Para Hazel,poucas coisas eram mais relaxantes  do que a envolvente melodia do Jazz.

A menina sentava numa mesinha para dois, com um bloco de desenhos e um bolinho recheado sobre a mesa. Hazel eventualmente se encontrava no clube de Jazz, situado embaixo do pequeno apartamento que dividia com sua mãe, Queen Marie.

A menina desenhava, uma de suas grandes paixões. Ergueu a cabeça por um momento, para tirar um dourado cacho que insistia em cair sobre seu rosto, quando avistou um menino de sorriso divertido, cabelos cacheados e olhos travessos.

-Sammy! –A menina exclamou- O que faz aqui?

-Vim te ver, Haze. –Ele respondeu, sorrindo-O que mais acha que eu estaria fazendo em um clube de Jazz caindo aos pedaços?

Hazel lhe deu a língua e respondeu que gostava de Jazz. Já conhecia Sammy bem demais para ligar para seus comentários implicantes.

-Então, o que está desenhando dessa vez, cachinhos dourados? –Ele perguntou com ar zombeteiro a Hazel, sentando-se na cadeira em frente à sua. E, antes que a menina pudesse protestar, tirou o desenho de suas mãos.

-Ah, que surpresa –Disse ele revirando os olhos –cavalos.

Hazel riu. Andar a cavalo era a coisa que mais gostava de fazer no mundo todo. Não tinha nada melhor que sentir o vento batendo em seu rosto, enquanto ouvia o galope do cavalo sob si.   Quando galopava, sentia-se dona de tudo, de todos. Quase esquecia-se  daquela horrível maldição...

Quase.

Notando a mudança no rosto de Hazel, Sammy logo tentou distraí-la.

-Ei- ele disse- Estava quase esquecendo o motivo da minha vinda. O que acha de uma galopada à luz da lua?

                                        ***

Incrível. Era a única palavra para descrevê-la. O jeito como ela galopava, como se tivesse nascido para fazer aquilo... Sammy não conseguia tirar os olhos dela.

Há poucos meses, havia descoberto um clube hípico. Era para brancos, é claro, mas à noite não havia nenhum vigia, e Sammy conseguia destrancar fechaduras até dormindo.

Desde então, pelo menos uma vez por semana, ele e Hazel passavam algumas horas no local. A mãe de Sammy tinha uma oficina, onde trabalhava o dia inteiro, e mal notava se o filho voltava ao meio-dia ou à meia-noite. A mãe de Hazel não era diferente, passava o dia inteiro em seu apartamento, atendendo aos poucos clientes que por lá apareciam.

O cavalo de Sammy deu um relincho e o garoto teve que se segurar para não cair. Diferente de Hazel, nunca fora muito bom em hipismo.

-Ei, o que houve,  Sammy? Não consegue me acompanhar?-Hazel gritou para o menino, rindo.

Sammy deu um sorrisinho e atiçou seu cavalo. Logo o vento fustigava suas roupas com tamanha agressividade que ele se sentia nu.

Porém, conseguiu alcançar o cavalo de Hazel. A menina olhou para o lado, assustando-se com a repentina aparição de Sammy. Ele sorriu, divertindo-se, e deu um adeusinho para ela. Hazel cerrou os dentes e atiçou mais ainda seu cavalo. Sammy gargalhou. Hazel podia ser a pessoa mais doce e educada do mundo, mas era também a mais competitiva em relação aos cavalos.

Mas ele sabia que nem em mil anos conseguiria ganhar uma corrida de Hazel. Por isso, nem se deu o trabalho de acelerar quando a menina tomou a dianteira novamente, chegando ao toco de árvore que marcava a chegada.

-Muito bem- Hazel disse, respirando com dificuldade, ao descer do cavalo. –Andou treinando sozinho?

-Muito engraçadinha, Haze. –Sammy respondeu- Foram só algumas horas, tá?

Os dois riram.

-Ei. –Sammy falou- São só oito horas. Tá a fim de fazer mais alguma coisa?

-Por que não?  -Aceitou Hazel, sorrindo.

                                        ***

-Mãe, já estou em casa! A Haze está aqui também! –Sammy gritou na porta da oficina da mãe.

Depois de ouvirem algo como um “hum” vindo da oficina, Sammy fez sinal de positivo para Hazel entrar.

A casa dos Valdez não tinha nada de especial, mas era maior do que a de Hazel. Papéis e ferramentas estavam espalhados pelos cômodos, e o ambiente todo fedia a graxa e óleo, mas ela não se importava. Qualquer coisa era melhor do que ficar em casa com Marie Queen e seus amuletos.

Seguiu Sammy até seu quarto.  O cômodo lembrava incrivelmente a personalidade de Sammy. Como todo o resto da casa, era atulhado de papéis, ferramentas e pecinhas, como se o garoto pensasse que arrumação era uma total perda de tempo; e Hazel sabia que essa era exatamente a opinião de Sammy.

-Fique à vontade, madame –ele brincou, fazendo uma reverência para Hazel- A casa, ah, desculpe, o quarto, é todo seu.

Hazel sorriu e pôs-se a examinar o bloco de notas de Sammy. Assim como Hazel, o garoto desenhava extremamente bem, mas os desenhos vinham acompanhados de anotações e cálculos muito complicados, dos quais a menina não entendia nem metade. Hazel sabia que Sammy ajudava sua mãe com projetos e planos de consertos, e que desejava dar continuidade em sua oficina.

-Nossa-ela exclamou admirada-Sammy, esses projetos são bons de verdade.

-Bem, eles não podem ser bons de mentira, não é? –Ele riu.

-Não... É sério, Sammy. –Hazel replicou, séria- Você poderia ganhar um bom dinheiro com eles, sabe?

-Até parece- ele duvidou- Quem iria comprar os projetos bestas de um garoto metade órfão de doze anos?

A menina sabia que Sammy fazia piada daquilo, mas, que, no fundo, se sentia tão mal quanto ela por não conhecer seu pai.

-Ei... Não fala assim, Sammy.  Seus projetos não são bestas, e você não é apenas um garoto de doze anos –Hazel consolou-o.

-Sim, eu sou. –ele disse, aborrecido

-Não, não é. –A menina discordou, balançando a cabeça, com força. –Nenhum menino comum de doze anos consegue fazer projetos como esse.

-O que quer dizer? –Sammy perguntou, olhando diretamente nos olhos de Hazel.

-Quero dizer, Sammy, que eu tenho certeza de que você é muito mais do que apenas um garoto de doze anos. Tenho certeza que você é especial.

-Nós somos, Haze. Nós somos.- O menino respondeu, abraçando Hazel