A Elfa Escarlate escrita por Koda Kill


Capítulo 34
O bilhete secreto


Notas iniciais do capítulo

Se uma árvore cai no meio da floresta e ninguem vê, ela realmente caiu?



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Will foi tão intenso sobre eu não me atrasar e ele mesmo não estava no centro de treinamento. Olhei novamente para o relógio e tive certeza de que não tinha perdido a hora. Ainda bem que eu tinha pelo menos tomado um banho. Vai entender esse cara, sinceramente. 

Bom, já que eu ia esperar é melhor eu arranjar algo pra fazer. Quando minha mente fica livre demais pensamentos ruins invadem ela ou então Yuri… Não estou certa de qual dos dois é pior.

Por sorte eu tinha o livro de biologia feérica pra me distrair. Quem sabe, eu poderia descobrir algo interessante sobre o espectro, como me defender ou algo que me ajude de qualquer forma. Eu preferia não dar de cara com ele sem ter nenhuma chance de defesa.

 Pode ser que ele não fique muito feliz com o fato de eu não ter ideia do que diabos é o brilho ancestral. Se ele queria que eu encontrasse isso, podia ter me dado um pouco mais de informação. Sou uma elfa, não uma adivinha. 

Não há nada como ficar sozinha num lugar deserto com a possibilidade de um monstro aparecer para despertar mágicamente a sua vontade de estudar e ocupar a mente. Vamos logo com isso antes que eu tenha um troço. Suspirei e comecei a folhear o livro. 

Era interessante a quantidade de espécies mágicas que existem. A maioria hoje só se encontra nas capitais feéricas por conta da caça desenfreada dos humanos e risco de extinção. 

Na verdade, inúmeras raças já foram extintas, principalmente durante a grande perseguição. Usavam para fazer tintas, jóias, armas, decoração… Imagino quantas raças mais vão perecer nas mãos dos humanos ou por consequencia deles. Quanto mais nos morremos, mais o planeta sofre e morre, mais nossa magia se enfraquece e ainda assim eles simplesmente não se importam.

 Pessoas como Will são raras, muito raras. A mágica hoje em dia é mais fraca, inconstante. Principalmente se você vive fora das cidades feéricas, longe dos recursos naturais de mana. Até mesmo ele teria dificuldade de fazer grandes feitiços no instituto. Magos viviam ainda mais que os elfos e por isso seu nascimento era mais raro ainda.

Então sempre sentíamos um quê de tristeza quando vemos as espécies que já não existiam mais. Pulei rapidamente as listas extintas. Infelizmente esse não era o caso do espectro que está bem vivo e nem um pouco extinto. Nessas horas eu queria ter uma avó sabia pra quem perguntar em vez de ter que pesquisar em pergaminhos antigos como os incas e os maias.

 

Florifuga

(Nectara Etherealis)

 

Criatura que se assemelha à uma planta carnívora com folhas que brilham de noite. Perfume suave que atrai e distrai suas presas.

Poderes:

Crescimento acelerado, produção e controle de vinhas para ajudar a prender o alimento e sugar os nutrientes.
Liberação de pólen alucinógeno para confundir e paralisar.
Se regenera rapidamente em ambientes naturais

Fraquezas:

Suscetível a herbicidas mágicos.
Pode ser prejudicada por magia de gelo e fogo.
Incapacidade de se desenvolver totalmente em ambientes urbanos

 

Luarisco

(Luminis Silvarum)

 

Pequeno mamífero noturno com pelagem prateada e olhos grandes que tem fixação com a lua. Possui pernas ágeis e rabo com a ponta luminosa.

Poderes:

Saltos precisos e rápidos para evasão.
Comunicação através de ruídos sutis.
Pelagem que brilha levemente em locais pouco iluminados.

Fraquezas:

Suscetíveis a predadores noturnos.
Sensibilidade à luz intensa.
Precisa de descanso durante o dia

 

Mnemofago

(Memoricaptus Vampiris)

 

Possui uma silhueta escura, com olhos que brilham intensamente em um tom vermelho profundo e garras afiadas. Lança um olhar hipnótico. Sua pele é coberta por uma penugem falhada. Eles se alimentam de emoções negativas e memórias significativas das presas.

Poderes:

Conseguem acessar os sonhos das suas presas
Criam ilusões mentais com as informações coletadas.
Olhar paralisante e capacidade de produzir sombras

Fraquezas:

Tornam-se fracos e vulneráveis se não se alimentam regularmente.
São prejudicados por magia de fogo.
Podem ser afetados por emoções intensas demais e se tornar instáveis.

 

Nossa, alguns são de dar medo. Senti um arrepio percorrer minha coluna só de me imaginar sozinha na floresta com um mnemofago. Minha mente não conseguia evitar de pensar se esse processo é doloroso ou não. Bem que eu queria perder algumas memórias. Chega a ser tentador. Tossi tentando distrair minha mente das imagens que pipocaram atrás dos meus olhos.

Eram tantas espécies que eu não conhecia ainda, que eu me senti levemente sobrecarregada de informações. Acredito que minha próxima visita à floresta não seria tão agradável e despreocupada como costumava ser. 

Ainda bem que ainda estávamos em solo humano onde a maioria daquelas espécies não existia mais. Eu espero. Por outro lado, eu dei de cara com aquela criatura sombria não havia muito tempo. Sabem os Deuses quantos mais haviam soltos por aí que eu nem imaginava que existiam. 

Onde diabos estava aquele velho rabugento? Pra que encher tanto o meu saco  sobre se atrasar se nem ele mesmo apareceria na hora? Tentei espantar o medo de que algo tivesse acontecido ou que o espectro estivesse de fato entrando no instituto. Era irracional ficar pensando nisso, preciso limpar a mente. Ou então focar nos estudos.

Folheei novamente o livro, procurando algo que chamasse a minha atenção. Algumas páginas estavam rasgadas, torcia para que nenhuma das faltantes fosse relevante. Continuei investigando, até que um pequeno papel amarelado escorregou de dentro das páginas e caiu suavemente no meu colo.

 

“Eu sei o seu segredo Luna”

 

Encarei o papel por alguns segundos tentando fazer com que ele fizesse sentido. Minha mente se recusava a entender. Senti uma onda de dormência e vibração percorrer o meu corpo me fazendo levantar, como se as portas de uma grande comporta estivessem sendo abertas. 

E eu seria levada na enxurrada que viria sem dúvidas. O livro caiu solitariamente nos meus pés sem que eu me importasse. Eu queria correr mesmo sem ter nenhum lugar para ir e ao mesmo tempo eu me sentia paralisada, com os pés grudados no chão.

Minha respiração ameaçou falhar e comecei a me sentir sem ar enquanto encarava o pequeno pedaço de papel. As palavras se repetiam na minha mente que se recusava a seguir em frente com os pensamentos seguintes e se apegavam àquelas malditas palavras. Eu sei o seu segredo. Minha pressão caiu e minha vista ameaçou escurecer. 

Respirei fundo sentindo minha boca ficar seca e eu mal podia engolir ou conter os tremores nas minhas mãos que seguravam aquele minúsculo pedaço de papel. Poderia ser qualquer coisa, certo? Não necessariamente isso era sobre Yuri. Eu estava com um péssimo pressentimento. As paredes pareciam estar se fechando ao meu redor. Eu preciso me acalmar.

Poderia ser um blefe, poderia ser alguma bobagem como o fato de eu ter beijado Will ou sei lá. Se fosse um blefe minha reação entregaria tudo. Tentei as técnicas que Will me ensinou para limpar a mente e é claro que meu corpo se recusava a obedecer. Eu deveria fugir e deixar tudo pra trás? Talvez essa fosse minha única chance de escapar e a demora de Will fosse meu bilhete premiado. Ou talvez seu convite fosse uma armadilha.

É isso, agora eu estou morta, mortinha da silva. Fim da linha, the end. Eu sabia que era péssima em guardar segredos, só nunca pensei que isso de fato levaria à minha morte. Sempre fui muito certinha e pensava que isso nunca poderia me atrapalhar. Como fui ingênua.

Eu precisava me esconder, colocar minha cabeça no lugar. Enfiei o papel de volta no livro e o guardei na mochila com as mãos tremendo tanto que eu me atrapalhava com o zíper. Meu coração batendo a mil pensando que Will poderia chegar a qualquer momento e perceber o que estava acontecendo. Isso se não fosse ele mesmo.

Nunca pensei que um pedaço de papel tão pequeno pudesse me  desmontar daquela forma. Me senti tão fraca e patética. Não conseguia nem mesmo ter controle sobre o meu próprio corpo que tremia sem parar. Talvez fosse sobre aquele dia de roupa íntima na cantina. Poderia ser qualquer coisa certo?

Esvazia a mente, preciso esvaziar a mente. Estava tudo bom demais para ser verdade, eu sabia que cedo ou tarde isso seria a minha ruína. Alguém me seguiu até a cidade? Poderia ser Cadman ou a Vagaba-Adams querendo me ferrar? Agora eles podiam totalmente, se descobriram sobre Yuri. O diretor estaria me procurando? Estava vindo junto à Will? Minha mente disparava os questionamentos sem descanso enquanto eu prendia meus cabelos e me aproximava do saco de pancada.

Aquele era o único outro jeito de me acalmar que eu conhecia. A única coisa que eu podia fazer para resistir ao impulso de sair correndo antes que Will chegasse. Correndo em direção à Yuri. Eu teria ido se meu pés estivessem firmes o suficiente. Sinto que vou desmoronar sem forças a qualquer momento. 

Meu coração batia tão rápido que eu mal podia escutar o que acontecia ao meu redor acima do som seco dos socos no saco de pancada. Meu peito parecia apertar cada vez mais. Pelo menos seria coerente que eu morresse lutando. Mesmo que fosse contra o saco de pancadas. Lutei contra a onda de pânico que ameaçava me subjugar. 

Não, tenho que esvaziar a mente antes de pensar objetivamente. Poderia ser um blefe, pensei. Respirei profundamente tentando acalmar as batidas no meu coração. Aumentei a frequência dos golpes frustrada porque não estava adiantando. Cerrei os dentes com raiva de que até mesmo meu próprio corpo parecia me trair. Eu ia ter um infarto a qualquer momento.

Não se ouvia falar muito de feéricos que fugiram da nossa sociedade, mas não era impossível. Com certeza não é o tipo de coisa que seria divulgada e sim abafada. Se eu fugisse com Yuri, o instituto iria me perseguir? Seria possível fugir do seu domínio? Ou eu só estaria colocando Yuri em risco? Talvez eu devesse fugir sozinha e viver na floresta por um tempo até ter certeza de que é seguro. Senti uma mão tocando meu pescoço.

— Você está morta - Disse Will da mesma forma que ele sempre falava nos nossos treinos. Virei para ele assustada e senti todo sangue fugir do meu corpo. Dessa vez era diferente. Ele me odiava tanto assim? Senti minhas pernas falharem e cederem e cai no chão ofegante e trêmula. - Luna, você está bem?! - Eu não tinha mais forças, chegou a hora. Senti minha visão turvar diante das lágrimas. Seus dedos levantaram meu rosto. Não dava mais tempo para fugir, nunca conseguiria vencê-lo. Acabou.

— Então foi você? - De certa forma eu senti um pouco de conforto por não ter mais que esconder meu segredo. Um sorriso frágil brincou em meus lábios enquanto eu chorava silenciosamente encarando seus olhos amarelos. Talvez fosse melhor assim. - Faça rápido. 

— Do que você está falando? - Ele me encarava confuso. Isso só me fez chorar ainda mais. 

Sentia o peso do mundo inteiro me esmagando. Nunca pensei ser possível sentir tristeza, alívio, decepção, pesar e exaustão ao mesmo tempo. Mesmo o alívio era temporário. A morte estava vindo em minha direção e rápido. Eu podia sentir, se aproximando de mim, brincando comigo, me fazendo implorar por seu descanso. Will parecia completamente perdido sem saber o que fazer enquanto eu desabava mais uma vez na sua frente. Dessa vez eu nem mesmo tinha forças para expulsa-lo ou lutar contra ele e sua ajuda.

— Luna, o que aconteceu? - Perguntou ajoelhando-se ao meu lado com a voz tomada de preocupação genuína que só fazia meu coração doer ainda mais. Eu não podia falar.

Eu apenas encarava o chão enquanto lágrimas escorriam, completamente derrotada. Nunca pensei que esse seria o meu fim. Tão patética e fraca para quem desejava ser uma guerreira forte e reconhecida. Comandante da guarda real, até parece. Escutei Will suspirar frustrado, eu era apenas um peso e uma chateação para ele e pela primeira vez me senti mal por dificultar as coisas pra ele. Claramente EU sou o problema.

— Porque não saímos daqui? - Insistiu ele. Não sei o que me apavorava mais, o que aconteceria com os que ficarão ou que me esperava no além vida. 

Apenas concordei com a cabeça. Depois de alguns segundos, senti suas mãos nos meus ombros, me envolvendo delicadamente, e aquela terrível sensação de ser sugada pelo umbigo, como se eu estivesse sendo virada pelo avesso. 

Não tinha mais nada no estômago para vomitar e não acho que seria possível me sentir pior do que já me sentia. Então apenas apareci ajoelhada no chão da floresta. Seus braços firmes me ajudaram a levantar sem dizer uma palavra. Eu nem ao menos conseguia encara-lo. O que será que ele vai pensar de mim quando enfim descobrir…


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Notas finais do capítulo

Feliz Natal galeris! A chapa ta esquentando! Espero que tenham gostado desse capítulo. Alguem arrisca uma previsão? Estou com um probleminha em relação às imagens, assim que resolver edito os capitulos em que ficou faltando!



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