Animos Domi escrita por Chiye


Capítulo 42
Capítulo 42 - A vida, o universo e tudo o mais.


Notas iniciais do capítulo

Nesse meio tempo, me apeguei demais aos personagens. A todos, mas muito mais ao John. Simplesmente não sei como vai ser acabar por aqui... Não vou conseguir parar de lembrar deles tão cedo. Sempre estarão em meus devaneios, acho... Mas sigo em frente, sempre.



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Alguns anos, quatro deles, para ser mais exata, haviam se passado. A vizinha havia tido um bebê. Algumas casas da rua haviam sido reformadas. Um senhor começara a vender sorvete ali perto. Spock e Jackie Tyler haviam partido, e essa última causou um grande estrago na vida de Rose. Mas os meses a fizeram parar de lamentar, como é típico dos humanos. Afinal, o tempo cura quase tudo.

John e Rose estavam na sala que lhes fora designada por Daniel, preenchendo uma série interminável de papeis, que sempre preenchiam depois de fazer alguma visita. Haviam revisto quase todos os funcionários que ainda trabalhavam lá e John ficara especialmente contente ao saber que Liz e Holly estavam planejando se casar.

Ele virou mais uma folha e começou a ler, deprimido. Foi nessa hora que um dos soldados campais entrou na sala, fazendo grande estardalhaço. Ele trazia uma manipulador de vortex com o mecanismo exposto: Devia tê-lo adulterado. O soldado trazia também uma pistola e parecia muito assustado com algo.

–-O que houve? –Perguntou Rose, se levantando. O soldado apontou a pistola para ela e John se levantou também, com as mãos para o alto. Uma série de passos veio do lado de fora da sala e o soldado tornou a apontar a pistola para a porta, alucinado de medo. John esperou, com todos os músculos tensos, algum monstro terrível, mas quem apareceu foram Daniel e mais um soldado, que, pelo estado das roupas, havia acabado de chegar de alguma missão.

–-Philliph, calma. –Disse Daniel, e também colocou as mãos para o alto.

O soldado com a arma, agora Philliph, não alterou seu estado de medo.

–-O que está havendo aqui? –Perguntou John.

–-Estávamos em missão. –Respondeu o outro soldado, o que vinha ao lado de Daniel. –Nosso jato quebrou e tentamos consertá-lo. Phill recebeu uma enorme carga da energia elementar da nave, e isso baralhou sua mente. Ele está confuso.

–-E muito assustado, pelo visto... –Comentou Rose.

Philliph apontava a arma de um para o outro.

Daniel deu um passo a frente e o dedo de Philliph se contraiu sobre o gatilho. O headmaster então parou e esticou uma garrafinha contendo água. Philliph não se mexeu a princípio, mas agarrou a água e bebeu-a toda quando Daniel a colocou em uma mesa e recuou.

–-Calmantes. –John ouviu Daniel explicar ao soldado são. O problema foi que Philliph pareceu ouvir também: Ele começou a mexer freneticamente nos sistemas do manipulador. As luzes do prédio piscaram.

–-Ele está drenando nossa energia! –Exclamou Daniel, tentando se aproximar de Philliph, mas recuando ante a arma. –Está eliminando a energia de torchwood com cálculos fundamentais do universo!

Todos perceberam o plano do alucinado Philliph: Acabar com a energia de torchwood e sair de lá, de modo que ninguém pudesse segui-lo. A mente de John trabalhava freneticamente, avaliando suas opções. Um homem assustado daquele jeito, se conseguisse fugir, seria um perigo para si mesmo e para a sociedade. Quando viu que Philliph havia travado coordenadas, John partiu para cima dele e tentou impedi-lo. O que ele não contava era que Rose tentaria impedi-lo também. Mas o medo e a confusão impeliram Philliph, e ele conseguiu ativar o manipulador.

Então Daniel ergueu a pistola, e Philliph viu, de modo que sacou sua própria arma e atirou. Ouviu-se o flash característico do teletransporte começando. Daniel, tentando deter o soldado assustado, atirou também. John viu a bala de Philliph errar Daniel e teve menos de um segundo para entender onde a bala de Daniel pararia antes de os três sumirem das instalações de torchwood.

–-NÃO!

Ele prevera o momento segundos antes: Se colocou na frente de Rose no mesmo instante em que se ouvia o som característico do fim do teletransporte. Estavam em um velho prédio abandonado agora. John Smith sentiu a bala lhe perfurar o corpo e levou alguns segundos para processar tudo, então cambaleou para trás, as mãos pressionando o lado do corpo pouco abaixo do peito. Philliph havia caído, parado, os olhos arregalados de medo, mas sem emitir som nenhum. Aparentemente havia notado a dor de John e o desespero de Rose. O soldado se encolheu feito uma bola e se encostou em uma parede encardida, mudo, mas ainda segurando a pistola.

–-JOHN! Minha nossa... –Disse Rose. –Vem, vamos voltar...

–-Teletransporte inoperante, lembra? –Gemeu ele, caindo de joelhos. –Ele acabou com a energia de Torchwood...

Rose correu, se abaixou e apoiou o tronco de John em seu colo antes que o humano caísse. Ele respirava muito depressa, pressionando o ferimento, seu rosto uma máscara de dor. Estava muito pálido e seu sangue tingia tudo ao redor.

–-John...

–-Tudo bem... –Falou ele, a respiração entrecortada, engolindo a seco e buscando ar.

Rose Puxou para si a mochila do soldado e tirou uma comprida faixa de gaze de lá. Philliph notou e se afastou mais dos dois, exausto e nervoso, apontando a pistola. O grito de dor de John encheu os ouvidos de Rose enquanto ela dava algumas voltas no corpo do humano com a gaze. O fluxo de sangue diminuiu um pouquinho quando ela terminou, embora a situação ainda fosse alarmante. John tinha os olhos marejados e os dentes cerrados de dor.

–-Tudo bem... –Disse ela. –Tudo bem, torchwood vai ligar o teletransporte outra vez, tudo bem...

John fechou os olhos.

–-John, abra os olhos. –Pediu Rose, alarmada.

Ele obedeceu. Seus olhos já não eram brilhantes e inteligentes: Estavam opacos.

–-Vai dar tudo certo. –Disse Rose. Tudo o que conseguia fazer era repetir essas mesmas frases. –Vai ficar tubo bem, vai dar tudo certo.

Por algumas vezes entre as frases de Rose, John teve espasmos. Era involuntário. Ele respirava de uma maneira cada vez mais ruidosa. Rose não soube dizer quanto tempo passara ali. Soube apenas que tentou ao máximo mantê-lo consciente.

–-John...

–-Tudo bem, Rose... Ótimo... –Disse ele, engolindo a seco. Puxou mais um pouco de ar, fechando os olhos novamente. –Eu... Só...

–-John, fique de olhos abertos, por favor. –Pediu ela.

John obedeceu e Rose ajeitou melhor o humano em seu colo.

–-Você... Você poderia tirar essa gaze... –Disse ele.

–-Mas...

–-Seria mais rápido... –Engrolou John, tossindo. –Está doendo, Rose... Ah... Seria mais rápido...

–-Não, John! –Gritou Rose, descontrolada, deixando cair as lágrimas que havia segurado. –Torchwood vai ligar o teletransporte.

–-Isso dói... –Tossiu ele.

Rose ainda tinha a esperança de tudo ficar bem. Humanos sempre são esperançosos. Ficou dividida. Podia diminuir o sofrimento dele ou tentar, por um milagre, mantê-lo vivo. Ela se deu uma sacudidela mental por cogitar tal coisa. Nunca se perdoaria se desistisse de tentar mantê-lo vivo.

–-Você vai ficar bem. –Ela tornou a dizer.

–-Rose... Não... Eu... Não...

–-Você vai ficar bem, John Smith, porque eu estou mandando! –Gritou ela. Então baixou a voz. –Lembra de quando eu te convenci a comprar o carro usado? Você fez aquilo porque eu queria. Você usou uma flor na lapela no nosso casamento porque eu quis. Você vai ficar bem agora porque eu quero, certo? –Sua voz vacilou na ultima palavra, balançada pelas lágrimas.

–-Eu... –Começou ele, mas emudeceu, tendo mais um espasmo. Então ele esboçou um sorriso e ergueu a mão por milésimos de segundo, tocando a bochecha de Rose de forma tão leve que ela mal sentiu. Ele teve outro espasmo e tossiu.

–-Sabe... –Comentou ele, baixinho. –Não dói tanto assim agora...

Mal acabou de dizer isso, John foi tomado por um pequeno acesso de tosse e uma quantidade significante de sangue voou de sua boca. Ele agora tremia dos pés a cabeça, mal conseguindo respirar. Rose se desesperou. Foi com uma voz tremida e pausada que John Smith formulou sua ultima frase.

–-Cuide... C-cuide do Jack e da... da Sarah e... Se... Se cuide, Rose... –Ele tomou fôlego e tentou sorrir. –Boa noite.

Ele chegou a inspirar da mesma forma agonizante que indicava que estava vivo, então começou a expirar. Expirou o ar de forma suave, tranquila, como ninguém é capaz de fazer em vida. Expirou os últimos traços de seu sorriso mutilado. Expirou o ultimo sopro de vida de seu corpo. Enquanto expirava, seus olhos continuaram abertos, com uma expressão muito semelhante aquela que ele adotava quando Rose estava muito bonita. Então eles se fecharam.

–-John... –Disse Rose, com um esforço monumental. –Abra os olhos.

Mas ele não obedeceu. Rose o ajeitou melhor em seu colo e a mão do humano tombou para o lado. Esforçando-se para não perder o controle, Rose lhe disse algo baixinho, no ouvido direito.

–-Boa noite. –E lhe afagou os cabelos.

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Daniel corria para lá e para cá, tentando a todo custo religar a energia. Estava ficando velho! Em outras épocas, jamais teria se preocupado tanto assim com agentes, não a ponto de sair correndo por toda a Torchwood gritando com todos, mas John e Rose haviam abrido espaço nele para essa sensação a força. Estava preocupadíssimo com o que Philliph poderia causar a John e Rose, desequilibrado como estava. Apenas de todos os seus esforços, só conseguiu reestabelecer a força meia hora depois. Ele voou até o rádio.

–-Smith, Tyler! –Chamou, mas ninguém respondeu. Tentou novamente. –Smith, Tyler! –Então jogou toda a sua formalidade pelos ares. –JOHN! –Berrou. –ROSE!

–-Aqui. –Respondeu a voz de Rose do outro lado da linha, estranhamente vazia e distante. –Pode religar o teletransporte? Você está atrasado, Daniel.

O headmaster não se importou em perguntar nada, apenas deu a ordem para o teletransporte.

As luzes do salão pareceram ficar mais fortes no segundo em que os três seres humanos apareceram. Rose estava sentada nas próprias pernas e apoiava um John inconsciente. Philliph estava caído mais adiante, apontando a pistola para todos, menos para John e Rose.

Um silencio estupendo se apoderou da base e todos olharam para Daniel, esperando que ele fizesse algo, mas Daniel não fez. Porque só havia um motivo para o olhar de Rose estar tão perdido. Só havia um motivo para ela não chegar gritando por ajuda para John. Só havia um motivo para o olhar de Rose ter perdido metade do seu brilho. Daniel olhou para o sangue que cobria boa parte do tronco de John e Rose e compreendeu tudo, nos milésimos de segundo que levou para um dos soldados, o mesmo que estivera em missão com Philliph, correr até o amigo e tentar acalma-lo, em vão, para depois injetar algo em seu braço. Os segundos se passaram, e toda a Torchwood estava em silencio.

A culpa é minha. Pensou Daniel. Meu Deus, eu matei John Smith!

Você está atrasado, Daniel. Fora o que Rose dissera.

Sim, Rose, estou. Respondeu Daniel mentalmente. Sinto muito, mas estou. Acertei-o e não consegui religar a energia a tempo... Sinto tanto!

A volta dele o mundo começou a se quebrar, pedaço por pedaço. Philliph cedeu ao medicamento na veia e desmontou inconsciente, sendo levado dali por seu amigo, que antes lançou um olhar pesaroso na direção de John e Rose.

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Um dia inteiro havia se passado. Rose Tyler estava sentada em um banco de madeira muito duro e tinha os braços de Pete e os bracinhos de Jack passados ao seu lado. A pequena Sarah estava em seu colo, e parecia não entender o que estava acontecendo, pois continuava a falar com sua boneca normalmente. Já Jack, que parecia compreender um pouco o que estava acontecendo, tinha os olhos arregalados de espanto. Tonny estava ao lado de Pete e parecia não se sentir muito bem: Revivia o momento de meio ano antes, com sua mãe, do mesmo modo que Rose.

Estavam na igreja da cidade, bem no primeiro banco. A mesma em que John e Rose haviam se casado. A mesma em que Tonny, Jack e Sarah haviam sido batizados. O padre explicava a todos qual era finalidade da morte, mas Rose não ouvia. Tinha os olhos fixos no espaço a sua frente, onde uma caixa de madeira polida guardara o que, até um dia antes, fora um humano que pertencia a ela. Onde também haviam posto outra caixa, com sua mãe. Haviam colocado um terno nele e penteado bem seus cabelos. Rose achou que o que mais combinaria com seu humano seria um moletom e cabelos bagunçados, mas nada comentou.

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Rose não quis assistir a cerimonia humana de jogar terra por cima do corpo de John, de modo que saiu dali, levando Sarah e Tonny consigo. Jack quisera ficar, e Pete prometera que cuidaria dele. Jack sempre fora um menino muito corajoso.

–-Mamãe, porque o papai está deitado naquela caixa? –Perguntou Sarah. Rose engoliu o choro e sorriu para ela, mas não soube o que dizer.

–-Porque ele morreu. –Disse Tonny, nadando na tristeza das lembranças.

Naquele momento Sarah, sem mesmo compreender tudo, entendeu que era um momento triste e que queria seu pai de volta. Foi somente quando ela chorou que Rose se permitiu chorar também, pela primeira vez, desde que John fora tirado de seus braços em Torchwood. Mas os meses a fariam parar de lamentar, como é típico dos humanos. Afinal, o tempo cura quase tudo.

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Pete não tardou a ir, se juntou a Jackie, deixando Tonny sozinho com a casa e a futura esposa, anos mais tarde. Rose Tyler também se foi, como é típico dos humanos, mas apenas quinze anos depois, já bem mais velha e com alguns fiozinhos grisalhos nos cabelos. Ela morreu por algo que cresceu em seu coração e o fez parar no meio da noite. Sarah, que ainda morava em casa e estava no último ano do ensino médio, foi quem encontrou a mãe. Ela simplesmente caíra ajoelhada no chão e gritara, gritara muito, tampando os ouvidos com as mãos. A filha da vizinha e sua mãe vieram acudir, e foram elas que cuidaram de quase tudo, afinal, a filha da vizinha era a melhor amiga de Sarah Smith Tyler. Melhores amigos são importantes para os humanos.

Sarah ligara para Jack e contara o ocorrido. Ele largou tudo na faculdade, deixando o quarto nos cuidados do colega com quem o dividia e correu para casa, onde abraçou Sarah com força, sem dizer absolutamente nada. Os dois choraram juntos, abraçados. Tinham dezoito e vinte anos. Seria uma idade alta o suficiente para ficar sem os pais? Nenhuma idade é, para nenhuma espécie no universo que tenha sentimentos.

Foram às cerimonias, se sentido péssimos, embora soubessem, nem que fosse da maneira mais elementar, que o tempo os faria parar de lamentar, como é típico dos humanos. Afinal, o tempo cura quase tudo.

A lápide de Rose Tyler ficava ao lado da lápide de John Smith, e a mesma frase que foi gravada na lápide dele foi gravada na lápide dela. Era uma frase curta, que assombrava e maravilhava todos que a liam.

“A única certeza da vida humana é a morte.”

Jack colocou uma flor na lápide da mãe e Sarah colocou uma na lápide do pai. Os dois deram os braços e começaram a andar, na frente do cortejo. Estavam começando a formar suas famílias, com namorados e planos. John e Rose se sentiam orgulhoso dos filhos, de onde estavam.


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Notas finais do capítulo

Quando eu me toquei que faltava tão pouco quase chorei na escola. Me apeguei tanto a essa história que é como se John e Rose caminhassem ao meu lado as vezes... Simplesmente não sei o que vai ser de mim quando eu clicar naquela caixinha de "história concluída". Mas os meses me farão parar de lamentar, como é típico dos humanos, dos senhores do tempo e toda espécie dotada de inteligência. Afinal, o tempo cura quase tudo.