2º Temporada†:Treze Noites De Terror† escrita por Vega Sage
Notas iniciais do capítulo
Alguem:Que travesseiro gostoso
Travesseiro:Eu tbm Acho isso
Sua lua de mel foi um longo calafrio. Loura, angelical e tímida, o caráter duro de seu marido gelou-lhe as sonhadas criancices de noiva. Ela o queria muito. Todavia, às vezes, quando voltavam à noite juntos pela rua, lançava, com um ligeiro estremecimento, um olhar furtivo à alta estatura de Jordán, mudo há uma hora. Este, de sua feita, a amava profundamente, mas sem demonstrar. Durante três meses ― eles haviam-se casado em abril ― viveram uma felicidade especial. Sem dúvida houvera ela desejado menor austeridade neste rígido céu de amor, e maior incauta e expansiva ternura; mas o impassível semblante do marido a tolhia sempre. A casa em que viviam influía um pouco em seus estremecimentos. A brancura do pátio silencioso ― frisos, colunas e estátuas de mármore ― produzia uma outonal impressão de palácio encantado. Lá dentro, o brilho glacial do estuque, sem a mais leve ranhura nas altas paredes, confirmava aquela sensação de frio desagradável. Ao cruzar de um cômodo ao outro, os passos ecoavam por toda a casa, como se um grande abandono houvesse tornado mais sensível a sua ressonância. Nesse estranho ninho de amor, Alicia passou todo o outono. Não obstante, havia terminado por descer um véu sobre os seus antigos sonhos, e ainda vivia adormecida na casa hostil, sem querer pensar em nada, até que chegasse o marido. Não seria de estranhar que emagrecesse. Teve um ligeiro ataque de gripe que se arrastou insidiosamente por dias e dias. Alicia não se restabelecia nunca. Ao fim de uma tarde, pôde sair ao jardim, apoiada no braço dele. Olhava indiferente para um lado e para o outro. De súbito, Jordán, com profunda ternura, passou-lhe a mão pela cabeça, e Alicia, em seguida, rompeu em soluços, lançando-lhe os braços ao pescoço. Chorou profundamente todo o seu horror reprimido, redobrando os prantos à menor tentativa de carícia. Então, os soluços foram-se abrandando, mas ela ainda ficou um bom tempo aninhada ao pescoço do marido, sem mover-se e sem dizer palavra. Foi esta a última ocasião em que Alicia manteve-se de pé. No dia seguinte, acordou desvanecida. O medico de Jordán examinou-a com grande atenção, ordenando-lhe calma e repouso absolutos. ― Não sei ― disse-lhe, com voz baixa, à porta da casa. ― Ela é presa de uma grande debilidade, que não sei explicar, e sem vômitos, sem nada... Se amanhã ela acordar como hoje, chame-me de imediato. No dia seguinte, Alicia piorou. Veio o médico. Constatou-se uma anemia de agudíssima evolução, completamente inexplicável. Alicia não teve mais desmaios, mas caminhava visivelmente ao encontro da morte. Durante todo o dia, o quarto permanecia com as luzes acesas e em total silêncio. Passavam-se horas sem se ouvir o menor ruído. Alicia dormitava. Jordán permanecia todo o tempo na sala, também com todas as luzes acesas. Marchava sem cessar de um extremo ao outro, com incansável obstinação. O tapete abafava os seus passos. Às vezes, entrava no quarto e prosseguia o seu mudo vaivém ao longo da cama, olhando para a mulher cada vez que caminhava em sua direção. Logo Alicia começou a ter alucinações, confusas e flutuantes a princípio, mas que desceram, em seguida, ao rés do chão. A jovem, com os olhos desmesuradamente abertos, não fazia senão olhar para os tapetes, estendidos num e noutro lado da cama. Uma noite, ficou repentinamente com o olhar esgazeado. Num certo momento, abriu a boca para gritar, e suas narinas e seus lábios se encharcaram de suor. ― Jordán! Jordán! ― gritou, rígida de espanto, sem deixar de olhar para o tapete. Jordán correu ao quarto e, ao ver o assomar de Alicia, deu um grito de horror. ― Sou eu, Alicia! Sou eu! Alicia o fitou com olhar enviesado. Olhou para o tapete curso de informática e novamente para ele, e, depois de um longo tempo de estupefata confrontação, acalmou-se. Sorriu e tomou entre as suas mãos as do marido, acariciando-a, a tremer. Havia, entre as suas alucinações mais desvairadas, a de um antropoide que, apoiado no tapete sobre os dedos, a olhava fixamente. Os médicos voltaram inutilmente. Havia ali, diante deles, uma vida que se extinguia, dessangrando-se dia a dia, hora a hora, sem que ele soubessem absolutamente como. Na última consulta, Alicia jazia em torpor, enquanto os médicos a pulseavam, passando de um para o outro o pulso inerte. Observaram-na, silenciosamente, por um longo tempo, e seguiram para a sala de jantar. ― Pst... ― deu de ombros, desalentado, o médico. ― É um caso sério... pouco há o que fazer. ― Era só o que me faltava! ― respondeu Jordán. E tamborilou bruscamente sobre a mesa. Alicia seguiu definhando-se em seu delírio de anemia, que à tarde se agravava, mas que amainava sempre às primeiras horas da madrugada. Durante o dia, a enfermidade não progredia, mas, a cada manhã, Alicia acordava lívida, quase em síncope. Parecia que unicamente de noite a vida se lhe escapava em novas asas de sangue. Ao despertar, tinha sempre a sensação de ter sido arrojada na cama com um milhão de quilos sobre si. A partir do terceiro dia, este desmoronamento não mais a abandonou. Apenas podia mover a cabeça. Não queria que tocassem na cama, nem mesmo que lhe ajeitassem o travesseiro. Seus terrores crepusculares evoluíram em forma de monstros que se arrastavam até o leito e subiam dificultosamente pela colcha. Depois, perdeu os sentidos. Nos dois dias finais delirou sem cessar, a meia-voz. As luzes continuavam funebremente acesas no quarto e na sala. E no silêncio agônico da casa não se ouvia mais que o delírio monótono que saía da cama, e o rumor abafado dos eternos passos de Jordán. Alicia morreu, finalmente. A empregada, que entrou depois para desfazer a cama, já vazia, olhou um instante, com estranheza, para o travesseiro. ― Senhor! ― chamou Jordán em voz baixa. ― No travesseiro há manchas que parecem de sangue. Jordán aproximou-se rapidamente, abaixando-se. De fato, sobre a fronha, de ambos os lados da concavidade deixada pela cabeça de Alicia, viam-se pequenas machas escuras. ― Parecem picadas ― murmurou a empregada, depois de um momento de imóvel observação. ― Levante-o para a luz ― disse-lhe Jordán. A empregada ergueu o travesseiro, mas logo o deixou cair, e ficou a mirá-lo, pálida, a tremer. Sem saber por quê, Jordán sentiu que os cabelos se eriçavam. ― O que há? ― murmurou com a voz rouca. ― É muito pesado ― falou a empregada, sem deixar de tremer. Jordán o levantou. Pesava extraordinariamente. Saíram com ele, e, sobre a mesa da sala de jantar, Jordán, com um talho, cortou a fronha e a capa. As penas superiores voaram, e a empregada deu um grito de horror, com a boca escancarada, levando as mãos crispadas à cabeça. No fundo, entre as penas, movendo lentamente as patas aveludadas, jazia um animal monstruoso, uma bola vivente e viscosa. Estava tão inchado que somente a boca se lhe sobressaía. Noite após noite, desde que Alicia adoecera, ele tinha aplicado secretamente a sua boca ― ou, melhor dizendo, a sua tromba ― às têmporas da doente, sugando-lhe o sangue. A mordedura era quase imperceptível. A remoção diária do travesseiro sem dúvida impedia o seu desenvolvimento, mas desde que a jovem não mais logrou mover-se, a sucção tornou-se vertiginosa. Em cinco dias e cinco noites, tinha esvaziado Alicia. Esses parasitas das aves, pequenos em seu meio habitual, chegam a adquirir, em certas condições, proporções enormes. O sangue humano parece ser-lhes particularmente favorável, e não é raro encontrá-los nos travesseiros de penas.
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Cada gota de sangue inocente derramado clama vingança contra o príncipe que fez afiar a espada