Confissões ao Sol escrita por TenTen_san


Capítulo 1
Estrela




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Confissões ao Sol

 

 

Astro-rei, grande estrela, Sol-om-on, Rá, Adonai... Coisas do qual chamam o sol, é, o sol mesmo, aquele lá de cima, que marca o ciclo dos dias, que é deus em crenças, que traz doença, benefício, vida. É justamente sobre uma estrela que quero contar. A minha estrela.

 

A estrela dum show de Rock And Roll, dos bons; dos melhores.

 

Nem era minha primeira vez num show, mas era o show dele, do astro mais rei de todos. Não importava se ele era menos astro que outros da mídia, de tantas bandas que vem e vão. Não fazia a menor diferença se ele era, ou não, o cara mais pop da vez, do sorriso mais bonito, o polêmico dos tablóides, o mais drug, da namorada mais rica, da integridade sexual mais intacta, das tatoos mais maneiras... Sinceramente, não importava nada disso.

 

Ele era o mais pra mim, só isso importava.

 

Aquela havia sido uma semana terrível. O trabalho pesado a cada dia maculava desafios, dificuldades... Tudo o que pudesse me deixar underground o suficiente pra não sair de casa no final de semana, mas não deixou. Sábado: oito e meia da noite, e lá estava eu, no meio duma fila quilométrica. As amigas e amigos juntos, todos empolgados, bebendo, tragando os mesmos cigarros. Misturada, também consumi, e consumi as unhas. Roí todas elas. Estava nervosa. Olhei no relógio; os minutos corriam rápidos... nove, dez, onze.

 

Meia noite e meia, no escuro, então eu estava dentro do clube, apinhado de gente. O empurra-empurra de sempre; as luzes ascenderam. Uma banda qualquer abriu o show das estrelas da madrugada. Custosamente consegui chegar, sozinha, na beira do palco. As pessoas curtiam o som local, nada muito empolgante. Tive certeza que a maioria ali, daqueles que ficam pertinho do palco, estavam tão ansiosos como eu.

 

As cortinas fecharam, as luzes apagaram.

 

Estava na hora.

 

Era ali; não tinha mais volta!

 

O assoalho do lugar tremeu, rangendo, de pés frenéticos no chão. As palmas bateram junto do som tímido do baixo, sem distorção, apenas sentindo o ambiente, como se ele quisesse provar antes de morder. Tocar antes de beijar. Saber qual era a sintonia daquela euforia; e sim, eu estava eufórica. Junto da massa, bati os pés no chão quando o baixo gritou sob a guitarra aguda, estridente, provocante.

 

O show havia começado!

 

Depois do baixo provar das multidões, a guitarra quis nos incitar, tirar de mim um grito preso na garganta que não saiu. O clube todo delirava, chamava a banda, chamava o astro-rei. O sol. Todo mundo queria ver o sol da madrugada.

 

E eu tive medo.

 

Medo quando a bateria arrastou o som ensurdecedor, nos acolhendo. Harmonizando, dando uma injeção de calma em todo mundo. Os corpos rijos, esperando, esperando, esperando... Ainda faltava muito pra sentir. Não sei definir os acordes, apenas o gosto do baixo, da guitarra, da bateria; depois os teclados, dando mais beleza ao pano vermelho, tapando quem vivia os instrumentos.

 

Então entendi.

 

Aquilo era mesmo um show de Rock!

 

Fechei os olhos e sacudi o corpo junto com a massa, pulando, de braços abertos, querendo sentir mais. Foram segundos intermináveis ouvindo toda aquela beleza que desafiava, que provocava, que provava... E ainda faltava, mesmo, muito pra sentir.

 

O coração pulsando nas notas; as mãos suadas; a cabeça girando, em espiral, sem ver nada. Quando a cortina caiu, eu ainda estava de olhos fechados aproveitando do transe insano da multidão, passando por mim, até o astro-rei. Eu sabia que ele estava lá, e, no entanto, ainda tinha medo de vê-lo.

 

Era só mais uma fã.

 

Travei os pés no chão, e deixei a voz dele arranhar tudo que eu tinha: o coração, a garganta, os pulmões. O primeiro verbo do astro no microfone quase me fazer sucumbir. Estava alto, talvez ininteligível, mas era a voz dele. Era ele, o astro mais rei de todos!

 

Um último sentimento faltava: a explosão.

 

E ele explodiu as massas. Aquilo era um show de Rock, se eu não pulasse, se não compartilhasse da excitação do clube, seria esmagada pelo sentimento do Rock, da vontade de jogar tudo pro alto e atirar, quando estivesse lá em cima. Seria esmagada pelos saltos, e o desejo de deixar tudo sair, a semana ruim, os desafios, as amarguras...

 

Era o show de Rock mais rock de todos!

 

Pensei que ficaria cansada, mas foram minutos intermináveis na voz dele cantando, eu pulando, sem fraquejar. A potência dos joelhos era inacreditável... Então abri os olhos.

 

Terror.

 

Primeiro ele foi Medusa, e eu, Perseu, olhando dentro de seus olhos de cobra. Paralisia: o primeiro sentimento. Os acordes dele machucavam, e um calor inenarrável tomou conta dos joelhos potentes, fraquejando. Depois ele foi Apolo, e eu Deméter, contado-me segredos, como se cantasse suas aventuras só pra mim, em seu carro de fogo, feito microfone e pedestal, torcendo o rosto pra baixo e pra cima, movendo freneticamente ao ritmo do som, daquela harmonia estranha do Rock And Roll.

 

Perto demais, seu rosto do meu... Só mais uma fã.

 

Ali, eu quase chorei, e seria fácil fazê-lo. O coração, em ínfimos segundos, parou... Depois acelerou, feito louco, dando pra boca um gosto seco, querendo gritar, querendo pular mais alto, mais forte que antes. Meus olhos ainda no sol, queimando como Ícaro queimou, fazendo-me cair num mar tempestuoso, sem rumo, letárgico dentro daquela música, da outra, e da outra... De todas as músicas.

 

Aquilo era mesmo o show de Rock mais rock de todos!

 

Ninguém me avisou que voar perto do sol iria derreter minhas asas... Jogar-me tão longe e tão perto da euforia, da vontade grandiosa de pular no palco e abraçar o sol, a grande estrela. De tocar o que não tem alcance pra mão, só pro sentimento.

 

Ele me contou segredos em suas músicas.

 

Então o sol brilhou e eu ceguei, por que havia muito o sentir quando as luzes se apagaram. Sozinha, enfim, respirei. Aquele momento único em que ele foi o sol, nunca eu esquecerei... Mesmo que não tenha o tocado, mesmo que, talvez, ele nem saiba que eu existo, e estive ali tão perto de sua magnitude, foi maravilhoso sentir sua luz, seu som...

 

Todo o rock do astro-rei mais rei de todos eles!

 

Só mais uma fã, e isso, agora, não importava. Ele foi meu sol por uma noite. Bastaria pra fã mais incondicional de todas elas.

 


 

***

 

Senti-me assim, ou mais ou menos assim, num show que tive o prazer de ir: Cachorro Grande. Não que o Beto Bruno seja o mais de todos.

 

Fico me perguntando: o que eu sentiria se pudesse ver de perto os clássicos, como Led, Scorpions, Kiss, Cranberries, Iron, Aero, Casa das Máquinas, Gnars Barkley, Jam, Dream, Beatles, Stones, The Doors, Bowie e coisas do gênero?

 

Acho que infartaria além do tempo histórico rsrs

 

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