celular outra vez para ver se já tinha recebido uma resposta do amigo, mas ele ainda não havia retornado. Respirou fundo, enquanto começava a sentir alguns socos leves em seu ombro, com o loiro inquieto, parecendo uma criança birrenta querendo se livrar do castigo. 

Lembrava-se das outras vezes que o viu bêbado e era sempre divertido, mas naquele dia não tinha graça nenhuma. Gostaria de achar aquele estado teimoso dele engraçado, queria poder não ter aquela angústia por ter feito o que fez no karaokê e daria tudo pra voltar no tempo e corrigir o erro que levou-o a beber tanto. 

Já em seu andar, levou-o consigo para dentro de seu quarto, tentaria fazer com que ele bebesse um pouco de água até Alberto chegar, mas assim que passaram pela porta, Lucas pareceu desatar-se em ainda mais teimosia. Marcus foi estapeado, com o loiro se debatendo e ameaçando atacar com os golpes de krav magá que aprendeu. 

Não sabia se Lucas estava falando os nomes dos golpes em hebraico ou se era porque ele estava embriagado demais, mas nada fazia muito sentido. O loiro também não quis sentar-se no sofá, muito menos quis aceitar a garrafa de água que lhe foi oferecida, batendo em sua mão outra vez, exclamando:

— Eu te odeio! 

— Sim, eu sei. Você já disse isso. — Marcus suspirou, sem saber mais o que fazer. 

Lucas encarou-o por alguns instantes antes de desviar o rumo de seu olhar, esboçando desconforto. Não sabia dizer o que ele tinha, mas o loiro não parecia bem, então ofereceu água novamente, mas antes mesmo que ele pudesse responder, não conseguiu controlar a ânsia que sentia, tentando cobrir a boca ineficientemente, vomitando não só em si mesmo, como também sujou sua camisa com o líquido espesso e de coloração esquisita.

Ainda estava em choque, mas não teve tempo para sentir nojo, precisava limpar a si mesmo e a Lucas, não poderia deixá-lo daquele jeito. O loiro ainda tremia pelo vômito quando tentou levá-lo para o banheiro, não deixando com que ele pisasse na sujeira do chão. 

Encostou Lucas na pia e antes de qualquer coisa, tirou a camiseta dele com cuidado para que não o sujasse mais enquanto passava a parte suja do tecido por sua cabeça, conseguindo fazer com que o loiro ficasse quieto nesse momento, porém, não demorou muito para ele voltar a reclamar:

— Sai de perto de mim… não encosta! 

— Espera, já tô acabando. — Marcus abriu a gaveta, pegando uma embalagem de lenços umedecidos.

Limpou-o em volta da boca e depois na região do abdômen, onde a camiseta molhada do vômito encostou em sua pele, deixando-o agora sem resquício nenhum da sujeira de poucos minutos atrás, o que não tinha sido uma tarefa fácil pelos braços inquietos dele que tentavam-no manter longe. 

Marcus saiu e voltou ao banheiro, cobrindo Lucas com a primeira blusa de frio que encontrou dentro do armário. Ao menos obteve a colaboração dele enquanto passava as mangas por seu braço e agora já aproximava o fecho na frente antes de subir o zíper, parando os olhos por um instante sobre a pele do loiro, em uma região específica próxima ao umbigo dele, vendo ali suas cicatrizes. 

Lembrou-se de toda a história dele, todas aquelas marcas foram causadas pela fivela de um cinto enquanto apanhava do próprio pai, apertava seu coração saber o quanto ele sofreu até sair de casa, mas mais ainda, ter sofrido muito mais depois disso. Recordava-se dos dias em que ele se abriu consigo sobre seu passado. Era difícil saber que Lucas nunca mais faria confissões assim, nunca recuperaria o que tiveram, já estava tarde e tudo o que podia fazer agora, era cuidar dele e torcer para que ele ficasse bem logo. 

Fechou o zíper da blusa de moletom e viu que Lucas parecia distante, parecendo sem energia, ainda encostado à pia. Então enquanto o loiro estava quieto, aproveitou para se limpar também, retirando sua camisa, abrindo os botões e deixando a roupa suja do vômito de lado, passando um lenço em seu corpo. 

Lucas pareceu voltar a incomodar-se por estar ali, então antes que ele saísse, Marcus chamou-o e pegou o enxaguante bucal, colocando uma quantidade ideal na tampinha e entregando-o para que ele fizesse um gargarejo e ficasse com o hálito melhor. 

— Não é pra engolir, tá? — Explicou sem saber se ele estava consciente o bastante para entender. 

O loiro virou o enxaguante na boca, mas estava começando demorar demais para cuspir, fazendo com que Marcus se aproximasse, pedindo para que ele cuspisse na pia. Receoso  de que ele fosse esguichar o líquido todo em si, pegou em seu queixo e tentou fazer com que ele abrisse contra a própria vontade. 

— Agora cospe. 

Lucas se remexeu e não respondeu, continuando a agir como uma criança, fazendo o mais alto encolher a mão, exclamando:

— Ai! Você me mordeu! 

O loiro nada disse, apenas manteve a expressão emburrada, com Marcus encarando-o, dizendo:

— É… Você engoliu. 

Lucas continuou calado, provavelmente teria imaginado que aquilo era só mais um shot e assim mandou para dentro. O lado bom era que, pelo menos, agora ele estava com um hálito melhor, além disso, depois de tudo o que já tinha bebido, mal não iria fazer. 

Marcus bufou, encarando-o confuso, sabia que ele não queria sua presença e para ajudar, não fazia a mínima ideia do que seria melhor fazer para que ele melhorasse. Nunca tinha cuidado de alguém naquele estado antes. 

Já fora do banheiro, pegou uma camiseta para si, vestindo-a, enquanto percebia que Lucas saía do banheiro. Observou para ver o que ele faria, vendo-o andar para a cama, não dizendo nada enquanto ele deitava sobre os muitos travesseiros e puxava a coberta para se cobrir. Não objetou, apenas deixou com que ele se deitasse, pois talvez após algum cochilo ele pudesse melhorar um pouco.  

Verificou o celular outra vez para ver se havia recebido mensagem do amigo e ainda nada, então antes que Alberto fosse dormir, ligou para ele, torcendo para que ele atendesse, mas nenhum sinal de que ele estava perto do telefone, assim como Rachel também não atendia. 

Decidiu então esperar, indo até a cama de mansinho, sentando-se na beirada do colchão e, delicadamente, tirou os calçados do loiro. Colocou-os ao chão e percebeu que ele agora abria os olhos, entendendo que estava ali, exibindo uma expressão de medo mista de sono.  

— Sai daqui! É meu quarto! — Retrucou ele, ainda deitado. — Vai embora!

Marcus não retrucou, apenas levantou-se, vendo-o se ajeitar na coberta ao vê-lo sair, parecendo confortável. Aproveitou para agora limpar o chão, não chamaria o serviço de quarto para limpar aquilo, era sua obrigação fazer o básico e com um pouco de cada produto que achou no banheiro, conseguiu deixar o piso brilhando. 

Lavou as mãos e escovou os dentes. Estava verificando seu celular de cinco em cinco minutos, não tendo recebido nenhum sinal dos amigos e já estava ficando tarde. Foi para a sala e sentou-se ao sofá, começando a bocejar, tendo a mente invadida por questões muito além da culpa que sentia: assuntos não resolvidos, angústia, vontade de beber. Não percebendo o momento em que o sono chegou. 

Marcus acordou em um sobressalto, assustado por ver o quarto ligeiramente iluminado, pegando o celular, descobrindo que eram quase seis da manhã. Levantou do sofá e aproximou-se da cama, vendo Lucas dormir com a boca aberta, abrindo um sorriso preocupado com aquilo, segurando a vontade de tirar alguns fios loiros de frente de seus olhos fechados, saindo dali para ir escovar os dentes e lavar o rosto.

Enxugou-se com uma toalha e voltou para o quarto, encarando Lucas por alguns segundos antes de sentar-se novamente no sofá. Alberto e Rachel provavelmente tinham ido dormir sem sequer ver os celulares, mas ainda sentia-se culpado por estar com ele ali, sabia que tinha sido a melhor coisa a se fazer, mas já tinha em mente o que aconteceria quando ele acordasse. 

Lucas provavelmente ficaria irritado e tudo só pioraria. Não conseguia imaginar a quantidade que ele havia bebido no dia anterior, mas mesmo que fosse uma gota sequer, doía imaginar que era por sua causa, com o remorso crescendo em seu peito.  

Apoiou o cotovelo sobre o encosto do sofá, olhando para a cama em seguida, estavam próximos, mas distantes. Talvez se a situação fosse diferente, sentiria felicidade em tê-lo ali, mas mais uma vez, era o mínimo que podia fazer por ter causado outro grande estrago. 

Ontem havia agido em desespero por saber que estava perdendo suas últimas chances de ter a atenção dele. Estava tão feliz por vê-lo interagindo normalmente no jantar que tiveram, que deixou a precipitação tomar conta de si.

Suspirou, passando a mão pelos cabelos, estressando-se por saber que ele poderia acordar a qualquer momento. Levantou-se, pegando uma garrafa de água e encontrando analgésicos em sua caixinha de remédios, deixando-os ao lado da cama, sabendo que ele iria precisar, afastando-se de mansinho. 

Percebeu uma movimentação na coberta, olhando para trás, pensando ter acordado o loiro, mas tudo continuou em silêncio. Olhou ao redor, refletindo se seria melhor guardar os objetos pontiagudos do quarto, sem conseguir prever a reação dele quando acordasse, tentando não rir ao imaginar as decorações voando em sua direção, com ele gritando consigo, mas seu senso de humor não durou muito tempo.

— O que eu tô fazendo aqui?! — Lucas perguntou, fazendo com que virasse bruscamente em sua direção, vendo-o sentado na cama. 

— Ah… Você acordou. — Iniciou, sem estar pronto para aquilo. — Você não se lembra de nada?

O loiro desviou o olhar, olhando confuso ao redor, com Marcus percebendo que ele estava se esforçando para recordar-se de qualquer coisa, não esperando com que ele respondesse, dizendo: 

— Depois do karaokê, eu fiquei com o Al e a Rachel por quase duas horas... Aí saí de lá, voltei pro hotel e te encontrei no bar. Foi isso, você não parecia bem então eu ia te deixar no seu quarto, mas o seu cartão de acesso sumiu, então eu te trouxe aqui, aí você capotou. — Explicou, vendo que ele ainda se recusava a lhe encarar. — Eu tentei ligar para eles virem te buscar, mas não atenderam, então deixei você dormir em paz… eu dormi no sofá, só pra você saber. 

Lucas passou os olhos pelo quarto, incomodado pela claridade, sentindo sua cabeça latejar, acabando de perceber que não reconhecia o moletom que estava em si, agora encarando Marcus como se buscasse mais respostas, sem coragem de abrir a boca. 

— Se estiver com dor de cabeça, deixei remédio aí do seu lado. 

O loiro coçou os olhos, se ajeitando na cama, olhando para a mesa de cabeceira, pegando a garrafa de água e os analgésicos. Sua boca estava seca, então ao mesmo tempo que engolia o comprimido, acabou com boa parte da água, deixando a garrafa quase vazia de lado, sentindo-se exausto, mas precisava perguntar:

— O que aconteceu? 

— Você estava brigando com o barman quando te achei. Te trouxe pra cá e aí você deu um banho de vômito na gente… tive que trocar sua camiseta, então assim que ela voltar da lavanderia eu te entrego. — Falou, vendo uma expressão de puro nojo formar-se no rosto dele. — Mas depois disso foi tranquilo, você só tomou enxaguante bucal como se fosse uma dose de tequila e depois me mordeu, mas ficou tudo bem, você pegou no sono e dormiu até agora. 

Lucas queria saber mais, mas ficou receoso em perguntar de qual região do corpo dele que se tratava a mordida. Então, só escorregou para a beirada da cama e viu seu par de tênis ao chão, ajeitando a meia em seus pés antes de colocá-los. Após isso, ficou de pé, ainda sentindo-se cansado, ouvindo Marcus voltar a dizer:

— Não deixe de ir na recepção pra pegar uma chave provisória. 

O loiro encarou-o por alguns segundos, sem saber o que dizer, resolvendo apenas assentir com a cabeça, nitidamente desconfortável, mas não claro o suficiente para que o outro entendesse o que estava sentindo. Caminhou em direção à porta de entrada, mas antes que ele saísse, foi chamado.

— Lucas. 

Virou-se para Marcus, querendo saber o que ele lhe diria, vendo-o se aproximar.

— Eu só… queria saber como você está, você não disse nada. 

— E eu preciso? — Falou, mal-humorado. 

— Não, você não me deve nada, pelo contrário. — Suspirou. — Eu só queria que soubesse que eu realmente estou envergonhado por aquilo do karaokê. Nada disso vai acontecer mais e… eu não queria ter te envergonhado. 

— Eu nunca vou acreditar em nada que você disser. — O loiro encarou-o friamente. — Tudo o que escuto são palavras vindas de um homem que forjou a própria morte. Você pode dizer o que quiser, não vai fazer diferença. 

— Eu sei. — Assentiu, concordando com ele. — Eu digo isso porque eu sei que você pode até ter outro motivo pra ter exagerado ontem no bar, mas eu sei que eu fui o causador de tudo, pra começar. Então eu só queria te pedir um minuto… espera.

— Chega, eu tô indo. — Respondeu, bufando, girando a maçaneta.

— Calma! — Pediu mais uma vez, agora correndo para seu armário, pegando uma caixa média da última prateleira. — Aqui… achei. 

Lucas até chegou a abrir a porta, mas soltou a maçaneta pela curiosidade, não queria continuar naquela conversa, mas a vontade de saber do que ele estava falando e querendo mostrar era maior. Viu-o voltar para perto de si, abrindo a caixa e deixando a tampa de lado, começando a dizer: 

— Eu pensei em muita coisa antes de dormir, ontem… Eu não sabia o que te dizer hoje, nem como você reagiria por estar aqui, mas como você mesmo disse, eu forjei minha própria morte. — Colocou-se em sua frente, segurando a caixa aberta. — Hoje sou Mark, mas as coisas mais importantes da vida que eu deixei, estão bem aqui. 

O loiro nada respondeu, olhando para vários papéis e bugigangas dentro da caixa, ainda sem entender o que ele pretendia, vendo-o continuar a dizer:

— A maioria das coisas são do Al, algumas da minha mãe, mas uma delas é sua. — Pegou com a mão livre, uma folha de caderno dobrado dali de dentro, entregando para o loiro. — Você reconhece isso?

Lucas pegou o papel e o desdobrou, sendo datado do final do ano de dois mil e seis, o ano que saiu de casa. Viu suas letras ali e seu coração acelerou ao lembrar-se de como estava no momento em que escreveu, suas palavras eram imaturas, mas sinceras, onde dizia que sentia falta dele a todo o momento que estavam separados, interrompendo a leitura, não querendo olhar para a carta, devolvendo-a. 

— Eu sei que você se lembra disso e eu escrevi uma resposta. Mas o problema é que eu nunca consegui te dar. — Pegou um envelope de dentro da caixa e quis entregá-lo.

— Não, eu não quero isso. 

— Você não tem que ler agora, não tem que sequer ler. Mas é sua e eu quero que fique. — Insistiu, ainda segurando o papel. — Por favor… só pega. 

Lucas pegou o envelope a contragosto, bufando, antes de dizer:

— Mais alguma coisa?

— Só isso. — Falou, parecendo enxergar uma turbulência nos olhos azuis dele, tentando imaginar o que se passava em sua cabeça nesse instante. 

O loiro encarou-o uma última vez, não ouvindo Marcus objetar com sua ida, fechando a porta finalmente, sem nada dizer antes de sair. Pôde respirar normalmente assim que Lucas saiu, tinha sido melhor que o esperado, ficando satisfeito por ele não ter gritado consigo. 

Marcus tinha noção de que teve sorte no dia anterior, porque pessoas embriagadas eram sempre imprevisíveis e tentava imaginar-se no lugar dele. O difícil era saber que alguém também lhe aturou naquele estado. 

Agora Angela estava em seus pensamentos, não falava com ela havia alguns dias e sentia que precisava encontrá-la, para pelo menos, agradecer toda a paciência que ela teve consigo. Com Lucas tinha sido fácil, mas não conseguia imaginar como Angela conseguia controlá-lo sendo bem menor que ele, ela era uma santa por ter tido tanta paciência. 

Mandou uma mensagem para ela, perguntando se poderia vê-la mais tarde, em seguida partindo para um banho, precisava tirar o suor de toda a tensão que havia sentido nas últimas horas. Só precisava esquecer o dia de ontem. 

Angela se aproximou de Marcus na porta do restaurante que haviam combinado, ajeitando a alça de sua bolsa no ombro, dizendo timidamente:

— Oi.

— Ah, você chegou. — Abraçou-a, recebendo um beijo na bochecha, guardando o celular no bolso. 

— Você tá cheiroso, como sempre. — Ela sorriu, corando. 

— Você também. — Respondeu, retribuindo o sorriso. — Vamos entrar?

Foram guiados à uma mesa para dois, resolvendo juntos o que iriam pedir, vendo o garçom partir dali com as anotações. 

— E então… você tá bem? — Ela iniciou, já imaginando a resposta, a expressão dele não negava. 

— Acho que você já sabe, né? Eu ainda tô levando as coisas do jeito que dá… E você?

— Tô saindo com alguém... — Angela mentiu, querendo ver a expressão dele, torcendo para receber um olhar ciumento, mas foi apunhalada no peito com um sorriso sincero dele, feliz com  a informação. 

— Isso é bom. 

— Tenho certeza que a gente não veio aqui à toa, então me fala tudo, não enrola, não… — Ela mudou de assunto, tentando não transparecer seu incômodo. 

— Já ouviu a história do rei Midas? Aquele que tudo que toca vira ouro? — Indagou, vendo-a assentir com a cabeça. — O que a gente deve fazer quando tudo o que a gente toca é arruinado?

— O que houve?

— Eu preciso aprender a ser menos eu.  — Marcus assumiu, angustiado, com ela ainda sem entender. — Eu quase voltei a beber ontem. É irônico porque eu acabei de ter uma demonstração do porquê não voltar mais, só que a vontade só cresce. 

— Você precisa continuar a ser forte, já faz tanto tempo que você tá seguindo nesse propósito… Alguns dias vão ser piores do que os outros e são esses que você tem que aguentar firme. — Ela aconselhou, ainda curiosa com o acontecido, mas não o forçaria a dizer nada. 

— Às vezes me pergunto se ainda vale a pena continuar tentando… — Abaixou o olhar do dela, envergonhado com o que dizia. — Só hoje eu percebi de verdade o que você teve que aguentar comigo. 

— Não diga isso. — Angela afirmou, fazendo-o voltar a olhar em seus olhos. — Eu só fiz isso por amor, você sabe. 

— Obrigado por tudo, Angel. — Agradeceu, vendo-a forçar um sorriso triste. — Eu nunca vou poder retribuir de verdade tudo o que você fez por mim, eu ainda estaria na pior se não fosse você… não que eu esteja no meu melhor momento, mas você entendeu, eu precisava muito te ver hoje…

Angela sorriu com aquilo, sentindo seu peito encher de esperança, era por aquelas situações que ficava cada vez mais difícil de superar. Sempre que achava que tinha conseguido deixar de alimentar os sentimentos por aquele homem, era enganada pelo seu próprio coração. 

Alberto estava no saguão do hotel ao lado da noiva, vendo Marcus entrar, correndo até ele, dizendo:

— Finalmente! Eu estava te esperando! 

— Estou aqui. — Riu com a agitação dele, em seguida vendo Rachel se aproximar com uma caderneta em mãos. 

— Como o Luke está? — Ela indagou, deixando o que escrevia de lado, encarando-o. — Ele não responde a gente. 

— Ele deve estar descansando agora, principalmente depois de ontem… — Marcus respondeu-a. 

— Ele tá tão mal assim? — Alberto quis saber. — O que aconteceu?

Contou aos amigos exatamente o que viu quando saiu do karaokê, de como cuidou dele e do que aconteceu quando ele acordou, com exceção da carta que tinha lhe dado antes de ele ir embora. Eles ficaram em choque, se desculpando por não terem visto as mensagens, estavam tão alegres que curtiram por mais um bom tempo antes de voltarem ao hotel para dormir. 

— Já tá tudo bem, pelo menos. — Marcus acalmou-os. — Eu só queria pedir um favor pra vocês…

— Diga. — Alberto pediu. 

— Eu queria que não tocassem nesse assunto com ele. — Revelou. — A não ser que ele queira falar sobre. Mas eu sei que tudo isso foi constrangedor, então seria bom se vocês deixassem ele à vontade pra falar da situação por conta própria.

— Eu já ia fazer isso, pra ser bem sincera. — Rachel assumiu, encarando-o. — Mas eu fico feliz que você também pense assim. 

— Eu também topo. — Alberto concordou. — Conhecendo o Lu, provavelmente não vai tocar nesse assunto até digerir por completo essa situação. 

— Eu até ia ir no quarto ver como ele está, mas acho melhor esperar ele me responder. — Ela torceu o lábio. — É uma pena… Mas e você? Como você está?

— Eu? — Marcus chocou-se com a pergunta de Rachel. — Eu tô bem.

Ela abriu um sorriso fraco, não se convencendo muito da resposta dele, sabendo que ele provavelmente estava ressentido com aqueles últimos acontecimentos. Por tudo o que haviam falado no dia anterior, Rachel tinha certeza de que ele estava mais do que arrependido do que fez, agora com toda essa história do Lucas ter passado dos limites no bar, ele provavelmente estava se sentindo o pior ser humano existente. 

E ela estava certa. 

Assim que Lucas conseguiu falar na recepção, foi imediatamente ao seu quarto e trancou-se, fechando todas as janelas e cortinas, queria ficar no escuro, não aguentava a dor de cabeça que estava sentindo, que parecia ter piorado desde a última conversa. Deixou o envelope que ganhou na mesa de cabeceira, não sabia se deveria tentar ler antes de queimar ou rasgar em mil pedaços. 

Já havia perdido a noção da hora e não havia comido nada, apenas bebido mais água, pois sua boca estava seca, reclamando de toda a desidratação do dia anterior. Mesmo assim, não tinha apetite para nada, se esforçando para tentar tirar as últimas palavras de Marcus de sua cabeça e o que tinha visto. 

De todas as coisas que poderia ter imaginado que ele lhe mostraria, jamais imaginou que seria aquilo. Sinceramente, não achava justo consigo, já haviam se passado quase sete anos completos daquele acontecimento, não tinha o porquê de Marcus mais uma vez desenterrar toda aquela história e foder com seu psicológico como era PhD em fazer. 

Sentou-se na cama, ligando o abajur e segurando o envelope com seu nome. Até mesmo pensou ser um truque, mas a folha parecia realmente desgastada pelo tempo e ligeiramente manchada. Retirou a carta de dentro dele, conseguia ler bem as palavras ali, estavam escritas em caneta de tinta preta, ligeiramente borrada em algumas regiões, como se gotas tivessem caído ali.

Naquele ponto, já não aguentava mais a curiosidade, começando a ler.

“Oi, gatinho, tudo bem? Eu passei a semana inteira tentando escrever algo e não consegui pensar em muita coisa, então não prometo palavras bonitas como as suas, porque você escreve infinitamente melhor do que eu. ”

Lucas abaixou o papel, não queria se render naquela leitura, pois ao mesmo tempo que ficava curioso, doía demais, porque seu coração apertou-se logo na primeira linha ao lembrar-se do apelido que ele havia lhe dado na época. Não era mais a mesma coisa, mas lembrava-se de como era a voz dele enquanto o chamava daquele jeito e conseguia se recordar exatamente de como se sentia na época. 

“Eu não sei quando vou poder te entregar essa carta, mas eu espero que logo e que eu esteja enterrado no seu pescoço te fungando enquanto você lê, rindo com as cócegas que eu faço. Falando nisso, tô com saudade da sua risada, tô com saudade de tudo seu. Eu queria poder confiar em alguém para te entregar isso, porque eu estou ansioso pra te contar as novidades.”

“Eles podem ter me tirado de perto de você, mas disseram que em uma semana a gente volta, então eu estou contando os dias. Eu queria te dizer que já encontrei uma casa, do jeito que a gente combinou que seria, espaçosa e longe da cidade grande, você vai amar. Eu sei que eu vou estar do seu lado enquanto você lê isso, mas enquanto estou aqui longe escrevendo, não tem outra forma de terminar essa carta sem ser dizendo algo que eu nunca te disse pessoalmente. Eu te amo.”

“PS: Eu já planejei tudo e daqui a pouco eu volto. E estou indo para te buscar.”

Leu a última frase e abaixou o papel, sem fôlego, sentindo o queixo começar a tremer. Não sabia se estava chorando por estar se torturando àquele ponto; se era por ódio ou por imaginar o quanto seu “eu” do passado mataria para receber aquela carta. Só sabia que queria poder entender o que estava sentindo.

E não ajudava em nada estar vestido de um moletom com o cheiro dele. 

 

 

 


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Notas finais do capítulo