Crônicas Do Olimpo - A Ladra De Raios escrita por Laís Bohrer


Capítulo 2
A menina sem nome


Notas iniciais do capítulo

Lay*: Ainda revisando os capítulos, isso faz eu me sentir muito melhor em relação com o que eu escrevi. Enfim, eu lembro que antes de chegar no segundo capítulo, eu havia desistido e então voltado, foi assim por um tempo - eu queria desistir e depois voltava.
Eu tinha uma mania irritante de escrever com letra maiúscula no meio da frase .-.
Enfim, espero que goste.
Boa leitura ^^



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O tempo não nos torna mais sábios, apenas mais covardes. Eu não seria capaz de dizer uma coisa como essa e muito menos entender naquela época. Ninguém me explicaria isto, mas a meu ver a vida era como uma sala de espera, como um corredor repleto de portas abertas ou fechadas e no meu ponto de vista, todas elas estavam trancadas a sete chaves, protegidas pelos monstros que habitavam em meus sonhos.

O ar sacudia os balanços enferrujados pelo tempo, que gemiam de modo metálico e irritante. O fino chuvisco deslizava pelo metal frio do escorrega. O céu estava cinzento e um raio o cortava de vez enquanto.

A minha frente estava Amber Bagot, uma garota de cabelos louros e crespos que mal chegavam a altura de seus ombros. Atrás dela, na direita, uma garota mais baixa com cabelos castanhos ondulados mantinha uma expressão de nervosismo, me encarando com um misto de medo e desprezo. Na esquerda estava uma ruiva com sardas espalhadas pelo rosto, que olhava para os lados, provavelmente almejando sair dali.

Eu era a menina sem nome com as mãos sujas pela terra úmida daquela manhã cinzenta. Meu sangue estava fervendo, mas eu não podia revidar. Amber era muito maior do que eu, mais velha e mais forte. Ela mantinha um sorriso vitorioso no rosto e os braços cruzados satisfatoriamente, seus olhos verdes acastanhados me encaravam com tanto desprezo quanto eu o sentia.

– Vai chorar? – ela provocou. – Oh, vai chamar a mamãe?

Eu não vou chorar. Eu pensava.

– Ah, desculpe – Amber tampou a boca dramaticamente. – Esqueci que você nunca conheceu a sua mãe. Ela te abandonou, não foi? Disseram que ela te jogou no lixo.

Isso não é verdade. Cerrei os punhos.

– Faz sentido – as duas garotas atrás riram abafadamente. Amber continuou. – Você é um lixo.

Não era verdade, mas era fácil acreditar em qualquer coisa que diziam sobre minha família. Dez anos da minha vida estão em branco como um livro sem título e páginas em branco.

Amber sacou uma tesoura de ponta e se aproximou de mim.

– Que cabelo bonito – ela disse. – Não combina com você, deixe-me ajudar...

Antes dos meus dez anos eu não me lembro de nada ou de qualquer nome. Apenas me lembro de acordar com dois olhos cor de chocolate e de um brilho gentil acima de mim. Uma senhora havia me perguntado o meu nome.

Mas eu não sabia.

Também não sabia o que Amber faria com aquela tesoura antes de a chamarem.

– Amber! Vamos embora! – uma mulher loira disse a distância. – Pare de enrolar e vamos logo.

– Sim, mãe! – Amber respondeu escondendo a tesoura atrás de si.

A garota virou para mim.

– Na próxima você não vai ter tanta sorte – provocou. – Aberração.

E então eu estava sozinha novamente. Amber me atormentava desde a primeira vez que eu havia surgido em sua frente. Normalmente era assim desde que havia acordado ali, para todas as pessoas, eu era uma estranha. Ninguém me conhecia, nem eu mesma.

– Você está bem? – disse uma voz acima de mim.

Lá estava um garoto de cabelos castanhos arruivados, aparentemente da mesma idade que eu. Ele tinha bochechas rosadas e exibia um largo sorriso. Estendia uma mão para mim. Usava tênis converse surrados, jeans claros e largos, camisa vermelha e uma jaqueta jeans.

– Quem é você? – eu finalmente disse hesitante.

– Elas machucaram você? – desviou.

Eu segurei em sua mão.

– Não. – respondi em um murmuro. – Quem é você?

Ele me puxou para cima.

– Tem certeza de que está bem? – ele perguntou.

Hesitei, recuando.

– Não posso andar com estranhos.

Ele me analisou e então corou até a raiz dos cabelos.

– Desculpe, acho que fui rude... – disse apressadamente. – Eu sou Hansel Phelps, e você, como se chama?

Uma vez a Srta. Sophia me ensinou que quando um estranho falasse comigo na rua, eu deveria sair correndo gritando. Achava desnecessário, mas não era como se as pessoas fossem se transformar em monstros.

O garoto chamado Hansel me ajudou a ficar de pé.

Eu virei o rosto.

– Eu não... Tenho um nome.

Hansel ficou pensativo.

– Mas... Ninguém te deu um? Como as pessoas chamam você?

Olhei para o chão.

– Megan, só Megan. - respondi

– Bom... "Só Megan". - ele brincou. - Você não tem muitos amigos não é?

Hesitei.

– Bem...

Hansel riu e aquilo me deixou parcialmente irritada.

– Qual é a graça? – indaguei.

Ele parou.

– Desculpe, senhora. – ele brincou.

Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, Hansel caminhou até o balanço enferrujado. Notei seu estranho andar, ele andava mancando, como se doesse.

Eu o segui hesitante, me sentei no balanço ao lado.

– Podemos ser amigos, o que acha? – ele disse de repente.

– Eu não sei quem é você – voltei a dizer. – Mas você é estranho.

Ele piscou.

– Por quê?

Eu tomei um leve impulso no chão, balançando as pernas para o alto enquanto levada pelo balanço.

– É complicado – olhei o céu nublado. – As pessoas quando me conhecessem não querem ficar perto, grande parte... Tem medo.

– Medo? – repetiu. – Não tenho medo de você. Por que eu teria?

Engoli seco.

– Não sei também – respondi. – Ninguém me diz nada, apenas me odeiam naturalmente.

Hansel não respondeu e eu me senti culpada de dizer aquelas coisas estranhas. No entanto, o garoto apenas balançou-se em sincronia comigo para finalmente perguntar:

– Qual é a sua cor favorita?

Eu ri naturalmente.

– Pra que quer saber disso?

– Você disse que não me conhece – lembrou Hansel. – Depois eu deixarei você fazer uma pergunta.

Parei para pensar, nunca tinha certeza da minha cor favorita.

– Azul, como o céu refletido no mar. – respondi, apesar de nunca ter visto o mar de verdade, exceto em fotos - e a sua?

– Eu gosto de verde. – respondeu ele.

Chegava a ser estranho, mas a sensação era como se Hansel estivesse ali a muito tempo. Apesar de fazer muitas perguntas, Hansel Phelps era legal. No final ele acabou adivinhando sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e a minha dislexia. Eu já havia perdido a noção do tempo naquele jogo de perguntas e respostas.

Algum tempo depois, Hansel e eu combinamos de nos encontrarmos na manhã seguinte naquele mesmo lugar.

Quando atravessei o arco que dava ao orfanato Dixon, foi como se entrasse em outro mundo. Eu caminhei apressadamente pelos corredores, quase correndo dos olhares que recebia. Atravessei a porta do dormitório feminino.

Apenas havia uma pessoa ali, sentada na parte de baixo de um beliche.

Uma garota dois anos mais velha que eu. Tinha cabelos ruivos e olhos azuis gelo. Era muito bonita apesar da má fama que tinha naquele lugar – consequência de seu vínculo comigo.

Eu me joguei na cama.

– Oi. – eu disse.

Ela se ergueu com os braços cruzados.

– Oi? Onde você pensa que estava? Sabia que eu fiquei preocupada? Eu já estava quase indo chamar a Srta. Sophia ou até Madame Prince. – ela disse depressa.

Estremeci.

– Certo, desculpe – eu me sentei. – Não diga esse nome, dá azar.

Ela revirou os olhos.

Eu suspirei.

– Silena, relaxe. Eu estava aqui em frente.

– Todos estão dentro do orfanato – ela insistiu. – Você sempre fica mais tempo fora, sozinha. Ninguém nota quando você não entra?

– Ninguém liga – dei de ombros. – E você, ninguém nota quando fica trancada aqui dentro?

– Ah, deixe pra lá – ela me puxou pelo pulso. – Temos que ir, se não vamos nos atrasar para o almoço, lembra?

Eu puxei meu braço.

– Não quero ir – falei.

– Mas você vai – Silena insistiu. – Não quer se meter em encrenca de novo, quer? Madame Prince já não gosta de você.

– Que novidade – murmurei.

Sobre se meter em encrencas, eu não era muito disso. Normalmente eu me encontrava no lugar errado e na hora errada. Exceto no dia em que comecei uma guerra de comida no refeitório ou destruí um quadro de mais de duzentos anos – acidentalmente. Enfim, no final a culpa era minha de qualquer jeito, sendo verdade ou não.

Mas eu sabia que Silena não gostava que eu recebesse nenhum tipo de castigo por aquelas coisas – ficar trancada o dia inteiro em um armário de vassouras apenas com aranhas como companhias não era muito agradável.

Eu também nunca comentei nada com Silena, mas todo verão ela desaparecia. De junho a agosto, ou dezembro até fevereiro. Ela dizia visitar uma tia que tinha problemas em pegar a sua guarda. Silena tinha quatorze anos e era realmente bonita e enigmática. Encanta a quase todos que a conhecem. Não era fácil não gostar de Silena Beauregard.

No final, ela me arrastou até o refeitório e então eu a ouvi lamentar.

Madame Prince estava olhando bem em nossa direção, com aqueles pequenos olhos cruéis me encarando diretamente de forma quase que faminta.

– Isso é ruim – Silena repetia. – Isso é muito ruim.

– Ela só está olhando – eu tentei acalmá-la.

– Parece que ela quer arrancar sua cabeça – insistiu. – Oh, meus deuses, parece mesmo que ela quer arrancar sua cabeça.

Não entendia o tamanho medo que Silena tinha para com a Madame Prince, mas até eu estava começando a ficar incomodada com a atenção especial que recebia.

– Olhe, estou mesmo sem fome – eu disse para a ruiva. – Eu vou voltar para o dormitório, estou com sono.

Silena me encarou com aqueles olhos azuis que parecia olhar dentro de mim.

– Ok, você tem certeza de que está bem?

– Sim, só cansada. - falei dando um sorriso confiante para ela. Eu odiava mentir para Silena.

– Então... Eu te vejo mais tarde. - disse ela, parecendo um pouco magoada.

Apenas acenei com a cabeça a me virei. Madame Prince não estava mais lá, engoli seco e sai do refeitório me encontrando nos sombrios corredores vazios da Dixon, com a estranha impressão de que estava sendo seguida. A luz era o que mais faltava naquele lugar.

Fugindo? – disse uma voz e eu estremeci.

Não parei para olhar para trás e virei logo no banheiro feminino. Estava escuro como imaginava. Abri a torneira e deixei a água acumular em minhas mãos.

Enterrei o rosto na água fria.

Eu me apoiei no mármore e encarei meu reflexo - cabelos negros que batiam na metade das costas, os olhos verdes sem brilho, as mãos finas e tremulas. Sim, como sempre, eu estava fugindo.

– Você não é invisível... - cantarolou aquela voz.

Eu me virei preparada para o pior, mas era apenas Rachel que estava na entrada do banheiro. Uma garota de cabelos ruivos e olhos esverdeados. Também adorava me provocar no dia a dia.

Segurei firmemente no mármore.

– Rachel, por favor, hoje não. – eu pedi, a encarando nos olhos.

– Eu só quero me despedir – disse ela.

– Despedir? - questionei.

– Ah, sim... Eu fui adotada – ela ergueu a sobrancelha como se tivesse acabado de receber um oscar.

– Parabéns – eu disse normalmente.

Rachel ficou vermelha.

– Bem, eu te desejo sorte, mas é raro alguém adotar uma garota que passou dos seis anos. – ela se aproximou. – Ainda mais uma garota problemática.

Estranhos barulhos ecoavam na minha mente, como água correndo.

Canos.

– Eu não ligo – menti.

– Não liga de ser uma aberração – ela colocou a mão no queixo. – Faz sentido, como você se aguenta?

A fileira de torneiras pinga em sincronia.

– Cale a boca – eu falei com a cabeça inclinada para a pia. – Cale a boca.

Foi como se todo o encanamento estivesse vibrando a medita que meu sangue fervia.

– Estou ficando irritada – eu disse. – Fique longe de mim.

– Se não, o que? – perguntou ela.

No instante seguinte eu ouvi seu grito e eu me virei para ver o que havia acontecido – os sanitários e chuveiros haviam ganhado vida, girando loucamente como se a água lutasse para sair.

O barulho de tampas batendo contra azulejos ecoou na escuridão do lugar. Como jatos de água apontando para todas as direções. Um deles atingiu Rachel que gritava em desespero. A água da pia em que eu estava mais próxima saltou por cima de mim em um jato e eu me preparei para receber um banho que não tomei. A água pairava em cima de mim.

Rachel caiu esperneando inquieta. Eu comecei a gargalhar ignorando o quão estranho era aquilo tudo. Finalmente os chuveiros se quietaram e a água que pairava acima da cabeça de Rachel, caiu em cima dela. Um círculo de água estava ao redor dos meus pés.

Eu estava seca.

– Oh, meus deuses – Silena surgiu na entrada da porta. – O que... Mas... Megan?

Ela me encarou.

– Eu não fiz nada. – ergui as mãos. – Quer dizer... Eu acho.

– O que está acontecendo aqui? – Madame Prince surgiu atrás de Silena que saltou para o meu lado. – Rachel? O que houve?

Rachel cuspia água.

– Madame Prince, foi essa... Essa... – Rachel apontou para mim. – Eu não sei como... Essa... Bruxa! Essa bruxa me atacou.

– Megan - Madame Prince chamou. – O que você fez?

– Eu não fiz nada – eu insisti em minha defesa. – É que... A água... Ela... Pulou.

Uma veia saltou na testa de Prince.

– Pulou?

Eu hesitei.

– Não é mentira! – eu insisti. – Eu juro.

– Sua bruxa! – Rachel recuou. – Ela fez isso, Madame Prince. Veja, ela está seca!

Silena deu um passo à frente.

– Não pode culpar a Megan – interrompeu. – Não tem como ela...

– Calada, senhorita Beauregard. – Madame Prince ralhou e então se voltou a mim. – Você! Esse seu comportamento foi inaceitável.

– Eu já disse que não fui eu... – eu murmurei

– Sem mais mentiras! – Madame Prince me cortou. – Venha comigo agora, meu bem. Crianças levadas...

Eu hesitei.

– Merecem ser castigadas. – completei.

E a última coisa que eu vi foram os olhos de Silena me encarando cheios de preocupação.


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Notas finais do capítulo

Antigamente, eu me lembro que três horas para duas mil palavras era muito rápido. Eu escrevia e escrevia e não via o tempo passando.
A parte da Amber que eu achei muito idiota e eu ainda tenho mania de espalhar vírgulas pra todo canto '-'
Hansel foi o primeiro personagem criado, ele foi de uma fic para outra. Antes ele era um sátiro em uma saga minha chamada Karter Blake e essa acabou virando Megan. Uma característica dele é seu grito exageradamente afinado u.u - ele grita como uma garotinha.

É apenas isso, até o próximo capítulo, deixe seu comentário se tiver paciência de vez em quando u.u
Beijos Azuis