Stranger escrita por Okay


Capítulo 32
Ira.


Notas iniciais do capítulo

Beijos & Boa leitura! ♕
Capítulo revisado e reescrito 20/09/2020



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Capítulo 32 — Ira.

Após meia hora de conversa com o amigo e fanho depois de muito chorar, Alberto tentava controlar a voz, havia falado apenas do básico com Marcus e tentaria seguir com o diálogo sem se emocionar demais. Respirou fundo mais uma vez, ainda com a voz prejudicada pelo choro, perguntando:

— Isso só me faz pensar… como Lucas não percebeu? Ele só me falou da ligação super irritado, não parecia desconfiar de nada.

— Quando percebi que era ele, eu fiquei mais rouco. — Marcus respondeu. — Mas jamais pensei que ele estaria aí… 

— Ah! — Afirmou, entendendo. — Eu estou cuidando dele, quer você goste ou não. 

— Não vamos falar disso agora… — Mudou de assunto. — Eu fiquei feliz em saber que você está bem, eu senti muita saudade… muita. 

— Eu nem acredito ainda que estou falando com você. — Alberto suspirou, sentindo outra lágrima formar no canto do olho. — Parece mentira.

— Eu também não acredito… me perdoa.  — Fez uma pausa para controlar a voz. — Eu sei que você passou por um inferno, mas acredite, também não estava melhor pra mim.... Nunca achei que iria demorar tanto, não estava nos planos, não foi minha intenção, de verdade, me desculpa, Al. 

— Eu realmente acreditei que você tinha ido pra sempre… — Alberto falou, tentando não soluçar. — Eu não superei essa sua morte até agora, isso não se faz.

— Eu queria poder estar aí, você não faz ideia da saudade que eu tô sentindo. 

— Tem sido difícil sem você, agora eu tenho a Rachel e o Lucas, mas algum tempo atrás eu tava no fundo do poço, você nem faz ideia… — Retomou o fôlego. — Eu preciso saber… quando você volta, Marcus? 

— Agora eu só atendo por Mark. — Corrigiu. — E eu não sei se eu posso responder isso agora, tudo tá muito instável e eu preciso criar relações por aqui, tentar fazer alguma coisa boa, eu preciso muito desse recomeço, Al… e eu não sei se eu posso ter esse recomeço aí.

— Mas aonde você está? Me fala! Eu preciso te ver! Eu quero te abraçar… te dar uns tapas também, mas eu quero te ver! 

— Eu não posso falar isso, Al, não é seguro, inclusive. 

— A gente não vai ficar afastado pra sempre, vai? 

— É claro que não! Até porque eu não conseguiria, ficar sem meu melhor amigo tá sendo a pior parte. 

Alberto sentiu os lábios trêmulos mais uma vez, fungando antes de dizer:

— Eu tenho tanta coisa pra te contar… Aconteceu muita coisa e eu preciso muito desabafar com você.

— Eu queria poder ficar por aqui por horas, ouvir a sua voz foi a melhor coisa que me aconteceu em meses, mas eu não posso, Al… Eu prometo que a gente vai conversar de novo e muito em breve, mas por enquanto eu tenho que ir.

— Espera! Eu preciso do seu número ou… ou sei lá, qualquer coisa que eu possa te mandar mensagem! 

— Eu vou te passar, mas não agora, tá bom? Confia em mim. — Marcus sentiu seu peito apertar, sabendo que ele sofreria de ansiedade até o próximo contato. — Eu não vou sumir, eu prometo. 

— Tá bom, eu vou esperar, mas não demora, por favor, você já sabe como eu sou.

— Sim, eu te conheço bem até demais. — Ele riu baixinho, sentindo ainda mais saudade do amigo. — Até a próxima, Al.

— E-Espera! Eu só preciso saber quando! Por favor, me diz…

— Posso te ligar amanhã?

— Amanhã? Pode, pode sim! Mas que horas? Eu preciso saber! 

— Ah, eu ainda não sei, mas fica tranquilo que se você não atender eu vou ligar de novo.

— Tá bom, eu vou esperar…

— Não fica pensando demais nisso, tá bom? — Marcus pediu. — Eu não quero que você passe mal. 

— Vou tentar. — Alberto falou, choroso. — Eu me sinto um adolescente, não consigo me despedir.

— Então tá, eu vou ser a pessoa que desliga, então. — Admitiu, rindo com ele. — Até amanhã, Al.

— Até, Mark. — Enfatizou a última palavra com desgosto, não querendo tê-lo que chamar assim, mesmo não tendo muita diferença de seu nome original.

Lucas e Rachel passaram pela porta de entrada e se depararam com Alberto arrumando a casa inquieto, onde deixou as coisas que fazia de lado ao vê-los entrar, indagando com pressa ao amigo.

— E aí, como foi na academia? 

— Ah, foi legal. — O loiro respondeu, deixando a mochila de lado. — Na verdade, a gente acabou mais fofocando do que treinando, né?

— É verdade! — Rachel riu, caminhando em direção ao namorado, lhe dando um beijo rápido. — E o que você ficou fazendo?

— Ah, eu fiz o jantar, também aproveitei o tempo livre pra dar uma limpada na casa, consegui lavar a sacada também, eu sei que o dia de lavar a varanda era só amanhã, mas eu estava sem fazer nada, então… — Ergueu os ombros, após atropelar as palavras. 

— Isso é ótimo. — Ela estranhou o comportamento dele, sem saber se ria ou se perguntava o motivo daquela empolgação repentina. 

— Eu preciso de um banho. — Lucas avisou, já indo em direção ao banheiro.

— Vê se não demora! — O amigo pediu. — Senão a comida vai esfriar!

— Tá bom, papai. — Gritou do banheiro em resposta. 

— Quer aproveitar esses minutinhos que temos a sós? — Rachel abraçou Alberto e levou as mãos para os ombros dele, massageando-os sugestivamente.

— Eu precisava mesmo falar com você… longe dele. 

— O que foi? — Ela recolheu suas mãos, percebendo que ele não havia respondido suas segundas intenções.

— Então… é uma longa história, posso ir dormir com você hoje? 

— Você sabe que nem precisa pedir, mas agora estou curiosa. — Rachel ergueu uma das sobrancelhas. 

Aquele jantar parecia não acabar para a única mulher naquela mesa, vendo os dois amigos conversarem enquanto, distraída, pensava no possível assunto que o namorado teria para lhe contar. Ficou avulsa, comendo o seu jantar lentamente, como se procurasse o seu apetite perdido no meio do purê de batata que revirava com o garfo.

— Rach? — Lucas chamou-a. — O que foi? Tá tudo bem? 

— Tô sim, só tô com sono, quero ir logo pra casa tomar um banho e dormir.

O loiro não sabia se acreditava ou não nas palavras da amiga, que costumava ser alegre até mesmo sonolenta, então decidiu que não a forçaria a falar nada que ela não quisesse naquele momento, sorrindo rapidamente em resposta.

Assim que terminaram de comer, Lucas fez questão de cuidar da arrumação da mesa e a limpeza dos pratos, deixando os dois pombinhos livres. Foi então que Rachel se despediu, olhando para Alberto fixamente, com ele entendendo o sinal.

Ela se retirou e esperou do lado de fora, não demorando para que ele aparecesse no corredor do prédio em seguida. Caminhando com ele para seu apartamento, pegou com no antebraço do namorado para puxá-lo com pressa.

— Você vai começar a me contar agora mesmo! — Ela falou após entrarem. — Não se faz esse tipo de coisa com uma pessoa ansiosa, você sabia?! Desembucha!

— Eu sei mais do que ninguém que não é justo chamar alguém para conversar sem falar o motivo, eu também sofro com isso, você sabe que eu até evito cafeína porque eu realmente passo mal! — Ele se explicou. — Se eu te preocupei, não foi à toa, mas também não precisa ficar nervosa! Eu vou te contar tudo!

— É bom mesmo. — Ela cruzou os braços, após se jogar no sofá. — Senta aqui comigo. 

— É sobre mim, mas também é sobre o Lucas… E eu preciso muito do seu voto de confiança nesse momento, você não pode contar a ele o que eu vou te dizer agora…

— Eu não sei se eu posso te prometer esse tipo de coisa, é tão grave assim?

— Você vai entender quando eu te contar… mas eu preciso que você confie em mim assim como eu confio em você. 

Alberto começou se explicar, iniciando o assunto no dia que se conheceram, relembrando-a de que ele estava sofrendo o luto pela morte de seu melhor amigo, Marcus, assim que ela confirmou se lembrar desse fato, ele deixou claro sobre quem Marcus era para ele e para Lucas. Não escondendo sua trajetória que teve, falando como o amigo era importante para ele. 

Ela continuou sacudindo a cabeça positivamente sem nada dizer, apenas ouvindo e fazendo poucas perguntas para confirmar o que ele havia dito até então. Quando terminou de contar sobre esse período, avisou de que diria algo que a chocaria totalmente: ele não estava morto. Não mais.

Rachel arregalou os olhos e perguntou como aquilo era possível, Alberto deu a mesma resposta que o amigo lhe ofereceu, com poucos detalhes, mas deixando claro ele que havia forjado aquilo, colocando outra pessoa no lugar dele, quem essa pessoa era não importava, mas não era uma pessoa inocente. 

Ela parecia confusa de uma forma que Alberto já previa, então desacelerou o ritmo com que explicava, deixando claro que esse amigo era envolvido em uma facção contra a vontade dele e que a única forma de sair dela, era morrendo, e portanto ele havia decidido fraudar todo um sistema para que pudesse sobreviver e recomeçar sua vida.

Finalizou então dizendo que não sabia de nada disso e que havia recebido essa ligação do amigo naquele mesmo dia, por isso não conseguia disfarçar sua alegria mais cedo, onde então ela soltou um longo e sonoro “ah!”.

— Parece loucura, não é? 

— Não só como parece, como realmente é… 

— Eu sei. — Alberto suspirou, parecendo cansado. 

— Mas por que você não quer contar para o Luke? 

— Se você achava que essa era a parte doida da história, saiba que eu nem comecei…

— Hã? — Ela franziu o cenho, querendo entender.

— Rach, eu confio em você, por isso eu quero me abrir totalmente sobre a minha vida com você e isso envolve revelar segredo das pessoas mais especiais da minha vida, então eu quero que você me prometa que vai guardar segredo dessas coisas que vou te falar.

— Você tem a minha palavra. — Ela segurou a mão de Alberto, olhando fundo nos olhos dele.

No dia seguinte, Lucas não tinha aula então acordou cedo e aproveitou para revisar os conteúdos em que estava mais atrasado, nisso já havia até almoçado sozinho, pois Alberto não havia voltado da casa de Rachel no dia anterior e provavelmente teria ido ao trabalho diretamente de lá, pois não o viu pela manhã.

Um barulho na porta roubou sua atenção e parou sua leitura, deixando o livro de lado e encarando a entrada, vendo o amigo passar por ela. 

— Oi, Al… Saiu do trabalho mais cedo ou veio buscar alguma coisa? — Lucas indagou-o.

— Tive que sair mais cedo hoje, o sono tá demais… — Esfregou os olhos, enquanto se aproximava dele.

— Ser chefe tem suas vantagens, né? — O loiro riu. — E ser amigo do chefe mais ainda.

— Engraçadinho, você tem seu direito ao afastamento, não é um benefício que eu inventei pra te dar, você sabe disso.

— Eu sei, eu sei. — Riu com ele. — Mas então, você tá com olheiras… dormiu mal ontem?

— Na verdade, não. Só dormi pouco mesmo, fui dormir muito tarde por ficar conversando com a Rachel.

— Conversando, sei… — Lucas espremeu os olhos e lançou um sorriso malicioso. — Safadinho.

— Você não presta. — Fugiu dele, indo ao seu quarto. — Vou deitar agora, me acorda se eu não levantar até o jantar.

— Pode deixar. — Falou ainda rindo.

Retomou sua leitura e teve que voltar alguns parágrafos por não lembrar de onde tinha parado, voltando sua concentração ao texto. Quando estava satisfeito que finalmente estava finalizando o capítulo e estava começando a entender a introdução daquela disciplina, sentiu o sono chegando, com suas pálpebras ficando pesadas e pedindo para que ele descansasse por um tempo. Então o loiro ajeitou-se ao sofá e deixou o livro de lado, também resolvendo dormir um pouco. 

Mal sabia quanto tempo havia se passado quando acordou assustado pelo toque do telefone, mas o ambiente já estava escuro, parecia começo da noite e deveria ter passado um pouco mais de três horas. 

Ainda desnorteado, levantou do sofá com as pernas quase sem força, indo em direção ao telefone, atendendo-o:

— Alô.

— Olá, boa noite, sou representante da Verizon e…

Colocou o telefone na base com força, bufando em seguida, sem acreditar que tinha levantado para aquilo. Em seguida ouviu a porta do quarto do amigo se abrir e ele saiu pelo corredor com os olhos arregalados, parecendo assustado ao dizer:

— Quem era?!

— Era daquela companhia telefônica de novo, esses caras não cansam… Não se preocupa com isso não, pode ir dormir mais se quiser… — Lucas bocejou. — Eu vou ir tomar um banho. 

— Tô sem sono, vou já começar a preparar o jantar… — Ele tentou disfarçar a inquietude que sentia para contar a verdade a ele, mas deixou com que ele saísse. 

Lucas foi ao banheiro arrastando os pés e Alberto roubou o telefone da base e o levou para seu quarto, sentando-se na cama. Olhou para o aparelho impaciente, torcendo para que ele retornasse em breve. 

Seu coração acelerou ao ouvir a ligação e, com pressa, não esperou o segundo toque para atender.

— Alô?! 

— Tá a fim de um plano de celular, Al? — Marcus falou do outro lado da linha, debochado. 

— Seu idiota! — Xingou enquanto ria. — Eu tava te esperando!

— Você não contou pra ele, pelo visto. 

— Não… não consegui. — Alberto mordeu o lábio com força.

— Tudo bem, eu não te julgo, não quero dizer o que tem que fazer. — Assumiu. — Ele não vai desconfiar vendo você no telefone?

— Ele acabou de entrar no banho e eu estou no meu quarto agora. — Respondeu. — Por que esse interesse todo em saber o que ele vai achar, Sr. Mark?

— Não estou interessado em saber. — Mentiu convencidamente. — Mas, na verdade, eu queria saber de outra coisa.

— O quê? — Perguntou, curioso. 

— Você só me disse que ele estava ficando por aí, mas não me disse o motivo.

— Ele está morando comigo desde um incidente do ano passado. — Falou baixinho, quase sussurrando.

— Que incidente?

— Ele tentou tirar a própria vida.

— Como… — Falou, como se quisesse complementar a pergunta, mas parecia ter perdido as palavras no meio do caminho.

— Foi logo depois da morte do Gus… sim, eu sei que você tá desatualizado de muita coisa, mas eu tenho medo de ser essa pessoa que vai te falar tudo o que houve depois que você se foi. — Respirou fundo, com receio do que diria a seguir. — Eu sinceramente não quero que você pense que tudo isso aconteceu por sua causa, mas também posso dizer que algumas coisas poderiam ter sido evitadas se você tivesse agido de outra forma.

— Por favor, eu já sou grandinho, não só pra assumir a culpa pelos meus atos, mas também o suficiente para ouvir o que você tem a dizer sobre mim, mesmo que seja mentira. 

— Você já sabe que ferrou com a vida do Lu quando fez aquela injustiça com ele e jogou fora aquele pacote do que você sabe o que. — Reafirmou. — Nisso, ele ficou com uma dívida gigantesca que não conseguiu pagar nem com aquela desgraça de bônus que ele recebeu do seu testamento, e sim, caso queira saber sobre isso, nós recebemos esse dinheiro e sua herança foi executada. 

— Continua. 

Alberto tentou ser breve enquanto resumia a história do amigo e a situação que ele estava quando o encontrou: totalmente fora de si, parecendo outro ser humano. Desnorteado e molhado como um cão perdido, sendo difícil até mesmo dialogar com ele naquele estado, mas quando conseguiu, obteve informação sobre como foi possível ele ser libertado da facção, detalhando tudo o que o amigo havia dito a ele, principalmente de seu pedido desesperado para morrer.

Marcus congelava a cada detalhe que recebia e Alberto percebia o silêncio perturbado do amigo, então após falar desse período, explicou como conseguiu convencê-lo a procurar ajuda.

— Então nesse momento ele está se medicando?

— Exatamente, o trauma foi grande demais, mas espero que em breve ele possa abandonar esses remédios… — Concluiu. — Mas algo que melhora o fato, eu acho, é ter descoberto que o Bob, ou Lars seja lá qual é realmente o nome desse traficante, não foi o culpado pela morte do Gus, pelo que Lucas disse, eles não assumiram esse ato, então com tudo o que aconteceu e o que a polícia investigou, parece realmente ter sido latrocínio.

— Desculpa… o que disse? 

— Que a morte do Gus foi por assalto, não pelo traficante que estava atrás do Lu, então basicamente ele não tem mais esse peso nas costas, nem você. — Explicou de novo, mal sabendo que o foco do amigo estava em outra parte da conversa.

— Você disse algo sobre o nome do traficante e eu não entendi. — Insistiu.

— Ah! É que Lucas dizia que achava que o nome dele era Bob, mas na verdade ele estava escondendo verdadeiro. Parece que um dos caras chamou ele de “Lars” na frente dele e tentou disfarçar depois… mas isso não é relevante.

Marcus sentiu a garganta secar, não conseguindo mais se concentrar na conversa com o amigo.

— Al, eu tenho que desligar agora…

— O quê?! Por que tão rápido?

— A gente se fala amanhã, eu te ligo de novo, tá bom?

— Espera aí, você me disse que ia passar seu contato!

— Eu vou te mandar um e-mail, pode ser? Naquele que combinamos no ano passado, você se lembra?

— É claro que sim, eu vou olhar lá. 

— Tenho que ir. — Despediu-se secamente, desligando em seguida.

Enquanto Alberto ficava sem saber o que fazer após perder a linha, Marcus colocava o telefone público de volta à base. Apesar de há pouco tempo ter adquirido um celular pré-pago, ainda não estava pronto em passar seu número pelo receio de descobrirem sua localização. 

Como se estivesse perdido, andou sem rumo pela calçadas, estava sem chão com o que havia ouvido do amigo. Sem saber no que pensar primeiro, olhou para o horizonte, estava escurecendo e a imagem do pôr do sol lhe convidava para chegar mais perto. 

Mesmo calçado de seus sapatos sociais, caminhou para a areia, ficando mais próximo do litoral. Sentou-se encostado em uma rocha à beira-mar, deixando que as ondas quase lhe tocassem, fazendo que seus pensamentos fluíssem como aquelas águas. 

Marcus voltava constantemente as palavras do amigo em sua cabeça, não tinha como provar que aquele nome citado por Alberto se tratava realmente do seu antigo colega de trabalho, mas também não podia evitar de pensar que Lars era realmente o tipo de pessoa capaz de qualquer coisa. 

O rosto de Lucas veio em sua lembrança, vendo-o desesperado tentando se explicar no dia em que achou a droga em seu apartamento. Sabia que já era tarde demais, mas tentava imaginar como seria voltar no tempo, para esclarecer as coisas e deixá-lo falar. Já não tinha nada que pudesse fazer senão se arrepender, mas queria se apegar naquela imaginação por um instante.

Sentiu seu coração apertar enquanto um sentimento profundo de amargor invadia seu peito, todos os dias tentava desviar seu pensamento de como seria se tivesse esperado mais, se lá atrás tivesse um pouco mais de paciência, as coisas poderiam estar muitos diferentes. 

Poderia estar com seu melhor amigo, e quem sabe, talvez estar vivendo uma vida ao lado de Lucas, tudo isso se tivesse respirado fundo e engolido seu orgulho. Todos os anos que passou na busca por alguém que não sabia sequer como estava e onde, pareciam ter sido uma insanidade, mas deveria ter dado mais valor quando achou o que procurava por tanto tempo.

E quando se lembrou do fato de que seu colega de trabalho poderia ter sido o paradeiro de Lucas durante todo esse tempo, tudo apenas se intensificou. Marcus sentiu a respiração pesar e um nó se formar em sua garganta, tudo estava um completo desastre e a culpa era toda sua. 

Já estava escuro quando decidiu levantar dali, se guiando pelos postes espalhados próximos da praia. Caminhou de volta ao hotel onde estava hospedado há alguns meses, mas não pensava em subir ao seu quarto, pois não queria dormir e não queria ficar sozinho tendo que encarar tais pensamentos, apenas queria esquecer de tudo. 

Ao chegar, atravessou o hall de entrada que tanto levava ao pátio da piscina, como também ao corredor que guiava à área dos restaurantes, onde ali se encontrava o bar principal do hotel, com uma parede de vidro exibindo o exterior.

Marcus se sentou ao balcão e pediu uísque, dizendo o número de seu quarto. Observou a agilidade do rapaz para lhe servir e em pouco tempo já recebia seu copo, sem querer nada para comer, não estava com apetite.

Com o copo em mãos, olhou o exterior pela parede de vidro, vendo poucas pessoas se divertindo na piscina por já estar de noite. Passou os olhos pela decoração, vendo os coqueiros iluminados com luzes embutidas no solo, as espreguiçadeiras alinhadas próximas da piscina, os sofás debaixo dos guarda-sóis onde se reuniam alguns casais. 

Enquanto tragava a bebida, tentava se colocar no lugar de algumas daquelas pessoas, elas pareciam ter uma vida tão mais fácil, olhando à distância não pareciam carregar nenhum problema nas costas e pareciam felizes. 

Marcus gostaria apenas de trocar de lugar com qualquer um dali, a dor que sentia por ter arruinado sua vida estava crescendo em seu peito e ficando difícil de suportar. Se sentia um tremendo idiota por ter decidido recomeçar quando o problema claramente era si próprio.

Terminou sua bebida pedindo outra da mesma no embalo, continuando a olhar os casais lá de fora. Não conseguia parar de se imaginar no lugar deles, gostaria de estar ali com a pessoa que não saía de seus pensamentos, sejam eles bons ou ruins. 

Apesar de fugir de tudo por acreditar que tinha razão, o arrependimento batia impiedosamente, não tinha boas perspectivas pela frente, pois não conseguia imaginar um cenário onde Lucas poderia perdoá-lo. Além do mais, não sabia se poderia perdoar a si próprio, principalmente por ter estado ao lado do inimigo que causou mal durante toda a vida do loiro e nunca ter conseguido livrá-lo dele. 

Seu peito se dividia em rancor e ódio, pois Lars que inicialmente o convenceu a entrar pela primeira vez naquele prostíbulo, sabia de sua preferência, ele sempre via quem ele escolhia para passar a noite e apesar das piadas que ouvia em relação a sua bissexualidade, a pior parte não era essas brincadeiras preconceituosas.

Ligando todos os pontos, fazia total sentido de que no momento em que esteve mais próximo de tirar Lucas de lá, foi afastado obrigatoriamente da cidade durante meses. Raciocinou então que Lars era o responsável por afastá-lo de Lucas e quem detinha a informação dele durante todo esse tempo em que viu ele procurar o rapaz.

Já era crueldade o suficiente fingir que não fazia ideia do que acontecia quando viu-o voltar de viagem e iniciar a busca pelo loiro durante anos, mas envolvê-lo em seus esquemas era um absurdo tão desumano que naquele momento só gostaria de se ajoelhar aos pés de Lucas e implorar pelo perdão de tudo que lhe fez passar.

Já na quarta ou quinta dose — pois nem estava contando mais — as palavras de Alberto vieram em sua mente, onde ele detalhava o que Lucas tinha lhe dito, contando sobre como o loiro encarou o gatilho e friamente pediu para morrer. Lembrar disso doía como se houvesse recebido uma facada e agora estivesse morrendo por dentro.

Só queria que aquela dor passasse logo, se é que algum dia poderia passar. 

Durante a semana, Lucas sentia como se Alberto e Rachel estivessem mais distantes, mas também não sabia dizer se era coisa de sua cabeça já que estava estudando como um louco para suas provas que finalmente haviam acabado.

Aquele final de fevereiro tinha sido mais puxado do que imaginou que seria, mas estava empolgado por estar próximo do fim daquele bimestre e que dali em diante faltariam poucos meses para se formar, já dando iniciativa na tese que precisava entregar e apresentar. Era muita coisa para se pensar e não estar trabalhando ajudava muito, sabendo que o período do afastamento terminaria no começo do mês seguinte e que teria que tomar uma decisão importante a respeito.

Olhou no relógio e percebeu que não tinha muito mais tempo para os livros, sabendo que sua consulta com o psicólogo começaria em breve. Terminou de se arrumar com pressa e encontrou com Alberto quando estava prestes a sair, com ele chegando do trabalho.

Saiu e andou até a clínica, que eram algumas quadras dali, esperou pouco tempo e já era sua vez. Cumprimentando o Dr. Elijah com um aperto de mão como sempre fazia antes de se sentar. 

Enquanto isso, Alberto mal se acomodou e correu para o computador verificar se tinha algum e-mail de Marcus, principalmente porque durante o dia não conseguiu olhar sua caixa de e-mails na livraria por estar completamente atarefado. 

Já fazia uns dias desde que estavam trocando e-mails, mas estava com saudade de ouvir a voz dele, não sabia o porquê que ele andava se esquivando das ligações, mas ele parecia seco em todas as conversas que haviam tido.

Quando abriu sua conta, pôde ver uma mensagem nova dele, como todas as anteriores, era curta e quase inexpressiva, respondendo-o então que precisava falar com ele ao telefone novamente, pedindo para ele lhe ligar mais tarde se possível. Assim desligou o computador sentindo um vazio no peito, com a saudade apertando. 

Foi ao seu quarto e pegou na prateleira de cima uma caixa na qual guardava suas lembranças, levando-a para sala. Como Lucas não estava em casa, aproveitaria para reviver alguns de seus momentos preferidos com o amigo.

Enquanto revirava fotos e procurava os DVDs que queria assistir, Rachel entrou com sua chave reserva e o cumprimentou com um beijo rápido, sentando-se em seguida no sofá da sala, perguntando o que ele estava fazendo.

— Pensei em rever alguns vídeos antigos meus. — Respondeu a ela. — Tá a fim de conhecer meu amigo Marcus? Ele aparece em algumas filmagens.

— Claro que sim! Quero ver se ele é esse garanhão todo que conseguiu quebrar o coração de vocês dois! — Ela provocou, rindo com ele. 

Alberto colocou o primeiro DVD pra rodar e a cada vídeo explicava todo o contexto pra ela, mostrando o que estavam fazendo, quantos anos tinha na época e outros detalhes bobos que apenas deixava Rachel encantada por estar conhecendo melhor seu namorado.

Naquele ponto já não haviam mais segredos entre os dois, pois assim como Alberto havia se aberto totalmente, ela também o fez, contando todo seu passado e seus piores erros, não escondendo nada dele.

Mal viram a hora passar e Lucas chegou, pegando-os de surpresa, Alberto tentou desligar o DVD, mas o amigo já estava próximo da sala o suficiente para ver que não era um filme qualquer que estavam assistindo. 

— É você, Al? — Lucas sorriu ao ver o amigo bem mais jovem na tela da TV.

— É sim. — Falou constrangido, com medo de que a qualquer momento uma outra filmagem pudesse incomodar o loiro.

— Que fofinho! Quantos anos você tinha? — Lucas sentou-se com eles no sofá. 

— Ah… Uns dezesseis, quase dezessete. — Falou, fazendo menção em pausar o vídeo.

— Que gracinha! — Lucas continuou assistindo, percebendo que o amigo segurava o controle. — Não precisa tirar não, eu tô gostando de assistir. 

— Tá bom… — Alberto respondeu sem saber o que fazer em seguida, trocando um olhar preocupado com Rachel. 

O casal percebeu que Lucas parou de sorrir no momento que uma pessoa em específico invadiu a tela, sabendo de quem se tratava, principalmente porque o amigo não parava de dizer o nome dele na filmagem.

— Era por isso que eu queria desligar, você quer que eu tire, Lu? — Alberto confessou, vendo-o ligeiramente incomodado.

— Não precisa, Al, é o seu passado e eu sei que o Marcus fez parte dele. — Assumiu. 

Nas imagens que assistia, Lucas via os dois amigos aparentemente treinarem uma cena de um trabalho escolar, onde Alberto seguia o roteiro planejado e Marcus o contrariava fazendo vozes engraçadas e deixando de lado o texto que deveria ler. 

Quando o jovem Alberto da filmagem se irritou com o amigo e brigou para que ele fizesse da forma certa falando que a professora assistiria o vídeo, Marcus desviou a atenção dele da discussão fazendo-lhe cócegas e agarrando-o pelo quadril apertado, com ele tentando se soltar. 

O loiro assistia não conseguindo não pensar no quanto os dois pareciam um casal, até ser surpreendido com um um beijo dos dois na tela, arregalando os olhos e encarando Alberto como se pedisse explicações sem nada dizer.

— Acho que eu esqueci de dizer que a gente namorou no ensino médio. — Revelou. 

— É, você esqueceu de mencionar esse detalhe, eu não sabia que você era bi. — Lucas não sabia se ria ou se continuava estranhar aquelas filmagens, enquanto olhava para os dois pombinhos adolescentes na tela. 

— Nunca me apeguei com rótulos. — Ergueu os ombros. — E assim como falei no dia em que estava conversando com a Rachel, não me apego ao gênero da pessoa e sim quem ela é. 

— Ah, então você já sabia! — O loiro voltou sua atenção a amiga, que parecia envergonhada, sentindo-se desmascarada por guardar segredo dele. 

— Ele me contou um pouco sobre isso e eu gostei de saber dessa parte da vida dele. — Rachel tentou disfarçar. 

— Agora entendi de verdade porque você não queria me mostrar isso, Al. — Lucas se levantou. — Pode ficar tranquilo que vou deixar vocês a sós.

Rachel ficou ao sofá enquanto Alberto ia até o amigo, sentindo-se extremamente envergonhado pela situação. Entrando no quarto dele, dizendo:

— Lu, me escuta, me desculpa mesmo, eu não queria que você descobrisse dessa forma, eu tô muito envergonhado. 

— Não tem motivo pra me pedir desculpas, tá tudo bem, mesmo. — Sentou-se na cama, observando o constrangimento no amigo. 

— Não foi nada sério o que tivemos, por isso nunca achei relevante contar, não se sinta mal, tá bom?

— Você não me deve explicações, tá tudo bem. — O loiro estranhou a maneira como ele estava agindo, vendo-o se afastar. — Não precisa ficar com vergonha, vai lá aproveitar os vídeos com a Rachel.

Alberto saiu do quarto e encostou a porta dele sem mais nada conseguir dizer, esfregando o rosto, sentindo-se um completo idiota porque sabia que a situação só ficaria cada vez mais estranha e que precisava contar sobre Marcus estar vivo para ele o quanto antes. 

Nesse meio tempo, Lucas riu sozinho com o acontecido, pensando que deveria ter desconfiado daquilo antes pela forma que Al falava do amigo no passado. Tentou imaginá-los juntos atualmente e riu até lembrar-se de que Marcus não estava mais entre eles.

Respirou fundo e sentiu o peito doer, não sabia se era a saudade de Gus apertando, ou se algo a mais estava lhe perturbando, apenas sentia falta de como sua vida era no passado. Lembrou-se que assim como estava sofrendo por Gustave, Alberto também poderia estar sentindo saudade do amigo, fazendo-o pensar que era por isso que estava revendo aqueles vídeos.

Precisava então respeitar o espaço dele, começando a refletir sobre o pouco que havia assistido. Era engraçado vê-los tão jovens, aquilo fazia uns quinze anos e apenas o fazia pensar que, nos vídeos, Alberto tinha a sua idade de quando conheceu Marcus.

Era puro como ele naqueles vídeos, tentando se lembrar de como era ter aquela idade e em qual parte do caminho perdeu aquela inocência. Não era como se fosse velho, pois era sete anos mais jovem que Alberto, mas sentia como se tivesse sido cruelmente forçado a amadurecer.

Havia se passado um pouco mais de uma hora quando decidiu sair do quarto, vendo Alberto e Rachel preparando o jantar juntos. Lucas observou como o amigo parecia feliz e também se animou com aquilo, ainda sentia-se afastado dos dois, mas ficava bem em saber que ela estava o ajudando a lidar com aquela perda, gostaria de ter alguém para o fazer se sentir assim também.

Alberto só reparou que o amigo estava por ali quando o telefone tocou e viu que ele ia atender por estar mais perto, então Lucas pegou o telefone, dizendo:

— Alô? 

— Olá! Boa noite! Sou representante da Verizon, gostaria de te oferecer um ótimo plano com a internet mais rápida já disponível no mercado. — O vendedor rouco propôs.

No mesmo momento o loiro sentiu o coração parar por alguns instantes, percebendo que já tinha ouvido aquela voz, e com certeza já tinha ouvido nessa mesma tarde enquanto assistia ao DVD, e não era da voz de Alberto de que se tratava. Sabia que poderia estar louco, mas ao perceber que o amigo se aproximava ansioso para atender o telefone, era como se entendesse o porquê de ele não parecer estar de luto e como se toda a empolgação repentina e constante dele fizesse sentido. 

Os olhos de Lucas lacrimejavam enquanto permanecia em silêncio, ao mesmo tempo que Alberto perguntava quem era, impacientemente. Assim, cheio de ódio, mas se esforçando para manter a compostura, o loiro esticou o braço que segurava o telefone, estendendo o aparelho até ele, dizendo:

— É pra você.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Caso queiram reler o capítulo onde Lars aparece pela primeira vez, é o capítulo de número 17!
Espero que tenham gostado do cap! Deixe seu review, mesmo que curtinho ♥