Stranger escrita por Okay


Capítulo 29
Sentença.


Notas iniciais do capítulo

Beijos & Boa leitura! ♕
Capítulo revisado e reescrito 03/06/2020



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Capítulo 29  — Sentença. 

Harriet entrou novamente na casa quando perdeu o carro de vista, desolada e enfurecida, procurando Karen, que a esperava na sala acompanhada de Melanie. A garota não sabia o que estava acontecendo, pois sua mãe sempre falava que seu irmão estava longe, sempre viajando. A mulher nunca tinha deixado de alimentar a esperança dentro de si de que ele estivesse vivo.

— Você sabia onde ele estava e não me falou nada?! — Harriet atravessou todo o cômodo e gritou para a anfitriã.

Ela percebeu todos os olhares voltando-se para ela e sua filha, que encolhia-se de medo, sem entender o porquê de sua mãe estar tão brava. 

— Você nem ao menos me disse que ele viria! — A loira continuou, abaixando o tom de voz, respirando controladamente, tentando não liberar o nó que estava preso em sua garganta. — Como você pôde...

Karen levantou-se com cautela de onde estava, segurando delicadamente a mão da criança e, da mesma forma, envolvendo os ombros da mãe desesperada com seu outro braço, conduzindo-a devagar até seu quarto. Os convidados ainda as olhavam, tentando entender o motivo do grito e da mãe que antes estava de luto, agora parecendo estar consolando a outra. Karen fechou a porta do quarto na chave, imaginando que Louis não precisava fazer parte dessa conversa.

— Por que não me disse que sabia onde meu filho estava?! 

— Harriet, se acalma. 

— Eu procurei por ele todos esses anos! Eu não sabia se ele estava vivo ou morto, Karen! Ele não me dava nenhum sinal de vida!

— Não estamos só nós duas aqui.  — Karen pediu, olhando para Melanie, que ainda estava assustada. 

— Minha vida foi um inferno desde o dia que ele fugiu de casa, aquela foi a noite mais aterrorizante da minha vida, desde aquele dia eu nunca mais dormi bem, sempre sonhava que ele estava voltando pra casa… — Baixou o tom de voz, começando a se emocionar. — Acredita que até hoje eu não troquei as chaves da porta esperando que ele voltasse? Mesmo sabendo que o Ethan poderia voltar e entrar pra me atormentar a qualquer dia! — Andou pelo quarto desorientada, enquanto desabafava. — Eu tenho tanta saudade do meu filho, mas tanta…  Eu não acredito que ele estava aqui pertinho de mim e eu não pude sequer vê-lo, eu daria tudo pra abraçar ele… 

— Sim... eu imagino. — Karen suspirou, sentindo seu peito apertar.

— Eu sei que você sabe como eu me sinto. — Harriet limpou a lágrima antes que ela caísse. — Me desculpa por estar sendo tão insensível com você, mas eu esqueci completamente de tudo… Eu sei que o seu Gus se foi, eu sinto muito por isso, mas o meu filho também estava morto, ele ressuscitou Karen. O que você daria para ter seu menino de volta? 

— A minha vida. — A mulher sussurrou, sentindo os olhos marejarem. 

— Eu não sei o que pensar agora… — Harriet caminhou até perto da filha, que observava tudo calada.  

— Eu sinto muito, mesmo. — Karen sentou-se em sua cama, exausta. — O Lucas me disse que havia saído de casa, mas não que tinha fugido… Se eu soubesse disso antes, teria feito alguma coisa.

— Ele não te disse que fugiu? 

— Não, mas eu soube do que levou ele a isso. — Suspirou. — Ele sofreu demais na mão do Ethan. 

— Eu sei, eu me arrependo todos os dias de ter deixado ele ter levantado a mão para mim e para o meu filho. — Harriet falou, respirando pesadamente. — Dois anos depois da fuga do Lucas lá estava eu grávida dele novamente, tendo que aguentar todos os abusos por medo de perder minha filha…

— Eu nunca tive a oportunidade de te dizer isso antes, mas você foi muito corajosa em se divorciar. —  Falou, vendo a mulher acalmar-se um pouco mais. — Olha, eu sei que eu posso ter errado, imagino o quanto você queria vê-lo, mas eu posso te ajudar com isso. Posso consertar as coisas, posso te dar o número dele, o que acha?

— Você tem o número dele?! 

— Tenho sim, vou anotar pra você. 

Lucas conversava com o amigo quando parou ao perceber que seu celular vibrava no bolso, pegou-o e o levou até a orelha, atendendo:

— Alô? 

— Alô, meu filho?! 

O coração do loiro acelerou a ponto de doer, Lucas desligou a chamada sentindo um calafrio percorrer sua espinha, não tendo dúvidas de que era sua mãe ligando. Fazia tanto tempo que não ouvia aquela voz, mas ainda assim ela ainda era muito nítida em sua mente. Sobre como ela teria conseguido seu número a resposta era óbvia, provavelmente ela teria ido ao velório e conversado com Karen. Teria ela o visto? 

— Quem era? — Alberto indagou, vendo o amigo pálido. 

— Foi engano.

— Um engano que te deixou bem assustado, pelo jeito. — Afirmou, com o amigo não dizendo nenhuma outra palavra. 

Durante o restante da viagem de volta, Lucas e Alberto comeram os lanches que trouxeram no carro e quando chegaram de volta à Nova York, já estava tão tarde que mal conversaram antes de arrumarem suas coisas para dormir. No entanto, o supervisor foi o único que conseguiu dormir bem naquela noite, enquanto o loiro mal conseguia pregar os olhos no quarto de hóspedes.

Lucas não conseguia deixar de pensar no tom de voz da sua mãe, não imaginou que voltaria a ouvi-la. Não tinha pensado na possibilidade de encontrar com ela nessa viagem de Elmira, mas aquela ligação havia abalado todos os seus últimos sentimentos que ainda o impediam de enlouquecer. 

Ela ligou por várias vezes durante toda a viagem, portanto desligou seu celular pelo restante da noite para que não fosse perturbado com aquilo. Mesmo assim, não era frio o suficiente a ponto de ignorar que ela já sabia sobre sua vida agora. Karen provavelmente teria lhe contado sobre a conversa que teve com ele e detalhes de onde estaria morando. Por sorte, agora estava com Alberto e mesmo que sua mãe tentasse algum outro contato, ela não o acharia. 

Lucas apenas dormiu quando o cansaço o venceu, fazendo com que pegasse no sono em uma posição desconfortável. Seus sonhos foram tão perturbados quanto o restante do seu dia, acordando tão cansado quanto tinha ido dormir, sentindo-se indisposto na manhã de domingo. 

Alberto deu alguns toques na porta de seu quarto avisando que tinha feito café, chamando-o para comer. E ao não obter uma resposta, pensou que o amigo provavelmente ainda estaria dormindo, deixando-o descansar, sem insistir mais. 

A verdade era que Lucas estava atormentado demais para encará-lo, pois o loiro havia ligado o aparelho celular assim que acordou e viu várias chamadas perdidas da mãe, tendo vontade de chorar, não entendendo o porquê simplesmente não conseguia pensar na possibilidade de conversar com ela, pois poderia facilmente dizer que não queria mais receber ligações e afastá-la para sempre, mas por que não conseguia fazer isso?

Quando o horário do almoço se aproximou, Alberto não conseguia ignorar mais o fato de que o amigo não saía do quarto, tomando outra iniciativa de falar com ele. Deu alguns toques na porta e chamou-o, perguntando se já tinha acordado, assim que teve uma resposta afirmativa, pediu para que ele o acompanhasse enquanto preparava o almoço. Depois de alguns minutos o loiro saiu do quarto, tendo já arrumado o sofá-cama e colocado uma roupa apresentável. 

Agora com ambos na cozinha, Lucas não deixava de chamar a atenção de Alberto, pois enquanto ele conversava, aparentava tristeza mesmo enquanto se esforçava para sorrir e em alguns momentos olhava para o celular desanimado, rejeitando algumas chamadas antes de desligá-lo mais uma vez. 

Almoçaram juntos conversando sobre qualquer outra amenidade da vida, menos o que havia acontecido no dia anterior, era desconfortável para ambos tocar naquele assunto, então, por enquanto, fingiam que aquele dia nunca havia acontecido. 

 

Segunda-feira, 3 de dezembro de 2012.

 

Na manhã seguinte Lucas acordou com indisposição, ouvindo a voz do amigo que lhe chamava para o café da manhã. Levantou-se e procurou Alberto para indagar se poderia ir trabalhar naquele dia. A resposta foi a esperada, onde o amigo lhe disse para não se preocupar com aquilo por enquanto.

Comeu com ele e teve que o observar indo trabalhar, deixando-o para trás enquanto era forçado a lidar com o tédio e com a dor de perceber que nada mais em sua vida fazia sentido. Assim que retornou ao quarto de hóspedes, sentou-se ao sofá enquanto ligava seu celular, mais um dia teve que mantê-lo desligado para evitar as ligações indesejadas. 

Observou as muitas mensagens e chamadas perdidas, ficando irritado com aquela insistência insuportável da parte de sua mãe. O que ela teria de tão importante para falar? Sabia que se desse uma chance para ela falar, ela pediria para que ele voltasse e sinceramente, não era o tipo de coisa que gostaria de ouvir, pois sabia que não era bem-vindo em sua casa e não se sujeitaria a uma vida de sofrimento além daquela que já estava levando. 

Apesar da vontade de não olhar o conteúdo de tantas mensagens acumuladas, sua curiosidade foi maior. Entrou na caixa de entrada e em meio às várias mensagens do número sem contato de onde sua mãe tinha ligado, encontrou uma mensagem de Karen, onde selecionou a opção para ler:

“Não estou conseguindo te ligar, quando tento apenas vai para a sua caixa postal, então me liga assim que puder, preciso falar com você sobre algumas pendências do Gus, é urgente.” 

Sentiu seu peito doer ao lembrar do namorado, tocando a aliança pendurada na corrente enquanto ligava para ela. 

— Alô? Lucas? — Karen atendeu. — Eu precisava mesmo falar com você.

— Sim, eu vi sua mensagem, do que você precisa?

— Ah, eu preciso muito que me envie sua conta e agência, acabei de receber o seguro do Gus e eu sinceramente não quero esse dinheiro, prefiro que você receba. — Revelou, sem hesitar. — Sei que ele também iria preferir que fosse assim.

— M-Mas por quê? Quer dizer, eu não era casado com ele e… Bom, acho que eu não mereço isso. — Explicou, sentindo seu peito apertar por saber que era o culpado pela morte dele e que aquele dinheiro não o pertencia.

— É claro que você merece, Lucas, você é um bom menino, e eu sempre gostei muito de você. — Ela afirmou docemente. — E eu me lembro da conversa que tivemos no restaurante, que você me disse que trancou sua faculdade por não estar conseguindo pagar... eu sei que você precisa de ajuda e o Gus ficaria muito feliz vendo você concretizando seus estudos e tendo uma vida digna. 

— Eu não sei o que dizer. — Envergonhou-se. — Eu nem sei se vou conseguir voltar a estudar, sinceramente. Então eu acho que não vou precisar disso.

— Mesmo que você decida fazer qualquer outra coisa com esse dinheiro, eu não acho que seria justo que eu ficasse com ele. Eu sei que é isso que o Gus quer que eu faça. — Karen reafirmou convicta, fazendo de tudo para convencê-lo. — Nós já temos o suficiente, esse dinheiro não é meu. Quero que aceite, porque é de coração. 

— Você tem certeza?

— Absoluta. 

O loiro hesitou, com a mulher insistindo mais uma vez, fazendo com que ele finalmente passasse seus dados bancários.

— Anotei aqui, já estou a caminho do banco então provavelmente daqui umas horas o dinheiro já estará na sua conta. — Ela indicou, lembrando-se de outro assunto que gostaria de tratar. — E Lucas, só mais uma coisa.

— Fala. 

— É sobre sua mãe…

— Ah, eu já imagino o que seja. 

— Você deve ter imaginado que eu passei o seu número para ela, não é?

— Sim, era exatamente nisso que eu estava pensando. 

— Espero que não tenha ficado bravo comigo, eu deveria ter pedido sua opinião antes, mas eu juro que eu não pensei nisso na hora. — Ela explicou-se. — Ela estava tão deprimida quando descobriu que você esteve por Elmira que eu só pensei em ajudá-la e não pensei no que você sentiria.

— Está tudo bem, já aconteceu.

— Eu sei que você está recusando as ligações dela, porque isso é tudo que ela sabe me dizer desde sábado. Mas ela não cansa, Lucas. — Revelou. — Você não sabe o quanto ela chorou só de ouvir sua voz... Ela sente sua falta. Se eu posso te pedir algo, queria que não fizesse isso com ela, você não sabe o quanto dói pra uma mãe perder um filho.

— Eu sei que você teve boas intenções quando passou meu número para ela, mas sobre isso, eu não posso prometer nada. — Respondeu com sinceridade. — Então só peça pra ela parar de tentar contato, por favor.

— Tudo bem, eu direi isso a ela. — Karen pareceu desanimada ao aceitar a sentença dele. 

— Obrigado, rever o passado é doloroso demais pra mim e eu já estou sofrendo o suficiente. 

— Eu entendo… 

Lucas suspirou, em seguida despedindo-se dela, sentindo um misto de sentimentos ao desligar. Não acreditava que Karen havia pedido aquilo, mas entendia que seria normal que ela se compadecesse de sua mãe, já que elas haviam sido amigas há um bom tempo no passado. 

Ainda com o celular em mãos, apagou todas as mensagens deixadas por Harriet sem ao menos ler o que diziam. Deixou o aparelho de lado para esfriar a cabeça, tentando distrair-se para esquecer qualquer sentimento que pudesse estar voltando em relação a ela. 

A única coisa que cogitava fazer no momento, era continuar a leitura do livro que havia pegado emprestado de Alberto. Pegando-o e sentando-se confortavelmente para começar a ler.

Mas embora se esforçasse, não estava conseguindo se concentrar na leitura, tendo que reler o mesmo parágrafo várias vezes, para retomar de onde tinha parado. Sentia sua ansiedade aumentar, pois sabia que estava tentando ler para esquecer dos problemas e não era o suficiente para fazê-los desaparecerem, quando fugir apenas parecia piorar.

Um mínimo barulho vindo do celular fez com que desanimasse da leitura, pegando o aparelho e vendo do que se tratava. Imaginou que fosse sua mãe mais uma vez, mas para sua surpresa — ou nem tanta assim — Bob estava lá para atormentá-lo e lembrá-lo de sua dívida. 

“Temos um encontro amanhã, gracinha, não esquece. Te mandarei o endereço e o horário, nem preciso dizer para não vir com nenhuma surpresa dessa vez, preciso?”

Apesar de Lucas ter sentido um desconforto ao ler a mensagem, estava tão conformado com a ideia de já ter perdido tudo, que isso não o deixava temer a situação. Talvez fosse até melhor de que o último dia do prazo já fosse o dia seguinte, pelo menos assim não passaria muito mais tempo sofrendo. 

Estava conformado que teria que encontrá-lo, mas assim que respirou um pouco mais aliviado ao saber que tudo estava prestes a acabar, arregalou os olhos ao lembrar-se de que Alberto poderia ser o alvo seguinte de Bob. Ficando sem reação enquanto segurava o celular. 

Com isso, teve que ser frio o suficiente para poder colocar sua mente em ordem e planejar bem os seus próximos passos, para que seu amigo não sofresse as consequências daquilo que já havia tomado uma proporção maior do que devia. 

Buscou em seus contatos o número do gerente de sua conta bancária, para que assim pudesse conferir o depósito da quantia que ainda nem sabia se seria suficiente para pagar Bob, mas que torcia que fosse. 

Foi atendido por um dos funcionários, em seguida pedindo para que seu saldo fosse consultado, tentando disfarçar o espanto quando confirmaram o nome de Karen e o depósito de quarenta mil dólares em sua conta. Uma lágrima de revolta formou-se no canto de seus olhos e pediu para que fosse confirmado o saque de toda a quantia, marcando uma reunião com eles para a retirada no dia seguinte. 

Após isso, desligou, sentindo sua respiração pesar, não podendo estar mais transtornado. Estava com um ódio tão crescente dentro de si que quase esqueceu-se por um momento de seu propósito, estando revoltado por ter aquele dinheiro disponível, sentindo-se o pior ser humano existente. 

 

Terça-feira, 4 de dezembro de 2012.

 

Lucas havia acordado cedo para conseguir fazer tudo o que planejava para aquele dia, estava com um ótimo humor, pois sabia que seu sofrimento acabaria logo. E apesar de não ter comentado nada com o amigo dos acontecimentos recentes, ele saberia em breve que tudo aquilo teria um fim. 

Desde o fim de semana, Alberto não estava conseguindo fazer o amigo se abrir e naquele dia percebeu que o humor do loiro estava totalmente diferente, vendo-o radiante e parecendo verdadeiramente feliz. Sabia que provavelmente ele não teria superado o luto e que ele ainda demoraria a lidar com tudo, mas não imaginava que o veria sorrir tão cedo. 

Tomaram café da manhã juntos e logo após o supervisor sair para trabalhar, Lucas esperou um pouco para que assim pudesse sair em seguida. Arrumou-se e foi para a reunião que havia marcado com o gerente de sua conta para pegar a quantia que havia combinado no dia anterior. 

Enquanto andava para fora do condomínio, sentia o vento gelado do inverno e ao olhar para o céu, percebeu nuvens escuras. O dia não estava bonito, mas para o loiro era uma bela visão, era aquele céu que marcaria seu último dia com vida, fazendo-o sorrir com esse pensamento. 

Pegou um táxi próximo ao prédio, indo ao banco. Após realizar o que precisava fazer, deixou o local com a quantia escondida no bolso interno de seu casaco, fazendo uma pequena compra antes de pegar outro táxi para voltar ao prédio. 

Não queria apenas se despedir de Alberto, queria poder demonstrar que realmente estava grato por tudo o que o amigo tinha feito por ele. Com isso, tentaria fazer um jantar para ele e torcia para que conseguisse fazer algo decente com suas habilidades culinárias limitadas. 

Assim que carregou as compras para dentro, deixou o que precisaria na cozinha, em seguida tirando o envelope volumoso de dentro do casaco. Dentro dele tinha quatro maços de dez mil dólares e sabendo que devia a Bob, vinte e cinco, separou a quantia correta e guardou dentro do envelope novamente, deixando os quinze mil restantes para fora do pacote. 

Sabia que para entregar aquele dinheiro sobressalente ao amigo, teria que escrever uma boa explicação para que ele não ficasse confuso. E enquanto pensava no que faria, foi à cozinha, esquentando e comendo o que havia na geladeira.

Depois de comer, lavou a pequena louça que havia sujado e começou a pensar no que cozinharia para Alberto. Encontrou na rack da sala um livro de receitas, levando-o para o sofá e folheando para procurar algo simples para conseguir fazer, mas que pudesse agradar. 

Pensou em um jantar com entrada, prato principal e sobremesa, escolhendo receitas simples para tal, que se encaixavam com os ingredientes que havia comprado. Assim baseou-se no tempo de preparo de cada coisa, para planejar a ordem que faria cada um e ainda ter tempo de sair no horário para encontrar-se com Bob. 

Já era três horas da tarde e estava na metade dos processos na cozinha e planejava sair dali uma hora para que chegasse a tempo no local que Bob o havia encaminhado por mensagem. 

Já havia feito os outros pratos e agora faltava apenas a sobremesa, então após misturar os ingredientes até a consistência correta, ligou o forno e depositou a forma com a sobremesa no interior dele. E enquanto o bolo cozinhava, Lucas quis aproveitar o tempo livre, pensando que era uma boa hora para escrever algo para o amigo. 

Parou para refletir que deveria deixar um bilhete junto com o jantar, mas depois teve consciência de que um bilhete seria muito pouco. Por isso, foi ao quarto, pegou papel e caneta e decidiu fazer uma carta bem elaborada.

”Querido, Al,” escreveu, “Quero começar pedindo seu perdão por não ter sido sincero com você. Espero que você esteja sentado à mesa e apreciando a comida enquanto lê isso, não quero que desperdice nada.”

Parecia uma ordem pertinente, já que ele sabia que Alberto provavelmente ficaria preocupado com ele, então, queria assegurar que estaria tudo bem se ele decidisse jantar sozinho.

“Eu tenho me sobrecarregado com a culpa desde a partida do Gus. Você deve se lembrar do que eu te disse no hospital sobre o acerto de contas, Al. A dívida que eu fiz por causa da droga foi que levou a matarem ele, como um aviso pra mim.”

Lucas não conseguia sequer chorar ao lembrar disso. Por que deveria? Ele estava indo para o mesmo caminho que Gustave naquela noite. Dentro de poucas horas, Bob permitiria que eles se abraçassem e se beijassem mais uma vez. Torcia, sinceramente, para que o lugar para onde estava indo tivesse um espaço onde pudessem realizar o sonho de seu casamento.

“A Karen me transferiu todo o dinheiro do seguro de vida do Gus. Eu vou usar uma parte para pagar a dívida, porque não quero que Bob persiga mais ninguém.

“Mas isso não é tudo. Ele vai me pedir para voltar a trabalhar com ele e eu não quero voltar a essa vida. Vou estar colocando você em perigo e qualquer outra pessoa que eu ame. Estou cansado disso. Cansado de não poder amar, nem ser amado. E eu amo você, Al. Você é o melhor amigo que alguém poderia ter e eu amei ter feito parte da sua vida.”

Sorriu, enquanto memórias invadiam sua mente como uma tempestade. Quanta coisa boa tinha acontecido com ele por causa de Alberto... Decidiu acrescentar, então, mais algumas coisas.

“Eu sei que eu sou péssimo na cozinha e que um jantarzinho não vai pagar nem um oitavo do que você já fez por mim, mas eu fiz esse com carinho. Nunca conseguiria te agradecer suficientemente por tudo.

“Não se preocupa comigo e não me espera pra voltar, tá bom? Provavelmente, assim que ouvir meu ‘não’, Bob vai me matar e eu estou perfeitamente bem com isso.”

”Eu vou reencontrar o Gus e até mandar lembranças suas para o Marcus (se é que vamos pro mesmo lugar),” riu consigo mesmo e imaginou que Alberto também riria daquela brincadeira envolvendo seu melhor amigo. “O restante do dinheiro está aí, dentro do envelope, e quero que você o use para fazer o que achar melhor. Quero que você seja feliz, Al. Por nós dois.

“Como eu nunca pude ser.

“Sinceramente, Lucas.”

Estava satisfatório. O final estava um pouco dramático, mas que diferença fazia? Podia até colocar uma carinha feliz, ou mandando um beijo no final. Não estaria ali para ver a reação de Alberto, então, só conseguia rir de si mesmo com tamanha bobagem.

Fechou o envelope com todo o restante do dinheiro, deixando próximo ao sousplat que ele havia colocado para decorar a mesa de jantar. O restante do dinheiro que usaria para pagar o Bob já estava de volta no bolso de seu casaco. 

Quando deu um pouco mais de quatro horas da tarde, Lucas se apressou e conferiu se as últimas coisas do jantar de Alberto estavam prontas, para que assim que ele chegasse, pudesse esquentar e ter uma boa experiência com aquilo tudo, se é que fosse possível.

Desceu pelo elevador e caminhou para fora do condomínio, sentindo uma gota cair em seu rosto. Olhou para o céu e as nuvens estavam mais escuras do que pela manhã, sabendo que até mais tarde choveria. 

Não havia pego guarda-chuva e nem precisaria, encontrando um táxi a poucos metros da esquina do prédio, que levou-o diretamente ao ponto de encontro com Bob. Esfregou suas mãos enquanto olhava o caminho pela janela, estava frio e não duvidava que dali uma semana ou duas começaria a nevar, seria uma pena que naquele ano não poderia ver a neve. Todo inverno se lembrava da infância com os amigos, fazendo guerras de bola de neve em frente à escola, chegando em casa com os hematomas resultados da brincadeira. 

Quando se aproximava das cinco horas, foi deixado ao local, onde desceu do carro após pagar. Olhou para a rua pouco movimentada dali, não sabendo exatamente onde estava, apenas sabia que o bairro não tinha uma fama boa pela pouca segurança. 

Procurou o edifício com o número que ele havia indicado, percebendo que era um comércio abandonado. Ao forçar a maçaneta da porta estreita lateral, viu que estava aberto e assim entrou, pouco enxergando pela baixa iluminação do local. 

— Revista ele. —  Uma voz ecoou do escuro, fazendo o loiro perceber que não estava sozinho. 

Lucas sentiu mãos percorrerem seu corpo e não demorou para invadirem seu casaco, achando o envelope. Todo o restante de seu corpo foi apalpado para saberem que não estava armado ou com escuta.

— Ele tá limpo. — Um dos homens dali revelou, entregando o pacote para Bob, que ligou a luz em seguida. 

— Confere para mim. — Bob repassou o envelope para outro homem. — E aí, gracinha, como está se sentindo hoje? Estava ansioso para o nosso encontro? 

— Vinte e cinco mil. — O homem terminou a contagem em pouco tempo, enquanto o loiro permanecia em silêncio. 

— Olha, parece que alguém finalmente entendeu. — Bob afirmou, sorrindo com desdém.

— Eu cumpri a minha palavra, você deveria ter cumprido a sua. — Lucas declarou, vendo a expressão de Bob tornar-se confusa.

— Devo perguntar sobre o que você está se referindo ou vou me arrepender? — Colocou as mãos dentro do bolso, aproximando-se do loiro.

— Você sabe do que estou falando, você é um covarde! — O loiro cuspiu as palavras com ódio. — Um dia após você ter me dado mais uma semana de prazo, o meu namorado é morto a tiros. Quer que eu acredite que foi apenas coincidência?

— Se eu tivesse feito isso, você teria recebido uma orelha antes. — Riu debochado. — Se foi o que fez você me pagar, agradeço a quem fez isso por mim. Por acaso você está metido em outras coisas que eu deveria saber? 

— Eu não sou idiota, não precisa fingir que não foi uma ordem sua. — Afirmou, sentindo seu peito queimar pelo ódio, como se todo o restante de seu corpo estivesse prestes a implodir. 

— E o que eu ganharia com isso? Credibilidade? — Riu com desdém. — Pode acreditar, se isso fosse obra minha você não teria dúvidas. 

Lucas engoliu em seco, tentando respirar enquanto percebia todas suas extremidades trêmulas. Estava confuso, não esperava por aquela resposta e por mais que quisesse acreditar, só queria que tudo terminasse logo, não aguentava mais ficar de pé. 

Os homens ali presentes formaram um círculo ao redor do loiro, prontos para agirem diante de um provável comando de Bob. 

— Está ansioso para o seu novo trabalho? Você vai adorar o que eu preparei pra você. — Bob anunciou, percebendo o mais jovem encolher-se, ao mesmo tempo que esforçava-se para encará-lo.

— Não. Eu não vou mais trabalhar pra você. — Levantou a cabeça com dificuldade, olhando-o nos olhos. 

— Ah, entendi… Então pode ir embora se quiser, aí você vai poder viver seu conto de fadas com seu namoradinho baleado. — Gargalhou, com os outros rapazes rindo consigo. — Você sabe que só sai daqui comigo, não sabe? 

— Eu prefiro sair daqui em um saco preto do que continuar fazendo parte disso tudo de novo. — Lucas perdeu as forças nos membros inferiores, ajoelhando-se, demonstrando sua vulnerabilidade. — Estou pronto para arcar com a consequência disso.

— Quem você tá pensando que é?! Levanta daí e pare de bancar o espertinho, antes que eu perca minha paciência de vez. — Bob afirmou, enquanto os homens pareciam ansiosos por sua ordem. 

— Eu estou falando sério. — Levantou as mãos e colocou-as atrás da cabeça. — Eu estou pronto, vamos, me execute. 

— Mike, levanta ele. — Bob deu a ordem para o homem ao lado. — Manda trazerem o carro. 

— Eu não vou com vocês! — Lucas lutou contra os braços que agora estavam sobre ele, puxando-o para o levantar.  — Mesmo que você me leve, isso não me impede de me suicidar com qualquer coisa que eu ache no caminho. Eu posso fazer greve de fome, encontrar um caco de vidro e rasgar meus pulsos, posso atacar vocês e obrigar vocês a atirarem em mim à queima-roupa. — Lucas insistiu aos gritos desesperados, buscando no fundo de sua mente tudo que realmente fosse criativo e possível, enquanto lutava contra o aperto dos homens que tentavam levantá-lo. — Eu só vou te dar trabalho mais pra frente, é melhor que isso tudo aconteça aqui, pelo menos, assim você não vai perder tempo limpando meu sangue depois. 

— O que você acha que vai conseguir com esse teatrinho todo? — Bob destravou seu revólver, apontando para o rapaz ajoelhado, assim que os homens se afastaram.

— Meu namorado está morto e uma parte minha morreu junto, se você adiantar o meu encontro com ele, vai ser a melhor coisa que você vai fazer pra me tirar dessa vida de merda que eu já estou levando. — O loiro persistiu, deslizando seus joelhos para frente, encostando sua testa no cano do revólver. — Além disso, você não precisa de uma testemunha à solta, então isso será bom para nós dois. 

— Deixa que eu faço. — Mike aproximou-se, encaixando o silenciador em seu revólver. 

— Você fica onde está. — O líder sinalizou, ainda mais irritado. — Eu resolvo isso. 

Bob inquietou-se com a petulância do capanga, mordendo o próprio lábio com força, voltando sua atenção ao homem ajoelhado. Lucas até mesmo havia deixado de piscar para focar o olhar em seus olhos, completamente disposto à execução.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

AAAAAAAAAAAAAAAAAAA, preciso muito saber o que acharam desse capítulo, o que acham que vai rolar?