Nós dois permanecemos parados ali, sem nos movermos nem ao menos um centímetro. Eu pedia internamente para ele gritar "Iê ié, pegadinha do malandro!" ou "Feliz 1° de abril!", mas ele não o fez.

Comecei a rir nervosamente, dando gargalhadas altas que qualquer pessoa que ouvisse me mandaria no mesmo momento para um hospício.

- Ah Charlie, suas piadas são mesmo ótimas! - eu disse, enquanto ele pegava mais uns papéis em cima da mesa que estava esquecendo e os guardava.

- Que piada? Eu falei sério - ele respondeu, me fazendo parar de rir no mesmo instante.

- Sério? Como assim sério? - o ruivo perguntou, em tom nervoso. - Você acabou de pedir para um total estranho tomar conta da sua única filha! - se aproximou de mim e sussurrou audível. - Você é filha única, né?

- Você não é um total estranho, é o cara que mora no apartamento na frente do quarto da minha menina - ele passou por nós, vendo o motorista parado na porta. - E é exatamente por isso que quero que você cuide dela, se tiver alguém suspeito dentro do seu quarto, quero que alguém a pare!

- CHARLIE! - berrei, sentindo minhas bochechas ficarem quentes de vergonha. Castiel soltou uma risadinha abafada.

- Eu tenho o direito de ser um pai preocupado, ou não? - irônico, como sempre. Mexeu no próprio bolso e tirou uma chave dali, a jogando para o garoto ao meu lado. - Não deixe ela matar aula, acabar com os meus cartões de crédito ou fazer festas, o.k.?

Ele pensou um pouco e o que eu não daria para saber o que se passava pela sua mente... Assentiu, com um sorriso no rosto.

- Durante a manhã, a governanta vai estar em casa, qualquer coisa que precisar, fale com ela - ele entrou no carro. - E não façam nada que eu não faria. Estou de olho em vocês.

E o carro se foi. Escondi meu próprio rosto entre as mãos. Por que, por que, por quêêêê? O que eu tinha feito para merecer aquilo? Eu só posso ter dançado poli dance na cruz!

Ou talvez... Talvez isso não tenha acontecido, é! Talvez eu esteja apenas em um sonho e daqui a uns minutos vou acordar com um grito alto por causa desse pesadelo horrível... Contagem regressiva para acordar, 3... 2...

Fui interrompida pela risada do garoto, ele tinha os braços atrás da nuca preguiçosamente e caminhava pelo jardim enquanto continuava rindo.

- Qual é a graça? - perguntei, caminhando ameaçadoramente até ele.

- Quem diria que você vai ter que me aguentar todos os dias, eim? - ele respondeu com outra pergunta, analisando bem a chave em sua mão.

- Não vou ter que te aguentar, você não o conhece, ele tem um senso de humor estranho, piadas sem graça... Você deve saber como é...

- Por que a piscina é coberta? - ele ignorou totalmente minha explicação, voltando a analisar o lugar.

- Ninguém no seu prédio pode nos ver assim - fui até uma espécie de caixa de fuzíveis e apertei um interruptor, no mesmo instante aquele negócio que estava cobrindo a piscina começou a se abrir, exibindo o céu quase escuro. - É bonito de noite.

- Acho que isso pode ser até interessante... - deu um meio sorriso.

Revirei os olhos comigo mesma e entrei em casa, fechando a porta. Não fazia a menor diferença trancar ou não, ele poderia entrar de qualquer jeito mesmo, então... Ah, que problemático...

Fui até a cozinha e liguei o rádio bem alto, começando no mesmo instante a cozinhar. Tinha acabado de cozinhar na casa de, mas não comi absolutamente nada e continuo com fome. Fiz dois tipos de molho, o vermelho normal, de tomate, e o branco. Fiz uma lasanha apetitosa.

Notei a cabeleira ruiva me observando enquanto eu cantava o refrão da musica que tocava no rádio. A lasanha estava no forno.

- Mas você gosta mesmo de cozinhar! - comentou, sentando-se em uma cadeira perto de mim.

- Cozinhar me acalma, me faz lembrar de... - suspirei. Essa coisa de guardar segredo é muito ruim!

- Lembrar de...?

- De tempos onde eu não estava aqui - tive vontade de dizer algo como "tempos onde você não estava aqui!", mas esse não é o momento certo para começar uma briga. Estou simplesmente esgotada.

- Onde você estava antes de estar aqui?

- Como se você se interessasse...

- Se eu pergunto, é porque quero saber. - suspirei.

- França - eu já tinha dito isso na sala, mas ele chegou atrasado, como deve ser frequente.

- E o que faz com que alguém se mude da França para esse fim de mundo?

- Problemas.

- Que problemas?

Ignorei a pergunta e peguei uma daquelas luvas enormes para tirar coisas quentes de dentro do forno e tirei a lasanha. Faltavam uns poucos minutos, mas não era nada irremediável, pelo menos fez com que ele esquecesse o interrogatório e se voltou para a comida.

Coloquei sobre um apoio em cima da mesa e peguei dois pratos, garfos e facas. Entreguei um de cada para ele e começamos a comer.

E mais uma vez meu talento para a culinária me salva de perguntas que eu não quero responder! Eu devo muitos agradecimentos à minha mãe, por ter me obrigado a ir naquelas aulas idiotas mesmo sem eu querer...

Castiel comia como se nunca tivesse comido uma lasanha na vida, seu rosto todo sujo de molho, mas NÃO, dessa vez eu NÃO vou fazer a merda que eu fiz da última vez!

Empurrei o prato para longe, não tinha comido mais da metade do que tinha posto ali, mas já me sentia satisfeita. Nada menos justo depois de tudo o que tinha acabado de acontecer.

- Não vai terminar de comer? - ele perguntou, tentando limpar o canto da boca, mas só sujando ainda mais.

- Estou cansada demais para comer... - dei um meio sorriso. - Coloca direto na geladeira quando terminar, tá? - ele assentiu. - Vai dormir aqui ou na sua casa?

Ele sorriu. Idiota. Aquilo estava soando como um "dorme comigo?", mas na verdade não era nada daquilo, era que eu não tive a menor escolha e agora teria de conviver com ele, querendo ou não. Deprimente.

- Quer saber? Tanto faz! - disse por fim, saindo da cozinha. - Se ficar na sua casa, tranque a porta quando sair, se ficar aqui, não ouse entrar no meu quarto ou será um homem morto! - berrei já nas escadas.

Entrei no meu quarto e tranquei a porta. Não queria surpresas desnecessárias. Comecei a rasgar umas revistas e jornais que tinha guardados para pesquisas e colei na janela. Se não tinha uma cortina decente, precisava de algo que protegesse minha privacidade ao mínimo.

Coloquei meus fones e aumentei o volume quase ao máximo, me deitando na cama. Ainda pedia para que aquilo fosse um sonho, mesmo sabendo que não era.

- Você está aí em cima, não está? - falei, de olhos fechados. - Por que não me protege de coisas assim?

POV Castiel

É simplesmente impressionante o tanto de merda em que eu me meto por causa de garotas. Vamos falar apenas de hoje! Primeiro levei uma suspensão por causa de duas (isso não foi exatamente ruim, mas ainda assim conta!) , agora estou responsável por uma!

Tá, eu poderia apenas ter negado ao pedido do pai dela, mas é nunca que eu vou negar o pedido de alguém para ficar numa casa enorme como aquela, com uma piscina linda como aquela e ainda com uma cozinheira de mão cheia feito ela.

Faz mesmo muito tempo desde quando não como uma comida tão boa quanto a dela, da última vez que eu me lembro... É, eu tinha uns treze anos da última vez, e foi quando meus pais começaram a viajar de um lado para o outro, passando meses e mais meses fora de casa e praticamente me abandonando.

Depois disso me emanciparam e até hoje recebo uma gorda mesada para fingir que estou bem sem eles. Até um tempo atrás eu estava, mas aquela garota... Beatriz, eu acho. Ela me fez lembrar de coisas que eu tento esquecer há anos e eu acho que...

Ah, não sei o que eu acho. Não sei o que eu sei. Não sei absolutamente nada sobre ela, está sempre na defensiva, não consigo ter uma conversa normal com ela e ela parece estar se isolando, querendo ficar sozinha no seu próprio "mundinho''.

Mas eu ainda vou saber mais sobre ela, nem que tenha que ser na marra. Vou ter tempo suficiente nessa casa...