Eu caminhava em meio aos corpos, sentindo um gosto amargo na boca. Talvez fosse sangue.

Observava os mortos a minha volta, todos que fizeram tanto esforço em vão, para apenas caírem em meio à poeira e escombros no chão. Tantos foram mortos for mim mesmo.

Vou mancando em meio a eles, minha perna esquerda foi gravemente ferida, o sangue corre pelo meu rosto, pela minha roupa, pelas minhas mãos, pelo meu corpo inteiro. E não apenas o meu.

Sou um assassino. Que está prestes a morrer.

Eu poderia lutar mais um pouco, poderia me salvar, achar Karin e fazer ela me curar, ou Kabuto, ou até mesmo Orochimaru, se ainda estiver vivo. Mas eu apenas desisti de mim. Desisti depois de ter feito aquilo.

Então, finalmente chego em frente ao corpo que estava procurando, queria revê-lo antes de me entregar completamente à morte. Dou dois passos e paro ao seu lado, evitando olhá-lo.

Não preciso fazer esforços para me agachar, quando dobro meus joelhos, minha perna esquerda simplesmente cede e eu caio sentado no chão. Patético.

Respiro fundo e fecho os olhos. Tenho que estar pouco ligando pra minha vida para ter descuido como esse, já que poderia ser atacado a qualquer momento.

Minhas mãos estão apoiadas no chão, tento controlar o tremor dos meus braços, na verdade, o tremor do meu corpo inteiro.

Abro os olhos e, em um pulo, fico de frente para o corpo que estava ao meu lado.

Arrepios passam pelo meu corpo ao vê-la.

Seus cabelos rosa estão manchados de sangue agora, suas orbes verdes estão arregaladas, seu corpo frágil está imóvel, com muitos ossos quebrados e manchas de sangue pelo abdômen.

E fui eu quem a matou.

Posso sentir que o sangue dela ainda está preso em minhas roupas e em minhas mãos.

Na hora em que a matei, eu estava irracional, dominado pelo ódio que cercava o campo de batalha, estava confuso e com raiva, matei todos que apareceram em minha frente, então ela tentou vir me acalmar. Foi uma péssima escolha.

E agora eu estou aqui, com um nó na garganta, e sentindo este gosto amargo que se mistura com o sangue, este gosto quase que se parece com arrependimento, com agonia. Quase.

Levei a minha mão direita e toquei levemente sua face alva.

― Sakura... ― eu sussurrei. Meus dedos faziam um caminho circular em sua bochecha, enquanto eu era atingido por um rio de memórias.

“― Sasuke-kun ― dizia a garota, com aquele sorriso tímido no rosto, com a face corada, cheia de esperanças.

― Irritante ― eu apenas dizia, vendo a decepção tomar conta do rosto dela, mas ela não persistia mais depois disso.”

Eu sabia que ela era apaixonada por mim, mas eu sempre ignorava e tratava de afastá-la. Tudo o que eu queria era matar meu irmão e vingar meu clã, eu não podia me distrair com esse tipo de coisa fútil.

Afinal, Sakura não era a única que me incomodava, muitas outras garotas não saiam da minha volta, mesmo que eu achasse isso chato, achasse irritante, elas sempre estavam lá, e eu apenas ignorava e seguia meu caminho sozinho.

Até que inventaram de me pôr em um time com ela e com Naruto. Então minha vida jamais foi à mesma. Eu aprendi o que era se importar com alguém, aprendi sobre os sentimentos dos outros, mesmo que o único que cabia em mim era o ódio.

Nunca admitiria isso, mas admirava Naruto acima de quase todos, menos acima de seu irmão. Naruto o havia ensinado o valor dos laços que carregamos, Naruto havia o ensinado sobre nunca desistir, não importa a situação, Naruto o havia ensinado sobre a amizade, e até onde isso podia o levar.

Já Sakura, o ensinou sobre o amor, sobre o quão forte este sentimento podia ser, até onde ele poderia te levar, e que ele jamais morria, não importante quanto tempo passasse.

Esses foram os laços que fizera sem ao menos notar, quando percebi, era tarde de mais. Eu estava tomado pelos sentimentos novos e pelo ódio, confuso, mas esta foi apenas mais uma batalha que ódio venceu.

Me arrependo de quase tudo. Me arrependo de ter matado meu irmão, de ter matado aqueles que há anos me consideravam seu amigo. Me arrependo de ter me juntado a Orochimaru. Quase me arrependo de deixar a vila. Quase.

Se meu irmão me visse agora, sentiria nojo de mim. Ainda bem que o matei antes que pudesse me ver desse jeito.

Só de pensar que as coisas poderiam ser diferentes se eu soubesse a verdade antes. Se eu soubesse de tudo, poderia ter ficado em Konoha, me tornado ANBU e me casado com a Sakura, sim, acho que se eu tivesse ficado, tentaria dar uma chance para ela. Eu ainda seria o grande amigo de Naruto, mesmo que continuássemos com as briguinhas sem sentido. Logo ele acharia alguém que o merecesse e se casaria também, ele se tornaria Hokage, e eu, chefe dos ANBUs. Perfeito.

Mas as coisas não podiam ser assim. Porque eu jamais podia ter um final feliz. Eu tenho que pagar por tudo que fiz, mesmo que dentro de mim ainda tenha uma impulsão por matar, vou ficar aqui, do lado dela, e esperar a morte vir.

Sakura foi a única garota que um dia eu cheguei a sentir algo. Não, não foi amor. Amor foi uma coisa que sempre se manteve longe do meu coração.

Eu sentia necessidade de protegê-la, achava que ela era dona de uma beleza nostálgica, mesmo sendo irritante, ela se importava comigo e queria me salvar. E ainda tinha aquele amor estúpido que fez com que ela jamais desistisse de mim.

E agora eu sei que o gosta na minha boca é de arrependimento. Por tê-la matado, por ter matado muitos dos meus antigos amigos. Por temer esses laços, que me levam a fazer coisas absurdas.

― Sasuke ― era a voz a Naruto, sua voz carregava espanto, incredulidade e desespero. ― Você ... eles... a Sakura-chan... ― a voz dele morreu, enquanto parecia assimilar tudo, seu rosto ficou inexpressivo.

― Fui eu, matei todos ― disse, simplesmente, tentando parecer não me importar, tentando parecer indiferente e frio, tentando parecer uma ameaça. Tentei me levantar, fazendo alguns selos com as mãos, mas era apenas para parecer que o atacaria, para fazer com que ele me atacasse e me matasse.

― Sasuke... por quê? ― ele disse, com uma dor visível em sua voz. ― Nunca desistimos de você... e agora... desculpe ― ele disse, vindo em mim direção. Pude ver toda a raiva e ódio em seu olhar, mas sabia que, mesmo que me matasse agora, Naruto não se entregaria ao ódio como eu fiz, que ele jamais deixaria sentimentos ruins o dominarem, que ele jamais agiria contra aqueles com quem tem laços, sabia que ele era merecedor de uma vida feliz, assim como a garota morta ao meu lado.

Estiquei meus dedos, até encontrar os dedos frios dela, e entrelaçá-los.

Naruto poderia ser tudo o que eu jamais pude. E eu sei que está certo desse jeito, afinal, fui eu quem decidiu ser um vingador, fui eu quem decidiu a minha morte.

Senti a frieza da mão de Sakura preenchendo meu corpo, me entreguei totalmente a essa sensação, me entreguei totalmente a morte que estava por vir, e pedi que, pelo menos em algum, em uma nova vida ou em um sonho antes da morte, encontrasse novamente ela, ou Naruto. Apenas queria ter uma esperança, uma pequena esperança, que, mesmo fazendo tudo o que fiz, meus laços não foram quebrados, queria ter essa certeza.

― Sakura ― sussurrei, apertando a mão dela com tanta força, que poderia ter quebrado. E esse sussurro foi a última coisa que disse antes de me entregar a morte.

É, pelo menos eu estava com ela, e me senti bem morrendo, pois estava dando uma chance de Naruto seguir em frente e de pagar por minhas escolhas.

Deixei um leve sorriso percorrer meus lábios enquanto vi a luz tomar conta de mim.

Acho que, enfim, segundos antes da minha morte, encontrei o meu final feliz.