Stranger escrita por Okay


Capítulo 28
Despedida.


Notas iniciais do capítulo

Beijos & Boa leitura! ♕
Capítulo revisado e reescrito 18/05/2020



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/383753/chapter/28

Capítulo 28 — Despedida.

Alberto ajudou o amigo a recolher o necessário do apartamento de Gus, percebendo que em alguns momentos Lucas parecia travar ao olhar para alguns pertences do namorado e ao vê-lo estático, achava um jeito de distraí-lo daquela situação tão fúnebre, conversando de fofocas sobre os colegas de trabalho. 

— Estamos prontos? — Alberto indagou, ao vê-lo fechar a mala. 

— Acho que sim. — Lucas tentou sorrir, tentando não demonstrar o pesar que sentia por estar se despedindo do apartamento onde passou os melhores momentos de sua vida.

— Então vamos, se você precisar voltar depois eu venho com você… Pegou seu broncodilatador?

— Peguei sim. — Lucas colocou a mala ao chão, dando uma última olhada ao redor.

Saíram em silêncio e Alberto carregava as bagagens enquanto o amigo fechava a porta vagarosamente olhando todo o interior do apartamento, parecendo sentir um nó na garganta, segurando um possível choro. Assim as coisas foram levadas e seguiram para o apartamento do supervisor da livraria. 

— Eu vou liberar espaço pra você, mas por enquanto pode deixar suas coisas aqui nesse quarto. — Alberto falou, com Lucas seguindo-o pelo seu apartamento. 

— Nem precisa abrir espaço pra mim, eu me viro como dá. 

— Relaxa, não vai ser incomodo algum, vai ser bom ter companhia. — Alberto sorriu, virando-se para ele. — Aquele sofá vira cama, então você vai ficar bem confortável. 

— Obrigado, Al. — Lucas olhou ao redor, abrindo um curto sorriso em seguida. — Seu apartamento é muito bonito.

— Não é grande coisa, mas você vai gostar daqui, é bem confortável, apesar de pequeno, às vezes, gosto de me sentar na sacada e ler um livro tomando chá. Você gosta de ler? — Alberto indagou. 

— Eu amo ler, é uma pena que eu não tenha conseguido mais nos últimos meses, desde que eu tranquei a faculdade, tudo o que eu penso é voltar a estudar, voltar a ler e a praticar minha escrita, mas nada ta colaborando… 

— Se eu posso dizer algo, é para que você não desista. Aos poucos eu sei que você vai conseguir e eu quero te ajudar. — Encarou o amigo, percebendo que ele não tirava os olhos de sua estante.— Fica à vontade para dar uma olhada nos livros, pode pegar o que quiser.

— Posso mesmo? — O loiro abriu outro sorriso, dessa vez sincero. 

— Sinta-se em casa. Pode mexer em tudo que quiser. O que é meu, é seu. — Alberto indicou, com ele se aproximando da estante.

— Aqui tem muitos clássicos. — Lucas falou encantado, enquanto acariciava as capas das edições raras que o amigo tinha. — Tem certeza que eu posso mesmo? Aqui tem muita antiguidade. 

— Eu sei que você vai cuidar bem dos meus bebês. — O amigo respondeu se referindo aos livros mais delicados. 

— Isso pra mim é a maior prova de amizade que uma pessoa pode dar para outra, emprestar um livro. — Lucas virou-se ele, sorrindo. — Obrigado mais uma vez. 

— Para de ficar me agradecendo e pega um livro logo, eu sei que você quer! — Riu com ele. — Bom, enquanto você lê alguma coisa, eu vou preparar o sofá pra você dormir, vou pegar os lençóis e a coberta. Fica à vontade.

Lucas continuou passando a mão suavemente pelos muitos livros dali, lendo seus títulos, fazendo uma lista mental de todos os que gostaria de ler um dia. Retirou “Oliver Twist” de Charles Dickens da estante, abrindo-o cuidadosamente. 

— Esse é ótimo. — Alberto adentrou o quarto novamente, deixando o que carregava sobre o sofá. — Apesar de ser uma história triste, vale a pena ler, Oliver é órfão e passou por uns maus bocados. 

— Então vou me identificar. — Lucas riu baixinho, fechando o livro. — Quer ajuda?

— Não precisa, é fácil abrir o sofá. — O amigo respondeu, puxando uma região específica do móvel, que se deslocou para frente, fazendo assim, com que ele se tornasse uma cama. Pegou os lençóis que havia trazido e ajeitou-os sobre o sofá-cama. — Prontinho. Eu trouxe um travesseiro e uma coberta, caso queira mais, tem ali naquele armário. 

— Já está ótimo assim, Al.

— Eu vou pra cozinha, tá? Quer alguma coisa? Água, suco, lanchinho?

— Estou com sede, eu aceito um copo d'água, por favor.

— Eu já trago então.

Lucas sentou-se em sua nova cama e encostou-se nas almofadas para começar a leitura. Lia vagarosamente o começo do livro para aproveitar cada palavra, como quem saboreava um delicioso chocolate. Quando Alberto voltou, arregalou os olhos pelo susto que levou, percebendo que estava querendo cochilar.

— Desculpa ter demorado, eu lembrei que não tinha regado as plantas hoje. — Entrou no quarto e após perceber que tinha acordado o loiro diminuiu o tom de voz. — Ei… Pode voltar a dormir, você precisa descansar, vou deixar a água aqui na mesa caso você queira.

Lucas agradeceu e após beber a água, se aconchegou no meio das almofadas e se cobriu. Alberto deixou o cômodo para que ele pudesse descansar bem, pois sabia que ele mal tinha conseguido pregar os olhos à noite e precisava descansar.

Sexta-feira, 30 de novembro de 2012.

— Acordou cedo. — Alberto exclamou, vendo o amigo aparecer na cozinha enquanto ele tomava o café da manhã para ir trabalhar.

— Eu dormi durante a tarde toda ontem, então acabei ficando sem sono de madrugada, aí eu li um pouco antes de levantar e me trocar.

— Percebi que você está de uniforme. Por acaso não está pensando em voltar a trabalhar hoje, está? 

— Por que não? 

— Já sabe a resposta. Você precisa descansar.

— Mas eu já descansei ontem o dia todo. Não quero ficar sem fazer nada, eu preciso me distrair. 

— Se você está preocupado com alguma consequência das suas faltas, fica tranquilo, eu sou diretamente responsável por você e eu estou pedindo para que você fique em casa.

— Não é isso, Al…

— Eu não acho que você esteja pronto para voltar ao trabalho, esse é um momento muito delicado e amanhã eu vou te levar ao velório. — Falou, sentindo um pesar em seu peito. — Então, tome esse tempo para descansar... E eu vou voltar mais cedo pra te fazer companhia.

Contra todos os argumentos do amigo, Lucas não pôde refutar. Observou, então, ele terminar seu café e sair pela porta. Tinha pouca ou nenhuma fome, e assim, guiou-se ao quarto e deitou sobre o sofá-cama para continuar a sua leitura. Todo restante do dia não foi muito diferente daquilo, onde apenas leu o livro e mais tarde teve a companhia novamente de Alberto onde comeram juntos e trocaram algumas novidades sobre o dia de trabalho do amigo. 

Mais uma vez dormiu cedo, mas aquele sábado estava sendo diferente de todos os outros. Era estranho acordar novamente sem Gustave, o namorado era a pessoa que sempre o fazia rir pela manhã, tornando todo restante do dia mais leve com seu sorriso que sempre iluminava todo o ambiente. 

Agora, todo o restante do dia estava cinza. Saber que viajaria para sua cidade natal, a terra de onde tinha suas piores lembranças de sua infância e adolescência, de traumas que passou em sua família e que guardava todo o sofrimento desde partida, já não era um bom motivo para animar-se. E apenas piorava o fato de que teria que enfrentar a situação de despedir-se de seu primeiro e grande amor para o resto da vida.

Estava tentando amadurecer a ideia dentro de si de que Gus realmente tinha ido para sempre. Ainda era difícil absorver que ele não estava mais consigo, porque ainda sentia que a ligação entre eles ainda estava viva, principalmente quando olhava para o anel de noivado em seu dedo. Não gostaria de se despedir de seu noivo, não queria ter que se separar dele de uma forma tão brutal, não havia um minuto sequer que não pensava em voltar no tempo, para assim não ter dado uma oportunidade para ele entrar em sua vida. Somente dessa maneira poderia salvá-lo, mesmo que pudesse não saber o que era ter se sentido amado um dia, pelo menos assim uma alma boa teria sido poupada e não teria que aprender a viver sem o seu amor. 

Alberto percebia que o amigo olhava demais para a aliança em seu dedo, tendo assim uma ideia genial. Em seu quarto, procurou entre seus pertences uma joia que já não usava há muito tempo, tirou o pingente da correntinha de prata que tinha guardada e voltou para onde Lucas estava.

— Ei, Lucas… eu pensei em uma coisa, mas não sei se você vai gostar da ideia. 

— Fala. — Pediu, olhando a corrente nas mãos dele.

— Que tal colocar aliança dele aqui e usar em seu pescoço ao invés de usar no dedo? Então assim você não precisará se despedir dela e ainda vai continuar carregando ele pertinho do seu coração... — Afirmou, observando a expressão aparentemente confusa dele. Ficando sem jeito com isto, apressou-se em justificar, afinal, nem tinha se dado conta que podia estar sendo invasivo com a ideia tão abrupta. — Eu sei que você não precisa fazer isso agora, não precisa tirar aliança do seu dedo, mas se você quiser, eu te dou a minha corrente de presente. Pode ficar.

— É sério mesmo? — Olhou encantado para o amigo, com os olhos marejados. — Isso é muito lindo, Al. 

— Toma aqui, pode pegar. — Entregou a corrente para ele.

Percebeu a hesitação do amigo quando ele encarou a própria mão e em seguida removeu o anel vagarosamente, deixando a primeira lágrima escorrer por seu rosto, fungando enquanto segurava-se para não chorar. Lucas pendurou a aliança na corrente e apertou-a entre seus dedos, não conseguindo mais deixar seus sentimentos presos, era dolorosa a ideia de que realmente não deveria carregá-la em seu dedo, porém, havia concordado com a proposta do amigo e assim faria. 

— Me ajuda a colocar? 

— Claro que sim. — Alberto concordou, sentindo-se triste por ele, com seus olhos também enchendo de lágrimas, assim aproximou-se dele e fechou a corrente atrás de seu pescoço. — Eu gostei de como ficou.

— Obrigado mesmo, Al. — Agradeceu, com a voz ainda trêmula. — Você é o melhor amigo que eu poderia ter. 

Alberto foi abraçado por ele imediatamente, retribuindo, levando seus braços para as costas dele, acariciando-o carinhosamente. O choro do amigo se intensificou por alguns segundos e voltou a acalmar-se pouco depois. 

— Vai lá terminar de arrumar as suas coisas, a gente precisa pegar a estrada daqui a pouco pra não chegar atrasado. — Alberto soltou-o do abraço. 

Lucas apressou-se, terminando de pegar as coisas que precisava levar, colocando-as dentro de sua mochila. Encontrou-se com Alberto na cozinha, que terminava de embalar frutas e lanches que havia preparado com capricho. O amigo adorava cozinhar e não seria ele se não fizesse algo para comerem durante a viagem. 

Já prontos no carro, colocaram seus cintos de segurança e o rádio foi ligado tocando as músicas preferidas de Alberto, que, por coincidência, o loiro também gostava. Tudo estava pronto para seguirem viagem. 

As horas não foram torturantes como Lucas imaginou que seria, em alguns momentos lembrava-se que estava indo até sua cidade natal e o motivo disso e seu peito apertava, mas sempre que um sentimento ruim lhe dominava, o amigo chamava-o para conversar de algo ou acabava o distraindo com sua cantoria. 

A felicidade de Alberto era tão contagiante que o loiro se esquecia de que o amigo também estava sofrendo. A vida do supervisor era solitária, seu único amigo de longa data havia partido e um relacionamento em potencial foi perdido há pouco tempo. Lucas se apegou nele da mesma forma em que Alberto precisava dele para poder desabafar e aliviar a dor que sentia. Era um casamento perfeito daquelas duas almas solitárias, estavam destinados para serem amigos, ambos cancerianos, o que também poderia ser descrito nos sinônimos: emotivos, chorões e carentes. 

Lucas observava as placas indicando que estavam cada vez mais próximo da cidade, sentia seu coração acelerando e esperava não ter nenhuma crise de ansiedade por estar revisitando aquela cidade que havia deixado com tanta pressa e rancor. 

Passaram a entrada da cidade, onde agora o loiro olhava para tudo ao redor, vendo que nada tinha mudado, sentindo um misto de emoções que mal sabia descrever, estava de alguma forma satisfeito em estar retornando, mas seu peito também apertava, não queria ter que reviver suas piores lembranças. 

— Fazia muito tempo desde que eu não visitava uma cidade do interior, não lembrava o que era ver tantas casas e nenhum prédio. — Alberto falou, ainda com a atenção voltada às ruas. — Aqui é uma cidade adorável. 

— É mesmo. — Lucas concordou, engolindo seu desconforto. 

— Estamos quase lá, mais uns quinze minutos e chegamos ao endereço que você me passou. Estamos indo para a casa da Karen?

— Sim, pelo que entendi vão fazer uma cerimônia não religiosa, então não vão levá-lo para uma igreja. 

Alberto apenas imaginava como aquilo aconteceria, vendo o amigo estar controlado até o momento, prestando atenção em qualquer sinal que ele esboçava, pois não queria que ele desenvolvesse nenhuma crise asmática e sofresse mais do que provavelmente já estaria sofrendo.

Quando passaram os últimos quarteirões para chegarem ao seu destino, Alberto percebeu que o amigo começou a demonstrar sinais de inquietude, balançando as pernas, roendo as unhas e em alguns momentos segurava a aliança da corrente entre seus dedos, suspirando, parecendo segurar o choro. 

— Ei, está tudo bem? — Alberto estacionou ao final da rua pelo pouco espaço para estacionar devido aos muitos carros ali já parados. 

— Eu acho que sim. — Lucas encarou o amigo, suspirando mais uma vez. — Você vem comigo, não vem?

— É claro que vou! — Removeu o cinto de segurança, pegando o celular do apoio, assim descendo do carro com ele. — É aquela casa branca?

— É sim. — Lucas respondeu engolindo em seco, sentindo as extremidades do seu corpo geladas. 

Passaram pelo caminho de concreto em meio ao gramado bem cuidado. Vendo a movimentação de algumas pessoas na entrada da casa, passando pela porta principal e vendo que o interior dela estava muito mais agitado que a área externa. 

A família de Gus levava uma boa vida e apesar de não serem exagerados, a casa era suficientemente grande para poder fazer festas grandes e receber muitas visitas ao mesmo tempo.

No hall de entrada Lucas olhava ao redor procurando Karen e quando avistou-a, ela também percebeu sua presença e correu até ele. 

— Você veio. — Ela recepcionou-o com os braços abertos. 

— Eu não deixaria de vir por nada. — Retribuiu o abraço apertado, em seguida afastando-se e podendo encará-la, podendo ver os olhos inchados e avermelhados dela, assim como os seus. 

— Você veio de carro?

— Sim, meu amigo Alberto me trouxe. — Apresentou o supervisor a ela. 

— Olá, Alberto, obrigada por trazê-lo… 

— Prazer. — Cumprimentou-a de longe. — Eu sinto muito pela sua perda, eu o conheci, era um menino muito educado e gentil. 

— É verdade, ele sempre deixava uma boa impressão por onde passava. — Ela forçou um sorriso aflito. 

— Ah, antes que eu me esqueça… eu trouxe uma coisa. — Lucas colocou a mão no bolso da calça até achar o que procurava. — Eu trouxe a chave do apartamento dele, eu não sei o que fazer com ela e sei que vocês saberão.

— Você não precisava devolver, sei que você morava lá também. — Ela recebeu a chave. — Mesmo assim, vou deixar o Louis encarregado de cuidar disso, obrigada. 

Lucas percebeu que Karen voltava sua atenção à porta de entrada para as pessoas que chegavam, onde ela em seguida disse:

— Olha, eu volto para falar com vocês daqui a pouco, tudo bem? Minha irmã acabou de chegar.

— Sem problemas, pode ir. — Lucas afirmou, percebendo-a agitada. 

— A cozinha é logo ao final do corredor, temos alguns lanchinhos e sucos, caso estejam com fome. — Ela indicou, logo mudando para uma expressão angustiada ao continuar dizendo. — E ele está no quintal…

Lucas sentiu uma pontada em seu interior ao ouvir aquela última sentença, sabendo que o corpo de Gus estaria lá, lembrando-se que teria que reunir toda a força que havia restado em si para poder vê-lo. Ela se retirou para receber os recém chegados e Alberto percebeu que o loiro estava estático, olhando para o nada. 

— Olha, você não precisa ir imediatamente vê-lo se não conseguir agora… Podemos esperar, tá tudo bem. 

— Eu preciso ver ele, Al. — Objetou, sentindo a garganta trancar e uma vontade súbita de chorar. — Mas eu tô com medo…

— Eu consigo entender. — Viu-o enxugar o suor das mãos na própria roupa. — Vamos esperar um pouco então… Por que não me mostra o resto da casa por enquanto? Você não costumava vir aqui?

— Na verdade, não, era o Gus que costumava ir mais na minha casa. Acho que só vim aqui umas duas ou três vezes, nos aniversários dele e coisas assim.  — Relembrou. — E a decoração daqui mudou bastante, quase não parece o mesmo lugar.

— Ei… E sua mãe? Você não se pergunta como está sua antiga casa hoje? 

— Não. — Lucas respondeu num impulso, com o amigo entendendo que aquele era um assunto que ele não gostaria de entrar. 

Alberto caminhou com o amigo até a cozinha, beliscando alguns aperitivos, ao contrário do loiro, que apenas ficava em pé em um canto, batendo um dos pés no chão inquietamente. 

Os minutos pareciam não passar e o cômodo começava a ficar desconfortavelmente pequeno, a quantidade de pessoas que entravam na cozinha os forçou a saírem dali. 

Alberto não queria tocar no ponto delicado da situação e dizer ao amigo que ele precisava enfrentar o caixão. Apesar de não querer que ele se arrependesse depois de não conseguir ter se despedido do amado, deixaria ele livre para tomar o tempo que fosse necessário para recuperar o fôlego antes de vê-lo. 

Pouco tempo depois uma mulher passou em todos os cômodos da casa avisando para que se reunissem no quintal aos fundos da casa, pois iniciariam a cerimônia de despedida de Gus. 

No quintal também tinha um vasto gramado que agora era ocupado pelas várias cadeiras, que acomodavam as muitas pessoas que amavam o doce rapaz que havia partido tão cedo. O clima era de um pesar tão profundo que a própria cerimonialista havia sentido-se abalada, era sempre muito triste ministrar velórios de jovens e crianças. 

O silêncio começou a instalar-se conforme cada um tomava um lugar nos assentos. Alberto observou a respiração pesada do amigo, tentando detectar se ele estava bem, prestação atenção a qualquer mínimo sintoma de crise respiratória. 

A cerimonialista pronunciou-se e todos se prontificaram ficando em silêncio para ouvir as palavras da mulher. Era muito habilidosa e sábia com as palavras, fazendo um belo discurso de como a vida poderia ser dura, ao mesmo tempo que emocionava a todos com a mensagem esperançosa de carinho e consolo. 

Ela abriu a oportunidade para se despedirem de Gustave e apenas os dois pais fizeram o discurso, mal conseguindo conter o choro em meio às palavras de agradecimento pelo carinho de todos. A esse ponto Lucas se entregava às lágrimas que vinham incansavelmente, apesar de ter muitas coisas que poderia falar sobre o namorado incrível e companheiro que teve, não tinha forças para levantar-se. 

A cerimônia foi encerrada e as pessoas começaram a levantar-se, indo abraçar os pais de Gustave. Nem isso o loiro conseguia fazer, as pessoas aos poucos iam esvaziando os lugares até apenas sobrar ele e Alberto sentados. 

As últimas pessoas que restaram no quintal despediam-se de Gus depositando algumas lembranças dentro do caixão como mandava a tradição e Lucas encarava ao longe, sabendo que teria que aproximar-se do corpo dele e despedir-se antes que não tivesse mais tempo. 

Quando o quintal esvaziou-se um pouco mais, o loiro levantou e o amigo permaneceu sentado, vendo-o caminhar até o caixão determinadamente, ficaria por ali, sabendo que ele precisaria de privacidade. 

— Oi, meu amor… — Lucas soprou as palavras sem forças ao deparar-se com a feição inerte de Gustave. — Eu tô com muita saudade.

O desespero que sentia deu espaço a uma dor aguda, queria gritar e arrancar seu coração do peito, mas tudo o que conseguia fazer era encará-lo sem o sorriso usual, sem expressão, sem felicidade, sem cor, sem vida. 

Soluçou ao tocar a mão gelada dele repousada na altura do peito. Vendo o rosto angelical dormente, imaginando como seria se pudesse vê-lo sorrindo com suas covinhas lindas só mais uma vez. 

— Nunca tinha te visto de terno… — Afirmou ao olhar para o que ele vestia, ainda com a mão dele debaixo da sua. — Você ficaria lindo no nosso casamento. 

Algumas gotas de seus olhos caíram sobre Gus e Lucas não controlou a tristeza que sentia, sabendo que ele não enxugaria suas lágrimas nunca mais. 

— Queria que tivesse sido eu, deveria ter sido eu… — Afirmou baixinho, ainda acariciando a mão dele. — Me perdoa por tudo que eu te fiz… Você não merecia nada disso… 

Suas lágrimas rolavam até seu queixo incessantemente, sentindo seus lábios trêmulos e a respiração falhar.

— Eu trouxe uma coisa pra você… — Lucas retirou do bolso a aliança com seu nome no interior, encaixando cuidadosamente no dedo anelar de Gustave. — Eu aceito. Vou ser seu noivo e vou te amar… Pra sempre. 

Continuou com a mão dele sob a sua e continuou a soluçar, fungando enquanto acariciava os dedos sem vida de seu amado, ficando em silêncio por alguns minutos, preparando-se internamente para deixá-lo para sempre. 

— Adeus, meu amor. — Falou baixinho, soltando os dedos dele. Se afastando e deixando para trás uma parte de seu coração. 

Lucas enxugou suas lágrimas na manga do casaco que vestia, percebendo em seguida que Karen o encarava a alguns metros dali, chamando-o em um gesto com a mão. 

— Me desculpa por não ter feito um discurso, eu não conseguia falar de tanto que eu chorei. — O loiro justificou-se ao aproximar-se dela. — Foi uma cerimônia linda. 

— Não se preocupe com isso, eu sei que você amava ele tanto quanto eu. Não é? — Ela esfregou os ombros dele, vendo-o afirmar positivamente com a cabeça, começando a soluçar novamente. 

— E-Eu não… não sei como eu vou seguir minha vida agora. — Gaguejou, tentando controlar o choro. 

— Eu me sinto exatamente assim, eu estou com um vazio no peito que não vai mais se preencher. — Ela afirmou, sentindo a voz falhar. — Mas Lucas…

— Oi?

— Eu não pude deixar de notar quando você se despediu do Gus… também vi essa aliança que você está carregando no pescoço, mas você não usava antes. 

— Ah, eu encontrei nas coisas dele. — O loiro afirmou, segurando na aliança pendurada pela corrente. — Ele tinha escrito uma carta que ele ia usar pra me pedir em casamento…

— Vocês iam se casar?! — Ela indagou, com seus olhos enchendo de lágrimas juntamente com o loiro. — Meu Deus, eu sempre sonhei em planejar a festa de casamento do meu bebê…

— O Gus já me disse isso, ele falou que você convidaria a cidade inteira e faria uma festa pomposa. — Riu fracamente enquanto tentava controlar as lágrimas. 

— Ele me conhecia muito bem… — Ela falou após rir baixinho, com a respiração pesada. 

— Eu já sonhei que estava me casando com ele várias vezes, é duro abrir os olhos e perceber que o pesadelo é quando estou acordado. — Afirmou, envergonhando-se logo em seguida. — Me desculpa por te falar essas coisas… Não queria te deixar pior. 

— Está tudo bem, depois do Louis você é a única pessoa que realmente sabe como me sinto… — Abraçou-o fortemente.

Lucas a manteve no abraço por alguns longos segundos e ao afastar-se, disse:

— Karen, eu já me despeço por aqui…

— Já vai ir embora?

— Sim, temos que pegar a estrada ainda. — Afirmou. — Você viu o Louis? Queria me despedir dele também.

— Ele estava conversando ali atrás agora pouco. — Indicou a direção.

— Eu vou procurar.

— Faça uma boa viagem. — Ela abraçou-o apertado, num gesto silencioso de passarem força um para o outro.

Lucas em seguida encontrou Louis próximo dali e despediu-se dele com um abraço curto, trocando algumas poucas palavras de força, dando-lhe as condolências. Sentindo em seu peito que havia feito o que precisava fazer, conseguiu respirar aliviado. 

Caminhou para onde o amigo o esperava, avisando que já poderiam ir embora, que apenas precisava ir ao banheiro e tomar uma água. Alberto de início não comentaria sobre a cerimônia, nem comentaria do gesto corajoso e de como ele tinha orgulho da coragem que ele teve. 

Foram ao banheiro e esperaram algumas pessoas usarem numa espécie de fila que estavam fazendo em frente a porta. Lucas foi primeiro e depois aguardou o amigo sair. Depois dali foram diretamente à cozinha para que o loiro pudesse beber água. 

Alberto o acompanhou e serviu-se de um copo de suco de laranja e Lucas pegou um copo descartável para beber água. Estava tão distraído que levou um tempo para perceber uma garotinha abaixo de si, abraçada em suas pernas. 

— Oi lindinha… — O loiro dobrou seus joelhos para poder ficar mais próximo da altura dela e ela se soltou do abraço. Lucas pensou que ela provavelmente tinha o confundido com alguém, mas mesmo assim ela não ia embora. — Como você se chama? 

— Mel… — Ela respondeu, ainda encarando-o fixamente. 

— É apelido ou é seu nome mesmo?

— É Melanie.

— Melanie? Que nome lindo! — Ele sorriu com a inocência daquela menina que provavelmente não sabia o motivo daquela reunião de pessoas. — Quantos anos você tem, Mel?

— Quatro. — Respondeu, mostrando com quatro dedinhos que já sabia contar com as mãos. 

— Muito bem, você acertou! — Lucas derreteu-se de amores por aquela garotinha loira e dos olhos da mesma tonalidade de azul que o seu. — Você quer alguma coisa, Mel? Eu posso pegar um doce pra você na mesa se você quiser.

— Água. — Ela afirmou

— Tá bom, eu pego água pra você. — Afirmou, pegando um copo descartável e enchendo de água mineral, entregando em seguida para ela. — Bom, agora você deveria ir procurar sua mãe, ela deve estar te procurando. 

A garota deu alguns goles na água e em seguida sorriu. Saiu correndo para longe dali, com Lucas ainda sem entender o porquê teria recebido carinho de uma menina aleatória que não o conhecia, mas adorava crianças e havia ganhado seu dia com aquilo. 

Melanie andou alguns cômodos até chegar a sala onde sua mãe se encontrava, saltitando empolgada, sem se importar se derrubaria algumas gotas da água que carregava. 

— Onde você estava?! — Harriet indagou preocupada para a filha, nem notando que ela havia saído por estar conversando com uma amiga. — Quem te deu essa água?!

— Maninho!

— Como assim, “maninho”? — Indagou, confusa.

— O maninho. Tem uma foto dele na sala de casa. Ele é bonito. — Melanie insistiu, convicta e inocentemente.

Harriet sentiu o ar faltar em seus pulmões e seus olhos se arregalaram. O rapaz que estava nas fotos da sala de sua casa realmente era o irmão de Melanie, seu filho mais velho, que tinha fugido de casa há seis anos, após todos os conflitos que decorreram após seu ex-marido descobrir que ele namorava com...

— Gustave. Lucas veio se pedir do Gustave. — Murmurou para si mesma, levantando-se e pegando a mão da filha, andando o mais rápido que conseguia sem derrubá-la.

Chegando até a cozinha, olhou em volta. Não havia sequer uma alma loira no lugar, deixando-a confusa. Teria Lucas tingido o cabelo?

— Filha, onde está a pessoa que te deu água? — Perguntou à pequenina, que olhou em volta, não vendo sinal do rapaz e acenou negativamente com a cabeça.

— Aconteceu alguma coisa, Harriet? — Karen se aproximava, com um lenço em mãos e visivelmente preocupada com a situação. — Você parece pálida.

— Karen, o Lucas esteve aqui? — Perguntou a mulher loira, em tom de desespero. Ela já não conseguia se controlar em saber que estivera tão perto de seu filho e não o vira.

— Sim, ele veio se despedir do Gus. Os dois estavam morando juntos em Nova York. Ele acabou de sair. — Explicou.

Harriet esqueceu-se por um momento de que sua filha estava consigo. Ela cortou caminho entre as pessoas que estavam na cozinha e na sala de estar, atravessou o gramado da frente a passos largos, tentando não tropeçar em ninguém, ao mesmo tempo que buscava reconhecer em algum daqueles rostos o de seu filho perdido.

Quando atingiu a calçada, teve a impressão de que seria tarde demais e que o teria perdido de vista para sempre. Entretanto, quando um carro passou em frente a ela, através da janela fechada do vidro do passageiro, ela pôde ver um rapaz loiro, conversando com o motorista.

— Lucas... — Disse baixinho, pois seu fôlego se perdera com a visão de seu menino, tão diferente do que ela se lembrava, mas tão igual ao mesmo tempo. — Lucas! — Gritou desesperadamente, mas o carro já havia ganhado velocidade e se afastava inevitavelmente, sem dar a ele a chance de ouvi-la.

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo